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Bioética e abuso sexual

Panorama Internacional

Bioética

BIOÉTICA E ABUSO SEXUAL

Curiosamente, dois artigos diferentes sobre abuso sexual chamaram nossa atenção sobre a mesma questão bioética: uma visão desumanizada do ser humano.

O primeiro artigo1 trata de uma avaliação do declínio de casos de abuso sexual de crianças nos Estados Unidos do período de 1992 a 1999, que entendemos ser apenas o declínio de denúncias de abuso sexual, já que são estas que foram avaliadas. Não nos aprofundaremos nesta questão, até porque os problemas deste tipo de estatística e suas interpretações neste trabalho já foram comentados por um outro autor na mesma revista2, questionando a validade de tais dados.

O segundo artigo3 rotula as pessoas denunciadas por terem cometido um abuso sexual como "predadores sexuais", observando apenas o lado animal destes seres e, portanto, livrando os outros seres humanos de qualquer semelhança com os mesmos.

Sabemos que a maioria dos casos de abuso sexual denunciados ocorrem entre pessoas que têm um vínculo de confiança e que, portanto, torna a denúncia um ato conflituoso e, consequentemente, muito difícil. Sendo assim, compreendemos que as estatísticas conhecidas tratam apenas da ponta de um iceberg e não nos ajudam a desvendar esta complexa relação no abuso sexual. Aliado a tal fato, quando se cria uma categoria de "predador sexual", descaracterizando-os como seres humanos, parece-nos mais uma tentativa das pessoas de se afastar do problema devido, provavelmente, à angústia que estas situações evocam.

Comentário

O que torna o indivíduo humano é justamente ter que lidar com os instintos e desejos (pulsões) presentes em todos. A impossibilidade de reprimir certas pulsões podem ser conseqüência de uma falha no desenvolvimento do indivíduo, não sendo, portanto, o comportamento destes fruto de uma possibilidade de reflexão e escolha, ou seja, é um comportamento aético.

Consideramos antiética a distorção do problema do abuso sexual feita pela grande maioria da sociedade, que projeta sua agressividade em alguns indivíduos, isolando-os, para não precisar entrar em contato com as próprias emoções, negando esta possibilidade humana.

Concluindo, entendemos que as pessoas envolvidas em casos de abuso sexual precisam ser tratadas nos âmbitos da Saúde e da Justiça. A abordagem ética dos atos de abuso envolve uma maior aproximação às questões humanas, também aos aspectos destrutivos presentes nas relações humanas. Nem os números nem a nossa raiva frente aos nossos próprios conflitos depositada no outro vão nos mostrar a real dimensão do problema do abuso sexual.

CLAUDIO COHEN

GISELE GOBBETTI

Referências

1. Jones LM, Finkelhor D, Kopiec K. Why is sexual abuse declining? A survey of state protection administrators. Child Abuse Negl 2001; 25:1139-58.

2. Leventhal JM. A decline in substantiated cases od sexual abuse in United States: good news or false hope? Child Abuse Negl 2001; 25:1137-8.

3. Glancy GD, Regehr C, Bradford J. Sexual predator laws in Canada. J Am Acad Psychiatry Law 2001; 29:232-7.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Set 2002
  • Data do Fascículo
    Jun 2002
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