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Assistência à saúde: uma revisão crítica

Health care: a critical review

Resumos

O autor faz uma revisão histórica do atendimento médico, situando-o dentro da economia de mercado e incluindo-o como parte da política de bem-estar social preconizada pelos economistas clássicos. No século atual, o trabalho médico situa-se no setor de serviços e não mais consta como prioridade da agenda neoliberal vigente no mundo, ao passo que os temas financeiros ocupam por inteiro o coração e a mente de nossos governantes.

Assistência à saúde; Bem-estar social; Medicina; Economia; Mercado; Trabalho médico; Doença da saúde; Orientações


Historic review of the medical care in a marketing context as part o Welfare State as claimed by economists. The medical work in our century may be inserted in services domain and it is no more a preocupation of administrative neoliberal schedule. Instead, the finantial issues entirely hold heart and mind of our governors.

Health care; Social welfare; Medicine; Economics; Market; Medical job; Health's disease; New diretions


Artigo Especial

Assistência à saúde: uma revisão crítica

F. Cunha

Trabalho realizado no Hospital Materno Infantil Pres. Vargas, Porto Alegre, RS

RESUMO

O autor faz uma revisão histórica do atendimento médico, situando-o dentro da economia de mercado e incluindo-o como parte da política de bem-estar social preconizada pelos economistas clássicos. No século atual, o trabalho médico situa-se no setor de serviços e não mais consta como prioridade da agenda neoliberal vigente no mundo, ao passo que os temas financeiros ocupam por inteiro o coração e a mente de nossos governantes.

UNITERMOS: Assistência à saúde. Bem-estar social. Medicina. Economia. Mercado. Trabalho médico. Doença da saúde. Orientações.

I. O RENASCER DO FEITICEIRO

Nas sociedades primitivas a magia e os procedimentos racionais coexistiam no tratamento e cura das doenças. Os papéis de curandeiro, feiticeiro, xamã e sacerdote eram desempenhados pela mesma pessoa que vivia separada da população geral e distinguia-se por suas vestes, atitudes e modos de vida não usuais. Essas características físicas, gestuais e comportamentais não somente significavam uma altiva diferenciação do resto dos membros do grupo social, mas também objetivavam estabelecer uma relação empática com o doente para facilitar a cura.

Algumas cerimônias eram puro sortilégio, outras pareciam lógicas e adequadas. No entanto, todas exigiam uma importante participação ritual dos familiares, vizinhos e do próprio paciente. Essa colaboração efetiva e afetivamente dramatizada foi um dos elementos a que a cultura popular mais dificilmente renunciou quando, a partir do século dezenove, ocorreu o triunfo do saber e do poder da medicina.

Através da história, o doente sempre foi uma vítima: inicialmente, da fatalidade; depois, da casualidade e, por fim, ele e sua doença passaram a expressar uma metáfora do ambiente social que ataca a unidade corpo-mente. Antes um ser proscrito e não poucas vezes maldito, adquiriu, com o tempo, uma considerável dimensão social, uma respeitabilidade e uma realidade econômica incontornáveis. E, com esse novo estatuto, o cidadão passou a desfrutar de seguros-saúde, manutenção do emprego em caso de doença ou invalidez e direito a uma boa morte. Os custos dos encargos sociais retirados da força de trabalho criaram o direito a uma equivalente proteção do Estado para todos os que se beneficiam desse mesmo trabalho, sejam empregados ou patrões. Tais prerrogativas, fruto de lutas não raras vezes cruentas, no atual momento histórico tornaram-se reivindicações legítimas. Portanto, diante do poder irrevogável dos fatos, a questão a ser colocada é sobre a viabilidade de um sistema ancorado nessas prerrogativas.

A ordem social (ou a natureza?) não prima pela igualdade. Alguns homens são fortes, outros fracos; poucos são ricos; muitos, pobres; uns são saudáveis; outros, doentes. A sociedade real funciona com essas diferenças e o acesso universal à saúde delas não pode se furtar. A solução desses paradoxos tem sido tentada através da assistência médica proporcionada pelo voraz ogro filantrópico que é o Estado-Previdência. Sucede que a medicina deste "fin de siècle" sofre de duas graves doenças: o comercialismo e o cientificismo. Isso porque ela está enredada tanto na necessidade de produzir lucros quanto no estímulo constante da sofisticação tecnológica. Exemplos são a indústria farmacêutica e a de equipamentos, organizadas dentro dos princípios de uma economia liberal e obrigadas a obedecer às regras da eficácia financeira e às leis do mercado. Elas, evidentemente, não são associações filantrópicas, embora adorem cobrir-se dessa auréola. Por outro lado, a opção política feita em nosso país pela medicina curativa - cara e de limitada abrangência, em detrimento da preventiva, de menores custos e mais amplos resultados - resulta em grande consumo das verbas em hospitais da rede privada e em tratamentos sofisticados e elitizados.

O cientificismo, por sua vez, decretou que a Ciência - e não o homem - é a medida de todas as coisas. E como a medicina não é (apenas) uma ciência e nem é neutra, pois depende de sistemas econômico-sociais dentro dos quais se desenvolve, a saúde não é obtida somente através dela. Políticos, economistas, engenheiros, sanitaristas, jornalistas - pasmem alguns - são mais responsáveis pela saúde pública do que os médicos. Portanto, a tecnologia médica, ao criar falsas expectativas e ao se mostrar impotente para solucionar os macroproblemas de saúde coletiva, contribuiu para a diminuição da importância social dos discípulos de Hipócrates. E, interpondo-se na antiga e empática relação médico-paciente, separou-os irremediavelmente. A predominância da necessária técnica fez o que não lhe cabia: atacou letalmente o indispensável sortilégio (efeito placebo, no jargão mediquês).

Não é de estranhar, portanto, a recente eclosão de inumeráveis terapêuticas alternativas (homeopatias, florais, acupuntura, etc) com suas manipulações prestidigitatórias. Mesmo dentro da alopatia, fármacos vitamínicos, hormonais e anti-depressivos, por exemplo, se exercem algum efeito, é mais por artes da magia do que pela bioquímica. É o renascer tempestivo do feiticeiro no coração da "Quarta Onda" tecnológica.

Após esta rápida revisão histórica do atendimento e da relação médico-paciente, pode-se delinear uma retrospectiva da assistência à saude em nosso século e uma previsão dos caminhos a serem seguidos num futuro próximo.

II. O ESTADO DO BEM-ESTAR SOCIAL (Welfare State)

A "Quarta Onda", composta pelos setores da informática, da comunicação instantânea e global, da telemática, complementada pelo eficiente gerenciamento dessas tecnologias, poderá causar efeitos benéficos restritos a minorias ou, ao contrário, originar um maremoto social capaz de afogar a todos, dependendo de como for feita a administração desse patrimônio de conhecimentos tecnológicos. Não será a primeira vez na História em que o aprendiz de feiticeiro é derrotado por seu próprio feitiço.

Os exemplos abundam.Os "self-services" disseminam-se por toda a parte. Vêem-se, por exemplo grandes garagens subterrâneas para milhares de carros, sem nenhum empregado; compras feitas por computador, estações de serviço completamente automatizadas, montadoras de carros robotizadas, bancos 24 horas funcionando com cartões magnéticos a até consultas médicas via computador e, portanto, sem médico.

A Organização Internacional do Trabalho afirma existirem atualmente cerca de 40 milhões de desempregados só nos países do Mercado Comum Europeu. E algo em torno de 800 milhões em todo o mundo. Eles se tornaram atualmente a grande preocupação de todas as sociedades prósperas e ricas.

Os economistas clássicos Adam Smith (1723-1790)1 e David Ricardo (1718-1772)2 diziam que as crises de desemprego eram devidas a causas "extra-econômicas" como guerras ou interesses políticos, e agravadas pelos direitos trabalhistas, os quais adulteravam o "processo natural"do mercado. John Maynard Keynes (1883-1946)3, precedido em um século por Karl Marx (1818-1883)4, atribuiu as crises não às "causas extra-econômicas", mas às próprias leis inerentes a uma "economia monetária". Afirmava também que a evolução do mercado capitalista pode levar a uma situação em que não haja demanda suficiente para bens de consumo, nem dinheiro para investimentos, diminuindo portanto a oferta de trabalho. Porém, diferentemente de Marx, Keynes advertiu não ser tarefa do Estado assumir o papel de empresário e sim o de estimular a demanda por meio de investimentos públicos e privados produtivos, praticar um aumento controlado da emissão de moeda, proporcionar melhorias na distribuição da renda e implementar judiciosamente o Welfare State, sonho iluminista jamais realizado "in totum".

Lord Keynes (título ganho por serviços prestados ao Império Britânico) também disse que, nos períodos de incertezas em relação ao futuro, os empresários preferiam estocar sua riqueza na forma de dinheiro ao invés de fazer investimentos. Na medida em que isso ocorresse, haveria subemprego da força de trabalho e dos recursos produtivos. Para ele, esse era o mecanismo que desencadearia as crises, quando cai o consumo e somem o emprego e o dinheiro.

III. MEDICINA, INVESTIMENTOS E MERCADO

Um dos investimentos públicos geradores de empregos dentro dos princípios do Welfare State foi a oferta de assistência médica generalizada e supostamente gratuita à toda população.

Mas, assim como as políticas do Estado do Bem-Estar Social não levaram à felicidade geral, os serviços médicos patrocinados pelo Estado não produziram o bem-estar físico, mental e social segundo a ampla definição de saúde da OMS.

O economista keynesiano John Kenneth Galbraith (1908)5 observou que nenhum país capitalista próspero e tecnicamente adiantado (por exemplo, os Estados Unidos) conseguiu garantir à totalidade de seus cidadãos três direitos fundamentais que qualquer país socialista pobre e atrasado (por exemplo, Cuba) garante: saúde, educação e habitação. Isto porque esses setores exigem, além de vontade política, prioridades sociais nos investimentos cujos retornos se dão a longo prazo. Ora, num mundo de economia capitalista globalizada, de desenfreada especulação financeira, a preferência é dada às aplicações geradoras de rápidos e prioritários lucros .

Há duas décadas o crescimento econômico mundial vem caindo, os déficits públicos aumentam e o desemprego já tomou um caráter endêmico. Estados Unidos, Alemanha e França, por exemplo, dirigem grandes esforços administrativos para tapar os buracos orçamentários através de duas medidas básicas: a diminuição de gastos nos serviços sociais (como a saúde) e a elevação das receitas pelo aumento de impostos. Diante desse quadro crítico e com o desaparecimento da ameaça comunista, o Welfare State está sendo esquecido. Mas o capital financeiro - verdadeiro "caixa dois" do capitalismo - como densa e ameaçadora nuvem de 50 trilhões de dólares a pairar sobre a economia cambaleante de muitos países, não cessa de crescer, num jogo de "bota e tira" qual gigantesco cassino comandado por frios e anônimos crupiês. É o trilionário superespeculador George Soros quem diz: "Atualmente as finanças internacionais não obedecem a nenhuma lei. Quando uma atividade está fora do alcance da lei, o que predomina é a força, e o estado de coisas em que a força predomina é chamado de barbárie"6. A constante evolução tecnológica, baseada no binômio produtividade-lucro máximos suprime milhares de empregos e a especulação financeira, "surfando" velozmente pelo espaço, fecha fábricas e funde empresas, além de apagar as fronteiras dos estados nacionais.

As explicações para essa realidade são fornecidas pelos teóricos do neo-liberalismo, agora vitorioso em toda parte. Para eles a recessão mundial é fruto da queda da lucratividade e competividade, decorrentes do aumento dos encargos fiscais e dos direitos sociais, esses conquistados pelo "Estado do Bem-Estar" "bolado"pelo capitalismo para amenizar o surto de reinvindicações trabalhistas originadas pelos "dez dias que abalaram o mundo" a partir de 1917 na Rússia soviética. Só que, na atual versão neo-liberal, são os próprios trabalhadores os responsáveis pela crise. Portanto, basta que eles abram mão de seus direitos para que o número de postos de trabalho volte a crescer. Trata-se do mesmo sofisma empregado pelos controlacionistas populacionais: a pobreza é causada pelos gastos públicos exigidos pelo excesso de pobres. Esquecem a realidade da absurda concentração de renda que, afinal de contas, segundo eles, não passa de "papo" de pessoas fracassadas e ressentidas, incapazes de se inserir na livre economia de mercado que tudo regula e equilibra. É o mesmo George Soros quem afirma: "A prosperidade atual se assenta sobre premissas falsas e, portanto, é muito precária. É errônea a idéia de que os mercados são perfeitos e que tendem ao equilíbrio. Os mercados são imperfeitos e no futuro poderão nos levar a um formidável colapso na economia do planeta"7.

IV. ONDE SITUAR O TRABALHO MÉDICO

Até a Revolução Industrial (por volta de 1750), o Setor Primário da economia (agricultura e mineração) compunha 80% do PIB e dos postos de trabalho. Hoje, nos países centrais, está em torno de 5%. O Setor Secundário (indústria), desde o início do século despencou de 50% para cerca de 15%. Por sua vez, o Setor Terciário (prestação de serviços) já participa de 80% do PIB e, portanto, da oferta de trabalho em todo o Primeiro Mundo. Mesmo nações como o Brasil, que nunca alcançaram um patamar de grande industrialização, já se tornaram sociedades prestadoras de serviços (70% em São Paulo). Segundo o IBGE, em 1995 mais da metade do PIB brasileiro foi produzido no Setor Terciário. Nesse segmento da economia estão situados o comércio, o turismo e a hotelaria, publicidade, os transportes e as comunicações, as seguradoras, as corretoras e as imobiliárias, consultorias jurídicas, fiscais e empresariais, serviços médicos e todo o sistema financeiro. Em termos de participação na economia (investimentos), alguns desses segmentos sofrem variações sazonais para mais ou para menos (turismo e hotelaria); outros mostram tendência decrescente, como os serviços sociais (os de assistência à saúde, por exemplo), ao passo que o sistema financeiro teve um crescimento explosivo nos últimos 10 anos. Isso se explica pelo fato de a maioria das atividades do Setor Terciário estar baseada na pesquisa, estudo e trabalho demorados, enquanto as transações financeiras são manipulações puramente especulativas, praticadas por um mercado global de comunicações satelizadas e instantâneas que fazem correr nas "infovias", milhões de dólares por segundo quase à velocidade da luz. Quais "Einsteins" das finanças, os megaespeculadores de todo o planeta parecem ter resolvido as contradições do binômio espaço-tempo. A média diária de transações mundiais nas Bolsas de Valores chega a US$ 1 trilhão.

O economista Edgard L. Feige, em recente livro8, calcula que o fluxo de capital financeiro no mundo atinge uma cifra de cerca de US$ 50 trilhões e a parcela utilizada na economia subterrânea (lavagem de dinheiro, drogas, jogo e outros negócios irreveláveis) é de 1/3 deste montante.

Esse fantástico capital flui em questão de segundos para locais onde se podem capitalizar diferenças de cotações durante apenas alguns minutos. E tudo é algo imaterial, virtual e mesmo abstrato. Deixa de ser uma atividade econômica; torna-se quase uma especulação filosófica. Aliás, os gurus de Geoge Soros, o megaespeculador cuja fortuna pessoal monta a US$ 5 bilhões não são os economistas Galbraith, Hayek ou Friedman, mas sim o filósofo anglo-austríaco Karl Popper (1902-1994).

Conseqüência dramática para os mercados de trabalho é o fato de que o crescimento dessa economia desmaterializada e informatizada não está sendo mais relevante em termos de novos empregos. Não existe nenhuma correlação entre os papéis diariamente transacionados e a realidade produtiva. Além disso, como mostram diversos exemplos, ela consegue se subtrair à tributação de uma maneira extremamente sofisticada, diminuindo, em conseqüência, a capacidade dos governos de cobrir a crescente necessidade de subsídios para os serviços sociais, incluída a assistência médico-sanitária.

V. A DOENÇA DA SAÚDE

O caso brasileiro

Dentro desse panorama econômico-financeiro globalizado estão situados os usuários e os prestadores de serviços médicos, com sua situação deteriorada devido às políticas tradicionais de sucessivos governos, as quais não deixaram dúvidas: a assistência médico-sanitária da população não constitui em prioridade administrativa. A desconcentração da renda nacional, chave para o solução desse problema; não foi sequer cogitada. O se foi, limitou-se à pura retórica. O irracional e dispendioso enfoque para a medicina curativa, sofisticada e elitizada é o preferido dos planejadores ministeriais. Senão vejamos: o governo gasta mensalmente cerca de R$ 500 milhões com a assistência médica no SUS. Empresas e pessoas físicas, por sua vez, contribuem com outros R$ 500 milhões mensais para o sistema privado (hospitais, planos e seguros-saúde), conforme dados de 1994-95). Cálculos recentes informam ser a assistência privada à saúde um negócio que movimenta R$ 10 bilhões por ano; mais do que o SUS custa aos cofres da União. Daí a próxima entrega desse precioso butim às empresas multinacionais.

A ineficiência burocrática de um lado e a falta de fiscalização de outro têm gerado enormes fraudes e desperdícios. Mas o problema da saúde não é só de financiamento. Os custos da medicina curativa têm aumentado em todo o mundo bem acima dos custos das economias agrícola e industrial. Essa realidade tem determinado que um contingente cada vez maior da classe média se socorra dos planos de saúde privados e/ou cooperativados. A pauperizada massa restante é socorrida pela Previdência Estatal.

E as notícias - desculpem os leitores - não são boas. Até há cerca de dois anos o financiamento da saúde era definido em grande parte pelo Ministério da Previdência Social. Agora, por causa de sua importância para os planos de estabilização econômica, ele será determinado discricionariamente pela área econômica. Que irá cortar até o osso em áreas não-prioritárias. E a saúde, já se sabe, é uma delas. O espetáculo de um ministro mendicante a perambular de chapéu na mão pelos acarpetados gabinetes de Brasília é, no mínimo, deprimente para ele, desmoralizante para a categoria médica e trágico para a população.

VI. A (POSSÍVEL) CURA DA SAÚDE

Algumas sugestões esquematizadas de como curar a doença da saúde em nosso país serão aqui brevemente expostas.

Partindo da idéia de que, grosso modo, 70% da população não tem poder aquisitivo para pagar seguros-saúde, esta parcela depende inteiramente do Estado. Os 30% restantes, constituem o mercado a ser segurado pelas empresas privadas de prestação de serviços médicos.

Assim poderiam coexistir os seguintes sistemas:

1. Assistência estatal à saúde

Infraestrutura. Constituída por moradias apropriadas, esgotos cloacais, água potável, recolhimento do lixo, comunicações, energia elétrica, vacinações periódicas, campanhas educativas via midia estatal e privada (higiene, doenças infecto-contagiosas, educação sexual e reprodutiva). Setorização com a instalação de postos e policlínicas periféricos, ligados organicamente a hospitais públicos. Produção sistemática e permanente de medicamentos, vacinas e equipamentos básicos. Qualquer parte desse setor estará aberto à colaboração da iniciativa privada.

Complementação. Obrigatoriedade da união ensino-pesquisa-assistência; remuneração adequada aos profissionais médicos e paramédicos; estabelecimento de um "plano de carreira médica"(e paramédica), com remuneração, responsabilidade e participação crescentes (não ocorre isso com juízes, promotores e militares?).

Reciclagem técnico-humanística a cada cinco anos, obrigatória para todo o pessoal ligado à saúde (do tipo "Educação Médica Continuada").

2. Assistência privada à saúde

Possibilidade da construção de postos e policlínicas comunitárias com financiamento da própria comunidade: pessoas físicas, indústrias, comércio, bancos, clubes, instituições tipo Rotary, Lyons, doações, etc, todos atuando em interação com o Estado, que poderá participar com os imóveis e parte da manutenção. Haverá, é claro, livre, adesão de médicos e paramédicos os quais poderão ter nesses serviços uma remuneração complementar.

3. Seguros-saúde privados

Autorizados somente com uma regulação bem definida sobre o tipo de cobertura, locais de atendimento, preços, relações éticas (a deontológica, não a comercial).

4. Cooperativas médicas

Setor importante por ser organicamente estabelecido de forma diferente das "medicinas de grupo". Poderão colaborar com o sistema estatal e comunitário.

5. Seguros-saúde estatal-privado

O próprio Estado terá oportunidade de também instituir seu seguro-saúde, em moldes semelhantes aos das empresas privadas.

6. Atividade liberal autônoma

Assistência prestada por médicos e paramédicos em suas clínicas particulares e/ou em hospitais e clínicas com pagamento total feito pelos clientes ou em complementação relacionada aos sistemas de saúde privados.

In Finis, cabe aqui uma consigna: "Prestadores e usuários dos serviços de saúde, uni-vos! Vocês estão no mesmo barco, pois são participantes de um único sistema e têm condições de apresentar propostas próprias para serem discutidas com a equipe econômica do governo. A mesma - mas não idêntica - política de pressão, tão eficientemente exercida pela área ruralista e pela financeira, pode e deve ser solidariamente praticada pelos médicos ombro a ombro com seus clientes. Mas não parcial e corporativamente, como foi executada até agora por nossas entidades de classe.

Resta sempre uma esperança. A doença da saúde é grave, mas parece haver remédio para ela. E essa esperança se baseia nas pesquisas pré-eleitorais, que apontam invariavelmente para a saúde como uma das prioridades exigidas pela população. Porque, afinal de contas, deve ser verdadeira a afirmação de um ex-lider do governo na Câmara, agora no ostracismo: "O que o povo quer o Congresso acaba querendo". Ou também se trata de pura e inútil retórica?

O presente trabalho só se tornou possível graças às preciosas colaborações do Dr. Bruno Mendonça Costa, professor assistente do departamento de psiquiatria da Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas, e do economista Roberto Marcantonio, da Fundação de Economia e Estatística do RGS.

SUMMARY

Health care: a critical review

Historic review of the medical care in a marketing context as part o Welfare State as claimed by economists. The medical work in our century may be inserted in services domain and it is no more a preocupation of administrative neoliberal schedule.

Instead, the finantial issues entirely hold heart and mind of our governors. [Rev Ass med Bras 1999; 45(4): 312-16]

KEY WORDS: Health care. Social welfare. Medicine. Economics. Market. Medical job. Health's disease. New diretions.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Smith, A . An Inquiry Into the Nature and Causes.In Modern Library. The Wealth of Nations, New York, 1994; 112-158

2. Ricardo, D. Unemployement and its causes. In Principles of Political Economy and Taxation. P. Sraffa Ed, London, 1990; 354-387.

3. Keynes, J.M. Interest and Money. In The General Theory of Employment. Prometheus Books, New York, 1997; 280-325.

4. Marx, K. Later Political Writings. Terrel Carver Ed., London, 1963; 86-98.

5. Galbraith, J.K. Os impostos e os serviços Públicos. A cultura do Contentamento. Primeira edição, S. Paulo, Livraria e Editora Pioneira, 1992; 27-32

6. Galbraith. J.K. Uma persperctiva humana. A Sociedade Justa. Segunda Edição. São Paulo, Editora Campos, 1997; 58-62.

7. Soros, G. A Crise do Capitalismo, Editora Campos, São Paulo, 1998; 55-67.

8. Feige, E.L. The Underground Economies: Tax Evasions and Information Distortion. Cambrige University Press, Cambridge, 1997; 112-285

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Abr 2000
  • Data do Fascículo
    Dez 1999
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