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A criança e o diagnóstico: o pediatra deve contar à criança doente seu diagnóstico?

À beira do leito

Bioética

A CRIANÇA E O DIAGNÓSTICO. O PEDIATRA DEVE CONTAR À CRIANÇA DOENTE SEU DIAGNÓSTICO?

A transmissão do diagnóstico é um momento especial na prática médica. Pontua um processo de escuta, investigação e análise que se desencadeia a partir do pedido de ajuda que o paciente encaminha a seu médico. Também permite a elaboração e o planejamento do tratamento, sendo referencial para pensar-se nas possibilidades de evolução e prognóstico. Se para o clínico o estabelecimento do diagnóstico organiza seu trabalho e programa os passos de suas intervenções, para o paciente determina efeito semelhante.

Saber o nome e entender as implicações de sua doença possibilita ao paciente repensar-se frente a esta realidade, programando sua vida dentro de novos contornos, atuando a partir de alternativas reais, com a autonomia e controle possíveis a que tem direito.

Muito se tem discutido nestes últimos tempos acerca dos direitos e deveres que permeiam a prática médica, mais precisamente em nosso tema, a questão do diagnóstico, a quem pertence? Embora esta discussão envolva aspectos éticos, jurídicos, sociais, sempre relativos e mutantes, parece haver hoje consenso razoável quanto ao fato de ser o diagnóstico um atributo do ato médico e um direito do paciente ter acesso a ele (por mais difícil que possa ser a sua revelação).

Em Pediatria, a questão da transmissão do diagnóstico adquire outras nuances por ser a criança um sujeito tutelado pelos pais ou responsáveis, deles dependente, com autonomia, na melhor das hipóteses, relativa. Como os pais, responsáveis e médicos habitualmente pensam-se sabendo o que é melhor para a criança e atuam com a intenção de protegê-la, a transmissão do diagnóstico a ela (criança) raramente é encarada como uma tarefa.

A partir da década de 70, torna-se mais comum a comunicação do diagnóstico à criança, principalmente entre profissionais americanos e europeus.

Esta nova perspectiva de trabalho inicia-se, sobretudo, na área de oncologia. Até então, pensava-se com freqüência a criança como um sujeito incapaz de ter entendimento da doença, morte, sofrimento, tratamentos e que deveria ser "protegida" do impacto emocional determinado por essas duras realidades (como se fosse possível tratar a criança doente a pesar dela mesma).

A nova visão de infância que vem se estabelecendo, principalmente a partir da influência da psicanálise na Pediatria, do reconhecimento dos efeitos benéficos de manter a criança ao par de seu diagnóstico e tratamento e uma crescente movimentação de profissionais comprometidos com a dimensão ética das relações médico-paciente, determinaram novas posturas frente à revelação do diagnóstico à criança.

Parece aceitável, então, responder à pergunta inicial de maneira afirmativa. No entanto, importa reconhecer que esta transmissão deve ser efetuada levando-se em conta o sujeito particular que cada criança é: seu momento de desenvolvimento, suas possibilidades de apreensão intelectual, suas demandas, seu "tempo". Deve-se respeitar a criança com suas possibilidades e desejos.

A família deve ser ouvida e, sempre que possível, envolvida nesta tarefa. As discordâncias devem ser consideradas objeto de trabalho a ser realizado: identificadas, analisadas, repensadas. Para o profissional, a aceitação desta tarefa certamente significa um trabalho a mais, muitas vezes complicado e doloroso, mas com prováveis benefícios e gratificações compensadoras.

PILAR LECUSSÁN

Referências

1. Instone SlJ. Perceptions of children with HIV infection when not told for so long. Implications for diagnosis disclosure. Pediatr. Health Care 2000; 14:235-243.

2. Disclosure of illness status to children and adolescents with HIV infection. American Academy of Pediatrics. Committee on Pediatrics AIDS. Pediatrics 1999; 103: 164-6.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jan 2002
  • Data do Fascículo
    Dez 2001
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