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Protocolo assistencial para o parto de gestantes portadoras do HIV

Diretrizes

Obstetrícia

PROTOCOLO ASSISTENCIAL PARA O PARTO DE GESTANTES PORTADORAS DO HIV

Os diferentes estudos sobre a transmissão vertical do HIV sugerem que as maiores probabilidades de contaminação ocorrem pela exposição fetal ao vírus durante o trabalho de parto e parto em si; mas seu exato mecanismo ainda é desconhecido. Muitos fatores têm sido considerados nas avaliações, dentre os quais, a via de parto. No final da década passada, as pesquisas relataram dados estatísticos englobando mais de 7800 pares de mães-crianças, apontando para uma relação significativa entre o modo de parto e a transmissão vertical do HIV. As evidências acumuladas, principalmente antes do uso de terapêutica antiretroviral altamente ativa (HAART) e sem quaisquer dados de carga viral materna, indicavam que a cesárea eletiva reduzia a probabilidade da transmissão vertical desse vírus, quando comparada à cesárea de urgência e ao parto vaginal. Essa redução também foi observada nas gestantes, com ou sem tratamento de zidovudina (ZDV), submetidas à cesárea eletiva. Sabe-se que, na ausência de terapia anti-retroviral, o risco da transmissão vertical é de aproximadamente de 25% e que com ZDV o risco é reduzido para 5-8%. O emprego de ZDV e a realização da cesárea eletiva faz cair o risco para aproximadamente 2% e um risco semelhante de transmissão (2%) também é observado entre mulheres com carga viral menor de 1000 cópias/ ml, mesmo sem o uso sistemático de cesárea eletiva. Até agora, nenhuma combinação de terapias garante que o RN não será infectado. Mesmo com o advento de novos tratamentos, ainda não está totalmente elucidado se a cesárea eletiva diminuiria a transmissão vertical da gestante sob HAART ou daquela com carga viral indetectável. Os dados disponíveis também são insuficientes para se estabelecer definitivamente quanto tempo após o início do trabalho de parto, ou da rotura das membranas, esse benefício da redução estaria perdido. Está claro, no entanto, que a morbidade materna da paciente HIV +, como de qualquer gestante, é maior com a cesárea, comparada ao parto vaginal, sendo que o aumento da morbidade pós-parto parece ser maior entre aquelas com baixa contagem de linfócitos CD4. Muitas questões permanecem sem solução, principalmente por não haver dados suficientes que permitam respostas exatas. Em razão do exposto acima, com a finalidade de acumular casuística e dados próprios para estabelecer condutas mais adequadas para o parto da gestante HIV+ atendida no Serviço, a partir de setembro de1998 adotou-se na Clínica Obstétrica do Hospital das Clínicas da FMUSP um protocolo assistencial com as seguintes recomendações:

1-Realizar a cesárea eletiva (com 38 semanas completas, membranas íntegras e fora de trabalho de parto) para toda gestante HIV+ atendida no pré-natal, respeitando-se a autonomia da paciente para decidir sua preferência pelo tipo de parto, após ser informada dos conhecimentos atuais sobre transmissão vertical. A idade gestacional para interrupção eletiva segue a orientação do Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas que recomenda que a cesárea eletiva deva ser feita com 38 semanas completas para a gestante com HIV, objetivando reduzir a probabilidade do início de trabalho de parto ou a rotura das membranas. A técnica empregada é a cesárea "sem sangue"(bloodless), com cauterização sistemática dos vasos sangüíneos e retirada do feto empelicado, sempre que possível. A cesárea de urgência é recomendada para os fetos prematuros, nas pacientes em trabalho de parto e indicação obstétrica de via alta, e naquelas com menos de 4 horas de rotura de membranas. O parto vaginal é realizado, salvo contra-indicações obstétricas, se há trabalho de parto avançado e/ou rotura de membranas além de 4 horas. Neste caso, está indicado conduzir ativamente o parto com ocitocina, lavar a cavidade vaginal removendo-se mecanicamente seu conteúdo, evitar procedimentos invasivos e toques repetidos, retardar a rotura da bolsa até o período expulsivo, evitar a episiotomia e o parto instrumentado.

2- Ministrar zidovudina (EV) em todos os casos, independentemente do esquema de tratamento anti-retroviral usado pela gestante, na dose de 2 mg/kg/na primeira hora e 1mg/kg/hora subseqüente até o nascimento. A medicação deve ser diluída em 100ml de soro fisiológico e interrompida após a extração fetal. É importante ressaltar que níveis sangüíneos adequados dessa droga são alcançados apenas se a infusão é iniciada pelo menos 3 horas antes da incisão, no caso de cesárea eletiva.

3- Ministrar antibiótico profilático (cefalotina) na dose de 1g EV após o clampeamento do cordão, repetindo-se a mesma dose após 4 horas.

4- Clampear imediatamente o cordão.

5- Aspirar delicadamente o RN e lavá-lo em sala, após os cuidados rotineiros.

6-Ministrar zidovudina (solução oral) para o recém-nascido, 2mg/kg cada 6 horas, por 6 semanas, iniciando com 6 a 8 horas de vida.

7- Contra-indicar o aleitamento materno, inibindo a lactação de preferência com medidas clínicas (enfaixamento das mamas, compressas geladas, etc).

Comentário

Os resultados da abordagem terapêutica para redução da transmissão materno-infantil (TMI) do HIV-1 devem ser observados com cautela. É indispensável que mais dados sobre a segurança e farmacocinética dos anti-retrovirais na gestação e feto estejam disponíveis. As conseqüências da ZDV na gestação, incluindo o risco para resistência e doença mitocondrial, do uso de anti-retrovirais potentes em esquemas combinados para a redução drástica da carga viral, precisam ser avaliadas por vários anos. Não existem dados disponíveis para corroborar a hipótese da eficácia teórica dessas drogas, isoladamente, na prevenção da TMI. A cesárea eletiva comprovadamente diminui os riscos, mas pode acarretar morbidades que precisam ser consideradas. Conhecimentos profundos de genética, biologia molecular, imunobiologia e virologia fazem-se essenciais para o desenvolvimento e reavaliação de estratégias em protocolos assistenciais, objetivando a erradicação da TMI.

ROSA MARIA AVEIRO DE SOUZA RUOCCO

Referências

1. American College of Obstetricians and Gynecologists Committee Opinion. Scheduled cesarean delivery and the prevention of vertical transmission of HIV infection. number 234, may 2000.

2. The women and infants transmission study investigators. Trends in mother-to-infant transmission of HIV in the WITS cohort: impact of 076 and HAART therapy. Presented at the XIII International AIDS Conference, Durban, South Africa, july 2000, abstract LBOr4.

3. Public Health Service Task Force Recommendations for use of antiretroviral drugs in pregnant HIV-1 infected women for maternal health and interventions to reduce perinatal HIV-1 transmission in the United States. Perinatal HIV Guidelines Working Group Members, January 2001.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Nov 2001
  • Data do Fascículo
    Set 2001
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