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Depressão no Hospital Geral: estudo de 136 casos

Depression in General Hospital: a study of 136 cases

Resumos

OBJETIVO: O objetivo deste estudo é investigar os sintomas depressivos que diferenciam pacientes com e sem depressão associada a condições médicas. MÉTODOS: Foram estudados 293 pedidos de interconsulta à psiquiatria, consecutivos, no ano 1998, sendo 168 (57,5%) mulheres e 124 (42,5%) homens, com idades variando de 18 a 93 anos (47,2+/-18,0 anos). O diagnóstico psiquiátrico foi realizado através de uma entrevista clínica aberta, utilizando-se os critérios do DSM-IV. A análise estatística foi realizada através dos testes de Qui-quadrado e regressão logística. RESULTADOS: Dos 293 pacientes avaliados, 230 (78,50%) preenchiam critérios para diagnóstico psiquiátrico; sendo que 136(59,1%) apresentaram transtornos dentro do espectro depressivo: Depressão Maior (n=60-26,1%), Depressão Menor (n=31-13,5%), Depressão Secundária (n=19-8,3%) e Reação de Ajustamento com Humor Depressivo (n=26-11,3%). À exceção do aumento de apetite, aumento de peso, agitação e ilusões, a ocorrência ou não de depressão foi significativamente diferente (p<0,05) quando se comparou a presença com a ausência dos demais sintomas potencialmente depressivos. A anedonia e a piora matinal só foram detectadas em, respectivamente, 4 e 3 pacientes sem depressão, o que não permitiu sua inclusão na análise de regressão logística. De acordo com a análise de regressão logística (IC=95%), as variáveis selecionadas para explicar o diagnóstico de depressão foram: pensamento de morte (OR=20,6; 2,5-170,5), irritabilidade (OR=4,5; 1,7-11,9), despertar precoce (OR=15,0; 1,7-129,3) e perda de peso (OR=8,1; 2,6-24,4). CONCLUSÃO: Pensamentos de morte, irritabilidade, despertar precoce, perda de peso anedonia e piora matinal foram os sintomas que mais fortaleceram o diagnóstico de depressão. Mesmo sintomas que poderiam ser manifestação da condição clínica e/ou da depressão (tais como insônia, diminuição da concentração, fadiga e lentificação) foram significativamente mais associados ao diagnóstico da depressão. Estes dados reforçam a necessidade do clínico investigar ativamente o diagnóstico de depressão na presença de sintomas físicos que podem ser decorrentes de uma condição médica geral ou de uma depressão. Devido a sua elevada prevalência, a depressão não pode ser um diagnóstico de exclusão.

Depressão; Hospital Geral; Interconsulta psiquiátrica


OBJECTIVE: To investigate the depressive symptoms that differentiate patients with and without depression associated to medical disease. METHOD: During 1998, 293 consecutive referrals for consultations were studied, 168 (57.5%) of females and 124 (42.5%) males, with ages ranging from 18 to 93 years (47.2 ± 18.0 years).Psychiatric diagnosis was made by clinical interviews, according to DSM-IV criteria. For statistical analysis the chi-square and logistic regression tests were adopted. RESULTS. Of the 293 patients under study, 230 (78.5%) fulfilled the criteria for psychiatric diagnosis, 136 (59.1%) of them presented disorders within the depressive spectrum: Major Depression (n= 60 --26.1%), Minor Depression (n = 31 --13.5%). Secondary Depression (n= 19-8.3%) and Adjustment Disorder with Depressive Mood (n= 26-11.3%). Excep for greater appetite, weight gain, agitation and delusions, the occurrence or not of the diagnostic of depression was significantly different (p<0.05) when comparing the presence with the absence of the remaining potential depressive symptoms. The anedonia and morning worsening were detected in 4 and 3 patients without depression respectively, which did not allow the inclusion of these symptoms in the regression analysis model. In accordance with the logistic regression analysis (IC= 95%) the selected variables to explain diagnosis of depression were thoughts of death (OR= 20.6; 2.5-170.5), irritability (OR= 4.5; 1.7-11.9), early awakening (OR=15.0; 1.7-129.3) and weight loss (OR=8.1; 2.6-24.4). CONCLUSION: Thoughts of death, irritability, early awakening, loss of weight, anhedonia (loss of pleasure); and morning worsening were the symptoms that strongly supported depression diagnosis. Even symptoms that could be a manifestation of medical condition and/or of depressions (such as sleeplessness, diminished concentration, fatigue and slowing down) were significantly more associated to the diagnosis of depression. These data outline the need for an active clinical investigation of depression by the physician in the case of physical symptoms that could be related to a medical condition or a depression. Owing to its high prevalence, the diagnosis of depression should not be made on an exclusion basis.

Depression; General Hospital; Psychiatric consultation


Artigo Original

DEPRESSÃO NO HOSPITAL GERAL: ESTUDO DE 136 CASOS

RENÉRIO FRÁGUAS JÚNIOR* * Correspondência: Instituto Psquiatria do HC R. Ovidio Pires de Campos, s/n ¾ 05403-010 S.Paulo ¾ SP ¾ E-mail: rfraguas@hcnet.usp.br , TÂNIA CORREA DE TOLEDO FERRAZ ALVES

Trabalho desenvolvido no grupo de interconsultas do Instituto de Psiquiatria do Hospital da Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, SP.

RESUMO ¾ OBJETIVO: O objetivo deste estudo é investigar os sintomas depressivos que diferenciam pacientes com e sem depressão associada a condições médicas.

MÉTODOS: Foram estudados 293 pedidos de interconsulta à psiquiatria, consecutivos, no ano 1998, sendo 168 (57,5%) mulheres e 124 (42,5%) homens, com idades variando de 18 a 93 anos (47,2+/-18,0 anos). O diagnóstico psiquiátrico foi realizado através de uma entrevista clínica aberta, utilizando-se os critérios do DSM-IV. A análise estatística foi realizada através dos testes de Qui-quadrado e regressão logística.

RESULTADOS: Dos 293 pacientes avaliados, 230 (78,50%) preenchiam critérios para diagnóstico psiquiátrico; sendo que 136(59,1%) apresentaram transtornos dentro do espectro depressivo: Depressão Maior (n=60-26,1%), Depressão Menor (n=31-13,5%), Depressão Secundária (n=19-8,3%) e Reação de Ajustamento com Humor Depressivo (n=26-11,3%). À exceção do aumento de apetite, aumento de peso, agitação e ilusões, a ocorrência ou não de depressão foi significativamente diferente (p<0,05) quando se comparou a presença com a ausência dos demais sintomas potencialmente depressivos. A anedonia e a piora matinal só foram detectadas em, respectivamente, 4 e 3 pacientes sem depressão, o que não permitiu sua inclusão na análise de regressão logística. De acordo com a análise de regressão logística (IC=95%), as variáveis selecionadas para explicar o diagnóstico de depressão foram: pensamento de morte (OR=20,6; 2,5-170,5), irritabilidade (OR=4,5; 1,7-11,9), despertar precoce (OR=15,0; 1,7-129,3) e perda de peso (OR=8,1; 2,6-24,4).

CONCLUSÃO: Pensamentos de morte, irritabilidade, despertar precoce, perda de peso anedonia e piora matinal foram os sintomas que mais fortaleceram o diagnóstico de depressão. Mesmo sintomas que poderiam ser manifestação da condição clínica e/ou da depressão (tais como insônia, diminuição da concentração, fadiga e lentificação) foram significativamente mais associados ao diagnóstico da depressão. Estes dados reforçam a necessidade do clínico investigar ativamente o diagnóstico de depressão na presença de sintomas físicos que podem ser decorrentes de uma condição médica geral ou de uma depressão. Devido a sua elevada prevalência, a depressão não pode ser um diagnóstico de exclusão.

UNITERMOS: Depressão. Hospital Geral. Interconsulta psiquiátrica.

INTRODUÇÃO

Transtornos depressivos determinam um grande prejuízo na esfera pessoal e familiar, acometem principalmente adultos jovens ¾ entre 20 e 30 anos de idade, atingindo duas vezes mais mulheres que homens. O National Comorbidity Survey relatou uma prevalência de depressão maior ao longo da vida de 17,1%1. Esta prevalência de transtornos depressivos é ainda mais elevada na presença de condições médicas, tanto em estudos nacionais como internacionais, variando de 12% a 83%2-6.

A depressão associada a outras doenças não psiquiátricas é, em geral, subdiagnosticada7,8 por diversos fatores9,dentre os quais, ressaltamos a dificuldade em se identificar os sintomas depressivos.

Diversos autores5,10-13 demonstraram que as características psicopatológicas da depressão nos pacientes com doença clínica são diferentes daquelas encontradas em pacientes com depressão primariamente psiquiátrica. Isto decorre, provavelmente, devido a fatores emocionais, físicos e psicológicos diretamente ligados à doença clínica à qual a depressão está associada. Além disso, alguns sintomas depressivos como insônia, diminuição da concentração, inapetência, emagrecimento e fraqueza são encontrados em outras doenças não psiquiátricas e podem ser atribuídos exclusivamente a estas, e o diagnóstico de depressão não é realizado.

O diagnóstico precoce e tratamento é essencial, uma vez que além do comprometimento da qualidade de vida, a depressão acarreta significativo aumento da morbidade e mortalidade decorrentes da condição médica14. Dentre os vários comprometimentos já descritos, a depressão pode aumentar o tempo de internação15, aumentar o risco de taquicardia ventricular10, aumentar a mortalidade no pós-operatório16 ou após o infarto agudo do miocárdio17, diminuir a adesão ao tratamento e à reabilitação2, e, em cardiopatas, constituir um dos principais fatores de risco para complicações cardíacas18-27.

MÉTODOS

O objetivo do nosso estudo é investigar os sintomas da depressão associada a condições médicas no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) e identificar aqueles que diferenciam pacientes com e sem depressão. Foram estudados, de modo consecutivo, 293 casos atendidos, no ano de 1998, pelo Grupo de Interconsultas do Instituto de Psiquiátrica do HCFMUSP. O Grupo presta assistência a todas as clínicas (ex. neurologia, ortopedia, reumatologia cardiologia, cirurgia) do HCFMUSP. Os pacientes são avaliados mediante solicitação de interconsulta psiquiátrica por parte dos médicos das diversas clínicas. O atendimento de cada caso foi realizado por um residente do segundo ano, supervisionado por um médico assistente.

Dos pacientes avaliados, 168 (57,5%) eram mulheres e 124 (42,5%) homens. As idades variaram de 18 a 93 anos (47,21 +/- 18,05 anos). Noventa e dois (33,6%) pacientes eram casados, 33 (12%) separados, 108 (39,4%) solteiros e 41 (15%) viúvos.

Para cada caso foi preenchido um protocolo de registro de dados que é parte da rotina assistencial do Grupo de Interconsultas. Este protocolo possui itens relativos a características psicopatológicas da depressão maior, melancólica ou não. Cada sintoma potencialmente depressivo ou depressivo-melancólico foi especificado de acordo com o julgamento do psiquiatra interconsultor, se decorrente da depressão, de outra condição psiquiátrica ou de outra condição médica não psiquiátrica. A classificação do sintoma se melancólico ou não, foi definida "a priori", de acordo com os critérios do DSM-IV. O protocolo também possui o registro do motivo do pedido de interconsulta, e a concordância do clínico com a orientação psiquiátrica.

O diagnóstico psiquiátrico foi realizado através de uma entrevista clínica aberta, utilizando-se todos os dados disponíveis (i.e. exame físico, exames de laboratório, discussão com o médico do hospital geral com a psicóloga, familiares e enfermagem) e de acordo com os critérios do DSM-IV.

ANÁLISE ESTATÍSTICA

Os sintomas potencialmente depressivos foram analisados de modo descritivo de acordo com o julgamento do psiquiatra em relação à sua origem, se decorrentes de depressão, de outros transtornos psiquiátricos ou de outros transtornos médicos. Os sintomas foram considerados no seu aspecto qualitativo, ou seja, se presentes ou ausentes.

A distribuição da presença ou não de depressão em relação a cada sintoma potencialmente depressivo, independente da avaliação prévia do residente se aquele sintoma era secundário à depressão ou a outras condições, foi analisada através do teste do qui-quadrado. A significância estatística foi de 0,05. Para a avaliação dos sintomas que mais contribuíram para o diagnóstico de depressão foi realizada a análise de regressão logística, utilizando-se os fatores que apresentaram nível de significância menor que 0,25 na análise univariada e aplicando-se o processo de seleção de variáveis "stepwise".

RESULTADOS

Os motivos mais freqüentes dos pedidos de interconsulta foram: depressão, afastar patologia psiquiátrica e presença de antecedente psiquiátrico (Gráfico 1).


Dos 293 pacientes, 230 (78,50%) preenchiam critérios para diagnóstico psiquiátrico segundo o DSM-IV. Dos 230 casos com diagnóstico psiquiátrico, 136 (59,1%) apresentaram transtornos dentro do espectro depressivo, assim distribuídos: Depressão Maior: 60 pacientes (26,1%), Depressão Menor: 31 pacientes (13,5%), Depressão Secundária: 19 pacientes (8,3%), Reação de Ajustamento com Humor Depressivo: 26 pacientes (11,3%). Delirium foi diagnosticado em 26 pacientes (11,3%) e 68 pacientes (29,6%) apresentaram outros diagnósticos (Gráfico 2).


Em relação à sintomatologia no momento da avaliação, os sintomas potencialmente depressivos-melancólicos mais freqüentemente atribuídos à depressão pelo psiquiatra interconsultor foram: anedonia (n=83—32,3%) e despertar precoce (n= 50—19,8%) (Tabela 1). Os sintomas potencialmente depressivos não-melancólicos mais freqüentemente atribuídos à depressão foram: fadiga (n=92-34,6%) e diminuição da concentração (n=69-26,5%) (Tabela 2).

Dentre os sintomas potencialmente depressivos-melancólicos, perda de peso (n=39—15,2%) e perda de apetite (N=27—10,5%) foram os mais freqüentemente atribuídos a outras condições médicas pelo psiquiatra interconsultor (Tabela 1). Os sintomas potencialmente depressivos que mais freqüentemente foram identificados como secundários a outras condições médicas foram a fadiga (n=60—22,6%) e a diminuição da concentração (n=47—18,1%) (Tabela 2).

À exceção do aumento de apetite, aumento de peso, agitação e ilusões, o diagnóstico de depressão apresentou distribuição significativamente diferente em relação à presença ou não dos sintomas depressivos (Tabelas 3 e 4).

De acordo com a análise de regressão logística, as variáveis selecionadas para explicar o diagnóstico de depressão foram: pensamento de morte (OR=20,6, IC=95%, 2,5-170,5), irritabilidade (OR=4,5, IC=95%, 1,7-11,9), despertar precoce (OR=15,0, IC=95%, 1,7-129,3) e perda de peso (OR=8,1, IC=95%, 2,6-24,4). As variáveis anedonia e piora matinal não entraram no modelo pelo reduzido número de pacientes sem depressão que apresentavam esses sintomas, respectivamente 4 e 3 pacientes. Aumento do apetite também foi excluído do modelo, pois estava presente em apenas seis pacientes com depressão e em quatro pacientes com outros diagnósticos.

DISCUSSÃO

Nossos achados revelaram uma grande prevalência de transtornos dentro do espectro depressivo. Transtornos depressivos foram diagnosticados em 136 pacientes (46,41% dos pedidos). Depressão maior foi o diagnóstico mais freqüente, realizado em 60 (44,12%) pacientes, depressão menor foi diagnosticada em 31pacientes (22,79%), depressão secundária a doenças e medicamentos em 19 (8,3%) e a reação de ajustamento com humor depressivo em 26 pacientes (11,3%) (Gráfico 2). A semelhança entre sintomas da depressão e sintomas de outras condições médicas dificulta o diagnóstico de depressão. Vários autores vêm enfocando o assunto visando facilitar e dar confiabilidade ao diagnóstico da depressão no contexto médico.

Uma linha de pesquisa investigou sintomas que caracterizassem pacientes com depressão mais grave, assim assegurando que aquela sintomatologia era depressiva e não decorrente da condição médica. Investigando os sintomas mais freqüentes em pacientes com pontuação acima de 13 no inventário de Beck para depressão28 , Scwab et al. (1967) encontraram culpa, pessimismo, sentimento de fracasso e insatisfação com a imagem corporal. Moffic e Paykel29 encontraram culpa, pessimismo, tristeza, preocupação somática, irritabilidade, ideação suicida, anorexia e insônia; Plumb e Holland30 encontraram baixa auto-estima como o principal indicador de depressão em pacientes com câncer. Clark et al31 relataram que os sintomas que melhor discriminavam a depressão mais grave eram: sentimento de fracasso, de punição, ideação suicida e choro freqüente. Uma limitação deste tipo de estudo é que não considera pacientes com transtorno depressivo leve ou mesmo a depressão subsindrômica que podem apresentar psicopatologia depressiva diferente, e segundo Williams et al32, a depressão subsindrômica é mais freqüente do que a depressão maior em clínicas de atenção primária e se associa a significativo comprometimento funcional.

Em nossa casuística, fadiga e diminuição da concentração foram os sintomas depressivos não-melancólicos mais freqüentemente atribuídos à depressão, respectivamente em 92 (34%) e 69 (26,5%) pacientes com diagnóstico de depressão (Tabela 2). Entretanto, estes sintomas também foram os mais freqüentemente atribuídos a outras condições médicas, fadiga em 60 pacientes (22,6%) e diminuição da concentração em 47 pacientes (18,1%) (Tabela 2). A elevada freqüência de dificuldade para se concentrar e a diminuição da energia em pacientes com depressão associada a outras condições médicas já foi relatada por Koenig5. Por outro lado, os trabalhos acima descritos que investigaram a psicopatologia dos quadros mais graves de depressão utilizando a escala de Beck28-31 relataram basicamente sintomas psicológicos, sendo que fadiga não foi relatada em nenhum destes estudos, e a escala de Beck não investiga diminuição da concentração. Embora diante de um paciente com fadiga ou com diminuição da concentração, em nossa casuística, a distribuição do diagnóstico de depressão e não-depressão fosse significativamente diferente (fadiga, p=0,001; diminuição da concentração, p=0,005)(Tabela 3), estes sintomas não foram selecionados pelo modelo da análise de regressão logística, o que diminui o valor destes como marcadores de depressão. Concordamos com Cavanaugh13 quando afirma que a fadiga, além de alterações do sono, peso, apetite e da psicomotricidade, ajudam a corroborar o diagnóstico quando em excesso ou associados à sintomas cognitivos e afetivos da depressão. Da mesma maneira, em relação à diminuição de concentração, acreditamos que outros sintomas depressivos devam corroborar o diagnóstico, uma vez que o delirium também comum no hospital geral, cursa com diminuição da concentração, com labilidade afetiva e com freqüência é considerado como depressão por médicos não psiquiatras33.

Os sintomas melancólicos mais freqüentemente atribuídos à depressão foram anedonia e despertar precoce, presentes respectivamente em 83(32,3%) e 50 (19,8%) pacientes. A distribuição do diagnóstico de depressão ou não-depressão foi significativamente diferente nestes dois sintomas (anedonia, p=0,001; despertar precoce, p=0,001) (Tabela 4). A anedonia estava presente em apenas quatro pacientes sem o diagnóstico de depressão, o que não permitiu sua inclusão no modelo de regressão logística. No estudo de Furlaneto34, anedonia também foi um dos sintomas que melhor discriminaram depressão de não-depressão em pacientes em enfermaria de hospital geral. Wooley et al35 relataram que a investigação da anedonia, além do humor depressivo, foi suficiente para a detecção de casos de depressão em uma Unidade de Urgências. Considerando estes dados, concluímos que a anedonia é um bom marcador de depressão. A investigação de anedonia torna-se fundamental, particularmente em idosos, que de acordo com Gallo et al36, podem apresentar depressão sem tristeza.

A análise de regressão logística revelou que o despertar precoce (OR=15,0, IC=95%, 1,7-129,3), pensamento de morte (OR=20,6, IC=95%, 2,5-170,5), irritabilidade (OR=4,5, IC=95%, 1,73-11,9) e perda de peso (OR=8,1, IC=95%, 2,6-24,4) foram os sintomas que mais explicaram o diagnóstico de depressão.

Nossos dados reforçam a importância da investigação de sintomas melancólicos (despertar precoce, perda de peso e anedonia), de modo sistemático em pacientes no hospital geral para se detectar a depressão. Além dos sintomas melancólicos, irritabilidade e pensamentos de morte também contribuíram para o diagnóstico de depressão de acordo com a análise de regressão logística. Diante de um paciente com irritabilidade, a distribuição do diagnóstico de depressão ou não-depressão foi significativamente diferente (p=0,001) (Tabela 3). Segundo Schwab et al.37 e Cavanaugh11,12, irritabilidade, além de choro e tristeza, seriam freqüentes em pacientes no hospital geral, mesmo sem depressão, e só deveriam ser considerados como sintomas depressivos se intensos ou graves. De acordo com o estudo de Moffic e Paykel29, acima citado, irritabilidade foi um dos sintomas mais freqüentes em pacientes com Beck >13. Nossos achados reforçam o valor da irritabilidade como um sintoma da depressão no hospital geral.

Cavanaugh13 propõe a modificação dos critérios diagnósticos do DSM-IV, adaptando-os para os pacientes internados em unidades clínicas. A autora propõe a inclusão da falta de esperança ou apatia como alternativa ao humor depressivo e anedonia. Além disso, Cavanaugh salienta a falta de interesse por pessoas (familiares, pacientes, equipe) por parte do paciente como indicativo de depressão. Nossos achados evidenciam que a anedonia deve ser valorizada na investigação da depressão no contexto médico, ressalte-se que a falta do prazer em estar com pessoas seja por nós considerada anedonia. Embora Cavanaugh também inclua irritabilidade quando intensa como um possível sintoma depressivo, e embora seja um sintoma psicológico, este não foi significativamente valorizado por Cavanaugh no que diz respeito a auxiliar a realização do diagnóstico de depressão no contexto médico.

Nossa casuística ressalta a relevância da depressão em causar o emagrecimento. Mesmo que a perda de peso possa ser decorrente de outras doenças, este foi um sintoma sele cionado pela análise de regressão logística para explicar o diagnóstico de depressão. Defendemos a conduta de que diante de um paciente com emagrecimento, mesmo com diagnóstico de outra doença que possa causar a perda de peso, o diagnóstico de depressão deva ser descartado devido à sua elevada comorbidade. Do mesmo modo, se o despertar precoce for atribuído de modo generalizado ao estresse decorrente da hospitalização e das rotinas hospitalares, o diagnóstico de depressão poderá não ser realizado.

CONCLUSÃO

De acordo com os dados desta pesquisa, pensamentos de morte, irritabilidade, despertar precoce e perda de peso foram os sintomas que melhor explicaram o diagnóstico de depressão. A presença de anedonia e piora matinal fortalecem o diagnóstico da depressão, pois raramente foram encontradas na ausência desta. Mesmo outros sintomas como insônia, diminuição da concentração, fadiga e lentificação, que poderiam ser manifestação da condição clínica e não da depressão, nesta casuística, foram significativamente mais associados ao diagnóstico da depressão do que com a ausência desta.

Estes dados reforçam a necessidade do clínico de investigar ativamente o diagnóstico de depressão na presença de sintomas físicos que podem ser decorrentes de uma condição médica geral ou de uma depressão. Devido a sua elevada prevalência, a depressão não pode ser um diagnóstico de exclusão.

SUMMARY

Depression in General Hospital: a study of 136 cases

OBJECTIVE: To investigate the depressive symptoms that differentiate patients with and without depression associated to medical disease.

METHOD: During 1998, 293 consecutive referrals for consultations were studied, 168 (57.5%) of females and 124 (42.5%) males, with ages ranging from 18 to 93 years (47.2 ± 18.0 years).Psychiatric diagnosis was made by clinical interviews, according to DSM-IV criteria. For statistical analysis the chi-square and logistic regression tests were adopted.

RESULTS. Of the 293 patients under study, 230 (78.5%) fulfilled the criteria for psychiatric diagnosis, 136 (59.1%) of them presented disorders within the depressive spectrum: Major Depression (n= 60 ¾26.1%), Minor Depression (n = 31 ¾13.5%). Secondary Depression (n= 19-8.3%) and Adjustment Disorder with Depressive Mood (n= 26-11.3%). Excep for greater appetite, weight gain, agitation and delusions, the occurrence or not of the diagnostic of depression was significantly different (p<0.05) when comparing the presence with the absence of the remaining potential depressive symptoms. The anedonia and morning worsening were detected in 4 and 3 patients without depression respectively, which did not allow the inclusion of these symptoms in the regression analysis model. In accordance with the logistic regression analysis (IC= 95%) the selected variables to explain diagnosis of depression were thoughts of death (OR= 20.6; 2.5-170.5), irritability (OR= 4.5; 1.7-11.9), early awakening (OR=15.0; 1.7-129.3) and weight loss (OR=8.1; 2.6-24.4).

CONCLUSION: Thoughts of death, irritability, early awakening, loss of weight, anhedonia (loss of pleasure); and morning worsening were the symptoms that strongly supported depression diagnosis. Even symptoms that could be a manifestation of medical condition and/or of depressions (such as sleeplessness, diminished concentration, fatigue and slowing down) were significantly more associated to the diagnosis of depression. These data outline the need for an active clinical investigation of depression by the physician in the case of physical symptoms that could be related to a medical condition or a depression. Owing to its high prevalence, the diagnosis of depression should not be made on an exclusion basis. [Rev Assoc Med Bras 2002; 48(3): 225-30 ]

KEY WORDS: Depression. General Hospital. Psychiatric consultation.

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Artigo recebido: 26/03/2001

Aceito para publicação: 03/07/2001

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    Correspondência:
    Instituto Psquiatria do HC
    R. Ovidio Pires de Campos, s/n ¾ 05403-010
    S.Paulo ¾ SP ¾ E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Mar 2006
    • Data do Fascículo
      Set 2002

    Histórico

    • Aceito
      03 Jul 2001
    • Recebido
      26 Mar 2001
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