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Aplicabilidade da escala de Torrington e Henderson

Applicability of the Torrington and Henderson scale

Resumos

OBJETIVO: Validar a escala de Torrington e Henderson na estratificação do risco cirúrgico da nossa população, fornecendo a quantificação do mesmo. Tipo de estudo: coorte prospectivo longitudinal. Duração do estudo: 30 meses. MÉTODOS: Foram avaliados 1162 pacientes no pré-operatório de cirurgia geral eletiva no Ambulatório de Risco Cirúrgico da Disciplina de Pneumologia da EPM/Unifesp. De acordo com a escala de Torrington e Henderson os pacientes foram classificados no período pré-operatório em portadores de baixo (n=785), moderado (n=317) e alto risco (n=60) para a ocorrência de complicações pulmonares e óbito, no período pós-operatório. No pós-operatório realizou-se avaliação clínica diária dos mesmos até alta hospitalar ou óbito verificando-se a ocorrência das seguintes complicações pulmonares neste período: infecção respiratória aguda (pneumonia ou traqueobronquite),atelectasia, insuficiência respiratória aguda, entubação orotraqueal ou ventilação mecânica por mais de 48 horas e broncoespasmo. RESULTADOS: Complicações pulmonares no pós-operatório ocorreram em 6,1% dos pacientes de baixo risco, 23,3% nos de moderado e 35% nos de alto risco (p < 0,05). O risco relativo de ocorrer complicações pulmonares foi de 3,8 vezes para os pacientes de moderado risco e de 5,7 vezes para os de alto risco em relação aos de baixo risco. A incidência de óbito de causa pulmonar no pós-operatório foi, respectivamente, de 1,7%, 6,3 e 11,7% entre os pacientes de baixo, moderado e de alto risco (p < 0,001). O risco relativo de óbito pulmonar foi de 3,7 vezes para os pacientes de moderado risco e de 6,9 vezes para aqueles de alto risco em relação aos de baixo risco. CONCLUSÃO: A escala de Torrington e Henderson é útil na estratificação do risco cirúrgico nesta população estudada .

Cuidados pré-operatórios; Cuidados pós-operatórios; Complicações pós-operatórias; Teste de função respiratória


PURPOSE: To validate the Torrington & Henderson preoperative risk assessment program in the population of surgical patients in an university hospital (Hospital São Paulo, UNIFESP, São Paulo, Brasil). MATERIAL AND METHODS: We evaluated 1162 patients who underwent to major thoracic, upper and under abdominal surgery using the Torrington & Henderson program. The patients were classified in low (785), moderate (317) and high risk (60). All patients were accompanied daily during the postoperative period by the same medical team which assessed the preoperative period, until discharged or died. RESULTS: The postoperative pulmonary complications were present in 6,1%, 23,3% and 35,0% in the low, moderate and high risk respectively. The relative risk to develop postoperative pulmonary complications was 3,8 higher in the patients with moderate risk and 5,7 higher in the patients with high risk. The mortality rate due to pulmonary complications was 1,7%, 6,3% and 11,7% respectively in the patients with low, moderate and high risk. The relative risk to the death was 3,7 higher in the patients with moderate risk and 6,9 in the high risk. CONCLUSION: We concluded that the Torrington & Henderson preoperative risk assessment program can identify in our population patients who will develop postoperative pulmonary complications.

Preoperative assessment; Postoperative pulmonary complications; Pulmonary function test


Artigo Original

Aplicabilidade da escala de Torrington e Henderson

S.M. Faresin, J.A. de Barros, O.S. Beppu, C. de A. Peres, A.N. Atallah

.

Disciplina de Pneumologia da Escola Paulista de Medicina - UNIFESP, São Paulo, SP

RESUMO- OBJETIVO: Validar a escala de Torrington e Henderson na estratificação do risco cirúrgico da nossa população, fornecendo a quantificação do mesmo. Tipo de estudo: coorte prospectivo longitudinal. Duração do estudo: 30 meses.

MÉTODOS: Foram avaliados 1162 pacientes no pré-operatório de cirurgia geral eletiva no Ambulatório de Risco Cirúrgico da Disciplina de Pneumologia da EPM/Unifesp. De acordo com a escala de Torrington e Henderson os pacientes foram classificados no período pré-operatório em portadores de baixo (n=785), moderado (n=317) e alto risco (n=60) para a ocorrência de complicações pulmonares e óbito, no período pós-operatório. No pós-operatório realizou-se avaliação clínica diária dos mesmos até alta hospitalar ou óbito verificando-se a ocorrência das seguintes complicações pulmonares neste período: infecção respiratória aguda (pneumonia ou traqueobronquite),atelectasia, insuficiência respiratória aguda, entubação orotraqueal ou ventilação mecânica por mais de 48 horas e broncoespasmo.

RESULTADOS: Complicações pulmonares no pós-operatório ocorreram em 6,1% dos pacientes de baixo risco, 23,3% nos de moderado e 35% nos de alto risco (p < 0,05). O risco relativo de ocorrer complicações pulmonares foi de 3,8 vezes para os pacientes de moderado risco e de 5,7 vezes para os de alto risco em relação aos de baixo risco. A incidência de óbito de causa pulmonar no pós-operatório foi, respectivamente, de 1,7%, 6,3 e 11,7% entre os pacientes de baixo, moderado e de alto risco (p < 0,001). O risco relativo de óbito pulmonar foi de 3,7 vezes para os pacientes de moderado risco e de 6,9 vezes para aqueles de alto risco em relação aos de baixo risco.

CONCLUSÃO: A escala de Torrington e Henderson é útil na estratificação do risco cirúrgico nesta população estudada .

UNITERMOS: Cuidados pré-operatórios. Cuidados pós-operatórios. Complicações pós-operatórias. Teste de função respiratória.

INTRODUÇÃO

A freqüência dos procedimentos cirúrgicos aumentou progressivamente nas últimas décadas. Atualmente estima-se que 14 milhões de cirurgias são realizadas anualmente nos Estados Unidos e cerca de 40% das hospitalizações neste país envolvam algum tipo de tratamento cirúrgico1,2.

As complicações pulmonares pós-operatórias (CPP) são uma fonte significativa de morbidade e mortalidade no pós-operatório, sendo o resultado de uma complexa interação de fatores de risco clínicos associados principalmente ao tipo de procedimento cirúrgico realizado3.

A avaliação pulmonar pré-operatória é parte integrante do preparo de muitos pacientes para uma cirurgia, com o objetivo de identificar aqueles com risco aumentado de morbidade e mortalidade no pós-operatório 4-11. Este risco depende do estado clínico e funcional do paciente e de qual cirurgia será realizada. As investigações nesta área apontam para a análise da associação de múltiplos fatores de risco2,8,10-14. Durante as décadas de 70 e 80 muito valor foi conferido aos resultados espirométricos em detrimento da história clínica e exame físico dos pacientes. Entretanto, nos últimos anos constatou-se que a detecção de sintomas respiratórios e de pneumopatia no período pré-operatório é melhor prognosticador de complicações pulmonares no pós-operatório que a análise dos resultados espirométricos11,15.

Atualmente, recomenda-se a realização de espirometria para pacientes candidatos à ressecção pulmonar, e sintomáticos respiratórios ou pneumopatas candidatos à toracotomia e cirurgia abdominal com incisão acima da cicatriz umbelical16.

Torrington e Henderson17 elaboraram uma escala associando vários fatores de risco conhecidos para a ocorrência de CPP (Quadro), determinando um valor para estes fatores, apoiado somente em observação clínica e cuja somatória final permite graduar o risco de desenvolvimento das mesmas em alto, moderado e baixo. No entanto, não há estudo que comprove a efetividade desta escala na avaliação pré-operatória.


Para tanto, este estudo tem como objetivo avaliar a utilidade da escala de Torrington e Henderson17 na estratificação do risco de ocorrência de CPP e de óbito na nossa população, fornecendo a quantificação do mesmo.

2. Seleção da amostra e métodos

Entre abril de 1990 e outubro de 1992 foram avaliados, no Ambulatório de Risco Cirúrgico da Disciplina de Pneumologia da Escola Paulista de Medicina/Unifesp, 1479 pacientes oriundos do Hospital São Paulo, candidatos a tratamento cirúrgico eletivo. Esta instituição caracteriza-se por ser um hospital geral de atendimento terciário ligado a uma escola médica.

Foram incluídos na amostra pacientes com idade igual ou superior a 10 anos, de ambos os sexos, submetidos a cirurgia geral eletiva, sob anestesia geral ou bloqueio raquimedular.

Foram excluídos da amostra os candidatos à cirurgia eletiva que apresentaram alguma intercorrência que determinou urgência, os pacientes submetidos a cirurgia cardíaca ou por via laparoscópica.

Dos 1479 pacientes encaminhados para a avaliação pré-operatória, 317 (21,4%) não foram incluídos neste estudo e destes, 256 não realizaram a cirurgia proposta inicialmente: 177 por mudança na conduta terapêutica, 27 por recusa do paciente ou familiar, 25 receberam alta hospitalar para retorno posterior que não se efetuou, 23 faleceram no pré-operatório e em quatro pacientes o diagnóstico inicial não foi confirmado. Em nenhum dos casos excluídos houve contra-indicação da cirurgia por motivos clínicos. Sessenta e um pacientes não foram incluídos pois realizaram a cirurgia proposta, mas sob anestesia local ou bloqueio regional.

Foram incluídos no estudo 1189 pacientes, mas somente os dados de 1162 pacientes foram utilizados para as análises posteriores, pois quatro pacientes foram a óbito durante o procedimento cirúrgico e 23 pacientes não apresentavam todos os dados necessários.

Avaliação pré-operatória

Todos pacientes foram avaliados no pré-operatório por questionário padronizado para história clínica e exame físico, e ao analisar as características dos mesmos as seguintes definições foram utilizadas:

a) Cirurgia torácica, abdominal alta e baixa referem-se respectivamente as cirurgias com incisão operatória no tórax, na parede abdominal acima e abaixo da cicatriz umbilical e manipulação intracavitária, enquanto as periféricas referem-se a cirurgias nas extremidades ou com incisão operatória no tórax ou abdome sem manipulação intracavitária.

b) Sintomático respiratório é o portador de tosse aguda ou crônica, expectoração e ou sibilância no momento da consulta8.

c) Fumante atual refere-se ao paciente que fumou no mínimo um ano-maço e ainda está em uso de cigarros no momento ou parou de fumar há menos de 8 semanas da cirurgia8.

d) Pneumopatia crônica refere-se a doença pulmonar de evolução crônica, sintomática, com tratamento atual ou não e com o diagnóstico estabelecido anteriormente ou no momento da avaliação pré-operatória18,19.

Todos os pacientes realizaram radiografia simples de tórax nas incidências póstero-anterior e perfil. O estudo da função pulmonar através da espirometria foi realizado em um subgrupo de pacientes de acordo com os critérios estabelecidos por TISI9 e adaptados por Houston et al.2 candidatos à cirurgia torácica; candidatos à cirurgia abdominal alta com mais de 60 anos ou portador de pneumopatia crônica, ou obesidade mórbida (peso acima de 150% do peso corporal ideal)17 ou fumantes com sintomas respiratórios.

Os procedimentos relativos à obtenção da capacidade vital forçada (CVF) e volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) seguiram as recomendações da American Thoracic Society20,21,22.

Ao final da avaliação pré-operatória, cada paciente foi graduado em relação ao risco de desenvolver CPP conforme a classificação de Torrington e Henderson17 (Quadro). No subgrupo de pacientes que não realizaram a espirometria a graduação foi efetuada atribuindo-se pontuação igual a zero no item correspondente ao teste espirométrico23.

Avaliação pós-operatória

Nesta etapa realizou-se acompanhamento diário de cada paciente desde o pós-operatório imediato até a alta hospitalar ou a ocorrência de óbito. A radiografia de tórax foi solicitada de acordo com o quadro clínico individual. Foram consideradas como CPP as seguintes entidades:

a) Infecção respiratória aguda: pneumonia foi diagnosticada a partir do aparecimento de infiltrado pulmonar recente no radiograma de tórax associado a pelo menos dois dos seguintes sinais: secreção traqueobrônquica purulenta, elevação da temperatura corporal acima de 38,30C e aumento do número de leucócitos circulantes acima de 25% do número basal; traqueobronquite foi diagnosticada pelo aumento da quantidade ou aspecto purulento da secreção traqueobrônquica com radiograma de tórax normal24.

b) Atelectasia com repercussão clínica: evidência de atelectasia pulmonar no radiograma de tórax associada a sintomas respiratórios agudos8.

c) Insuficiência respiratória aguda: quadro clínico resultante da troca gasosa pulmonar agudamente deficiente, ocorrendo a necessidade de ventilação mecânica para o seu tratamento8.

d) Entubação orotraqueal ou ventilação mecânica por mais de 48 horas para tratamento de insuficiência respiratória aguda ou aspiração de secreção traqueobrônquica8.

e) Broncoespasmo: presença de sibilância à ausculta pulmonar associada a sintomas respiratórios agudos e necessidade de terapêutica medicamentosa. Nos pacientes que não apresentavam doença pulmonar pregressa compatível com a presença dos mesmos e naqueles com suspeita de embolia pulmonar ou edema pulmonar foram indicados exames do tipo mapeamento de perfusão, arteriografia pulmonar e até medidas de débito cardíaco e pressão capilar pulmonar com objetivo de afastar-se estes dois últimos diagnósticos. Os casos de broncoespasmo relacionados a intubação ou desintubação dos pacientes não foram computados como CPP8.

Nos pacientes que foram a óbito, determinaram-se as causas principais e secundárias para a evolução fatal. Para isto, consideraram-se os dados de necrópsia e quando esta não foi realizada, os dados clínicos e laboratoriais. As causas de óbitos foram resumidas em dois grandes grupos:

a) Sepse secundária a infecção pulmonar: quadro inflamatório com origem vinculada a processo infeccioso pulmonar no qual surgiram instabilidade hemodinâmica sem resposta a reposição de volume, dependente de drogas vasoativas associado à falência funcional de pelo menos dois grandes sistemas orgânicos25,26.

b) Insuficiência respiratória aguda.

ANÁLISE ESTATÍSTICA

Estabeleceu-se para nível de significância estatística o valor de 5% (p< 0,05) e utilizou-se o teste do quiquadrado (x2cal) para a análise das variáveis. Também, calculou-se o risco relativo com seu intervalo de confiança de 95%, para quantificar a associação entre o fator de risco e o desenvolvimento de CPP27.

CASUÍSTICA

Estudaram-se 1162 pacientes, sendo 573 homens (49,3%) e 589 mulheres (50,7%). A média de idade foi de 58 ± 15 anos com variação de 11 a 95 anos. Entre os pacientes estudados, 400 (34,4%) eram sintomáticos respiratórios. Os fumantes atuais corresponderam a 345 pacientes (29,7%), com média de consumo de cigarros de 33 ± 26 anos-maço com variação de 1 a 264 anos-maço.

Pneumopatia crônica foi diagnosticada em 329 pacientes (28,3%). Os diagnósticos de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e asma brônquica foram os mais comuns (245 casos).

Realizaram a espirometria 464 pacientes (39,9%), com média da relação percentual VEF1/CVF de 73,7 ± 13,0% variando de 16,0 a 99,6%. A média da CVF (porcentagem em relação ao previsto) foi de 92,2 ± 21,8%, variando de 16,0 a 195,0%.

A distribuição dos pacientes de acordo com o local da cirurgia realizada é apresentada na Tabela 1.

RESULTADOS

Na Tabela 2, observa-se que 785 pacientes (67,5%) foram classificados como portadores de baixo risco, 317 de moderado (27,3%) e 60 de alto risco (5,2%) para ocorrência de CPP.

Complicações pulmonares pós-operatórias foram observadas em 143 pacientes (12,3%) perfazendo um total de 298 complicações pulmonares, o que correspondeu a média de dois diagnósticos para cada paciente.

Na Tabela 3, encontra-se a relação destes eventos de acordo com o número de diagnósticos, sendo o evento mais comum a infecção respiratória aguda que ocorreu em 81 pacientes.

As complicações pulmonares ocorreram em 48 pacientes considerados de baixo risco (6,1%), em 74 pacientes de moderado (23,3%) e 21 pacientes de alto risco (35,0%) para ocorrência de CPP (Tabela 4).

A diferença de incidência de complicações pulmonares de acordo com o risco pulmonar obtido no pré-operatório foi estatisticamente significante (p < 0,05).

O risco relativo de ocorrer complicação pulmonar no pós-operatório, considerando-se os pacientes de baixo risco como categoria de referência, foi de 3,8 para os pacientes de moderado risco e de 5,7 para os de alto risco (Tabela 4).

Neste estudo, 76 pacientes (6,5%) foram a óbito no pós-operatório. Entre estes, 40 (52,6%) faleceram por causa pulmonar e 36 (47,4%) por outros motivos.

A insuficiência respiratória aguda de várias etiologias (21 pacientes), seguida por sepse secundária a infecção pulmonar (19 pacientes) foram as causas de óbito decorrentes de complicações pulmonares.

Na Tabela 5 nota-se que óbito de causa pulmonar ocorreu em 13 pacientes considerados de baixo risco (1,7%), em 20 pacientes de moderado risco (6,3%) e 7 pacientes de alto risco (11,7%). Esta diferença nas incidências de óbito de causa pulmonar de acordo com o risco obtido no pré-operatório foi significante (p < 0,001).

O risco relativo de óbito de causa pulmonar no pós-operatório foi de 3,7 para os pacientes de moderado risco e de 6,9 para os de alto risco quando comparados com os de baixo risco (Tabela 5).

DISCUSSÃO

Prever risco é objeto de interesse clínico crescente e as publicações nesta área influenciarão consideravelmente a conduta médica28. O benefício clínico do hábito de determinar risco é significativo e sua aplicação deverá ser de rotina quando os métodos de obtenção se tornarem acurados e baseados em estudos com delineamento epidemiológico adequado.

Na maioria das vezes a avaliação do risco cirúrgico depende estritamente do julgamento clínico que se baseia na experiência individual de cada profissional. Na última década, comparou-se métodos de avaliação fisiológica para prever risco com o julgamento clínico e observou-se que os critérios funcionais foram mais sensíveis29.

O resultado de uma cirurgia depende da interação entre fatores agressores e de defesa. Os fatores de agressão incluem o trauma cirúrgico (anestesia e o procedimento operatório), infecção, doença de base e a necessidade de tratamento coadjuvante (radioterapia e quimioterapia). Os fatores de defesa dependem do sistema imunológico, estado nutricional e a função adequada dos principais órgãos. Estes fatores de proteção são mais difíceis de mensurar e invariavelmente esquecidos na avaliação pré-operatória.

A proposta de classificar a condição pré-operatória para correlação com taxas previstas de mortalidade pós-operatória foi estabelecida em 1963 pela American Society of Anesthesiology (ASA)30.De acordo com ela, a classificação dos pacientes é baseada na gravidade da doença sistêmica e se relaciona com as taxas de mortalidade30.

No entanto, esta classificação é imprecisa, pois não considera a idade, o estado nutricional e a função de determinados órgãos. Associado a isso, grande variabilidade existe entre os observadores na aplicação da escala.

Por outro lado, muitas classificações incluem a função de cada órgão e o risco de óbito associado com a cirurgia, porém sem descrever o paciente como um todo.

A avaliação pulmonar pré-operatória foi baseada durante muitos anos nos testes de função pulmonar em especial o teste espirométrico. Com este hábito, invariavelmente se atribuía menor importância a outros fatores de risco relacionados ao sistema imunológico, ao estado nutricional, ao local e porte da cirurgia, a presença de pneumopatia crônica, sintomas respiratórios e hábito tabágico dos pacientes.

Torrington e Henderson17 relataram uma classificação de risco baseada na evolução prospectiva de 1.476 pacientes submetidos a uma variedade de procedimentos cirúrgicos. Estes autores consideraram como fatores de risco idade superior a 65 anos, obesidade, local da cirurgia, presença de tabagismo, sintomas respiratórios ou de pneumopatia crônica. Associaram a estes elementos os dados espirométricos (CVF e VEF1/CVF) que demonstram o nível de disfunção ventilatória no momento da cirurgia.

No entanto, aqueles autores propuseram a escala citada somente com a intenção de fornecer medidas profiláticas para os pacientes de alto e moderado risco no pré-operatório sem se preocuparem com a quantificação deste risco. Além disso, não há, neste estudo ou posterior a ele, uma demonstração que esta classificação é efetiva em agrupar pacientes com risco pulmonar clinicamente diferentes (baixo, moderado e alto risco)17.

Para demonstrar a efetividade desta escala e quantificar os riscos, a amostra populacional que deveria ser estudada era muito grande e como não havia disponibilidade de realizar espirometria em todos os pacientes, seguimos os critérios de Houston et al.(1987)2, que indicava espirometria para todos os pacientes candidatos à cirurgia torácica ou cirurgia abdominal alta com mais de 60 anos, portadores de doença pulmonar presente no momento da avaliação, tabagistas de qualquer idade com sintomas respiratórios e portadores de obesidade mórbida.

Nos pacientes normais, do ponto de vista clínico e radiológico, atribuiu-se valor zero para a espirometria baseados em trabalho de Faresin et al.23 que observaram comportamento semelhante em relação a incidência de complicações pulmonares e mortalidade no pós-operatório de pacientes normais do ponto de vista clínico-radiológico com espirometria normal e pacientes normais do ponto de vista clínico-radiológico que não realizaram espirometria porque não havia indicação para tal.

Como o objetivo deste estudo foi validar a escala de Torrington e Henderson17, procurou-se correlacionar a incidência de complicações pulmonares e de óbito de causa pulmonar no pós-operatório com os riscos obtidos através da utilização desta escala durante a avaliação pré-operatória.

Observou-se que a incidência de CPP foi de 6,1% entre os pacientes de risco pulmonar baixo, de 23,3% entre aqueles de moderado risco e de 35% para os de alto risco. Estas diferenças de incidência são estatisticamente significantes (p < 0,001 para o baixo risco e p < 0,02 entre o moderado e alto risco).

Com estas taxas de incidência de complicações pulmonares, observa-se que o risco relativo de desenvolver tais complicações no pós-operatório de cirurgia geral, considerando o grupo de baixo risco como categoria de referência, é de 3,8 vezes para os pacientes de risco moderado e de 5,7 vezes para aqueles de alto risco.

A incidência de mortalidade de causa pulmonar no pós-operatório foi de 1,7% entre os pacientes de baixo risco, de 6,3% entre aqueles de moderado risco e de 11,7% para os de alto risco pulmonar, com diferença estatisticamente significante entre estes três grupos. O risco relativo de óbito de causa pulmonar foi de 3,7 vezes para os pacientes de risco pulmonar moderado e de 6,9 vezes para os de alto risco pulmonar ao se comparar com o grupo de doentes com baixo risco pulmonar.

Portanto, estes resultados evidenciam que o grupo de pacientes de baixo risco apresentaram menos complicações pulmonares e menor mortalidade que os pacientes de moderado e alto risco. Entretanto, embora a incidência de complicações pulmonares seja maior entre os pacientes de alto risco em relação aos de moderado risco, não há diferenças na incidência de mortalidade entre estes dois grupos. Isso eqüivale dizer, que quando um paciente portador de risco moderado apresenta uma CPP, a chance de ocorrência de óbito é igual a de um paciente de alto risco. Essa é a única situação na qual a escala não consegue discriminar os grupos.

Esta escala não tem como objetivo avaliar o risco de ocorrência de complicações pulmonares em cirurgias específicas sejam elas torácicas, abdominais ou periféricas. Nossa casuística espelha o volume de pacientes que cada enfermaria cirúrgica tem dentro desta instituição. Dessa forma, as cirurgias periféricas e as cirurgias realizadas na cavidade abdominal foram as mais freqüentes e as torácicas em menor número. Sem dúvida nenhuma são as cirurgias torácicas as que carreiam maior risco de CPP no pós-operatório31. Entretanto, a análise estatística em separado deste tipo de cirurgia, pelo número reduzido nesta amostra não seria possível (n=70), principalmente se pretendessemos separar as cirurgias torácicas com ressecção pulmonar.

De qualquer maneira, como acreditamos que o local da cirurgia seja realmente o fator cirúrgico mais importante, já foram realizados nesta instituição estudos pormenorizados com cirurgias especificamente no andar superior do abdome15,32-35 e em cirurgia periférica, mais precisamente em neurocirurgia36,37.

Ocorre, porém, que a escala de Torrington e Henderson17 por ser globalizante, facilmente aplicável e tornando-se desnecessária a realização da espirometria em todos os pacientes27, nos parece um instrumento capaz de nortear os médicos que rotineiramente trabalham com avaliação de risco para ocorrência de CPP. Além disso, permite padronizar condutas e comparar resultados entre serviços com o mesmo perfil ou num mesmo serviço ao longo do tempo.

Assim, comprova-se a validade da utilização clínica durante a consulta pré-operatória da escala de Torrington e Henderson17, visto que esta consegue estratificar adequadamente os pacientes de baixo, moderado e alto risco para ocorrência de complicações pulmonares e de óbito de causa pulmonar no pós-operatório de cirurgia geral eletiva. O mais importante, sem dúvida, desta estratificação é garantir que estratégias específicas e medidas profiláticas sejam dispensadas aos pacientes de maior risco.

SUMMARY

Applicability of the Torrington and Henderson scale

PURPOSE: To validate the Torrington & Henderson preoperative risk assessment program in the population of surgical patients in an university hospital (Hospital São Paulo, UNIFESP, São Paulo, Brasil).

MATERIAL AND METHODS: We evaluated 1162 patients who underwent to major thoracic, upper and under abdominal surgery using the Torrington & Henderson program. The patients were classified in low (785), moderate (317) and high risk (60). All patients were accompanied daily during the postoperative period by the same medical team which assessed the preoperative period, until discharged or died.

RESULTS: The postoperative pulmonary complications were present in 6,1%, 23,3% and 35,0% in the low, moderate and high risk respectively. The relative risk to develop postoperative pulmonary complications was 3,8 higher in the patients with moderate risk and 5,7 higher in the patients with high risk. The mortality rate due to pulmonary complications was 1,7%, 6,3% and 11,7% respectively in the patients with low, moderate and high risk. The relative risk to the death was 3,7 higher in the patients with moderate risk and 6,9 in the high risk.

CONCLUSION: We concluded that the Torrington & Henderson preoperative risk assessment program can identify in our population patients who will develop postoperative pulmonary complications.

KEY WORDS: Preoperative assessment. Postoperative pulmonary complications. Pulmonary function test.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Out 2000
  • Data do Fascículo
    Jun 2000
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