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Alterações morfológicas da curvatura menor do estômago após gastrectomia segmentar associada à vagotomia gástrica proximal. Estudo experimental em cães

Morphologic changes of the lesser gastric curvature after segmental gastrectomy associated to proximal gastric vagotomy. Experimental study in dogs

Resumos

A ressecção segmentar do corpo gástrico, também denominada gastrectomia segmentar (GS), foi associada à vagotomia gástrica proximal (VGP) para o tratamento das úlceras duodenais, principalmente para os pacientes com maior risco de recidiva ulcerosa. OBJETIVO: Avaliar as alterações histopatológicas da curvatura menor do estômago decorrentes da associação da GS à VGP. MÉTODOS: Foram utilizados 36 cães com peso corporal entre 10 e 20 kg, distribuídos em três grupos: Grupo I (controle) - animais submetidos à laparotomia e manipulação gástrica; Grupo II - animais submetidos à VGP; e Grupo III - animais submetidos à GS associada à VGP. Cada grupo foi dividido em dois subgrupos de seis animais, sendo os animais do primeiro e do segundo subgrupos sacrificados no terceiro e no oitavo dia pós-operatório, respectivamente. Para o estudo microscópico, procedeu-se a retirada de fragmento retangular da curvatura menor de cada estômago. RESULTADOS: Com base na comparação dos indicadores histopatológicos entre os subgrupos de animais sacrificados no mesmo dia, incluindo edema, congestão vascular, exsudato inflamatório, fibrose e dano celular, verificou-se que estas alterações microscópicas foram infreqüentes e leves no grupo I, freqüentes e moderadas no grupo II e constantes e intensas no grupo III. Embora inespecíficos, os achados histopatológicos foram semelhantes quanto à natureza e ao local de acometimento intramural, com os processos isquêmicos. Foi observado também uma relação diretamente proporcional entre a gravidade das alterações morfológicas e os procedimentos cirúrgicos de maior potencial isquêmico. CONCLUSÃO: A gastrectomia segmentar possivelmente agravou o suprimento sangüíneo arterial da parte remanescente da curvatura menor do estômago, já previamente comprometida pela desvascularização conseqüente à vagotomia gástrica proximal.

Gastrectomia; Vagotomia gástrica proximal; Úlcera duodenal


The segmental gastrectomy of the body of the stomach, combined with proximal gastric vagotomy, has been indicated in the treatment of duodenal ulcer, especially in patients with major risk of the recurrent ulceration. PURPOSE: To evaluate the histopathologic changes, secondaries to combined corporeal segmental gastrectomy and proximal gastric vagotomy, in the lesser curvature of the stomach. METHODS: Thirty-six adult mongrel dogs weighing between 10 to 20 kg were divided into three groups of twelve animals each: Group I animals (control) were submitted to laparotomy and gastric manipulation; Group II, animals underwent proximal gastric vagotomy; and Group III, animals underwent corporeal segmental gastrectomy combined with proximal gastric vagotomy. Each group was subdivided into two subgroups of six animals each, and according to the subgroup, the animals were then sacrificed on the third or in the eighth postoperative day. A fragment of the lesser curvature was removed from each stomach for microscopic study. RESULTS: Regarding edema, vascular congestion, inflammatory exudate, fibrosis and cell damage; histopathologic changes found in animals sacrificed in the same postoperative day were slight in Group I, moderate in Group II and intense in the group III. Although nonspecific, the character and site of the lesions were similar to the ones occurring in ischemic process. It was also observed a directly proportional relation between severity of morphologic changes and ischemic potentiality of surgical procedure. CONCLUSION: The segmental gastrectomy probably aggravated the arterial blood supply of the remnant of lesser curvature of the stomach, which was already compromised by desvascularization consequent to proximal gastric vagotomy.

Duodenal ulcer; Gastrectomy; Proximal gastric vagotomy


Artigo Original

Alterações morfológicas da curvatura menor do estômago após gastrectomia segmentar associada à vagotomia gástrica proximal. Estudo experimental em cães.

L. M. Watanabe, J. I. Andrade, F. F. C. Neto, R. Ceneviva

Trabalho realizado no Laboratório de Cirurgia Experimental do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP.

RESUMO: A ressecção segmentar do corpo gástrico, também denominada gastrectomia segmentar (GS), foi associada à vagotomia gástrica proximal (VGP) para o tratamento das úlceras duodenais, principalmente para os pacientes com maior risco de recidiva ulcerosa.

OBJETIVO: Avaliar as alterações histopatológicas da curvatura menor do estômago decorrentes da associação da GS à VGP.

MÉTODOS: Foram utilizados 36 cães com peso corporal entre 10 e 20 kg, distribuídos em três grupos: Grupo I (controle) - animais submetidos à laparotomia e manipulação gástrica; Grupo II - animais submetidos à VGP; e Grupo III - animais submetidos à GS associada à VGP. Cada grupo foi dividido em dois subgrupos de seis animais, sendo os animais do primeiro e do segundo subgrupos sacrificados no terceiro e no oitavo dia pós-operatório, respectivamente. Para o estudo microscópico, procedeu-se a retirada de fragmento retangular da curvatura menor de cada estômago.

RESULTADOS: Com base na comparação dos indicadores histopatológicos entre os subgrupos de animais sacrificados no mesmo dia, incluindo edema, congestão vascular, exsudato inflamatório, fibrose e dano celular, verificou-se que estas alterações microscópicas foram infreqüentes e leves no grupo I, freqüentes e moderadas no grupo II e constantes e intensas no grupo III. Embora inespecíficos, os achados histopatológicos foram semelhantes quanto à natureza e ao local de acometimento intramural, com os processos isquêmicos. Foi observado também uma relação diretamente proporcional entre a gravidade das alterações morfológicas e os procedimentos cirúrgicos de maior potencial isquêmico.

CONCLUSÃO: A gastrectomia segmentar possivelmente agravou o suprimento sangüíneo arterial da parte remanescente da curvatura menor do estômago, já previamente comprometida pela desvascularização conseqüente à vagotomia gástrica proximal.

UNITERMOS: Gastrectomia. Vagotomia gástrica proximal. Úlcera duodenal.

INTRODUÇÃO

Após três décadas da ampla utilização da vagotomia gástrica proximal (VGP) no tratamento da doença ulcerosa duodenal, diversos estudos prospectivos e casualizados demonstraram que esta operação é um procedimento seguro1,2,3, com baixa taxa de mortalidade operatória2,3 e índice mínimo de seqüelas pós-operatórias3,4. Todavia, embora seja a operação de maior benignidade, a recorrência ulcerosa tem sido o fator crítico da VGP. Diferentes grupos de pesquisadores têm relatado índices divergentes de recidiva ulcerosa após VGP, compreendendo desde valores adequados inferiores a 10 %5,6, incluindo valores menos aceitáveis de 10 a 20 %4,7, até taxas inadmissíveis, superiores a 20 %8,9,10.

Em virtude dos resultados discrepantes quanto à recorrência ulcerosa, Ceneviva11 propôs a associação da ressecção segmentar do corpo gástrico (gastrectomia segmentar) (GS) à VGP, para o tratamento das úlceras duodenais, sobretudo naqueles pacientes com maior risco de recidiva. Em estudos posteriores foi demonstrado que a VGP associada à GS promoveu redução significativamente maior na produção máxima de ácido, sem modificação substancial na velocidade de esvaziamento gástrico para líquidos12 e para sólidos13, como também, sem aumento significativo no refluxo enterogástrico14, em comparação com a VGP isolada. A médio prazo foram relatados menores índices de recidiva ulcerosa15.

Todavia, Nilsell et al.16 relataram a ocorrência de deiscência de anastomose na curvatura menor, em paciente submetido à GS associada à VGP. Esses autores sugeriram como fator causal a deficiência do suprimento sangüíneo secundária à desvascularização gástrica, decorrente desse tipo de vagotomia. Entretanto, a falha técnica na execução da anastomose não pôde ser afastada. Após cuidadosa revisão da literatura, observou-se ausência de dados a propósito das possíveis conseqüências da associação de GS à VGP sobre a vascularização arterial dessa região.

A presente investigação tem por objetivo analisar as alterações morfológicas da curvatura menor em cães submetidos à GS associada com VGP.

MATERIAL E MÉTODO

Foram utilizados 36 cães adultos, mestiços, com peso corporal entre 10 e 20 kg, distribuídos por sorteio em três grupos de 12 animais, com as seguintes denominações: Grupo I - animais do grupo controle; Grupo II - animais submetidos à VGP; e Grupo III - animais submetidos à VGP + GS. Após jejum de 24 horas, os cães foram anestesiados com pentobarbital sódico na dose de 30 mg/kg de peso corporal, por via intravenosa, e operados de acordo com o procedimento cirúrgico referente ao grupo selecionado. O acesso à cavidade abdominal foi feito mediante laparotomia mediana supra e infra-umbilical.

Os animais do grupo II foram submetidos à VGP, conforme a técnica original proposta por Griffith & Harkins17, modificada por Goligher18. Nos animais do grupo III, além da VGP, procedeu-se a realização da GS com ressecção de todo, ou quase todo, corpo gástrico, segundo a padronização técnica proposta por CENEVIVA11. A anastomose gástrica término-terminal, de boca total, foi realizada por chuleio simples contínuo, em plano único, incluindo toda a espessura da parede gástrica, com fio de polipropileno 3-0.

Nos animais do grupo I, o estômago foi mantido sob tração manual, simulando a realização de VGP, durante período de 30 minutos.

Ao final de cada operação, imediatamente após o fechamento da cavidade abdominal, os cães de cada grupo foram distribuídos, também por sorteio, em subgrupos de seis animais, denominados I-3, I-8, II-3, II-8, III-3 e III-8. As inscrições "3" e "8" determinavam a data do sacrifício dos animais no terceiro e no oitavo dia pós-operatório, respectivamente.

No dia previsto para o sacrifício, os cães foram novamente anestesiados, submetidos à incisão mediana tóraco-abdominal para remoção da peça, constituída pelo terço distal do esôfago, estômago e terço proximal do duodeno. O estômago foi aberto pela curvatura maior, estendido e preso com alfinetes sobre folha de cortiça, sendo então imerso em solução de formol a 10 %.

No exame macroscópico, as faces serosa e mucosa do estômago foram inspecionadas, com especial atenção para as eventuais alterações na área desvascularizada dos cães submetidos à VGP e, adicionalmente, na anastomose gástrica término-terminal dos animais submetidos à VGP + GS. Para o exame microscópico, retirou-se um fragmento retangular ao longo da curvatura menor de cada estômago, a cerca de 0,5 cm abaixo da junção esofagogástrica, medindo 1 cm de largura por 3 cm de comprimento. Nos animais do grupo III, esse fragmento não incluiu a área da anastomose gástrica.

Foram selecionados cinco cortes histológicos de 5 mm de espessura de cada fragmento, corados pela técnica de hematoxilina e eosina e pelo método tricrômico de Masson.

O estudo histopatológico foi realizado mediante microscopia óptica, por observador (FFCN) que desconhecia a que subgrupos de animais pertencia o material. Foram avaliadas as seguintes alterações teciduais: (a) congestão vascular; (b) edema; (c) exsudato inflamatório; (d) fibrose; e (e) dano celular. Cada uma destas alterações foi classificada quanto à localização nas camadas mucosa, submucosa e muscular; e quanto à intensidade em quatro graus: ausente (-); leve (+); moderada (++); e intensa (+++). Os critérios para determinação da intensidade da congestão vascular foram a dilatação pronunciada e o ingurgitamento das arteríolas e dos capilares. O edema e o exsudato inflamatório foram avaliados pelo caráter focal ou difuso e pelo grau de dissociação dos componentes teciduais.

A atividade proliferativa de fibroblastos e a densidade dos depósitos de fibras colágenas constituíram os parâmetros de avaliação da intensidade da fibrose. A avaliação do dano celular foi realizada com base na intensidade da lesão das fibras musculares, empregando-se o seguinte critério: ausente (-); atrofia de fibras musculares (+); degeneração de fibras musculares associada à presença de tecido de reparação (++); e tecido de reparação em substituição ao plano muscular (+++).

A intensidade de cada alteração histopatológica foi comparada estatisticamente apenas entre os subgrupos de animais sacrificados no mesmo dia. Foi realizada também uma análise comparativa dentro de cada grupo, pela confrontação dos indicadores histopatológicos dos animais sacrificados no terceiro com os observados no oitavo dia pós-operatório, para determinar os aspectos evolutivos das alterações microscópicas. Para comparação dos resultados foi utilizado o teste exato de Fischer19, sendo considerados significativos os valores de p < 0,05.

RESULTADOS

Os animais do grupo I não apresentaram anormalidades ao exame macroscópico do estômago. No exame macroscópico dos animais do grupo II, observou-se apenas edema da mucosa da curvatura menor do estômago. No grupo III, a anastomose gástrica estava íntegra em todos os animais. Foram observados também edema e áreas hemorrágicas nas mucosas gástricas adjacentes ao local da anastomose, e ao longo da curvatura menor. As alterações macroscópicas foram sempre mais acentuadas nos animais sacrificados no terceiro dia pós-operatório e, dentre os animais gastrectomizados, no lado do coto gástrico proximal.

As seguintes alterações microscópicas foram observadas na curvatura menor, incluindo edema, congestão vascular, exsudato inflamatório e fibrose (Figuras 1, 2, 3 e 4). Os resultados do exame microscópico dos cortes histológicos da curvatura menor do estômago dos seis subgrupos de animais estão relacionados nas Tabelas 1 e 2. Dano celular de grau intenso foi observado apenas nos seis animais do subgrupo III-3.





Cotejando-se os resultados dos três subgrupos de animais sacrificados no terceiro dia, observou-se diferença estatisticamente significativa para todos os parâmetros analisados: edema (p = 0,03), congestão vascular (p < 0,001), exsudato inflamatório (p < 0,001), fibrose (p < 0,001) e dano celular (p < 0,001).

Na comparação realizada entre os animais dos subgrupos I-8, II-8 e III-8, verificou-se também diferença significativa para edema (p = 0,01), congestão vascular (p < 0,001), exsudato inflamatório (p = 0,01) e fibrose (p < 0,001).

Com base na análise dos parâmetros histopatológicos, observou-se que as alterações foram infreqüentes e leves no grupo I, freqüentes e moderadas nos subgrupos do grupo II, e constantes e intensas nos subgrupos do grupo III, tanto para os animais sacrificados no terceiro quanto no oitavo dia. As alterações morfológicas da curvatura menor do estômago ocorreram principalmente nas camadas mucosa e submucosa adjacente e, menos freqüentemente, na camada muscular.

Quanto ao edema, observou-se que a mucosa foi a única camada acometida nos animais do grupo I, enquanto nos animais dos grupos II e III, além da mucosa, as camadas submucosa e muscular foram também freqüentemente envolvidas pelo edema.

Comparando entre si os grupos de animais sacrificados no terceiro e oitavo dias, houve persistência ou acentuação da congestão vascular nos animais dos subgrupos II-8 e III-8, quando cotejados com os animais dos subgrupos II-3 e III-3, respectivamente.

O exsudato inflamatório mostrou-se freqüentemente de caráter focal, porém em alguns animais foi observado ao longo de extensas áreas da camada mucosa.

A fibrose, com aspecto focal ou difuso, foi observada em todos os animais dos subgrupos do grupo III, e na maioria do subgrupo II-8. Comparativamente, a fibrose foi mais freqüente e mais intensa nos animais sacrificados no oitavo dia pós-operatório, quando confrontados com os animais sacrificados no terceiro dia pós-operatório. Por outro lado, o edema, o exsudato inflamatório e o dano celular foram mais acentuados nos animais dos subgrupos sacrificados no terceiro dia pós-operatório.

DISCUSSÃO

No presente estudo, o emprego do chuleio simples contínuo, em plano único na anastomose gástrica término-terminal, foi proposital para reduzir as complicações isquêmicas eventuais por interferência da sutura na circulação da região anastomótica e da curvatura menor do estômago. O chuleio simples contínuo em plano único distribui melhor a tensão na linha de sutura, com menor perigo de distúrbio circulatório local, provocando possivelmente menos isquemia ou evitando até necrose das bordas teciduais20. Nos animais do grupo III, sob as condições desfavoráveis causadas pela desvascularização da curvatura menor, o trauma provocado pelo tipo de sutura, sobretudo no lado da curvatura menor, poderia aumentar o potencial para o desenvolvimento de complicações isquêmicas. No presente estudo, se a desvascularização da curvatura menor do estômago pela VGP produziu uma isquemia relativa sobre a anastomose gástrica, a intensidade do processo isquêmico não foi suficiente para provocar lesões isquêmicas na linha de sutura. A ausência de deiscência de anastomose demonstrou que o chuleio simples contínuo em plano único é um procedimento seguro, mesmo em condições adversas. A fístula anastomótica pós-operatória observada por Nilsell et al.16, após GS associada com VGP, desenvolveu-se em anastomose gástrica término-terminal em dois planos de sutura. Embora os autores não tenham afastado outros problemas de ordem técnica, o uso de sutura em dois planos é potencialmente mais isquêmico, como já previamente determinado21.

Na realização dos procedimentos operatórios, cuidados técnicos foram tomados durante as ligaduras dos feixes neurovasculares, prescindindo-se também do uso da eletrocoagulação para evitar que fossem produzidas lesões inadvertidas na curvatura menor do estômago. Nyhus22 advertiu sobre as conseqüências da lesão traumática da parede gástrica, sobretudo na área desvascularizada, durante a realização de VGP. Kobayasi et al.23 verificaram que o traumatismo na área desvascularizada da curvatura menor do estômago, em cães submetidos à VGP, pode causar complicações isquêmicas, inclusive com o desenvolvimento de perfuração e peritonite.

Na presente investigação, os animais foram sacrificados no terceiro e no oitavo dias pós-operatório porque as complicações isquêmicas observadas na curvatura menor do estômago, conseqüentes à VGP, foram observadas geralmente no período entre o terceiro e o sétimo dia pós-operatório24-29.

Considerando as alterações macroscópicas e microscópicas inespecíficas observadas no presente estudo, os achados histopatológicos poderiam estar relacionados diretamente ao trauma sobre a curvatura menor conseqüentes à manipulação cirúrgica e à isquemia decorrente da extensão da desvascularização gástrica, ou a ambos.

Nos animais do grupo III, embora não fosse incluído a área da anastomose gástrica no fragmento histológico, as alterações morfológicas observadas poderiam ser conseqüentes à resposta local dos tecidos à lesão tecidual pela contigüidade ao processo de cicatrização da ferida. As alterações microscópicas nas anastomoses gastrointestinais têm sido igualmente caracterizadas por edema, congestão vascular, neoformação capilar, exsudato inflamatório, proliferação fibroblástica e fibrose21, 30. Com base na semelhança dos achados histopatológicos do presente estudo com as alterações que acompanham os processos de cicatrização das anastomoses gastrointestinais, a intensidade do trauma tecidual provocado pelos procedimentos operatórios também não pôde ser afastada como fator causal.

Por outro lado, será que podemos considerar que as alterações histopatológicas observadas nos animais submetidos à VGP isolada, achados estes muito semelhantes aos do grupo III, sejam apenas conseqüente ao trauma causado pela desvascularização da curvatura menor? Chiu et al.31 estudaram as modificações histopatológicas seqüenciais da mucosa intestinal de cães em condições de baixa perfusão sangüínea, observando alterações estruturais proporcionais à redução do fluxo sangüíneo mesentérico. Estabeleceram ainda uma classificação conforme a gravidade das alterações morfológicas, indo desde acúmulos de líquidos subepiteliais e congestão capilar; seguidos de descolamento do epitélio da lâmina própria, desnudamento das vilosidades e dilatação dos capilares expostos; e, finalmente, digestão e desintegração da lâmina própria, com subseqüente hemorragia e ulceração. Esses achados microscópicos seqüenciais foram corroborados por outros estudos32,33. Ming & Bonadarpour34, ao induzir isquemia sem provocar infarto da alça intestinal, por ligadura e secção de um ramo da artéria mesentérica superior de cães, verificaram que as alterações microscópicas intestinais ocorreram principalmente nas camadas mucosa e submucosa, sendo a sua natureza determinada pelo intervalo entre o insulto isquêmico e o sacrifício. Em estudo experimental semelhante, observou-se no segmento intestinal isquêmico, além de outras alterações histopatológicas, infiltrado inflamatório na mucosa, juntamente com edema intersticial e vasos sangüíneos congestos e dilatados na camada submucosa, 15 dias após o insulto isquêmico35. No presente estudo, embora o segmento gastrointestinal envolvido tenha sido diferente, os achados histopatológicos foram semelhantes quanto à natureza e ao local de acometimento intramural, com os resultados dos experimentos mencionados anteriormente. Foi observado também uma relação diretamente proporcional entre a gravidade das alterações morfológicas e os procedimentos cirúrgicos de maior potencial isquêmico. Além disso, a persistência da congestão vascular, apesar da tendência de regressão do edema, exsudato inflamatório e dano celular nos animais dos subgrupos II-8 e III-8, quando confrontados com os animais do subgrupo II-3 e III-3, sugere que a congestão vascular não poderia ser decorrente apenas do processo inflamatório cicatricial, mas também conseqüente ao processo isquêmico.

No presente estudo, a fibrose foi mais intensa nos animais dos grupos II e III sacrificados no oitavo dia pós-operatório, sugerindo que as alterações inflamatórias observadas mais freqüentemente no terceiro dia pós-operatório evoluíram para tecido fibroso, com o aumento do intervalo de tempo entre a operação e o sacrifício, indicando características de cronicidade. Ming & Bonadarpour34, ao avaliar a evolução cronológica das lesões isquêmicas intestinais de cães, observaram também fibrose na camada submucosa, com o aumento do período entre o insulto isquêmico e o sacrifício, a qual se estendeu além das áreas evidentes de mucosa regenerada. Holm et al.36, após a desvascularização do estômago por ligaduras de 90 % do suprimento arterial, observaram uma mucosa gástrica com estroma frouxo e edematoso nos cães sacrificados entre 11 e 22 dias. Cerca de seis a sete semanas após a isquemia, verificou-se a formação de uma estrutura fibrosa densa, especialmente na região subepitelial.

No presente experimento, a combinação da GS com a VGP, ao seccionar as comunicações vasculares da parede gástrica, impedindo a circulação intramural entre os vasos extrínsecos direito e esquerdo do estômago, possivelmente provocou maior redução do fluxo sangüíneo da curvatura menor do remanescente gástrico proximal, em comparação com a área correspondente dos animais submetidos exclusivamente à VGP. O suprimento sangüíneo do remanescente gástrico proximal, após VGP associada à GS, foi potencialmente menor do que aquela observada no coto gástrico, após gastrectomia subtotal distal, pois a liberação do esôfago abdominal, seguindo os preceitos técnicos da VGP, constituiu fator de restrição adicional do suprimento sangüíneo, ao interromper os ramos descendentes da artéria esofagiana torácica inferior e de alguns ramos gástricos oriundos da artéria frênica inferior esquerda, como descrito por Couinaud37.

Embora seja uma complicação pós-operatória incomum da gastrectomia subtotal distal, diversos casos de necrose isquêmica do coto gástrico foram descritos na literatura38-41. Em pacientes com circulação deficiente submetidos à GS, Barber42 enfatizou sobre a possibilidade de necrose do segmento gástrico proximal. Por conseguinte, a associação da VGP à GS apresenta potencial para o surgimento de complicações isquêmicas no remanescente gástrico, sobretudo no lado da curvatura menor.

Diante da maior gravidade das alterações morfológicas observadas nos animais do grupo III, e considerando que essas modificações estruturais não podem ser apenas decorrentes do processo de cicatrização, mas também conseqüente à isquemia, a GS possivelmente agravou o suprimento sangüíneo arterial da parte remanescente da curvatura menor do estômago, já previamente comprometida pela desvascularização conseqüente à vagotomia gástrica proximal. A maior gravidade da isquemia, decorrente da combinação dos procedimentos cirúrgicos seria o fator causal da maior congestão vascular e das alterações histopatológicas observadas na curvatura menor dos animais do grupo III. De outro lado, a VGP, ao determinar menor grau de isquemia, explicaria as alterações morfológicas menos intensa observadas nos animais do grupo II, indicando até certo ponto uma relação proporcional entre os achados histopatológicos e a intensidade do processo isquêmico.

Em preparações de estômagos de cães submetidos a redução mecânica do fluxo sangüíneo, Bowen & Garg43, considerando as medidas da tensão de oxigênio intracelular e da diferença de potencial elétrico transmembrana em células epiteliais de mucosa, sugeriram a existência de fatores de segurança na circulação gástrica, os quais permitem a redução de 60% no fluxo sangüíneo gástrico sem interferência no metabolismo da mucosa por deficiência de oxigênio intracelular.

No presente estudo, como não houve o desenvolvimento de necrose tecidual, conclui-se que não foi ultrapassado o nível crítico de redução no suprimento sangüíneo. Após a GS associada à VGP, a eficiência dos mecanismos compensatórios gástricos, através de uma rica rede de ramos anastomóticos intramurais, foi ainda suficiente para a manutenção da vitalidade da parede gástrica, impedindo o desenvolvimento de complicações isquêmicas. Todavia, qualquer fator agravante do processo isquêmico, tais como circunstâncias anatômicas da curvatura menor desfavoráveis, condições clínicas do paciente, doenças associadas, lesões inadvertidas durante a realização dos procedimentos operatórios e o acréscimo de procedimentos cirúrgicos complementares, ao exceder a capacidade de compensação circulatória, transpondo o limiar crítico, poderá determinar o desenvolvimento de necrose tecidual na área desvascularizada da curvatura menor.

SUMMARY

Morphologic changes of the lesser gastric curvature after segmental gastrectomy associated to proximal gastric vagotomy. Experimental study in dogs.

The segmental gastrectomy of the body of the stomach, combined with proximal gastric vagotomy, has been indicated in the treatment of duodenal ulcer, especially in patients with major risk of the recurrent ulceration.

PURPOSE: To evaluate the histopathologic changes, secondaries to combined corporeal segmental gastrectomy and proximal gastric vagotomy, in the lesser curvature of the stomach.

METHODS: Thirty-six adult mongrel dogs weighing between 10 to 20 kg were divided into three groups of twelve animals each: Group I animals (control) were submitted to laparotomy and gastric manipulation; Group II, animals underwent proximal gastric vagotomy; and Group III, animals underwent corporeal segmental gastrectomy combined with proximal gastric vagotomy. Each group was subdivided into two subgroups of six animals each, and according to the subgroup, the animals were then sacrificed on the third or in the eighth postoperative day. A fragment of the lesser curvature was removed from each stomach for microscopic study.

RESULTS: Regarding edema, vascular congestion, inflammatory exudate, fibrosis and cell damage; histopathologic changes found in animals sacrificed in the same postoperative day were slight in Group I, moderate in Group II and intense in the group III. Although nonspecific, the character and site of the lesions were similar to the ones occurring in ischemic process. It was also observed a directly proportional relation between severity of morphologic changes and ischemic potentiality of surgical procedure.

CONCLUSION: The segmental gastrectomy probably aggravated the arterial blood supply of the remnant of lesser curvature of the stomach, which was already compromised by desvascularization consequent to proximal gastric vagotomy.

KEY WORDS: Duodenal ulcer. Gastrectomy. Proximal gastric vagotomy.

Trabalho parcialmente financiado pela CAPES.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Out 2000
  • Data do Fascículo
    Jun 2000
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