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Direito universal e política global: respostas internacionais ao combate à AIDS, Tuberculose e Malária

Diretrizes

Economia da Saúde

DIREITO UNIVERSAL E POLÍTICA GLOBAL: RESPOSTAS INTERNACIONAIS AO COMBATE À AIDS, TUBERCULOSE E MALÁRIA

Segundo o relatório Coordinates 20021, a AIDS, a Tuberculose (TB) e a Malária são responsáveis por 6 milhões de mortes ao ano no mundo, sobretudo nos países mais pobres. Este reconhecimento traduz-se em alerta global, e produz um consenso quanto à necessidade de ações que objetivem combater essas doenças.

Em abril de 2002, este consenso produziu dois tipos de respostas na comunidade internacional: uma de tipo normativo e outra de política global. As respostas de tipo normativo consistiram na produção de uma norma-objetivo e de novas diretrizes para a política de medicamento dos países. Uma delas se refere à aprovação do direito universal de acesso a medicamentos contra Tuberculose e Malária, conforme proposta brasileira à Comissão de Direitos Humanos da ONU ( o Brasil também foi o autor da proposta de abril de 2001, que resultou na aprovação do direito universal de acesso aos anti-retrovirais). A outra diz respeito à inserção dos anti-retrovirais e de uma combinação do artemisinin - uma droga mais eficaz con tra Malária2 - na Lista de Medicamentos Essenciais pelo Comitê de Especialistas da OMS.

O segundo tipo de resposta, de política global, deu-se em Nova York, na reunião do Fundo Global de Combate à Aids, Tuberculose e Malária. Este Fundo foi criado pelo Secretário-Geral da ONU em junho de 2001, e se diferencia dos demais fundos internacionais por abrir espaço para que países em desenvolvimento tenham voz e voto nas mesmas condições dos países doadores. A reunião de Nova York reconhece que os países afetados pelas três doenças não se encontram economicamente capacitados para realizar a norma-objetivo, e, assim, traduz-se em esforço para a obtenção dos recursos necessários. O relatório do encontro enfatiza que a maioria destes países já possui planos e programas de combate que precisam de fundo imediato3.

A construção do direito universal de acesso a medicamentos especializados compreende uma primeira etapa do processo de combate a estas três doenças. A criação e consecutivas reuniões do Fundo Global já representam um avanço a mais no processo, o qual se dá no âmbito da política. Isto é, no âmbito da esfera que incorpora os valores e as normas produzidas pela sociedade e os transformam em iniciativa, decisão e implementação de política efetiva.

Há que se ressaltar, contudo, que a iniciativa do Fundo Global ainda não se encontra na esfera da política interna; onde os problemas epidemiológicos estão de fato ocorrendo. No que se refere à sua possibilidade de efetivação, as po líticas globais correm o risco de permanecer na etapa da iniciativa internacional conjunta, sem se traduzir na implementação de políticas de saúde nos países. Este risco existe pelo fato de que os recursos atuais do Fundo totalizam apenas 11% do necessário.

A situação requer que se vá mais além da construção do direito universal e da iniciativa de política global. É necessário que as respostas internacionais se traduzam em políticas públicas de saúde nos países afetados pela AIDS, TB e Malária. No que se refere ao Fundo Global, isto ocorrerá se e quando os interesses econômicos se solidarizarem com 40% da população em risco, e se converterem, pelo menos em parte, à causa em questão.

Comentário

O Brasil tem se destacado neste processo de construção de direito ao acesso ao tratamento da AIDS, TB e Malária. No ano passado, a Comissão de Direitos Humanos da ONU aprovou a resolução que reconhece o acesso a anti-retroviarais como direito humano. Neste ano, também conforme resolução brasileira, o acesso a remédios contra TB e Malária também se tornam um direito humano. A resolução brasileira apresentada à ONU neste ano solicitou ainda que os países garantam remédios e tecnologias para o tratamento de epidemias em quantidade suficiente para o alcance de todos e a preços acessíveis. Os frutos políticos desse processo podem ser verificados já no segundo semestre de 2001, quando foram criados e iniciados os trabalhos de consulta do Fundo Global. Em janeiro de 2002, o relatório Coordinates 2002 formaliza o consenso em torno do combate à AIDS, TB e Malária. Segundo este relatório, menos de 5% das pessoas que precisam de tratamento para AIDS no mundo subdesenvolvido têm acesso aos anti-retrovirais. Apenas 1/5 de todos os casos de TB detectados no mundo recebem tratamento qualificado. Em termos mundiais, 40% da população encontra-se em risco devido à Malária. Em algumas áreas da África, mais de 80% das crianças são infectadas pelo parasita da Malária. Sendo que em 14 países africanos mostra-se sem eficácia mais de 50% do medicamento utilizado contra a Malária, devido à má qualidade ou à resistência à droga

No entanto, ainda há um caminho a ser percorrido para que se possa implementar políticas de saúde nos países mais afetados por estas três doenças. Neste caminho, os países centrais e suas indústrias - do setor -, juntamente com os países mais pobres, devem demonstrar que é possível conciliar decisões financeiras e garantia de direitos humanos no enfrentamento de uma questão de saúde pública global.

FABIANA DA CUNHA SADDI

1. WHO (2002) Coordinates 2002: Charting progress against Aids, TB and Malaria. Genebra. Publication issue, April 2002.

2. WHO (2002c) We Urge Countries to Act on New Anti-resistence Malaria Medicines. Geneva, Press Release, 25 April. In: http://www.who.int/inf/en/pr-2002-31.html.

3. WHO (2002b) We Can Beat Aids, TB and Malaria, UN Agencies Says. Geneva, Press Release, 22 April 2002. In: http://www.who.int/inf/en/pr-2002-29.html

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Set 2002
  • Data do Fascículo
    Jun 2002
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