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Colangiopancreatografia por ressonância magnética: uma nova forma de avaliar as vias biliares e pancreáticas

Trato biliar; Pâncreas; Ressonância magnética

Biliary tract; Magnetic resonance; Pancreas

Artigo de Revisão

Colangiopancreatografia por ressonância magnética: uma nova forma de avaliar as vias biliares e pancreáticas

M.S. Rocha, S.K. Ueda, M.C. Machado, H.W. Pinotti

Departamentos de Radiologia e Gastroenterologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP.

UNITERMOS: Trato biliar. Pâncreas. Ressonância magnética.

KEY WORDS: Biliary tract. Magnetic resonance. Pancreas.

O diagnóstico por imagens das vias biliares e pancreáticas evoluiu significativamente a partir da década de 70, com as técnicas não-invasivas da ultra-sonografia (US) e da tomografia computadorizada (TC).

Porém, a despeito das constantes evoluções da US e da TC, a colangiopancreatografia transparieto-hepática (CTPH) e a colangiografia retrógrada endoscópica (CPGRE) continuaram sendo consideradas por cirurgiões do aparelho digestivo como os métodos de imagem com maior precisão na avaliação das vias biliares, mesmo quando não se considera uma potencial ação terapêutica através da CTPH ou da CPGRE1,2.

Em parte, a preferência dos cirurgiões por esses métodos de contrastação direta das vias biliares pode ser atribuída à relativa maior facilidade de compreensão de suas imagens, já que todas as informações são obtidas a partir de imagens nas quais os referenciais anatômicos estão presentes, dispostos em plano frontal.

As imagens de TC, por sua vez, são obtidas no plano transversal e têm de ser reconstruídas mentalmente para que o cirurgião tenha, por exemplo, um entendimento do real ponto de obstrução das vias biliares em um determinado caso.

As ressalvas dos cirurgiões para com as imagens geradas na US são ainda maiores, com a citação constante de que se trata de um método excessivamente operador dependente e que não apresenta todos os referenciais anatômicos necessários para o entendimento de suas imagens2.

A colangiopancreatografia por ressonância magnética (CPRM) foi descrita como uma técnica de diagnóstico por imagem das vias biliares e pancreáticas na qual as imagens são apresentadas de forma semelhante ao que ocorre nos métodos de opacificação direta das vias biliares (CTPH e CPGRE)1-3.

DESCRIÇÃO DO MÉTODO

Não é nosso objetivo, neste trabalho, discutir a física da ressonância magnética, porém podemos dizer que as suas imagens baseiam-se na densidade protônica, no tempo de relaxamento T1, no tempo de relaxamento T2 e na existência de fluxo na estrutura analisada.

Programando-se a aquisição das imagens para uma maior ponderação em T2, as estruturas com conteúdo líquido se apresentarão com um hipersinal (brancas nas imagens), enquanto as vísceras parenquimatosas terão graus variáveis de sinal (diferentes tons de cinza nas imagens).

A CPRM baseia-se na obtenção de imagens acentuadamente ponderadas em T2, a tal ponto de praticamente eliminar o sinal residual das estruturas parenquimatosas e permanecer apenas com o hipersinal (branco na imagem) das estruturas com conteúdo líquido1.

Estabelecendo-se a região do hipocôndrio direito e epigástrio como área de obtenção do sinal, consegue-se uma imagem das vias biliares e pancreáticas.

Como o sinal formador da imagem provém da natureza líquida da bile e do suco pancreático, não há necessidade de utilização de nenhum meio de contraste.

Outras estruturas com conteúdo líquido que se projetem na região analisada também podem ser observadas, e por isto preconiza-se jejum prévio ao exame, para evitar presença de grande quantidade de líquido no estômago e duodeno.

O tempo para a obtenção de um estudo de CPRM varia entre 15 segundos e 10 minutos, de acordo com o protocolo de exame adotado, o que está diretamente relacionado com as características do equipamento de RM disponível4-6.

DISCUSSÃO

Nos últimos anos, a CPRM passou a ter destaque na literatura radiológica, com diversos trabalhos discutindo o seu potencial diagnóstico e o comparando com o de outros métodos de diagnóstico por imagem7-13.

Hall-Crags et al.7 demonstraram que o nível de obstrução ou a ausência de obstrução pode ser determinada em 36 dos 40 pacientes com icterícia por eles avaliados, enquanto a CPGRE ou a CTPH diagnosticaram corretamente 37 dos 39 casos vistos por essas técnicas.

Usando a CPGRE como o padrão ouro, Chan et al.8 obtiveram sensibilidade de 95%, especificidade de 85%, valor preditivo positivo de 82% e valor preditivo negativo de 96% para a CPRM no diagnóstico de coledocolitíase.

Bret et al.9 demonstraram uma boa acurácia da CPRM no diagnóstico de malformações ductais pancreáticas.

A CPRM ainda apresenta várias limitações, como o fato de não permitir adequado estudo das vias biliares intra-hepáticas não-dilatadas e da sua resolução ser afetada por artefatos gerados em movimentações respiratórias incoordenadas que, por vezes, os pacientes apresentam.

A grande vantagem da CPRM é fornecer uma visão panorâmica das vias biliares e pancreáticas, de forma não-invasiva e sem o uso de nenhum meio de contraste. O desenvolvimento de novas seqüências de aquisição de imagens, mais rápidas, poderá levar a uma melhor resolução espacial de suas imagens, com aumento na sua acurácia.

Podem ser aventadas, como aplicações clínicas da CPRM, o estudo pré-operatório de pacientes a serem submetidos à colecistectomia laparoscópica, controles de drenagens das vias biliares e estudo das vias biliares e pancreáticas em casos de insucesso diagnóstico da CPGRE ou da CTPH7-13.

No Serviço de Vias Biliares e Pâncreas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, vimos utilizando a CPRM em diversas condições (figs. 1-4), com destaque para a possibilidade de utilização do método em pacientes submetidos previamente à anastomose biliodigestiva, nos quais os estudos contrastados endoscópicos podem ser tecnicamente difíceis de serem realizados.


Nos casos de pacientes com indicação de realização de RM para avaliação do fígado e/ou do pâncreas, a CPRM deve ser vista como um complemento ao estudo convencional de RM.

A dificuldade de acesso a um equipamento de RM é um fator limitante na utilização da CPRM. Embora o tempo de aquisição das imagens de CPRM seja curto, deve-se considerar que o tempo total envolvido no processo de realização do exame é muito maior, ao considerar fatores como o posicionamento do paciente na mesa de exame e a determinação da região que será estudada na CPRM. Até o momento a CPRM vem sendo obtida como um complemento de um exame de RM do fígado e pâncreas, o que reflete no custo do exame.

Nos diversos centros em que a CPRM vem sendo utilizada, a US, pelo seu baixo custo e alta sensibilidade de detecção de dilatação, permanece como o método inicial de avaliação das vias biliares, seguido da TC. A CPRM passa a ser considerada uma opção diante das metodologias invasivas (CTPH e CPGRE).

É importante destacar que a CPRM atua apenas no diagnóstico, enquanto, em algumas condições, a CTPH e a CPGRE podem ser utilizadas em procedimentos terapêuticos.

O tempo de utilização da CPRM ainda é relativamente curto, havendo necessidade de se ultrapassar as fases de aprendizado e de natural entusiasmo por uma técnica não-invasiva para que se cristalizem as suas reais indicações.

  • 1. Morimoto K, Shimoi M, Shirakawa T et al Biliary obstruction: evaluation with three-dimensional MR Cholangiography. Radiology 1992; 183: 578-80.
  • 2. Wallner BK, Schumacher KA, Weidenmaier W, Friedrich JM. Dilated biliary tract: evaluation with MR Cholangiography with a T2-weighted contrast-enhanced fast sequence. Radiology 1991; 181: 805-8.
  • 3. Ishizaki Y, Wakayama T, Okada Y, Kobayashi T. Magnetic Resonance Cholangiography for evaluation of obstructive jaundice. Am J Gastroenterol 1993; 88: 2.072-7.
  • 4. Barish MA, Yucel EK, Soto JA, Chuttani R, Ferrucci JT. MR Cholangiopancreatography: efficacy of three-dimensional turbo spin-echo technique. Am J Roentgenol 1995; 165: 295-300.
  • 5. Reinhold C, Guibaud L, Genin G, Bret PM. MR Cholangiopancreatography: comparison between two-dimensional fast spin-echo and three-dimensional gradient-echo pulse sequences. JMRI 1995; 4: 379-84.
  • 6 Soto JA, Barish MA, Yucel EK et al Pancreatic duct: MR Cholangiopancreatography with a three-dimensional fast spin-echo technique. Radiology 1995; 196: 459-64.
  • 7. Hall-Craggs MA, Allen CM, Owens CM et al MR Cholangiography: clinical evaluation in 40 cases. Radiology 1993; 189: 423-7.
  • 8. Chan Y, Chan ACW, Lam WWM et al Choledocholithiasis: comparison of MR Cholangiography and Endoscopic Retrograde Cholangiography. Radiology 1996; 200: 85-89.
  • 9. Bret PM, Reinhold C, Taourel P et al Pancreas divisum: evaluation with MR Cholangiopancreatography. Radiology 1996; 199: 99-103.
  • 10. Taourel P, Bret PM, Reinhold C, Barkun AN, Atri M. Anatomic variants of the biliary tree: diagnosis with MR Cholangiopancreatography. Radiology 1996; 199: 521-7.
  • 11. Takehara Y, Ichijo K, Tooyama N et al. Breath-hold MR Cholangiopancreatography with a long-echo-train fast spine-cho sequence and a surface coil in chronic pancreatitis. Radiology 1994; 192: 73-8.
  • 12. Soto JA, Yucel EK, Barish MA, Chuttani R, Ferrucci JT. MR Cholangiopancreatography after unsuccessful or incomplete ERCP. Radiology 1996; 199: 91-8.
  • 13. Reinhold C, Bret PM, Guibaud L et al MR Cholangiopancreatography: potential clinical applications. Radiographics 1996; 16: 309-20.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jul 2000
  • Data do Fascículo
    Set 1998
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