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O diagnóstico molecular da infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV-1) em crianças entre dois e 24 meses

Panorama Internacional

Pediatria

O DIAGNÓSTICO MOLECULAR DA INFECÇÃO PELO VÍRUS DA IMUNODEFICIÊNCIA HUMANA (HIV-1) EM CRIANÇAS ENTRE DOIS E 24 MESES

O vírus da imunodeficiência humana do tipo 1 (HIV-1) passou a acometer proporções progressivamente maiores de mulheres jovens, com potencial transmissão para o feto/recém-nascido. Essas crianças nascem com anticorpos de transferência passiva, portanto, a sorologia não poderá ser utilizada para o estabelecimento do diagnóstico. O "clareamento" dos anticorpos maternos na circulação da criança ocorre até os dois anos de idade. Desta forma, como os métodos moleculares para a detecção do HIV não eram recomendados em crianças de menos de dois anos, o diagnóstico de certeza só ocorria antes do segundo ano de vida caso a criança apresentasse alguma manifestação precoce da infecção pelo HIV (infecções oportunistas). Em Janeiro do corrente ano, a Coordenação Nacional de DST e AIDS publicou um fluxograma no qual é regulamentado o uso da carga viral para o HIV (método quantitativo), para o diagnóstico da infecção em crianças entre 2 e 24 meses de idade.

Após o emprego de vários recursos laboratoriais, tais como os métodos de detecção de antígenos, do DNA-proviral, concluiu-se que o melhor mesmo seria detectar, pelo uso de técnicas moleculares, o próprio RNA viral. Restava, então, saber quando fazer o teste, sua sensibilidade e especificidade de acordo com a época em que fosse realizado, e ainda a necessidade ou não de repeti-lo, a exemplo do que ocorre com a sorologia para adultos. Assim, foi publicado um fluxograma pela Coordenação Nacional de DST e AIDS (portaria no. 488/98/ SVS/MS de Janeiro de 2000) dirigido à população de crianças entre 2 e 24 meses de idade, no qual verifica-se muitas diferenças em relação àquele preconizado para crianças com idade superior a dois anos e adultos. O diagnóstico depende apenas de técnicas moleculares quantitativas, embora, a rigor, não houvesse necessidade de que elas fossem quantitativas. Ocorre que os testes moleculares qualitativos comercializados, via de regra, detectam DNA viral e não o RNA. Essa técnica para DNA emprega "primers" ou iniciadores (no caso do PCRR) de primeira geração que já se revelaram insensíveis para detectar subtipos do HIV-1 diferentes do B clássico. Há vários relatos de pacientes no Brasil com variantes do subtipo B e outros, do subtipo F, C e D. Por razões técnicas, é razoável imaginar que o mesmo fenômeno seja observado quando se emprega a técnica de NASBAR. Quanto ao teste para a detecção quantitativa de RNA, houve uma padronização com "primers" de segunda geração, que detectam satisfatoriamente outros subtipos distintos do B clássico. Daí a razão para se empregar o teste quantitativo, e não o qualitativo. Além disso, os PCR-quantitativos ultra-sensíveis, tiveram sua sensibilidade melhorada, e são capazes de detectar 40-50 cópias virais por mililitro de plasma, aproximando-se do limiar de detecção de um teste qualitativo, se é que essa sensibilidade é necessária no caso de crianças, pois estas costumam apresentar cargas virais muito elevadas.

Quanto à necessidade de repetição dos testes reagentes ou detectáveis, prende-se à segurança que se quis imprimir ao diagnóstico laboratorial e evitar a contaminação ou a troca de amostras. Dessa forma, nenhuma criança terá o diagnóstico baseado em apenas uma determinação, ainda que seja um teste molecular. Um último detalhe a ser comentado, seria a necessidade de repetição do teste quando a primeira determinação estivesse negativa. Há espaço para discussão desse tópico, uma vez que a sensibilidade nessa época (entre 2 e 24 meses), em uma única determinação, devesse ser muito elevada. Eventualmente, a motivação do grupo que redigiu a norma fosse estabelecer que o resultado negativo também devesse ser confirmado em uma segunda amostra, a exemplo do que deve ser feito com as amostras positivas.

Comentário

Esse procedimento diagnóstico representa um avanço sobre tantos outros que temos no Brasil e que, embora realizados há décadas, carecem de uma padronização mínima. É importante salientar que o exame pode ser realizado em crianças a partir de duas semanas de idade, desde que seja repetido após duas semanas, muito embora o fluxograma não preconize a realização do mesmo antes dos dois meses. A exemplo do que foi feito para a criação do fluxograma acima citado, outros grupos de trabalho poderiam ser reunidos para organizar fluxogramas semelhantes para outras situações tão relevantes e freqüentes quanto esta. Fica a sugestão.

Thelma Suely Okay

Celso F. H. Granato

Referências

• HIV-1 RNA detection in plasma for the diagnosis of infection in neonates.

Delamare C; Burgard M; Mayaux MJ; Blanche S; Doussin A; Ivanoff S; Chaix NL; Rouzinoux C. J-Acquir-Immune-Defic-Syndr-Hum-Retrovirol 1997 Jun 1; 15(2): 121-125.

• Early detection of perinatal human immunodeficiency virus (HIV) type 1 infections using HIV RNA amplification and detection. New York City Perinatal HIV Transmission Collaborative Study. Steketee RW; Abrahams EJ; Thea DM; Brown TM; Lambert G; Orloff S; Weedom J; Bamji M; Schoenbaum EE; Rapier J; Kalish ML. J. Infect. Dis. 1997 Mar; 175 (3): 707-711.

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• Comparison of human immunodeficiency virus 1 DNA polymerase chain reaction and qualitative and quantitative RNA polymerase chain reaction in human immunodeficiency virus 1-exposed infants. Cunningham CK; Charbonneau TT; Song K; Patterson D; Sullivan T; Cummins T; Poiesz B. Pediatr Infect Dis J 1999 Jan; 18(1): 30-35.

• RNA viral load test for early diagnosis of vertical transmission of HIV-1 infection (letter). Souza IE; Azevedo ML; Succi RC; Machado DM; Diaz RS. J Acquir Immune Defic Syndr 2000 Apr 1; 23(4): 358-60.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jan 2001
  • Data do Fascículo
    Out 2000
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