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Colpocitologia em ambulatório de ginecologia preventiva

Colpocytology in a preventive gynecological ambulatory

Resumos

OBJETIVOS: Avaliar os resultados de colpocitologia oncótica de mulheres atendidas em ambulatório de ginecologia preventiva (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo). MÉTODOS: Foram estudadas 6821 mulheres submetidas a exame clínico e ginecológico com realização de colpocitologia oncótica pela técnica de Papanicolaou. Estas mulheres foram consideradas conforme a faixa etária em três grupos: abaixo de 40 anos, entre 41 e 60 anos e acima de 60 anos. RESULTADOS: Amaioria das mulheres reconhecem tanto a necessidade da colpocitologia como sua periodicidade, principalmente entre as mais jovens. As mulheres acima de 60 anos eram as que mais referiam (54,1%) não conhecer a necessidade da colpocitologia oncótica, nem sua periodicidade (58,8%); o grupo que melhor referia conhecimento da necessidade e periodicidade da colpocitologia oncótica foi o de mulheres entre 40 e 60 anos. O material foi considerado insuficiente para análise em 15,1% ou inadequado em 1,1%, sendo os resultados: classe I (21,7%), II (59,9%), III (2,0%), IV (0,1%) e V (0,1%). Não houve diferença significativa em relação à distribuição dos casos de neoplasia intraepitelial (NIC) entre as faixas etárias. O achado microbiológico mais freqüente foi Gardnerella sp. (8,6%). Presença de papilomavírus humano (HPV) foi significativamente menor nas mulheres acima de 60 anos. CONCLUSÕES: O diagnóstico de alterações colpocitológicas relacionadas a neoplasias foi de 2,2% com detecção de Gardnerella sp. como o agente microbiológico mais prevalente por este método. A distribuição de infecção pelo HPV mostrou declínio com o aumento da faixa etária. As mulheres mais velhas foram as que menos apresentavam conhecimento sobre a realização de colpocitologia.

Colpocitologia oncótica; Ginecologia preventiva; Câncer de colo uterino


BACKGROUND: evaluate the results of Pap smear in women attended at a gynecology preventive ambulatory (University of São Paulo Medical School Clinical Hospital). METHODS: 6821 women were submitted to a medical interview, clinical and gynecologic exam. Cervical and vaginal cytology (Pap smear) were analyzed according to the Papanicolaou method and classification. All women were grouped according to their age into three categories:under 40 years old, between 41 and 60 years and over 60 years. RESULTS: most of them, and mainly the younger ones, had been submitted to a previous Pap smear in a period shorter than 1 year (44.2%). The majority of women recognized the usefulness of the exam and knew its interval; the group that best knew its importance and interval was the one with ages between 41 and 60 years, while most women over 60 years did not know both its importance and interval. Cytological material was considered insufficient for analysis in 15,1% and inadequate in 1.1%, and for those with adequate material results were classes I (21.7%), II (59.9%), III (2.0%), IV (0.1%) and V (0.1%). Distribution of cervical intraepithelial neoplasia (CIN) were similar in the three groups. The main microbiologic findings was Gardnerella sp. (8,6%) and Human papillomavirus (HPV) incidence was significantly lower among women over 60 years. CONCLUSION: Cytological diagnoses of neoplastic modifications were performed in 2,2% and Gardnerella sp. was the most prevalent microbiologic agent. Distribution of HPV showed a decrease with age. Older women had lower knowledge on the importance of regular Pap smear examination.

Pap smear; Cervical cancer; Preventive gynecology


Artigo Original

COLPOCITOLOGIA EM AMBULATÓRIO DE GINECOLOGIA PREVENTIVA

E.V. DA MOTTA* * Correspondência: Av Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255-10 o andar São Paulo-SP - Cep: 05403-900 Tel.: (11) 3069-6747 , A.M. DA FONSECA, V.R. BAGNOLI, L. DE O. RAMOS, J.A. PINOTTI

Trabalho realizado na Divisão de Ginecologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

RESUMO ¾ OBJETIVOS: Avaliar os resultados de colpocitologia oncótica de mulheres atendidas em ambulatório de ginecologia preventiva (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).

MÉTODOS: Foram estudadas 6821 mulheres submetidas a exame clínico e ginecológico com realização de colpocitologia oncótica pela técnica de Papanicolaou. Estas mulheres foram consideradas conforme a faixa etária em três grupos: abaixo de 40 anos, entre 41 e 60 anos e acima de 60 anos.

RESULTADOS: Amaioria das mulheres reconhecem tanto a necessidade da colpocitologia como sua periodicidade, principalmente entre as mais jovens. As mulheres acima de 60 anos eram as que mais referiam (54,1%) não conhecer a necessidade da colpocitologia oncótica, nem sua periodicidade (58,8%); o grupo que melhor referia conhecimento da necessidade e periodicidade da colpocitologia oncótica foi o de mulheres entre 40 e 60 anos. O material foi considerado insuficiente para análise em 15,1% ou inadequado em 1,1%, sendo os resultados: classe I (21,7%), II (59,9%), III (2,0%), IV (0,1%) e V (0,1%). Não houve diferença significativa em relação à distribuição dos casos de neoplasia intraepitelial (NIC) entre as faixas etárias. O achado microbiológico mais freqüente foi Gardnerella sp. (8,6%). Presença de papilomavírus humano (HPV) foi significativamente menor nas mulheres acima de 60 anos.

CONCLUSÕES: O diagnóstico de alterações colpocitológicas relacionadas a neoplasias foi de 2,2% com detecção de Gardnerella sp. como o agente microbiológico mais prevalente por este método. A distribuição de infecção pelo HPV mostrou declínio com o aumento da faixa etária. As mulheres mais velhas foram as que menos apresentavam conhecimento sobre a realização de colpocitologia.

UNITERMOS: Colpocitologia oncótica. Ginecologia preventiva. Câncer de colo uterino.

INTRODUÇÃO

A colpocitologia oncótica, introduzida na década de 40 por Papanicolaou & Traut24 (1943), constituiu grande avanço no controle do carcinoma da cérvice uterina. O método foi gradativamente adquirindo adeptos, assimilado em serviços de ginecologia e, atualmente, representa importante forma de rastreamento deste tipo de neoplasia. A sua grande aceitabilidade, tanto pela população como pelos profissionais de saúde, aliada à facilidade de execução, têm permitido a redução significativa da mortalidade por câncer do colo do útero nos países onde sua implementação foi ampla, principalmente nos centros mais desenvolvidos.

A melhora da expectativa de vida da população, característica de países desenvolvidos, favorece o natural crescimento de doenças crônico-degenerativas como neoplasias e doenças circulatórias. No Brasil, inclusive, as neoplasias já representam a segunda principal causa de óbito geral na população feminina.

A maior freqüência de casos de neoplasia determina maiores gastos relacionados a diagnóstico e, principalmente, tratamento. Desta forma, há necessidade da elaboração e estímulo de programas de educação e rastreamento na população, principalmente de risco, determinando o diagnóstico de lesões precursoras ou pré-malignas, racionalizando o emprego dos recursos econômicos, materiais e pessoais.

O câncer de colo uterino, considerando sua condição anatômica, diferentemente da maior parte dos tumores malignos do ser humano, apresenta aspectos epidemiológicos, etiológicos e evolutivos bem definidos para sua detecção em estágios pré-malignos ou iniciais. Porém, apesar da metodologia para o seu rastreamento ser de fácil acesso, baixo custo e fácil execução, ainda representa a segunda maior estimativa de incidência de neoplasia maligna na população feminina brasileira, com mais de 20 mil casos novos em 1996 (INCA/Pró-Onco, 1996).

O ambulatório de Ginecologia Preventiva do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Serviço Professor José Aristodemo Pinotti), tem procurado estabelecer programas de saúde voltados à assistência integral à saúde da mulher e, neste sentido, o rastreamento do câncer de colo uterino adquire grande importância. A diversidade de condições das mulheres atendidas em serviços públicos de saúde torna necessário reavaliações periódicas, através das quais se pode estabelecer metas de assistência, orientação e tratamento, respeitando características sociais e culturais para melhor atender suas necessidades. Da mesma forma, a análise de resultados permite definir outras necessidades da população atendida ou mesmo redimensionar a forma de atendimento.

Procurou-se avaliar os resultados da colpocitologia oncótica das mulheres atendidas no Ambulatório de Ginecologia Preventiva, em seus aspectos referentes a diagnóstico colpocitológico de alterações neoplásicas, inflamatórias e de flora microbiológica. Além disso, procurou-se avaliar o conhecimento das mulheres a respeito do método e sua importância.

MÉTODOS

No período de janeiro de 1994 a dezembro de 1998, 6821 mulheres foram submetidas a entrevista e exame ginecológico. As mulheres que se encontravam com sangramento foram orientadas a retornar para coleta do exame após o término do fluxo ou com a interrupção da perda sangüínea.

A entrevista procurou avaliar o número de mulheres que sabiam o significado, a necessidade e a periodicidade da realização da colpocitologia oncótica.

O esfregaço cérvico-vaginal foi obtido após a colocação de especulo lubrificado com vaselina líquida incolor. O material foi colhido através de espátula de madeira da região da junção escamo-colunar (JEC), sempre que esta era visível, e da região do fundo de saco vaginal posterior. Nas mulheres histerectomizadas, o material foi obtido do fundo de saco vaginal. Após a coleta, o esfregaço foi realizado sobre lâmina de vidro apropriada e a fixação com solução de álcool-éter.

Os esfregaços foram corados pela técnica de Papanicolaou sendo classificados entre os 5 tipos descritos por Papanicolaou3:

Classe I - negativo para células neoplásicas malignas;

Classe II - células atípicas presentes, porém negativo para células neoplásicas malignas;

Classe III - suspeito para células neoplásicas malignas;

Classe IV - positivo, altamente sugestivo para células neoplásicas malignas;

Classe V - positivo para células neoplásicas malignas.

Considerou-se material inadequado (sem classificação), como Classe 0.

As mulheres foram agrupadas conforme o grupo etário com idade até 40 anos, inclusive; acima de 40 até 60 anos, inclusive; e acima de 60 anos.

Todas as variáveis foram analisadas descritivamente. Para as variáveis contínuas, esta análise foi feita através de valores mínimos e máximos, cálculo de médias e desvios padrão. Para as variáveis classificatórias calcularam-se freqüências absolutas e relativas.

As proporções destas variáveis foram comparadas com o teste do Qui-quadrado ou o teste exato de Fisher. Quando necessário, empregaram-se a prova não paramétrica de Kruskal-Wallis e a partição do qui-quadrado. O nível de significância considerado foi de 0,05.

RESULTADOS

Todas as mulheres foram submetidas à coleta de material cérvico-vaginal para exame colpocitológico.

O maior contingente de mulheres atendidas encontrava-se com idade abaixo de 40 anos (54,6%) (Tabela 1), era constituído principalmente por mulheres casadas (58,3%) (Tabela 2) e da raça branca (65,1%) (Tabela 3).

Aspecto importante na elaboração de qualquer política de saúde é determinar o nível de escolaridade da população atendida. Desta forma, observamos que a maioria (81,2%) das mulheres avaliadas apresentava, no máximo, escolaridade primária (Tabela 4).

A maioria das mulheres apresentava ciclos menstruais, principalmente de caráter regular (Tabela 5).

Todas as mulheres foram inquiridas sobre a realização e o resultado de colpocitologia oncótica previamente ao exame atual. Conforme observado na Tabela 6, 1398 (20,5%) nunca haviam realizado este tipo de exame e 1295 (19,0%) não haviam tomado conhecimento ou não foram informadas do resultado. Apesar de 60 (0,9%) destas mulheres referirem resultado "alterado", elas não sabiam o que isto significava e não haviam sido orientadas a nenhuma conduta de seguimento.

Quando os resultados da colpocitologia foram relacionadas à faixa etária (Tabela 7) pudemos observar que os resultados referidos como alterados eram mais freqüentes nas mulheres acima de 60 anos, bem como maior o número de mulheres que nunca haviam feito este exame (p < 0,001).

Outra observação importante é o tempo de realização da última colpocitologia. Entre as 4617 mulheres que se lembravam de quando haviam realizado o exame, a maior parte (44,2%) havia realizado no intervalo de 1 ano (Tabela 8).

Ainda com relação à faixa etária, pôde-se observar que as mulheres acima de 60 anos foram as que há mais tempo haviam realizado o exame colpocitológico (p<0,001) (Tabela 9).

Independentemente da realização ou não da colpocitologia, todas as mulheres foram inquiridas sobre o conhecimento da necessidade da colpocitologia e de sua periodicidade, sendo reconhecidos como intervalos aceitáveis de 1 a 2 anos, e como finalidade da colpocitologia a prevenção do câncer. A Tabela 10 demonstra que a maioria das mulheres reconhece tanto a necessidade da colpocitologia como sua periodicidade.

Quando este parâmetro foi analisado conforme a faixa etária, pudemos observar que pela partição do qui-quadrado, as três faixas etárias diferiam entre si de maneira significativa (p<0,001), sendo que as mulheres acima de 60 anos eram as que mais referiam (54,1%) não conhecer a necessidade da colpocitologia oncótica (Tabela 11), nem tão pouco sua periodicidade (58,8%) (Tabela 12). Também foi possível observar que o grupo que melhor referia conhecimento da necessidade e periodicidade da colpocitologia oncótica foi o de mulheres entre 40 e 60 anos.

Os resultados da colpocitologia oncótica destas mulheres está listado na Tabela 13. Observa-se o elevado número de situações em que o material foi considerado insuficiente (15,1%) além de 75 (1,1%) casos em que o material estava inadequado para análise.

Nas amostras diagnosticadas como classe III (138), foi possível sugerir a correlação com neoplasia intra-epitelial (NIC) em 113 casos, distribuídos entre NIC 1, 2 ou 3. Estes resultados encontram-se na Tabela 14. Quando não foi possível estabelecer esta possível correlação, o exame foi rotulado apenas como classe III.

Quando considerados em relação à faixa etária, não houve diferença significativa em relação à distribuição dos casos de NIC, fossem 1, 2 ou 3 (Tabela 15).

Foi interessante observar que os casos de NIC 3 estavam significativamente associados à presença de leucorréia e/ou cervicite ao exame clínico, enquanto o mesmo não foi observado para NIC 1 ou 2 (Tabela 16).

Além da possibilidade de avaliação de alterações inflamatórias e neoplásicas, o exame colpocitológico permitiu observar a presença de agentes microbiológicos específicos, como fungos e outros microrganismos. A Tabela 17 demonstra que o achado mais freqüente foi o de alterações compatíveis com Gardnerella sp. (8,6%).

A Tabela 18 lista os achados microbiológicos associados à colpocitologia oncótica em função da faixa etária. A presença de fungos foi mais prevalente em mulheres abaixo de 40 anos de idade (p<0,001), não havendo diferença entre as faixas etárias mais altas.

Com relação à Trichomonas sp, a partição do qui-quadrado demonstrou não haver diferença entre as faixas etárias abaixo de 40 anos e entre 40 e 60 anos (p=0,51), porém com freqüência significativamente menor na faixa etária acima de 60 anos (p<0,01).

Os achados compatíveis com a presença de clamídia consistiram na presença de alterações intra-citoplasmáticas como finas partículas cocóides eosinofílicas ou mesmo vacúolos com inclusões cianofílicas, que podem se apresentar de maneira uniforme ao redor do núcleo. Estas alterações foram mais prevalentes nas faixas etárias acima de 40 e 60 anos, com menor freqüência abaixo de 40 anos (p<0,05).

As alterações compatíveis com Gardnerella vaginallis, nas três faixas etárias analisadas, mostraram diferença estatisticamente significativa com a freqüência diminuindo conforme o aumento da faixa etária.

Os dados relacionados à presença de Papilomavírus humano (HPV) são interessantes, pois não há diferença entre as faixas mais jovens, mas a diferença é significativamente menor nas mulheres acima de 60 anos (p<0,05).

DISCUSSÃO

Cerca de 80% dos casos de câncer de colo do útero ocorrem em países em desenvolvimento, sendo que em alguns destes países é o câncer mais prevalente, mesmo quando ambos os sexos são analisados conjuntamente3.

Contrariamente ao câncer de mama, que apresenta incidência maior em regiões brasileiras mais ricas, o de colo uterino está mais associado a regiões de baixo nível socioeconômico. Mesmo assim, cidades como São Paulo, com elevado potencial econômico, apresentam taxas de incidência elevadas (35,1 por 100.000 mulheres), correspondendo ao segundo câncer primário mais comum nas mulheres (17,8%), perdendo apenas para o câncer de pele (27,3%)14.

As lesões pré-invasivas apresentam padrão de distribuição etária com aumento da incidência na faixa entre 30 e 35 anos3. O diagnóstico das formas in situ está aumentando em muitas populações, paralelamente a um decréscimo no diagnóstico de formas invasoras e na mortalidade do câncer de colo. Parte desta observação é creditada aos métodos atualmente disponíveis para detecção precoce, como a colpocitologia oncótica pelo método de Papanicolaou25.

No entanto, é importante salientar que em alguns grupos etários jovens, principalmente naqueles compreendidos entre 20 e 30 anos, a incidência tem aumentado não só pelo acesso a serviços de saúde, determinado por algum grau de desenvolvimento socioeconômico, mas também pela maior exposição a agentes sexualmente transmissíveis e uso inadequado de métodos contraceptivos de barreira16.

Cálculos generalistas determinam que a probabilidade de uma mulher vir a desenvolver um câncer cervical invasivo ou in situ durante a sua vida é da ordem de 0,7% a 2,0%3.

Apesar da colpocitologia ser método eficiente na redução da mortalidade por câncer de colo uterino, está claro que não eliminará completamente este câncer. O seu sucesso está diretamente ligado à possibilidade de cobertura de toda a população de risco.

Um programa de rastreamento populacional de lesões cervicais, para obter sucesso, deve procurar se alinhar com os seguintes tópicos16:

1. Identificação da população de risco;

2. Sistematização que permita a adequada convocação e re-convocação de mulheres a intervalos pré-estabelecidos;

3. Recursos adequados para coleta, exame e relatório do esfregaço cérvico-vaginal (inclusive com critérios de qualidade), com tratamento e seguimento das mulheres com exames alterados;

4. Informação e orientação da mulher para que conheça e compreenda o significado do programa de rastreamento;

5. Avaliação contínua do programa a intervalos curtos e longos;

6. Identificação clara do responsável pelo programa.

Dentro destes princípios, o grupo de mulheres estudadas demonstrou ser necessário o desenvolvimento de estratégias que atinjam condições de baixa escolaridade, no caso nível primário de educação, pois a maioria das mulheres atendidas não apresentava nível primário completo (59,2%), com número de analfabetas de 9,2% (Tabela 4).

Este aspecto torna-se interessante quando 80,5% destas mulheres haviam realizado o exame previamente, e 19% não sabiam o resultado por não terem sido informadas ou não terem se preocupado em sabê-lo. Mesmo aquelas mulheres com resultado "alterado" (0,9%) não se preocuparam em dar seguimento ao atendimento (Tabela 6). A população acima de 60 anos, a princípio de maior risco para doenças crônico-degenerativas como o câncer, é a que menos havia realizado o exame (26,2%) (Tabela 7).

O risco do desenvolvimento da doença é reduzido quando a mulher apresenta dois ou mais exames prévios sem alteração13. Mesmo a realização de apenas um exame é importante, com redução do risco de câncer cervical em mulheres que fizeram seu último exame há 10 anos, em comparação com aquelas que nunca fizeram19.

Entre as mulheres que realizaram a colpocitologia, a maioria (54,3%) o fez em intervalo inferior a dois anos (Tabela 8), mas novamente as mulheres acima de 60 anos é que apresentavam maior intervalo entre o último exame e o atual (Tabela 9). Este aspecto se torna melhor compreendido quando observamos que é nesta faixa etária que se concentra o maior número de mulheres que não sabiam referir a necessidade do exame e a sua periodicidade (Tabela 10). Como o risco de desenvolver o câncer cervical se torna mais elevado com o aumento do intervalo desde o último exame e com o baixo número de exames realizados esta observação merece destaque18.

O emprego da colpocitologia em periodicidade anual reduz a probabilidade de uma mulher desenvolver câncer cervical invasivo em 93,3%, enquanto período de 3 anos é responsável pela diminuição em 91,2%13, o que sustenta a recomendação de alguns especialistas para sua realização a cada três anos em mulheres de baixo risco e que já se submeteram a exame colpocitológico prévio20. O exame deve ser anual se a paciente for de alto risco mesmo quando não foram encontradas alterações colpocitológicas prévias13.

É interessante notar que a maior freqüência de respostas afirmativas (70,5%), quanto ao conhecimento da necessidade da colpocitologia encontra-se nas mulheres entre 40 e 60 anos (Tabela 12). Este fato talvez demonstre a necessidade de serem resgatados programas institucionais de esclarecimento sobre o assunto, comuns em décadas passadas, para as populações jovens atuais23.

Não existe consenso com relação à idade em que não é mais necessária a realização da colpocitologia. Há tendência em se propor ampliação na faixa populacional que deve ser submetida regularmente ao exame de rastreamento, mesmo em idade superior a 65 anos11.

A freqüência de colpocitologias consideradas alteradas (classes III, IV e V) foi de 2,2%, cifra já esperada dentro do contexto analisado de ambulatório de ginecologia geral23. No entanto, aspecto que merece destaque é a necessidade do controle de qualidade da coleta do material, pois o número de exames rotulados como material insuficiente foi grande (15,1%).

A obtenção de esfregaço colpocitológico para análise adequada com diagnóstico correto implica coleta da amostra em condições satisfatórias, rápida fixação com fixadores adequados, manipulação laboratorial e uso correto de corantes, além de examinador experiente. Devido à multiplicidade de pessoas envolvidas e etapas no processamento do material as falhas podem ocorrer. Os profissionais envolvidos na coleta do material devem estar atentos aos aspectos técnicos e às condições anatômicas de cada paciente; por sua vez, os citotécnicos e citopatologistas devem estar envolvidos em programas de qualidade com cobranças mútuas sobre condição da amostra e formas de descrição e diagnóstico. As amostras inadequadas devem ser descartadas, de acordo com critérios específicos e reprodutíveis de qualidade. A necessidade de se estabelecer critérios rígidos de controle de qualidade, descartando material inadequado ou insuficiente para análise é importante para que os parâmetros de cada instituição sejam verificáveis e possam ser cotejados com novas metodologias, mais sensíveis e específicas, como por exemplo técnicas de biologia molecular para identificação de HPV ou colpocitologia a partir de material em suspensão líquida. Desta forma, outras tecnologias, com custo e operacionalidade diversos, poderão ser adequadamente comparados com o exame convencional de Papanicolaou, que ainda é o padrão internacional para o diagnóstico de lesões cancerosas e pré-cancerosas do colo uterino4.

Além disso, a validade do emprego da colpocitologia oncótica como rastreamento do câncer de colo uterino, apesar da sua comprovada eficácia e baixo custo, pode ser submetida a questionamentos legais quando de resultados inadequados, interpretados como erros ou negligência. Esta situação é possível a partir de padrões laboratoriais inadequados, ou do fato de se reconhecer que existe uma faixa de erro padrão no exame6. Assim sendo, é fundamental que se avalie e reconheça a qualidade dos esfregaços realizados, o que estimulou o relato do elevado número de exames considerados como insuficientes para análise (15,1%), bem como daqueles inadequados.

A coleta do exame colpocitológico implica na utilização de material adequado, seja através da espátula de Ayre ou de escova. Este material deve estar adequadamente limpo, evitando uso de lubrificantes e talcos nos espéculos para não contaminar a amostra. A coleta deverá envolver a região do orifício, orientação de todo o processo de coleta do material colpocitológico, inclusive com a possibilidade do emprego de escovas cervicais. É importante salientar que os problemas relacionados à coleta do material podem e devem ser sempre investigados para serem corrigidos; no entanto, não há erro zero na análise da colpocitologia oncótica e pode ser considerado uma taxa de falso negativo entre 5% e 10%10-12. Todas as pacientes cujas amostras foram consideradas insuficientes ou inadequadas foram reconvocadas para nova coleta.

Além da análise da qualidade do material, os resultados também devem ser avaliados, principalmente quando negativos. Várias metodologias têm sido propostas, como a revisão através de métodos computadorizados, revisões aleatórias por amostragem (geralmente cerca de 10% do total de exames alterados), ou revisões rápidas de todos os resultados2. A necessidade deste tipo de abordagem se faz na medida em que há possibilidade do diagnóstico de anormalidades em aproximadamente 2% dos casos previamente diagnosticados como negativos para anormalidades citológicas, incluindo lesões intra-epiteliais de alto grau.

Estes dados chamam a atenção para a necessidade do estabelecimento de programas de qualidade para análise dos resultados de colpocitologia oncótica, envolvendo todo o pessoal responsável pela coleta e análise, além da caracterização da população estudada1,26. Alguns autores propõem que a análise de qualidade, incluindo sensibilidade e especificidade, seja realizada em função do estudo de 10.000 exames, estabelecendo-se a comparação entre laboratórios a partir dos limites entre os percentis 10 e 9022. Apesar de não existirem padrões que possam ser definidos e aplicáveis a todas as condições laboratoriais e populacionais, a procura por normatização dos procedimentos de coleta, discussão de discrepâncias em resultados encontrados e correlação entre os achados positivos e resultados de biópsias devem sempre ser procurados15.

Dentre os exames considerados anormais, sugestivos de neoplasia intra-epitelial (NIC), a condição clínica também foi fator fortemente associado com os casos de maior grau (NIC 3) significativamente relacionados com o achado clínico de cervicite e leucorréia (Tabela 16).

Há mais de 150 anos suspeita-se que o câncer cervical pode ser causado por agente com transmissão sexual devido à forte associação com fatores relacionados à sexualidade3. A sífilis e a gonorréia não parecem desempenhar papel causal, mas geralmente se relacionam com promiscuidade8. A infecção por Chlamydia sp provoca inflamação e alteração na reparação do epitélio da mucosa cervical, porém não parece estar diretamente correlacionada a este câncer9. Nesta casuística, os achados citológicos compatíveis com este agente foram mais encontrados na faixa etária entre 40 e 60 anos, apesar de os estudos epidemiológicos, baseados na identificação específica do agente, relatarem maior freqüência em idades mais jovens17.

Nas últimas décadas, as infecções virais ganharam destaque e estão sendo pesquisadas como fatores oncogênicos e produtores de lesões precursoras. O HSV-2 foi um dos primeiros vírus a ser pesquisado como agente relacionado ao câncer de colo uterino, papel que hoje está sendo exercido pelo HPV3, pois o advento de técnicas de detecção de DNA (hibridização in situ, Reação de Polimerase em Cadeia (PCR) tem constatado o DNA viral em associação com NIC e câncer cervical7, 27.

Estes dados são especialmente importantes quando notamos, nesta casuística, a diminuição da freqüência de sinais de infecção pelo HPV através da colpocitologia com o progredir da faixa etária (Tabela 18), sendo sua freqüência maior em jovens quando a prevalência de lesões precursoras também é maior.

Apesar da colpocitologia não ser exame específico para o diagnóstico de infecções cérvico-vaginais específicas, pode-se observar elevada freqüência da presença de Gardnerella sp, em detrimento de agentes tradicionalmente associados a vaginites como fungos e tricomonas (Tabela 18).

CONCLUSÃO

O estabelecimento de programas de rastreamento de câncer cervical deve ser realizado a partir do reconhecimento da população a ser investigada, incluindo sua perspectiva do exame e seus objetivos. Neste estudo pode-se observar que a maioria das mulheres reconhece tanto a necessidade da colpocitologia como sua periodicidade, mas aquelas mais velhas são as que se encontram com menor orientação a este respeito.

Assim como os diagnósticos realizados, é importante estabelecer a qualidade das amostras obtidas a fim de definir programas de re-educação de coleta e preparo do material pelos profissionais envolvidos. O elevado índice de material insuficiente determinou reavaliação na forma como o exame estava sendo processado no serviço. Os diagnósticos realizados, classe I (21,7%), II (59,9%), III (2%), IV (0,1%) e V (0,1%) mostraram distribuição concordante com outros estudos epidemiológicos e permitiram o encaminhamento para definição diagnóstica (colposcopia e biópsia dirigida) quanto a neoplasias em 2,2% dos casos. Apesar de não ser o exame de escolha para o diagnóstico de vaginites e vaginoses, foi possível a identificação microbiológica com maior prevalência de Gardnerella sp. (8,6%), assim como foi possível observar que os sinais citológicos relacionados ao Papilomavírus humano (HPV) foram decrescentes com a idade, sugerindo o clareamento natural deste agente nas populações mais velhas.

SUMMARY

Colpocytology in a preventive gynecological ambulatory

BACKGROUND: evaluate the results of Pap smear in women attended at a gynecology preventive ambulatory (University of São Paulo Medical School Clinical Hospital).

METHODS: 6821 women were submitted to a medical interview, clinical and gynecologic exam. Cervical and vaginal cytology (Pap smear) were analyzed according to the Papanicolaou method and classification. All women were grouped according to their age into three categories:under 40 years old, between 41 and 60 years and over 60 years.

RESULTS: most of them, and mainly the younger ones, had been submitted to a previous Pap smear in a period shorter than 1 year (44.2%). The majority of women recognized the usefulness of the exam and knew its interval; the group that best knew its importance and interval was the one with ages between 41 and 60 years, while most women over 60 years did not know both its importance and interval. Cytological material was considered insufficient for analysis in 15,1% and inadequate in 1.1%, and for those with adequate material results were classes I (21.7%), II (59.9%), III (2.0%), IV (0.1%) and V (0.1%). Distribution of cervical intraepithelial neoplasia (CIN) were similar in the three groups. The main microbiologic findings was Gardnerella sp. (8,6%) and Human papillomavirus (HPV) incidence was significantly lower among women over 60 years.

CONCLUSION: Cytological diagnoses of neoplastic modifications were performed in 2,2% and Gardnerella sp. was the most prevalent microbiologic agent. Distribution of HPV showed a decrease with age. Older women had lower knowledge on the importance of regular Pap smear examination.

[Rev Ass Med Brasil 2001; 47(4): 302-10]

KEY WORDS: Pap smear. Cervical cancer. Preventive gynecology.

Artigo recebido: 13/09/2000

Aceito para publicação: 12/07/2001

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Jan 2002
    • Data do Fascículo
      Dez 2001

    Histórico

    • Recebido
      13 Set 2000
    • Aceito
      12 Jul 2001
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