Acessibilidade / Reportar erro

Intolerância à glicose em jovens obesos

Panorama Internacional

Clínica Médica

INTOLERÂNCIA À GLICOSE EM JOVENS OBESOS

Um dos principais impactos da epidemia de obesidade entre crianças americanas é o aparecimento precoce de diabetes mellitus tipo 2. O estudo de Sinha et al 1 avaliou a prevalência de tolerância à glicose diminuída (TGD) numa amostra multi-étnica de 167 crianças e adolescentes obesos, submetidos a teste oral de tolerância à glicose. Além da glicemia, foram dosados alguns hormônios e calculados índices para avaliar função de célula beta e resistência à insulina. A prevalência de TGD foi de 25% e 21% das crianças e adolescentes, respectivamente, e 4% dos últimos apresentaram diabetes. Insulina e peptídeo-C pós-sobrecarga foram mais elevados nos adolescentes com TGD, mas não nos diabéticos, os quais apresentaram queda da razão entre os incrementos da insulinemia/glicemia aos 30'. Na regressão multivariada, a resistência à insulina foi o melhor preditor de TGD. Chama-se a atenção para prevalência alarmante de TGD nestes jovens e sugere-se que a resistência à insulina seja o grande fator implicado na sua gênese. A função da célula beta está relativamente preservada nesta fase da história natural da doença e, no momento em que ocorre falência das células beta, há eclosão do diabetes.

Comentário

Este estudo é de grande relevância no âmbito clínico e da saúde pública, alertando sobre a epidemia de obesidade que afeta crianças e adolescentes americanos. Além dos danos sociais e psicoló gicos que acarreta, a obesidade é fator de risco para uma série de distúrbios orgânicos desencadeados pela resistência à insulina. Doenças que compõem a síndrome metabólica, característica do adulto em idade avançada, passam a se manifestar mesmo em crianças obesas. Dentre estas, é enfatizada a ocorrência prematura da intolerância à glicose. Também nos faz refletir sobre a importância relativa da história familiar de diabetes nestes jovens diante do impacto tão deletério da obesidade. A freqüência de antecedentes familiares não difere entre aqueles que apresentam ou não TGD, o que sugere que o componente genético perde em importância para a intolerância à glicose em grupos de alto risco como o da obesidade grave. Os achados hormonais e índices indicativos de função da célula beta e efeito nos tecidos-alvos permitem acompanhar a história natural do diabetes tipo 2. O fator "idade", responsável por deterioração da sensibilidade à insulina, não está presente nesta faixa etária. Assim, é razoável supor que a resistência à insulina nestes jovens seja atribuída ao excesso de adiposidade corporal. O tecido adiposo, especialmente o visceral, tem sido incriminado no distúrbio de captação tecidual de glicose de indivíduos obesos. Os achados reforçam a teoria de que a resistência à insulina precede a deficiência deste hormônio. A boa notícia advinda desta conclusão é que este fator etiopatogênico pode ser tratado. "Tratamento", neste contexto, refere-se à prevenção da evolução da TGD para o diabetes tipo 2. Estudos epidemiológicos recentes2 apontam a eficácia de certo estilo de vida na redução do risco desta doença. Se a evidência existe, é o momento de encarar o desafio de aumentar a atividade física das populações e estimular hábitos alimentares saudáveis.

SANDRA ROBERTA G. FERREIRA

Referências

1. Sinha R, Fish G, Teague B, Tamborlane WW, Banyas J, Allen K, et al. Prevalence of impaired glucose tolerance among children and adolescents with marked obesity. N Engl J Med 2002; 346:802-10.

2. Tuomilehto J, Lindstrom J, Eriksson JG, Valle TT, Hamalainen H, Ilanne-Perikka P, et al. Prevention of type 2 diabetes mellitus by changes in lifestyle among subjects with impaired glucose tolerance. N Engl J Med 2001; 344:1343-50.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Set 2002
  • Data do Fascículo
    Jun 2002
Associação Médica Brasileira R. São Carlos do Pinhal, 324, 01333-903 São Paulo SP - Brazil, Tel: +55 11 3178-6800, Fax: +55 11 3178-6816 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: ramb@amb.org.br