Acessibilidade / Reportar erro

Polialveolose: patogênese do enfisema lobar congênito?

Polyalveolosis: pathogenesis of congenital lobar emphysema?

Resumos

INTRODUÇÃO: O enfisema lobar congênito é doença rara, cuja patogênese permanece desconhecida. O interesse acadêmico reside na falta de uniformidade dos achados anatomopatológicos. Em cerca de 50%, não se consegue definir a lesão anatomopatológica. A teoria mais recente relaciona esta doença com um número aumentado de alvéolos dentro de cada ácino pulmonar. OBJETIVO: O objetivo deste trabalho é efetuar uma revisão do estudo anatomopatológico original de 12 crianças com diagnóstico de enfisema lobar congênito, procurando, mediante método quantitativo, pesquisar a presença do aumento do número de alvéolos no ácino pulmonar. MÉTODO: Os autores realizaram um estudo caso-controle pareado pela idade. O número de alvéolos em cada ácino pulmonar foi pesquisado pela técnica da contagem radial de alvéolos. Para comparar as medidas obtidas nos casos e seus respectivos controles, utilizaram a prova U de Mann-Whitney. Regressão linear avaliou a influência da idade sobre as medidas. RESULTADOS: Encontraram um número elevado de alvéolos nos portadores de enfisema lobar congênito operados com idade inferior a 3 anos, um número semelhante entre as idades de 3 e 7 anos e um número diminuído a partir dessa idade. Na criança normal, ocorre um aumento no número de alvéolos com o aumento da idade. No enfisema lobar congênito, esse número se mantém praticamente constante, independente da idade. CONCLUSÃO: Os achados permitiram concluir que: o lobo polialveolar pode ser diagnosticado por um método simples e prático como a contagem radial de alvéolos, colaborando para diminuir a freqüência de casos de etiologia desconhecida, um número de alvéolos maior que o esperado para idade encontra-se associado ao enfisema lobar congênito no paciente (operado) antes dos 3 anos de idade e que, ao contrário do que ocorre no pulmão normal, no lobo acometido por enfisema lobar congênito não ocorre aumento no número de alvéolos com o aumento na idade.

Enfisema; Alvéolos


BACKGROUND: Congenital lobar emphysema is an unusual condition and its pathogenesis remains unknown. The variety of findings in pathology studies of the ressected specimens led to increasing academic interest. About 50 per cent of the cases have no definitive diagnosis in pathology. The most recent theory proposes an increased number of alveoli within each acinus (polyalveolar lobe). PURPOSE: The aim of this paper is to report the morphometric measures of surgical specimens of 12 patients with congenital lobar emphysema, using the Emery and Mithal technique (radial alveolar count). METHODS: We made a case-control study, classifying the cases by age. Mann-Whitney´s U test and linear regression techniques were used in data analysis: Mann-Whitney´s U in comparing the cases and respective controls and linear regression to evaluate the influence of age in the measures found. RESULTS: The results revealed a significantly higher radial alveolar count than expected for the age group under 3 years; no difference was observed in the age group between 3 and 7 years and in children older than 7, the radial alveolar count was lower than expected. The normal development of the lung consists in an increasing number of alveoli increase from birth until adulthood, but this number remains constant, independent of age in congenital lobar emphysema. CONCLUSIONS: Such findings allow us to conclude that polyalveolar lobe can and must be diagnosed by a simple and practical method, such as the radial alveolar count, which decreases the incidence of the unknown etiology. The findings of an increased number of alveoli on patients younger than 3 is related to congenital lobar emphysema, since the number of alveoli does not increase in congenital lobar emphysema, just the opposite to what one would expect in the normal development of the lung.

Emphysema; Alveoli


Artigo Original

Polialveolose: patogênese do enfisema lobar congênito?

R. Giudici, L.E.V. Leão, L.A.R. Moura, S.B. Wey, R.G. Ferreira, P.L.R. Crotti

Departamentos de Cirurgia, Medicina e Anatomia Patológica da Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP.

RESUMO — INTRODUÇÃO: O enfisema lobar congênito é doença rara, cuja patogênese permanece desconhecida. O interesse acadêmico reside na falta de uniformidade dos achados anatomopatológicos. Em cerca de 50%, não se consegue definir a lesão anatomopatológica. A teoria mais recente relaciona esta doença com um número aumentado de alvéolos dentro de cada ácino pulmonar.

OBJETIVO: O objetivo deste trabalho é efetuar uma revisão do estudo anatomopatológico original de 12 crianças com diagnóstico de enfisema lobar congênito, procurando, mediante método quantitativo, pesquisar a presença do aumento do número de alvéolos no ácino pulmonar.

MÉTODO: Os autores realizaram um estudo caso-controle pareado pela idade. O número de alvéolos em cada ácino pulmonar foi pesquisado pela técnica da contagem radial de alvéolos. Para comparar as medidas obtidas nos casos e seus respectivos controles, utilizaram a prova U de Mann-Whitney. Regressão linear avaliou a influência da idade sobre as medidas.

RESULTADOS: Encontraram um número elevado de alvéolos nos portadores de enfisema lobar congênito operados com idade inferior a 3 anos, um número semelhante entre as idades de 3 e 7 anos e um número diminuído a partir dessa idade. Na criança normal, ocorre um aumento no número de alvéolos com o aumento da idade. No enfisema lobar congênito, esse número se mantém praticamente constante, independente da idade.

CONCLUSÃO: Os achados permitiram concluir que: o lobo polialveolar pode ser diagnosticado por um método simples e prático como a contagem radial de alvéolos, colaborando para diminuir a freqüência de casos de etiologia desconhecida, um número de alvéolos maior que o esperado para idade encontra-se associado ao enfisema lobar congênito no paciente (operado) antes dos 3 anos de idade e que, ao contrário do que ocorre no pulmão normal, no lobo acometido por enfisema lobar congênito não ocorre aumento no número de alvéolos com o aumento na idade.

UNITERMOS: Enfisema ¾ congênito. Alvéolos ¾ patologia.

INTRODUÇÃO

O termo "doença cística congênita do pulmão" foi amplamente utilizado na primeira metade deste século para designar uma variedade de lesões radiotransparentes, geralmente sem confirmação anatomopatológica. Dentro deste grupo situa-se o enfisema lobar congênito, doença rara, com aspectos morfológicos e patogênese não claramente definidos, que tem sido reconhecida e estudada apenas durante os últimos 50 anos.

O diagnóstico dessa malformação é de interesse para pediatras e cirurgiões, pois trata-se de uma urgência cirúrgica, especialmente no neonato e no lactente. O tratamento operatório, lobectomia pulmonar, apresenta baixa mortalidade. Ao contrário, quando utilizado o tratamento clínico, a mortalidade é elevada1. Além disso, destaca-se que a importância dessa doença reside no fato de se tratar de uma das poucas causas cirurgicamente curáveis de insuficiência respiratória, particularmente em neonatos e lactentes.

O aspecto operatório do enfisema lobar é bastante característico, contrastando com a falta de uniformidade nos achados histopatológicos. Em cerca de 50% dos casos, não se consegue definir a lesão anatomopatológica2-6. A patogênese dessa doença ainda não está claramente definida e, na maioria das vezes, é considerada idiopática.

A teoria baseada no inadequado suporte cartilaginoso do brônquio foi sugerida inicialmente, mas Hislop e Reid7 propõem uma segunda teoria para explicar o enfisema lobar congênito: um crescimento exagerado de cada ácino pulmonar. Esses autores conseguiram evidenciar, por meio de métodos quantitativos, um aumento no número de alvéolos de até cinco vezes o normal.

Considerando que a teoria do aumento de massa alveolar parece mais adequada para explicar a patogênese do enfisema lobar congênito e que esse aspecto tem sido muito pouco pesquisado nas séries estudadas, propõe-se, neste trabalho, a estudá-la sistematicamente, neste particular. Objetiva-se estudar a unidade respiratória terminal nas peças operatórias de 12 crianças portadoras de enfisema lobar congênito, submetidas a tratamento cirúrgico. Mediante contagem radial de alvéolos, buscou-se quantificar o número de alvéolos no ácino pulmonar e relacionar o número de alvéolos por ácino com a idade da criança, comparando crianças normais com portadoras de enfisema lobar congênito.

CASUÍSTICA E MÉTODO

Constituíram o objeto deste trabalho os blocos das peças operatórias provenientes de um grupo de 12 pacientes consecutivos e não selecionados, portadores de enfisema lobar congênito e que foram tratados pela Disciplina de Cirurgia do Tórax da Escola Paulista de Medicina (UNIFESP) no período compreendido entre 1984 e 1993.

A idade desses pacientes variou entre 4 dias e 13 anos, sendo quatro neonatos, quatro lactentes e quatro crianças.

Os dados clínicos, de exames subsidiários e o achado operatório confirmaram o diagnóstico de enfisema lobar congênito8.

Desenho do estudo

Para atingir o objetivo proposto, optou-se por um estudo caso-controle pareado9. Foi definido como caso o paciente que apresentava quadro clínico, radiográfico e intra-operatório compatíveis com enfisema lobar congênito, e que, além disso, apresentava um estudo anatomopatológico inicial confirmando o diagnóstico clínico e cirúrgico. A partir dessa seleção, foi possível identificar os blocos das peças operatórias e confeccionar novas lâminas. O controle foi definido como o paciente falecido por diversas causas, submetido à necropsia, cujo laudo excluía conclusivamente a presença de qualquer doença pulmonar ou malformação. O critério de pareamento foi a idade. A faixa etária para o pareamento também foi determinada a partir das faixas etárias utilizadas no trabalho de Emery & Mithal10. Assim, a amostra estudada compreende os blocos das peças operatórias de 12 pacientes portadores de enfisema lobar congênito pareados a 12 controles — pacientes que não apresentavam doença pulmonar ou malformação.

Contagem radial de alvéolos

Os casos e os controles foram comparados quanto ao número de alvéolos por ácino, segundo a técnica descrita por Emery & Mithal10. Nessa técnica, o bronquíolo terminal é identificado como aquele que tem seu lúmen apenas parcialmente revestido por epitélio respiratório. A partir do centro dessa estrutura, traça-se uma linha perpendicular em direção ao tecido conjuntivo mais próximo (septo interacinar ou pleura visceral) e procede-se a contagem do número de alvéolos que são cruzados por essa linha (fig. 1).


O material foi examinado por um patologista que desconhecia a idade do paciente ou se este integrava o grupo de casos ou de controles.

Método estatístico

Para comparar o número de alvéolos de cada par caso-controle, foi utilizada a prova U de Mann-Whitney11.

Para avaliar a influência da idade sobre as medidas, tanto nos casos como nos controles, foram realizadas regressões lineares entre as medidas e as respectivas idades.

Em todos os testes estatísticos realizados, adotou-se o valor de significância a menor ou igual a 0,05, que corresponde a um nível de confiança de 95%. Os valores estatisticamente significantes encontram-se marcados com um asterisco.

RESULTADOS

O número médio de medidas por caso foi 7,58. Das 91 medidas conseguidas, para os casos, em mais da metade das vezes (49/91) a medida obtida foi 7 ou 8.

O número médio de medidas por controle foi 9. Das 109 medidas conseguidas, em mais da metade das vezes (59/109) a medida obtida foi 5 ou 6.

Na tabela 1, procuramos agrupar o resultado da média de cada par (caso-controle) com a correspondente média "histórica". Chamamos de média "histórica" os dados obtidos por Emery & Mithal10.

Para comparar a diferença entre o número de alvéolos do caso e o número de alvéolos do controle, dentro de cada grupo etário, foi utilizado o teste de Mann-Whitney. A tabela 2 mostra os resultados da prova U de Mann-Whitney para cada par, com as respectivas medianas, o valor da estatística U e do teste de significância unicaudal.

Para avaliar a influência da idade sobre as medidas, foram realizadas regressões lineares entre as medidas e as respectivas idades, na forma:

y = a + bx

Para os casos, obteve-se: a = 7,59 (+/- 2,84); b = -0,0001556 (+/- 0,0001976); r2 = 0,0268 e n = 91, onde os valores entre parênteses indicam o intervalo de 95% de confiança dos coeficientes estimados. A fig. 2 ilustra a regressão obtida para os casos.


Para os controles, obteve-se: a = 5,0777 (+/-2,07); b = 0,0009897 (+/- 0,000145); r2 = 0,632 e n = 109. A fig. 3 ilustra a regressão obtida com os controles.


Na fig. 4, ambas as retas obtidas são comparadas com os valores médios de cada medida e entre si. A reta obtida com os casos é praticamente horizontal, enquanto a conseguida com os controles apresenta tendência crescente com a idade.


DISCUSSÃO

O presente estudo é uma tentativa de esclarecer a patogênese do enfisema lobar congênito. Tal proposição consiste na aplicação de método morfométrico em peças operatórias de pacientes portadores de enfisema lobar congênito. Em revisão do estudo anatomopatológico original, buscamos pesquisar se no enfisema lobar congênito existe um aumento do número de alvéolos.

Vários autores referem que a causa idiopática é a mais freqüente2-6. A teoria da broncomalácia segmentar é um diagnóstico mais baseado na impressão do cirurgião do que nos achados do exame histológico, já que a deficiência de cartilagem não pode ser comprovada por um estudo histológico detalhado12,13. Em algumas situações, o diagnóstico de deficiência de cartilagem era baseado na comparação da lâmina com um controle da mesma idade3,5,14,15, que poderia dar a falsa impressão de hipoplasia da cartilagem na presença de um número maior de alvéolos2,7, Além disso, não se conseguiu comprovar a presença de um mecanismo valvular4 e o lobo encontra-se aumentado de tamanho, não só em volume mas também em peso16, indicando que contém mais ar, mas também tem mais massa de tecido. O diagnóstico do lobo polialveolar independe da técnica de fixação; medidas quantitativas são suficientes para demonstrar um aumento no número de alvéolos no ácino6,16, mas a pesquisa do número de alvéolos (ou do lobo polialveolar) não é feita sistematicamente.

No presente trabalho, optamos por realizar estudo do tipo caso-controle, por ser o mais adequado à pesquisa do efeito de fatores causais em doenças raras9. É interessante notar que encontramos poucos estudos caso-controle para uma doença com etiopatogenia ainda discutível12,13,16.

O objetivo proposto pelo presente estudo é avaliar sistematicamente a quantidade de alvéolos no enfisema lobar congênito e pesquisar se número maior de alvéolos está associado a essa doença. Lembramos que pela teoria do lobo polialveolar, no enfisema lobar congênito o defeito consiste em número aumentado de alvéolos dentro de cada ácino pulmonar, e não o aumento do número de ácinos ou do tamanho do alvéolo7. Esse estudo compara a freqüência de um número maior de alvéolos ("polialveolose") em um grupo de casos (enfisema lobar congênito) com um grupo de controles (pacientes sem doença pulmonar ou malformação).

Como estamos comparando número de alvéolos, o critério fundamental seria a idade, pois está bem estabelecido que existe um aumento no número de alvéolos desde o nascimento até o final da infância, e que este crescimento é mais acentuado no primeiro ano de vida7,10,17,18. Por outro lado, temos a dificuldade real de encontrar, em serviços de necropsia, crianças falecidas sem doença pulmonar ou cardiopatia, que são as causas freqüentes de óbito em crianças e critérios de exclusão para os controles. Tal fato dificultou a utilização de 2 ou 3 controles para cada caso, como seria desejável9.

Para diagnóstico objetivo do aumento da massa alveolar, nós dispúnhamos, como métodos possíveis, aqueles propostos e utilizados por Weibel e Gomez19, Dunnill20 e Emery e Mithal10. Os dois primeiros não podem ser aplicados em estudo retrospectivo, uma vez que se necessita determinar o volume a fresco e após fixação, e deve obedecer a um ritual específico para preparo das peças. O método de Emery & Mithal10 pode ser aplicado retrospectivamente, independe do tipo de fixação, utilizando-se diretamente as lâminas coradas por hematoxilina-eosina (HxE).

Além disso, os trabalhos de Hislop e Reid7,21 e Henderson, Hislop e Reid22 não deixam dúvida que o aumento no número total de alvéolos é decorrente de um número maior de alvéolos por ácino pulmonar (cada ácino é um gigante), e não do aumento no número de ácinos ou de ramificações brônquicas. O método mais simples e prático para avaliar o número de alvéolos dentro de um ácino é o de Emery e Mithal10. Katzenstein e Askin6 referem que a contagem radial é mais prática de ser feita pelo patologista que a avaliação do número total de alvéolos pela técnica da contagem de pontos, proposta por Dunnill20.

Pelas razões acima expostas, consideramos que o método de Emery e Mithal10 é mais funcional, mais rápido, facilmente reprodutível, podendo ser executado em qualquer laboratório. Além disso, é absolutamente adequado ao estudo do número de alvéolos dentro de cada ácino pulmonar, substituindo com vantagem, no dia-a-dia do laboratório, o método descrito por Dunnill17,20 na pesquisa do lobo polialveolar. Assim, podemos considerar que o método descrito por Emery e Mithal10 é o padrão-ouro para estudo do número de alvéolos por ácino pulmonar.

Existem métodos para avaliar o tamanho do alvéolo (ou seja, se há ou não enfisema), mas não foi este o objetivo do presente estudo. O objetivo deste trabalho foi verificar se há ou não "polialveolose" (independente da presença de enfisema). Por isso não utilizamos métodos para avaliar o tamanho do alvéolo, como a proporção alvéolo/artéria ou alvéolo/mL17,20,23.

Optamos, no presente estudo, por não avaliar a cartilagem brônquica. Não foi encontrado método confiável disponível para ser aplicado nesse material. O único método possível para o estudo da cartilagem nessa situação seria comparar com lâminas de controle da mesma idade. Na presença de um lobo polialveolar, a cartilagem pode dar a falsa impressão de estar diminuída, uma vez que não ocorre um aumento, tanto na árvore brônquica como na divisão arterial, proporcional ao número de alvéolos. Esse fato explica a hipocaptação registrada pela cintilografia de perfusão e, de maneira semelhante, o "achado" de diminuição da cartilagem pelos autores que utilizaram esse método3,5,14,15.

Poucos trabalhos7,15,16,21,22,24-26 pesquisaram a presença de lobo polialveolar em situações de enfisema lobar.

Hislop e Reid10 encontraram polialveolose em apenas três casos estudados meticulosamente. Usaram a contagem radial para avaliar o número de alvéolos dentro do ácino e compararam com Emery e Mithal10. Fizeram uma contraprova, utilizando os mesmos métodos numa torção de brônquio, que mimetizava o quadro de enfisema lobar congênito21 e num enfisema compensatório22. Em ambos casos, a contagem foi normal, encontraram diferença no tamanho do alvéolo mas não no número. Munnell et al.16 pesquisaram lobo polialveolar num só caso, mas também encontraram. Na série retrospectiva de McBride et al.25, a casuística não era só de enfisema lobar congênito, mas, sim, de lobectomia por enfisema lobar. Nesta amostra encontramos as várias causas de hiperinsuflação lobar: enfisema intersticial, bronquiectasia congênita, torção de brônquio, granuloma na luz do brônquio, estenose na luz do brônquio.

Quando comparamos a média obtida com os nossos controles aos da tabela de Emery e Mithal10, notamos que são bastante semelhantes: a quantidade de alvéolos por ácino pulmonar na criança normal é a mesma em ambas amostras. Este fato poderia indicar que reproduzimos o método adequadamente e obtivemos resultados semelhantes, em amostras de locais diferentes, independente de sexo, cor, localização geográfica.

Quando comparamos a média do caso (enfisema lobar congênito) com a média do controle (criança normal) e com a média "histórica"10, a primeira (caso) parece maior nos pares 1, 2, 4, 5, 6, 8, 11 e 12. Como o número de alvéolos aumenta com a idade, durante a infância, notamos o empate entre os pares 3 e 10, com, respectivamente, 4 e 6 anos de idade, e uma inversão (controle maior que o caso) no par 7 com 13 anos de idade.

Dentro da faixa etária do 7o dia de vida aos 4 meses e meio, os pares 2, 6, 8, 5, 1 e 11 apresentam mediana do caso superior à do controle. O par 9 (23 dias) tratado conjuntamente com o par 8, cuja idade é muito próxima (27 dias) (um procedimento perfeitamente justificável pela proximidade das idades destes dois grupos), mostra a mediana do caso maior que a do controle, seguindo a tendência observada para os demais grupos de idade baixa.

Podemos notar, ainda, que a média do caso variou entre 6,2 e 9 e a mediana, entre 6 e 9, enquanto nos controles a média variou entre 4,2 e 9,7 e a mediana, entre 4,5 e 10. Em outras palavras, notamos que, embora pareados pela idade, a variação no caso fica numa faixa mais estreita que no controle, sugerindo que existe um padrão, independente da idade. Nos casos de enfisema lobar congênito, independente da idade, encontrávamos um valor entre 6 e 9, enquanto nos controles o valor achado variava entre 4,5 e 10.

Para avaliar a influência da idade sobre as medidas, tanto nos casos como nos controles, foram realizadas regressões lineares entre as medidas e as respectivas idades.

Observa-se que o coeficiente de relação para os casos (r2) é 0,0268. Isto mostra uma correlação muito pequena entre a idade e as medidas para os casos. Nota-se, também, que o coeficiente angular b apresenta um valor muito pequeno e negativo, indicando que as medidas tendem a diminuir muito pouco com o aumento da idade. Por outro lado, ao se considerar o intervalo de confiança (95%), observa-se que o parâmetro b não difere estatisticamente de zero. Dessa forma, com base nos dados obtidos, pode-se afirmar, a um nível de 95% de confiança, que a idade não influi no número de alvéolos nos casos.

Para os controles, a idade consegue explicar 63,2% (r2 = 0,632) da variação das medidas. O coeficiente angular b é positivo e significativo, isto é, seu intervalo de confiança não contém o zero. Isto quer dizer que tal coeficiente é estatisticamente diferente de zero a um nível de 95% de confiança. Portanto, para os controles pode-se afirmar, com base nos resultados, que com o aumento da idade ocorre um aumento no número de alvéolos.

Quando comparamos as retas obtidas com os valores médios de cada medida e entre si (fig. 4), notamos que a reta obtida com os casos é praticamente horizontal, ou seja, praticamente constante e independente da idade, enquanto a reta obtida com os controles apresenta uma tendência crescente com a idade. Para idade inferior a três anos, as médias dos controles são sistematicamente menores que as dos respectivos casos. Para idades acima de 7 anos, as medidas dos controles tendem a ser maiores que a dos casos.

Este achado reforça os encontrados pela prova U de Mann-Whitney:

— para grupos etários de pouca idade (em ordem crescente de idade os pares 2, 6, 8, 5, 11, 12, 4), as médias dos casos são maiores que as médias dos controles;

— para os grupos etários intermediários (pares 10 e 3, respectivamente com 4 e 6 anos de idade), há uma equivalência entre as médias dos casos e dos controles;

— para o par com idade mais avançada (par 7, com 13 anos), a média do controle foi superior à do respectivo caso.

Pode-se notar que o enfisema lobar congênito apresenta um padrão diferente do controle (criança normal): o lobo doente apresenta, ao nascimento, um número elevado de alvéolos, mas que não cresce durante a infância, mantendo o mesmo padrão ou número de alvéolos que ao nascimento.

Com o presente trabalho, procuramos, usando método simples e facilmente reprodutível, estudar a morfometria da unidade respiratória terminal. O método proposto pode perfeitamente ser aplicável retrospectivamente, desde que se disponha do bloco em parafina da peça operatória. Tal observação poderá facilitar a ampliação do presente estudo e possibilitar estudos cooperativos de diversas instituições, aumentando consideravelmente a casuística, em doença tão rara. Além disso, a observação de modificação do padrão normal de crescimento alveolar lança novas perspectivas no entendimento das diversas afecções congênitas e suas modificações com o crescimento da criança.

CONCLUSÕES

Este trabalho permite concluir que:

a) o lobo polialveolar pode ser diagnosticado por um método simples e prático como a contagem radial de alvéolos, colaborando para diminuir a freqüência de casos de etiologia desconhecida;

b) um número de alvéolos maior que o esperado para idade encontra-se associado ao enfisema lobar congênito no paciente (operado) antes dos três anos de idade;

c) ao contrário do que ocorre no pulmão normal, no lobo acometido por enfisema lobar congênito não ocorre aumento no número de alvéolos com o aumento na idade.

SUMMARY

Polyalveolosis: pathogenesis of congenital lobar emphysema?

BACKGROUND: Congenital lobar emphysema is an unusual condition and its pathogenesis remains unknown. The variety of findings in pathology studies of the ressected specimens led to increasing academic interest. About 50 per cent of the cases have no definitive diagnosis in pathology. The most recent theory proposes an increased number of alveoli within each acinus (polyalveolar lobe).

PURPOSE: The aim of this paper is to report the morphometric measures of surgical specimens of 12 patients with congenital lobar emphysema, using the Emery and Mithal technique (radial alveolar count).

METHODS: We made a case-control study, classifying the cases by age. Mann-Whitney´s U test and linear regression techniques were used in data analysis: Mann-Whitney´s U in comparing the cases and respective controls and linear regression to evaluate the influence of age in the measures found.

RESULTS: The results revealed a significantly higher radial alveolar count than expected for the age group under 3 years; no difference was observed in the age group between 3 and 7 years and in children older than 7, the radial alveolar count was lower than expected. The normal development of the lung consists in an increasing number of alveoli increase from birth until adulthood, but this number remains constant, independent of age in congenital lobar emphysema.

CONCLUSIONS: Such findings allow us to conclude that polyalveolar lobe can and must be diagnosed by a simple and practical method, such as the radial alveolar count, which decreases the incidence of the unknown etiology. The findings of an increased number of alveoli on patients younger than 3 is related to congenital lobar emphysema, since the number of alveoli does not increase in congenital lobar emphysema, just the opposite to what one would expect in the normal development of the lung. [Rev Ass Med Brasil 1998; 44(2): 99-105.]

KEY WORDS: Emphysema ¾ congenital. Alveoli ¾ pathology.

  • 1. Murray GF. Congenital lobar emphysema. Surg Gynecol Obstet 1967;124: 611-25.
  • 2. Leape LL, Longino LA. Infantile lobar emphysema. Pediatrics 1964; 34: 246-55.
  • 3. Hendren WH, Mckee DM. Lobar emphysema of infancy. J Pediatr Surg 1966; 1: 24-39.
  • 4. Jewett TC, Adler RH. Localized pulmonary emphysema of infancy. Surgery 1958; 43: 926-34.
  • 5. Kennedy JH, Rothman BF. The surgical treatment of congenital lobar emphysema. Surg Gynecol Obstet 1965, 121: 253-60.
  • 6. Katzenstein AA, Askin FB. Pediatric disorders. II. Cystic lung lesions. In Bennington JL (ed): Surgical pathology of non-neoplasic lung disease. 2nd ed. Philadelphia, WB Saunders, 1990; 491-506.
  • 7. Hislop A, Reid L.New pathological findings in emphysema of childhood:1. Polyalveolar lobe with emphysema. Thorax 1970; 25: 682-90.
  • 8. Giudici R. Avaliaçăo da massa alveolar pela contagem radial de alvéolos no enfisema lobar congęnito Săo Paulo, 1995. [Tese de doutorado apres. ŕ Universidade Federal de Săo Paulo ž UNIFESPEPM.]
  • 9. Fletcher RH, Fletcher SW, Wagner EH. Epidemiologia clínica, 2Ş ed. Porto Alegre, Artes Médicas, 1989.
  • 10. Emery JL, Mithal A. The number of alveoli in the terminal respiratory unit of man during late intrauterine life and childhood. Arch Dis Child 1960, 35: 544-7.
  • 11. Siegel S. Estatística năo-paramétrica para as cięncias do comportamento. Săo Paulo, McGraw-Hill, 1975.
  • 12. Stovin PGI. Congenital lobar emphysema. Thorax 1959; 14: 254-62.
  • 13. Powell HC, Elliott ML. Congenital lobar emphysema. Virchows Arch Abt Pathol Anat Histol 1977; 374: 197-203.
  • 14. Lincoln JCR, Stark J, Subramanian S et al. Congenital lobar emphysema. Ann Surg 1971; 173: 55-62.
  • 15. Wall MA, Eisenberg JD, Campbell JR.Congenital lobar emphysema in a mother and daughter. Pediatrics 1982; 70: 131-3.
  • 16. Munnell ER, Lambird PA, Austin RL. Polyalveolar lobe causing lobar emphysema of infancy. Ann Thorac Surg 1973; 16: 624-8.
  • 17. Dunnill MS. Postnatal growth of the lung. Thorax 1962; 17: 329-33.
  • 18. Cooney TP, Thurlbeck WM. The radial alveolar count of Emery and Mithal: a reappraisal. 1-Postnatal lung growth. Thorax 1982, 37: 572-9.
  • 19. Weibel ER, Gomez DM. A principle for counting tissue structures on random sections. J Appl Physiol 1962; 17: 343-8.
  • 20. Dunnill MS. Quantitative methods in the study of pulmonary pathology. Thorax 1962; 17: 320-8.
  • 21. Hislop A, Reid L. New pathological findings in emphysema of childhood: 2. Overinflation of a normal lobe. Thorax 1971; 26: 190-4.
  • 22. Henderson R, Hislop A, Reid L. New pathological findings in emphysema of childhood: 3. Unilateral congenital emphysema with hypoplasia and compensatory emphysema of contralateral lung.Thorax 1971; 26: 195-205.
  • 23. Davies G, Reid L. Growth of the alveoli and pulmonary arteries in childhood. Thorax 1970; 25: 669-81.
  • 24. Tapper D, Schuster S, McBride J et al. Polyalveolar lobe: anatomic and physiologic parameters and their relationship to congenital lobar emphysema. J Pediatr Surg 1980; 15: 931-7.
  • 25. McBride JT, Whol MEB, Strieder DJ et al. Lung growth and airway function after lobectomy in infancy for congenital lobar emphysema. J Clin Invest 1980; 66: 962-70.
  • 26. Cleveland RH, Weber B. Retained fetal lung liquid in congenital lobar emphysema: a possible predictor of polyalveolar lobe. Pediatr Radiol 1993; 23: 291-5.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jul 2000
  • Data do Fascículo
    Jun 1998
Associação Médica Brasileira R. São Carlos do Pinhal, 324, 01333-903 São Paulo SP - Brazil, Tel: +55 11 3178-6800, Fax: +55 11 3178-6816 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: ramb@amb.org.br