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Melanose neurocutânea. Relato de caso com melanoma maligno do sistema nervoso central

Neurocutaneous melanosis. Case report of a malignant melanoma of the central nervous system

Resumos

A melanose neurocutânea é uma síndrome rara caracterizada por nevos melanocíticos congênitos gigantes e excessiva melanose da leptomeninge. A síndrome parece representar um erro na morfogênese do neuroectoderma embrionário. Os autores apresentam o caso e necropsia de um paciente masculino de 19 anos que desenvolveu melanoma maligno do sistema nervoso central.

Melanose neurocutânea; Melanoma; Nevos congênitos


The neurocutaneous melanosis is a rare syndrome in which the congenital melanocytic nevi and excessive melanosis are the main features. The syndrome seems to be a morphogenesis error of the embryonic neuroectoderm. A clinical case with necroscopy in a 19 year-old man who had developed malign melanoma in his central nervous system is reported.

Neurocutaneous melanosis; Melanoma; Congenital naevus


Relato de Caso

Melanose neurocutânea. Relato de caso com melanoma maligno do sistema nervoso central

J.M. Juang, A.C.L.G. Silva, M.C. Pires, N.Y.S. Valente, J.A.S. Sittart

Serviço de Dermatologia do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo, São Paulo, SP.

RESUMO. A melanose neurocutânea é uma síndrome rara caracterizada por nevos melanocíticos congênitos gigantes e excessiva melanose da leptomeninge. A síndrome parece representar um erro na morfogênese do neuroectoderma embrionário. Os autores apresentam o caso e necropsia de um paciente masculino de 19 anos que desenvolveu melanoma maligno do sistema nervoso central.

UNITERMOS: Melanose neurocutânea. Melanoma. Nevos congênitos.

INTRODUÇÃO

A melanose neurocutânea (MNC) é uma síndrome congênita rara caracterizada pelo desenvolvimento de nevos melanocíticos congênitos e neoplasias melanocíticas benignas ou malignas do sistema nervoso central. Foi descrita, em 1861, por Rokitansky, e o termo usado pela primeira vez, em 1948, por Bogaert. Até então, foram relatados 97 casos, a grande maioria em revistas médicas de Neurocirurgia.

RELATO DO CASO

Paciente de 19 anos, masculino, negro, natural e procedente de São Paulo. Ao nascimento apresentava nevo melanocítico piloso gigante em "calção de banho" e múltiplos nevos spilus nos membros superiores, inferiores e tronco (figs. 1, 2 e 3). A dois meses da internação, teve início intensa cefaléia e crises convulsivas. Deu entrada no Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo em estado geral comprometido e emagrecido; as crises convulsivas tornaram-se tônico-clônicas generalizadas e refratárias ao tratamento. Evoluiu com deterioração do nível da consciência, coma e óbito por sepsis.




Diagnósticos dermatológicos

Nevo melanocítico gigante piloso com morfotopografia tipo "calção de banho" e nevos spilus múltiplos.

Exames complementares

Exame do líquor: leucócitos: 6/mm3; linfócitos: 45/mm3; monócitos: 13/mm3 e eosinófilos: 1/mm3. Hemácias: 0. Proteínas: 510mg/100mL. Glicose: 99mg/100mL. Cloretos: 7mg/100mL. Uréia: 18mg/100mL. Reação de Pandy: ++. Presença de células com atipia e pigmentação citoplasmática acastanhada sugestiva de melanina. Cultura negativa. Ressonância magnética: contrastação leptomeníngea e ependimária difusa e grave, massa frontal parassagital esquerda. Anti-HIV: negativo.

Necropsia

Grande nevo congênito estendendo-se por todo o abdome, dorso e raízes dos membros inferiores até metade da coxa.

Múltiplos nevos melanocíticos intradérmicos, sem atipia na cabeça, tórax e membros (fig. 4).


Melanose leptomeníngea.

Melanoma maligno na região frontal parassagital esquerda (fig. 5). Broncopneumonia.


DISCUSSÃO

A MNC ocorre mais freqüentemente em brancos, mas também já foi descrita em negros, podendo-se apresentar em natimortos, neonatos e, ocasionalmente, na segunda década de vida, como no caso descrito. A relação mulheres/homens é de 1:2 e a história familiar para nevos melanocíticos múltiplos já foi relatada2,4.

Nos dados clínicos, em 66% dos casos são encontradas lesões pigmentadas gigantes, a maioria com distribuição em "calção de banho" ou lombossacral. Em pacientes com lesões na cabeça ou pescoço, 94% desenvolvem MNC, dos quais 62% apresentam melanoma de leptomeninge com localização mais freqüente nos lobos frontal e temporal.

As manifestações neurológicas ocorrem, principalmente, nos dois primeiros anos de vida, com sinais e sintomas de hipertensão intracraniana.

Na histopatologia, 2/3 das lesões são nevos melanocíticos intradérmicos e 1/3 nevos compostos2,3. As células névicas estendem-se à derme reticular e, ocasionalmente, até a hipoderme.

Em 1972, Fox propôs critérios diagnósticos para a MNC que foram revisados recentemente1-3.

Critérios diagnósticos da MNC

1) Nevos congênitos múltiplos ou grandes em associação com melanose ou melanoma das meninges. Os nevos devem ter mais que 20cm de diâmetro em adultos. Em neonatos e crianças: 9cm na cabeça ou 6cm no corpo. Múltiplos se referindo a três ou mais lesões.

2) Sem evidência de melanoma cutâneo, exceto em pacientes cujas lesões meníngeas examinadas sejam histologicamente benignas.

3) Sem evidência de melanoma meníngeo, exceto em pacientes cujas lesões cutâneas examinadas sejam histologicamente benignas.

Os casos com confirmação histológica de lesões do SNC são considerados definitivos, enquanto os outros são ditos provisórios.

Encontra-se, também, associado à MNC: divertículo de Meckel5, anormalidades do trato urinário, como cistos renais e neoplasias; lipoma intra-espinhal6, meningioma e cisto aracnóide melanótico intra-espinhal7 e hipoplasia do vermis inferior8. A infecção das meninges, assim como do trato respiratório, são comuns e fatais.

Em relação ao tratamento e prognóstico, 70% dos doentes morrem antes dos dez anos de vida1,2 por malignização ou hidrocefalia9-11. Infelizmente, a terapia antineoplásica não melhora os sintomas e não altera o curso rápido da MNC. As medidas cirúrgicas paliativas, tais como o shunt para a diminuição da pressão intracraniana, promovem melhora transitória. Em relação a cirurgia profilática dos nevos, muitos autores a advogam, já que o risco de desenvolvimento de melanoma se situa na faixa de 5% a 15%, porém, no caso da MNC sintomática, raramente é uma indicação.

CONCLUSÃO

Apresentamos o caso por sua raridade. O acompanhamento desses pacientes deve ser feito com freqüência para se ter diagnóstico precoce e melhora da qualidade de vida, já que a evolução da doença é fatal.

SUMMARY

Neurocutaneous melanosis. Case report of a malignant melanoma of the central nervous system

The neurocutaneous melanosis is a rare syndrome in which the congenital melanocytic nevi and excessive melanosis are the main features. The syndrome seems to be a morphogenesis error of the embryonic neuroectoderm. A clinical case with necroscopy in a 19 year-old man who had developed malign melanoma in his central nervous system is reported. [Rev Ass Med Brasil 1998; 44(1): 50-2 .]

KEY WORDS: Neurocutaneous melanosis. Melanoma. Congenital naevus.

  • 1. Sandsmark M, Eskeland G, Skullerud K et al Neurocutaneous melanosis. Case report and a brief review. Scand J Plast Reconstr Hand Surg 1993; 28: 150-4.
  • 2. Fox H, Emery JL, Goodbody RA, Yates P.O. Neurocutaneous melanosis. Arch Dis Child 1964; 39: 508-16.
  • 3. Kadonaga JN, Frienden IJ. Neurocutaneous melanosis. Definition and review of the literature. J Am Acad Dermatol 1991; 24: 747-55.
  • 4. Willshaw L, Pérez MF, Lcassie YS. Melanosis neurocutanea familiar. Rev Chil Ped 1990; 53(5): 443-6.
  • 5. MacLachlan WWG. Extensive pigmentation of the brain associated with nevi pigmentosi of the skin. J Med Res 1913; 29: 433-7.
  • 6. Heuzen EP, Kaiser MC, Sleglete RGM. Neurocutaneous melanosis associated with intraspinal lipoma. Neuroradiology 1989; 31: 349-51.
  • 7. Kasantikul V, Shuangshoti S, Pattanaruenglai A et al Intraspinal melanotic arachnoid cyst and lipoma in neurocutaneous melanosis. Surg Neurol 1989; 31: 138-41.
  • 8. Ko SF, Wang H S, Lui TN et al Neurocutaneous melanosis associated with inferior vermian hypoplasia: MR findings. J Comput Assist Tomogr 193; 17(5): 691-5.
  • 9. Coutinho LMB, Coutinho MF, Teixeira LC et al Melanose neurocutânea. Estudo autópsico de um caso. Arq Neuro Psiq 1985; 43(1): 73-80.
  • 10. Zarragoitia OL, Cruz AL, Iglesias DG. Melanosis neurocutanea. Presentacion clinica de un paciente. Rev Cubana Ped 1989; 61(1): 81-5.
  • 11. Lamas E, Lobato RD, Sotelo T et al. Neurocutaneous melanosis. Report of a case and review of the literature. Acta Neurochir 1977; 36: 93-105.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jul 2000
  • Data do Fascículo
    Mar 1998
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