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Infecção por Chlamydia trachomatis no período neonatal: aspectos clínicos e laboratoriais. Experiência de uma década: 1987-1998

Chlamydia trachomatis infection in neonatal period. Clinical and Laboratorial aspects. Experience of ten years: 1987-1998

Resumos

A infecção por C. trachomatis é adquirida pelo recém-nascido (RN) principalmente durante sua passagem pelo canal do parto; 25% a 50% destes deverão desenvolver conjuntivite e 10% a 20% pneumonia. OBJETIVOS: Verificar a incidência de infecção ocular por C. trachomatis nos RN internados com diagnóstico de conjuntivite, num período de 10 anos. - Observar a associação entre infecção ocular é pneumonia intersticial - Estudar os aspectos epidemiológicos e os métodos utilizados para o diagnóstico laboratorial. CASUÍSTICA E METODOLOGIA: Foram analisados os RN internados com diagnóstico de conjuntivite e/ou pneumonia intersticial internados na UCINE no período de 1987-1998. Os métodos de diagnóstico utilizados foram: a pesquisa direta do agente etiológico em raspado de conjuntiva, radiografia de tórax, sorologia para C. trachomatis no sangue pelo método de imunofluorescência para anticorpos IgG e IgM. RESULTADOS: Estudamos as características de 20 RN que apresentaram infecção por C. trachomatis : 15 eram de termo (75%) e cinco, pré-termos (25%); houve predominância da infecção no sexo feminino (60%); a pneumonia esteve presente em 15 dos 20 RN (75%) e 12 apresentaram associação de conjuntivite e pneumonia. Não houve relação significante entre tipo de parto, idade materna, número de parceiros e a infecção, sendo que o antecedente materno de leucorreia esteve presente em 50% dos casos. O diagnóstico sorológico esteve relacionado com a presença de pneumonia e a pesquisa direta com a conjuntivite. A incidência de conjuntivite por C. trachomatis entre os RN internados com esse diagnóstico durante o período de estudo foi de 17/100 (17%). CONCLUSÕES: A C. trachomatis é um importante agente patogênico e sua pesquisa é muito importante em RN com conjuntivite e/ou pneumonia intersticial mesmo na ausência de fatores de risco para doença sexualmente transmissível. A pesquisa direta em raspado de conjuntiva e o exame sorológico se mostraram importantes como métodos auxiliares do diagnóstico.

Chlamydia trachomatis; Conjuntivite neonatal; Pneumonia intersticial


Chlamydia trachomatis infection is adquired by the newborn infant during the delivery, 25 to 50 % of them may develop conjunctivitis and 10 to 20 % pneumonia. BACKGROUND: To verify the incidence of ocular infection by C. trachomatis in the newborn infants with conjunctivitis. To observe the association between ocular infection and intersticial pneumonia.-Study the epidemiological aspects and laboratorial methods of criterial diagnosis. CASUISTICS AND METHODS: We studied the newborn infants admitted in the intensive neonatal care with diagnostic of conjunctivitis and/or interstitial pneumonia during the period of ten years. The diagnostic methods were direct exam of etiologic agent in conjunctival material, X ray chest and serologic test by imunofluorescence method for IgG and IgM antibodies. RESULTS: We studied the clinical characteristics of 20 newborns infants with chlamydial trachomatis infection: 15 (75%) were terms newborns and 5 (25%) pre-terms. We observed the predominance of infection in females (60%); pneumonia was observed in 15/20 (75%) and 12 of them had both: conjunctivitis and pneumonia. we did not observe significant association among type of delivery, age of the mother, number of partner and infection. Leukorrhea was present em 50% of the mothers The serologic test was positive in 100% of the newborn with pneumonia and none with conjunctivitis alone,and the direct exam in conjuntival material was positive in newborns with conjunctivitis. The incidence of C. trachomatis in the newborns admitted in this period with conjunctivitis were 17/100 (17%). CONCLUSION: Chlamydia trachomatis is an important pathogenical agent and the research of it is essential in newborn infants with conjunctivitis and/or interstitial pneumonia even there were not risk factors for sexually transmitted diseases. The direct exam of conjunctival material and serologic test are very important to diagnosis.

Chlamydia trachomatis; Neonatal conjunctivitis; Interstitial pneumonia


Artigo Original

Infecção por Chlamydia trachomatis no período neonatal: aspectos clínicos e laboratoriais. Experiência de uma década: 1987-1998

F.A.C. Vaz, M.E.J. Ceccon, E.M.A. Diniz

Unidade de Cuidados Intensivos Neonatal- Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da FMUSP - Departamento de Pediatria da FMUSP, São Paulo, SP.

RESUMO

A infecção por C. trachomatis é adquirida pelo recém-nascido (RN) principalmente durante sua passagem pelo canal do parto; 25% a 50% destes deverão desenvolver conjuntivite e 10% a 20% pneumonia.

OBJETIVOS: Verificar a incidência de infecção ocular por C. trachomatis nos RN internados com diagnóstico de conjuntivite, num período de 10 anos. - Observar a associação entre infecção ocular é pneumonia intersticial - Estudar os aspectos epidemiológicos e os métodos utilizados para o diagnóstico laboratorial.

CASUÍSTICA E METODOLOGIA: Foram analisados os RN internados com diagnóstico de conjuntivite e/ou pneumonia intersticial internados na UCINE no período de 1987-1998. Os métodos de diagnóstico utilizados foram: a pesquisa direta do agente etiológico em raspado de conjuntiva, radiografia de tórax, sorologia para C. trachomatis no sangue pelo método de imunofluorescência para anticorpos IgG e IgM.

RESULTADOS: Estudamos as características de 20 RN que apresentaram infecção por C. trachomatis : 15 eram de termo (75%) e cinco, pré-termos (25%); houve predominância da infecção no sexo feminino (60%); a pneumonia esteve presente em 15 dos 20 RN (75%) e 12 apresentaram associação de conjuntivite e pneumonia. Não houve relação significante entre tipo de parto, idade materna, número de parceiros e a infecção, sendo que o antecedente materno de leucorreia esteve presente em 50% dos casos. O diagnóstico sorológico esteve relacionado com a presença de pneumonia e a pesquisa direta com a conjuntivite. A incidência de conjuntivite por C. trachomatis entre os RN internados com esse diagnóstico durante o período de estudo foi de 17/100 (17%).

CONCLUSÕES: A C. trachomatis é um importante agente patogênico e sua pesquisa é muito importante em RN com conjuntivite e/ou pneumonia intersticial mesmo na ausência de fatores de risco para doença sexualmente transmissível. A pesquisa direta em raspado de conjuntiva e o exame sorológico se mostraram importantes como métodos auxiliares do diagnóstico.

UNITERMOS: Chlamydia trachomatis. Conjuntivite neonatal. Pneumonia intersticial.

INTRODUÇÃO

O gênero chlamydia compreende um grupo de parasitas intracelulares obrigatórios, três espécies sendo reconhecidas: C. psitacci, C. pneumoniae (cepa TWAR) e C. trachomatis; a primeira delas é um patógeno comum em espécies de aves e mamíferos e as duas últimas, causadoras de doenças em seres humanos1,2.

As clamídias são classificadas como bactérias gram-negativas, altamente especializadas. O sorotipo Twar da C. pneumoniae causa bronquite, pneumonia e doença arterial. Em relação a C. trachomatis, 15 sorotipos são reconhecidos: L1, L2 e L3, causadores do linfogranuloma venéreo; A,B, Ba e C, causadores do tracoma ocular; D,E,F, G, e H, causadores da conjuntivite de inclusão observada no recém-nascido (RN) e os sorotipos I,J e K, causadores da pneumonia do recém-nascido (RN) e do lactente, da uretrite, da cervicite, da salpingite e da epididimite3,4.

A epidemiologia da infecção perinatal por C. trachomatis foi descrita décadas antes do isolamento do microrganismo. Halberstaedter e Prowasek visualizaram pela primeira vez as inclusões intracitoplasmáticas em 1907 e Linder et al. nos anos de 1909-1911 descreveram o mesmo padrão citológico em infecções oculares não gonocócicas e em secreções do trato genital de mães que geraram crianças infectadas3.

A C. trachomatis é provavelmente a infecção sexualmente transmissível mais prevalente nos Estados Unidos5 e o seu Centro de Controle de Doenças (CDC) estima que o número de novas infecções por este microrganismo exceda quatro milhões anualmente6,7.

A gestação por si só parece aumentar o risco de colonização por essa bactéria8. Os fatores de risco, além da própria gestação, são a vida sexual ativa, baixas condições socio-econômicas, vários parceiros e antecedentes de outras doenças sexualmente transmissíveis9-11.

A infecção por C. trachomatis é adquirida pelo RN durante a passagem pelo canal do parto, existindo casos de infecção em crianças nascidas de parto cesárea12 com antecedentes maternos de ruptura prematura de membranas amnióticas, e, mesmo a pós-natal sendo possível através do contato com a mãe13. O RN de mãe com infecção por C. tracomatis na cervix uterina tem 60% a 70% de risco de adquirir a infecção durante sua passagem pelo canal do parto: 25% a 50% deverão desenvolver conjuntivite e 10% a 20% pneumonia14,15. A infecção ocular manifesta-se entre cinco e 12 dias após o nascimento e o quadro pulmonar, na maior parte dos casos, antes da oitava semana de vida16.

Em nosso meio, o diagnóstico pré-natal de mães portadoras de infecção por esta bactéria é difícil, uma vez que a pesquisa não faz parte dos exames de rotina. Nos últimos anos, com a melhora dos métodos de diagnóstico através de exames diretos e sorológicos para C. trachomatis, foi possível reconhecer no RN e no lactente tanto a conjuntivite de inclusão como a pneumonia. Esses exames são realizados em todos os RN com suspeita dessas patologias na Unidade de Cuidados Intensivos Neonatal (UCINE) do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da FMUSP.

O reconhecimento dessa infecção tem implicações diretas no tratamento do paciente e dos pais, bem como seguimento a longo prazo das crianças contaminadas, pois, segundo Bell et al. (1992), a doença pulmonar pode evoluir para doença pulmonar obstrutiva crônica5,18.

OBJETIVOS

Os objetivos deste trabalho foram: verificar a incidência de infecção ocular por Chlamydia trachomatis nos RN internados com diagnóstico de conjuntivite, num período de 10 anos (1997-1998); verificar a associação entre infecção ocular e pneumonia intesticial nos RN infectados e estudar os aspectos epidemiológicos e os métodos utilizados para o diagnóstico laboratorial.

CASUÍSTICA E METODOLOGIA

Foram estudados retrospectivamente 20 RN que apresentaram diagnóstico de infecção neonatal por C. trachomatis, dentre aqueles internados na UCINE com diagnóstico de conjuntivite e/ou pneumonia no período proposto para o estudo. Foram analisados os dados epidemiológicos importantes para a ocorrência dessa infecção a partir da história clínica específica para doenças sexualmente transmissíveis.

Fizeram parte dos métodos de diagnóstico: a pesquisa direta do agente etiológico em raspado de conjuntiva, radiografia de tórax, sorologia para Chlamydia trachomatis no sangue pelo método de imunofluorescencia para anticorpos IgG e IgM.

RESULTADOS

Dentre os 20 RN estudados, 15 eram de termo (75%) e cinco pré-termos (25%), sendo 12 do sexo feminino (60%) e oito (40) do sexo masculino.

A incidência de conjuntivite por C. trachomatis entre os RN internados com essa patologia no período estudado foi de 17/100 (17%). Apresentamos na forma de tabelas (1 ,2 ,3 ,4 ,5 ) e gráfico (1 ), outros dados dos RN estudados.

DISCUSSÃO

Aspectos clínicos: conjuntivite

No RN os principais agentes etiológicos que causam inflamação da conjuntiva são as bactérias (Neisseria gonorrhoeae, Chlamydia trachomatis, Streptococcus sp, Staphylococcus aures ou epidermidis, E. coli e outras bactérias gram-negativas), as drogas oculares (conjuntivite química) e os vírus do tipo Herpes. Com a profilaxia realizada com solucões oculares tópicas ao nascimento (nitrato de prata a 1%, eritromicina 0,5% e tetraticlina 1%) a incidência da patologia infecciosa diminuiu, ocorrendo ainda ao redor de 20% de todos os RN.

A conjuntivite freqüentemente encontrada atualmente é a provocada pela C. trachomatis e é conhecida como conjuntivite de inclussão em decorrência dos achados anátomo-patológicos19. Embora essa bactéria seja susceptível aos medicamentos tópicos citados, a eficácia da profilaxia tópica não é bem estabelecida. Hamerslag et al.10 mostraram ser a eritromicina mais eficaz do que o nitrato de prata para essa bactéria e menos eficaz para o gonococo. Por ser esta última bactéria de maior prevalência e mais grave, a profilaxia da conjuntivite continua a ser efetuada, na maioria dos hospitais, pela solução de nitrato de prata a 1%.

A C. trachomatis é adquirida pelo RN na maior parte das vezes durante a passagem pelo canal de parto. Em nossa casuística, 55% dos RN haviam nascido de parto normal e 45% de parto cesárea (Tabela 1 ), fato sugestivo de que o tipo de parto não invalida o diagnóstico, conforme também é descrito na literatura20.

A incidência de conjuntivite por C. trachomatis entre os RN internados com esse diagnóstico no período de estudo foi de 17% (17/100) . Sabe-se pela literatura que 25% a 50% dos filhos de mães portadoras de C. trachomatis terão conjuntivite. Nesta casuística, não temos esse dado materno, porém dos 17 RN com este diagnóstico, em nove (52,3%) as mães tinham antecedentes de leucorréia (Tabela 2 ), achado que indiretamente sugere a presença de infecção por essa bactéria14. A média de início da sintomatologia nos 17 RN foi com cinco dias de vida, (tabela 2 ) o que também está de acordo com a literatura, pois, o ciclo do microrganismo sendo de 48 horas, o tempo de início da sintomatologia é mais tardia em relação à de outros microrganismos, ou seja, entre cinco e 14 dias. Por outro lado, o achado de conjuntivite com início no primeiro dia não afasta o diagnóstico. Essa situação ocorreu com os casos 1,3,4,5,6,7 e 15 do nosso estudo, podendo o início precoce estar associado à ruptura prematura de membranas, citada em cinco desses RN (Tabela 1 ).

A média de idade em dias no início da internação foi de 17,9 (Tabela 2 ); verificamos, portanto, que o motivo desta, na maioria dos casos, foi o quadro pulmonar e não somente a conjuntivite. É citado por Heggie et al. (1981)16 que essa doença acomete mais RN pré-termo, podendo isso ser atribuído, como os autores referem, ao maior tempo de internação desse tipo de criança com o conseqüente reconhecimento da doença21. No estudo presente a maioria dos RN foi de termo (75%), tendo sido reinternados após alta da maternidade em UTI neonatal, o que permitiu reconhecer essa infecção. Acreditamos, assim, que não deve existir diferença em relação à idade gestacional. Na literatura não é citado predominância de sexo, porém, neste estudo a infecção predominou no sexo feminino (60%.).

Esse tipo de conjuntivite de inclusão apresenta-se de forma aguda, com edema palpebral e secreção purulenta em moderada quantidade; inicialmente o comprometimento é unilateral, evolui em poucos dias para o olho contra-lateral, poucas vezes acometendo a córnea, porém, se não tratada, poderá evoluir com formação de "panos" e cicatrizes, prejudicando a visão a longo prazo. O atraso da medicação favorece indubitavelmente o aparecimento de seqüelas22.

Para evitar esse tipo de infecção seriam necessários exames periódicos durante o pré-natal para tratar a mãe e o seu parceiro. O antecedente de mães que realizaram pré-natal foi importante na composição da nossa casuística (45%), (Tabela 1 ), porém, não contribuiu para evitar o aparecimento da infecção nos RN, já que não é feita a pesquisa de rotina durante as consultas de pré-natal.

PNEUMONIA

As infecções pulmonares persistem como causa importante de morbidade e mortalidade principalmente nos países subdesenvolvidos23. Na Unidade de Cuidados Intensivos Neonatal, reconhecendo a importância de verificar os agentes etiológicos da pneumonia do RN, existe uma rotina diagnóstica na qual pesquisam-se vírus, bactérias e fungos em crianças internadas com esse diagnóstico. São citados como fatores de risco para infecção por C. trachomatis aqueles comuns às doenças sexualmente transmissíveis, tais como a idade materna (mais freqüente em adolescentes), e múltiplos parceiros7, 24. No estudo apresentado, podemos observar (Tabela 1 ) que a idade materna variou entre 17 e 37 anos e em 20% dos casos houve mais de um parceiro. A falta de alguns fatores de risco comuns às doenças sexualmente transmissíveis não deve afastar o diagnóstico.

A ocorrência de pneumonia é de 10% a 20 % nos RN de mães portadoras de C. trachomatis, sendo a nasofaringe posterior do RN o local preferencial de sua replicação, e as culturas desse local costumam ser positivas enquanto que noutros locais (conjuntiva e faringe oral) podem ser negativas25. A história de conjuntivite não é um pré-requisito para o aparecimento de pneumonia; parece o que o trato respiratório pode ser diretamente infectado durante o nascimento26. Neste estudo, a pneumonia esteve presente em 15/20 RN (75%), sendo que em 12 casos havia associação de conjuntivite e pneumonia e, em três casos, havia pneumonia sem antecedentes de conjuntivite.

Parece que a pneumonia no RN está relacionada a uma resposta de hipersensibilidade, já que esses RN apresentam níveis elevados de anticorpos IgG para C. trachomatis. As mães infectadas também tem níveis elevados de anticorpos IgG, porém não parece ter efeito protetor, pois os RN, mesmo assim, adquirem a doença27.

A pneumonia por C. trachomatis foi descrita por Schacter et al.28 em 1975 em uma criança pós-recuperação de uma conjuntivite de inclusão. Os achados clínicos, descritos por Benn; Saxon26,em 1977, manifestam-se geralmente entre a segunda e 16ª semana de vida no RN; o quadro respiratório costuma ser mais grave que no lactente, com aumento progressivo da freqüência respiratória (entre 50 e 70 movimentos respiratórios/minuto), cianose, deterioração do estado geral à ausculta pulmonar, roncos e estertores crepitantes difusos29,30. Na casuística apresentada, a média de início dos sintomas respiratórios foi de 14,2 dias, sendo que em quatro casos (1,2,7 e 15) ( Tabela 2 ) o início foi na primeira semana e os RN tiveram quadro ocular iniciado no primeiro dia de vida, com exceção do caso 2 que só teve pneumonia.

Dos 15 RN que tiveram pneumonia, 14 necessitaram de oxigênio por mais de 24 horas (Tabela 5 ), dos quais 9/14 com oxigênio inferior a 40% (na incubadora), 4/14 com oxigênio superior a 40% (capacete) e um deles (caso 20) necessitou de ventilação mecânica. Nesse último RN foi verificada a presença de vírus sincicial fator, de piora da evolução. O curso desta pneumonia é prolongado e os sintomas persistem por mais de uma semana. Os RN desta casuística tiveram uma boa evolução, com tratamento sistêmico e obtiveram alta após completar antibioticoterapia.

ASPECTOS LABORATORIAIS

Para a pesquisa de C. trachomatis em conjuntiva, o material deve ser obtido por raspado da conjuntiva, com a pálpebra inferior evertida e corado pela técnica de GIEMSA.

Neste material são observadas inclusões azuis ou púrpuras no citoplasma das células endoteliais; a sensibilidade do método é boa, atingindo 90 %31. Na casuística apresentada, a pesquisa de células de inclusão em material de conjuntiva foi positiva em todos os casos que apresentaram conjuntivite (17/20) (Tabela 3 ).

O diagnóstico sorológico pode ser realizado através de detecção de anticorpos específicos para C. trachomatis pelo método de imunofluorescencia32.Os anticorpos da classe IgG têm origem através da passagem transplacentária e sua positividade no RN não significa infecção. Por outro lado, o encontro de anticorpos da classe IgM é de produção do próprio RN e diagnostica a infecção aguda33. Outro fato importante reside em que as crianças com infecções pulmonares apresentam taxas de anticorpos séricos superiores àquelas com infecção ocular25. Neste estudo todos os RN com pneumonia tiveram níveis de IgM maior ou igual a 1/32 (infecção aguda) e, aqueles que só tiveram conjuntivite, apresentaram sorologia negativa; houve associação estatisticamente significante (teste de Fisher P <0,0001) entre pneumonia e sorologia positiva (Tabela 3 ).

O diagnóstico radiológico é feito pela radiografia de tórax, onde é observada uma hiperinsuflação do parênquima pulmonar (Fig. 1) associada à infiltração intersticial difusa (Fig. 2). Neste trabalho o padrão descrito esteve presente em todas as crianças que tiveram pneumonia, no entanto o quadro radiológico poderá ser confundido com outras etiologias, principalmente virais, devendo ser lembrado no diagnóstico diferencial34.



O diagnóstico hematológico, como descrito na literatura, é de leucocitoce com eosinofilia; observamos, assim como Ejzemberg, em 199035, a presença de leucocitoce em sua maioria (Tabela 4 ). Não tem sido freqüente a eosinofilia, o índice neutrofílico nunca foi superior a 0,3, o que o diferencia de outras infecções bacterianas.

TRATAMENTO

Como citado anteriormente, a profilaxia ocular realizada com nitrato de prata a 1% ao nascimento não afasta a infecção por C. trachomatis e mesmo o uso de eritromicina a 0,5%, já em sala de parto, poderá evitar a infecção ocular mas não previnirá a colonização em nasofaringe e a conseqüente infecção pulmonar. Os RN infectados por C. trachomatis devem ser tratados com eritromicina (etilsuccinato) na dose de 40mg/kilograma/dia divididos em quatro doses, durante 14 dias, inclusive para quem teve conjuntivite isolada, pois só o tratamento local com eritromicina falha em 50% dos casos, recidivando. A eritromicina diminui significativamente o curso clínico da doença, a melhora ocorre ao redor do sétimo dia de tratamento e não são observadas recaídas30,36. Os RN deste estudo foram tratados com eritromicina (16/20) e os quatro que receberam trimetoprim-sulfisoxazol pelo fato de suspeita de pneumonia por Pneumocistis carinii.

PREVENÇÃO

O tratamento da mãe com a eritromicina antes do parto deverá prevenir a transmissão para o RN, e, já que não é toxica para o feto, deve ser administrada à mãe particularmente durante o terceiro trimestre de gestação e ao seu parceiro sexual. Os pais dos pacientes da presente casuística foram encaminhados para tratamento.

CONCLUSÕES

Salientamos a importância da pesquisa de infecção por C. trachomatis em RN com conjuntivite e/ou pneumonia do tipo intersticial, mesmo na ausência de fatores de risco para doença sexualmente transmissível. A pesquisa direta em raspado de conjuntiva e o exame sorológico se mostraram importantes como métodos auxiliares do diagnóstico.

SUMMARY

Chlamydia trachomatis infection in neonatal period. Clinical and Laboratorial aspects. Experience of ten years: 1987-1998.

Chlamydia trachomatis infection is adquired by the newborn infant during the delivery, 25 to 50 % of them may develop conjunctivitis and 10 to 20 % pneumonia.

BACKGROUND: To verify the incidence of ocular infection by C. trachomatis in the newborn infants with conjunctivitis. To observe the association between ocular infection and intersticial pneumonia.-Study the epidemiological aspects and laboratorial methods of criterial diagnosis.

CASUISTICS AND METHODS: We studied the newborn infants admitted in the intensive neonatal care with diagnostic of conjunctivitis and/or interstitial pneumonia during the period of ten years. The diagnostic methods were direct exam of etiologic agent in conjunctival material, X ray chest and serologic test by imunofluorescence method for IgG and IgM antibodies.

RESULTS: We studied the clinical characteristics of 20 newborns infants with chlamydial trachomatis infection: 15 (75%) were terms newborns and 5 (25%) pre-terms. We observed the predominance of infection in females (60%); pneumonia was observed in 15/20 (75%) and 12 of them had both: conjunctivitis and pneumonia. we did not observe significant association among type of delivery, age of the mother, number of partner and infection. Leukorrhea was present em 50% of the mothers The serologic test was positive in 100% of the newborn with pneumonia and none with conjunctivitis alone,and the direct exam in conjuntival material was positive in newborns with conjunctivitis. The incidence of C. trachomatis in the newborns admitted in this period with conjunctivitis were 17/100 (17%).

CONCLUSION: Chlamydia trachomatis is an important pathogenical agent and the research of it is essential in newborn infants with conjunctivitis and/or interstitial pneumonia even there were not risk factors for sexually transmitted diseases. The direct exam of conjunctival material and serologic test are very important to diagnosis. [Rev Ass Med Bras 1999; 45(4): 303-11]

KEY WORDS:Chlamydia trachomatis. Neonatal conjunctivitis. Interstitial pneumonia.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Abr 2000
    • Data do Fascículo
      Dez 1999
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