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Obstrução das vias aéreas superiores após cateterização venosa central

Discussão de caso

OBSTRUÇÃO DAS VIAS AÉREAS SUPERIORES APÓS CATETERIZAÇÃO VENOSA CENTRAL

Paciente do sexo feminino, 75 anos de idade, deu entrada no pronto-socorro com quadro de dispnéia intensa, cefaléia e sensação de palpitação, com cerca de uma hora de duração. Apresentava antecedentes positivos para miocardiopatia hipertensiva, em uso irregular de inibidores da enzima de conversão e diuréticos, obesidade e diabete tipo II, em uso de hipoglicemiante oral. Ao exame físico, apresentava-se ansiosa, sem déficit neurológico ou rigidez de nuca. Apresentava intenso desconforto respiratório, taquipnéia e estertores crepitantes até terço médio de ambos os campos pulmonares. A oximetria de pulso apresentava uma saturação de oxigênio de 90%, com máscara de Venturi a 50%. Recebeu furosemide endovenoso e foi encaminhada para a unidade semi-intensiva, para monitorização e nitroprussiato de sódio por via endovenosa. Após diversas tentativas de cateterizar a veia jugular interna direita, sem sucesso, ocorreu a punção inadvertida da artéria carótida direita, na vigência de uma pressão arterial de 190 x 130 mmHg. Realizada a compressão local por 10 minutos. A seguir, foi puncionada a veia subclávia direita por via supraclavicular e introduzido cateter de dupla-via, sem intercorrências. Após a infusão de nitroprussiato de sódio, a pressão arterial foi controlada, com melhora imediata dos sintomas. Entretanto, cerca de 20 minutos após, a paciente iniciou abaulamento progressivo da fossa supraclavicular, e da região cervical e submandibular, com desvio da traquéia para a esquerda, acompanhada da sensação de sufocação, dificuldade de deglutir e falar. Realizada intubação orotraqueal de urgência, por óbvia obstrução de vias aéreas. Na Figura 1, observamos a deformidade pelo abaulamento supraclavicular, submandibular e cervical descritos.


Foi realizado mapeamento Duplex da região cervical e supraclavicular que revelou pseudoaneurisma da carótida comum na base do pescoço, com fluxo arterial persistente dentro do hematoma, conforme observado na Figura 2. A seguir, foi realizada compressão do pseudoaneurisma guiada pelo Duplex, por 30 minutos, sob sedação com fentanil, obtendo-se a trombose completa do pseudoaneurisma, como demonstrado na Figura 3.



Após despertar da sedação e apresentando parâmetros ventilatórios satisfatórios, foi realizada a extubação traqueal. A paciente apresentou novo desconforto respiratório e foi imediatamente reintubada, sem intercorrências. Após três dias de intubação, nova tentativa de retirada do tubo realizada, sob broncoscopia. Entretanto, o exame demonstrou acentuada deformidade posterior da laringe e traquéia, sendo optado pela reintrodução do tubo orotraqueal através do broncoscópio. Persistindo a deformidade da região cervical por mais uma semana, foi optado pela realização de traqueostomia, permitindo a ventilação espontânea. A paciente apresentou boa evolução, com melhora lenta do hematoma cervical e fechamento progressivo da traqueostomia.

Comentário

Este caso demonstra uma complicação pouco freqüente da punção inadvertida da artéria carótida durante a tentativa de cateterização da veia jugular. Os casos de pseudoaneurismas são mais freqüentes quando a carótida é cateterizada inadvertidamente, principalmente com cateteres calibrosos, como os de Shilley ou de Swan-Ganz. A pressão arterial muito elevada pode ter sido responsável pelo sangramento significativo que, associado a uma compressão local ineficaz, resultou na formação do pseudoaneurisma e na infiltração de sangue pelos planos profundos da região cervical, com obstrução extensa das vias aéreas superiores.

A compressão de pseudoaneurisma guiada pelo mapeamento Duplex é o tratamento de escolha para esta condição. É utilizado com grande sucesso, principalmente nos pseudoaneurismas da artéria femoral, após procedimentos endovasculares. Nestes, a hipertensão e agentes antiagregantes e anticoagulantes são fatores predisponentes bem definidos. O tratamento cirúrgico dos pseudoaneurismas fica reservado para os casos em que a compressão não foi bem sucedida. Pseudoaneurismas e fístulas arteriovenosas em locais de difícil acesso, como nos troncos supraaórticos proximais, podem ser tratados de modo muito menos invasivo, através do emprego de endo próteses pela radiologia intervencionista. A retirada do tubo orotraqueal, nestes casos de obstrução mecânica das vias aéreas, deve ser precedido da inspeção pela broncoscopia, evitando-se uma situação potencialmente catastrófica de reintubação difícil.

LUIZ FRANCISCO POLI DE FIGUEIREDO

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Ago 2002
  • Data do Fascículo
    Mar 2002
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