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Histiocitose das células de Langerhans na região anogenital

Langerhans cell histiocytosis of the anogenital region

Resumos

A Histiocitose das células de Langerhans (HCL) acometendo o trato genital tem uma incidência rara com apenas 48 casos relatados na literatura1-5 . Considerando somente as lesões da região anogenital, esse número cai para dois casos descritos1,2. Reportamos o 3º caso de HCL anogenital em uma paciente de 31 anos, branca, cuja comprovação diagnóstica foi feita através de microscopia eletrônica. O tratamento realizado foi quimioterapia sistêmica e excisão cirúrgica local.

Histiocitose das Células de Langerhans; Doença de Hand-Schuller-Christian; Vulva; Lesão Anogenital


The Langerhans cell histiocytosis (LCH) of the genital tract is rare, with only 48 cases related in the literature1-5. There were reported only 2 cases in the anogenital region1,2. We reported the third case of LCH in the anogenital region; patient was female, 31 years-old, caucasian and the diagnosis was confirmed by electron microscopic magnification. The treatment was local surgical excision and systemic chemotherapy.

Langerhans cell histiocytosis; Hand-Schuller-Christian disease; Vulva; Anogenital


Relato de Caso

Histiocitose das células de Langerhans na região anogenital

M. S. Neto, C. H. Carvalho, R. Fadul Jr., C. Ambrogini, L. M. Ferreira

Disciplina de Cirurgia Plástica da Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista de Medicina, São Paulo, SP.

RESUMO ¾ A Histiocitose das células de Langerhans (HCL) acometendo o trato genital tem uma incidência rara com apenas 48 casos relatados na literatura1-5 . Considerando somente as lesões da região anogenital, esse número cai para dois casos descritos1,2. Reportamos o 3º caso de HCL anogenital em uma paciente de 31 anos, branca, cuja comprovação diagnóstica foi feita através de microscopia eletrônica. O tratamento realizado foi quimioterapia sistêmica e excisão cirúrgica local.

UNITERMOS: Histiocitose das Células de Langerhans. Doença de Hand-Schuller-Christian. Vulva. Lesão Anogenital.

INTRODUÇÃO

A Histiocitose X (HX) é uma rara desordem das células de langerhans que acomete principalmente crianças, podendo ocorrer em qualquer idade7.

O termo Histiocitose X (HX) foi estabelecido em 1953 por Lichteinstein, onde agrupava um amplo aspecto clínico-patológico, sendo então, dividido em três síndromes6: Doença de Hand-Schuller-Christian (forma crônica, progressiva, lesões ósseas líticas multifocais, diabetes insípidus e exoftalmia); Doença Letterer-Siwe (forma aguda, disseminada com envolvimento multissistêmico) e Granuloma eosinofílico (forma localizada). As três síndromes são caracterizadas por proliferação tumoral de histiócitos com formação de granulomas3.

Atualmente a Histiocitose X é denominada mais corretamente de Histiocitose das células de Langerhans (HCL), porque foi estabelecido que as células de Langerhans são histologicamente patognomônicas de todas as lesões3.

A HCL tem sido observada em várias localizações como: SNC, pulmão, fígado, tegumento cutâneo, mucosa e trato genital. A HCL do trato genital é um achado raro com apenas 48 casos descritos na literatura1-5. O acometimento do trato genital puro e da região anogenital são raríssimos1,2,7. Relatamos aqui o 3º caso de HCL da região anogenital.

RELATO DE CASO

MFP, 31anos, branca, IG IP AO, procurou nosso serviço em março/96 com aparecimento de lesões vesiculares em região vulvar e perianal com prurido intenso. As lesões evoluíram para ulcerações que não melhoravam com uso de antibióticos e cuidados locais. Referia polidipsia, poliúria e ganho de peso (24kg). Antecedente apresentava: otite média crônica e referia ser usuária de droga não injetável (cocaína e crack). Ao exame físico apresentava-se consciente e orientada, sem déficit motor, pulmões com MV+ s/ Ra, hepatomegalia a 3cm do RCD, um nódulo eritematoso em ombro direito e lesões vulvar e perianal com aspecto ulcerado de bordas elevadas e fundo purulento (fig. 1).


Exames laboratoriais: Hb=13,5, Htc=41, Leucograma=6700 (1-56-5,1-30,7), plaquetas= 236000, Na=140, k=4.4, U=22, C=0.2, Glic=83, VHS=21, FA=340, DHL=424, TGO=54, TGP=60, PRL=41, TSH=1.6, T4=0.6, Anti-HIV=neg, VDRL=neg, Sorol. Hepatite=neg. Prova de restrição hídrica (densidade urinária=1005).

Exames de imagem: Rx de torax-infiltrado intersticial com imagem de linfoadenomegalia perihilar, USG abdomen-discreta hepatomegalia, RNM-imagem hipotalâmica extensa em forma de coração, lesão expansiva de hipófise, Cintiligrafia óssea-hipercaptação na região do palato e mandíbula, e 1/3 distal do fêmur DeE. Com a hipótese diagnóstica de HCL, foram solicitados biópsias do ombro D, da região anogenital (sugestivo de HCL através da microscopia óptica), região pulmonar (proc. Inflamatório crônico) e hepática (fibrose periportal). Foi realizado Imunohistoquímica (HAM 56 +, S100 +, Vimentina +) com resultado fortemente sugestivo, sendo confirmado com a microscopia eletrônica (presença de grânulos de Birbeck) (figs. 3,4).




Com o diagnóstico de HCL na região anogenital e subsequente comprometimento do SNC(diabetes insipidus), foi realizado tratamento clínico do distúrbio endócrino e quimioterapia sistêmica(VP 16, MTC, Predinisona e Oncovorim) com regressão parcial das lesões em região anogenital. Foram ressecadas as lesões da vulva e perianal com sutura borda a borda sem tensão, evoluindo sem intercorrência e sem recidiva local no acompanhamento ambulatorial de oito meses(figs. 2,3).

PATOLOGIA

As biópsias da região vulvar e perianal revelaram através da microscopia, um quadro histopatológico semelhante. A pele apresentava solução de continuidade, derme subjacente e adjacente havia infiltração difusa de células de Langerhans com núcleos em geral cerebriformes, em fenda, de tamanhos variados e com citoplasma finamente granuloso e eosinofílico. Entre as células de Langerhans havia grande número de leucócitos e eosinófilos. O perfil Imunohistoquímico foi compatível com o diagnóstico morfológico de HCL: S100+, HAM56+, Vimentina+, sendo geralmente realizado para afastar outros diagnósticos diferenciais como: Melanoma (S100+, HMB45+), Carcinoma (AE1+), Linfoma (LCA+). A microscopia eletrônica revelou a presença de grânulos de Birbeck (forma de raquete), confirmando a histogênese da neoplasia (figs. 4,5).


DISCUSSÃO

A histiocitose X, atualmente conhecida como histiocitose das células de Langerhans (HCL), apresenta um grupo heterogêneo de manifestações clínicas, tendo em comum a presença de uma proliferação celular nas suas lesões, onde morfológico, bioquímico e imunofenotipicamente são indistinguíveis das células de langerhans3,8.

Clinicamente podem aparecer como: lesões líticas dos ossos, lesões de pele, mucosa, hepatoesplenomegalia, envolvimento pulmonar e comprometimento do SNC (diabetes insípidus)3. HCL do trato genital é uma patologia rara, sendo o primeiro caso descrito por Lane e Smith em 19398. HCL do trato genital, sem comprometimento sistêmico, apresenta dois casos na literatura4 e quando o acometimento é referente à região anogenital, apresenta dois casos descritos, sendo este o terceiro reportado1,2.

Segundo Axiotes, HCL do trato genital é dividido em quatro grupos clínicos distintos, apresentados quanto ao acometimento inicial e subsequente da patologia3. Grupo I - HCL do trato genital puro. Grupo II- HCL do trato genital com subsequente envolvimento de múltiplos órgãos. Grupo III - HCL da região cutânea ou oral com subsequente acometimento genital. Grupo IV - Diabetes insipidus com subsequente acometimento genital e de múltiplos órgãos. As lesões do trato genital geralmente se apresentam clinicamente como: lesões ulceradas, vesiculares, eritematosas, nodulares e papulares. O diagnóstico diferencial é feito com carcinoma espinocelular e sífilis (lesões ulceradas); herpes e síndrome de Behcet (lesões vesiculares); dermatite e doença de Darier (lesões eritematosas); melanoma maligno (lesões nodulares); granuloma inguinal e linfogranuloma venéreo (lesões papulares)3. O caso relatado apresentava lesões anogenital tipo ulcerado, no qual foram feitas duas biópsias e realizado imunohistoquímica com resultado de S100 +, HAM56 +, Vimentina +, mostrando a sua importância como diagnóstico de exclusão de outras patologias. A microscopia eletrônica é de grande validade para o diagnóstico de certeza, onde são observados os grânulos de Birbeck que são patognomônicos da patologia (fig. 4). O tratamento da HCL anogenital ainda não está bem definido e inclui a cirurgia, radiação, corticóide tópico, nitrogênio mustard tópico, QT sistêmica e uma combinação dessas. Embora não se conheça o melhor tratamento para a HCL da região anogenital, é um consenso na literatura que a excisão cirúrgica seja a terapia inicial1,2,3.

SUMMARY

Langerhans cell histiocytosis of the anogenital region

The Langerhans cell histiocytosis (LCH) of the genital tract is rare, with only 48 cases related in the literature1-5. There were reported only 2 cases in the anogenital region1,2. We reported the third case of LCH in the anogenital region; patient was female, 31 years-old, caucasian and the diagnosis was confirmed by electron microscopic magnification. The treatment was local surgical excision and systemic chemotherapy. [Rev Ass Med Brasil 1998; 44 (4): 344-6.]

KEY WORDS: Langerhans cell histiocytosis. Hand-Schuller-Christian disease. Vulva. Anogenital.

BIBLIOGRAFIA

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Jul 2000
  • Data do Fascículo
    Dez 1998
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