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A desregulação das obras sociais mais um episódio da reforma da saúde na Argentina: O que virá depois?

The deregulation of health care organizations in Argentina: what is next?

Resumos

O artigo apresenta a evolução histórica do principal sistema de saúde da Argentina - o Sistema de Obras Sociais (OS), centrando sua análise nos anos 90, quando foram realizadas as principais tentativas de reforma desse sistema. O artigo destaca as dificuldades em implementar as reformas propostas e os conflitos de interesse envolvidos na negociação entre o Governo e os Sindicatos, os quais administram, desde sua origem, o sistema de obras sociais. Também são analisadas as perspectivas futuras do sistema de OS.

Reforma sanitária; Obras sociais; Seguridade social; Argentina


This article presents the historical evolution of the main heath system in Argentina - The Social Works System (System de Obras Sociais - OS) focusing in the nineties, when were realized the main intents to reform this system. The article point out the difficulties on the health reforms implementation and the interest conflicts that emerged on the negotiation among government and trade unions who managed the system since its creation. The article also analyze the near future perspectives regarding the OS system.

Health reform; Social works; Social security; Argentina


Artigo de Revisão

A DESREGULAÇÃO DAS OBRAS SOCIAIS MAIS UM EPISÓDIO DA REFORMA DA SAÚDE NA ARGENTINA... O QUE VIRÁ DEPOIS?

ANDRÉ CEZAR MEDICI

Trabalho realizado no Banco Interamericano de Desenvolvimento, Whashington, EUA

RESUMO ¾ O artigo apresenta a evolução histórica do principal sistema de saúde da Argentina - o Sistema de Obras Sociais (OS), centrando sua análise nos anos 90, quando foram realizadas as principais tentativas de reforma desse sistema. O artigo destaca as dificuldades em implementar as reformas propostas e os conflitos de interesse envolvidos na negociação entre o Governo e os Sindicatos, os quais administram, desde sua origem, o sistema de obras sociais. Também são analisadas as perspectivas futuras do sistema de OS.

UNITERMOS: Reforma sanitária. Obras sociais. Seguridade social. Argentina.

"En los velorios, el progreso de la corrupción hace con que el muerto recupere sus caras anteriores"

Jorge Luís Borges

El Aleph (1949)

A NOVELA E SEUS CAPÍTULOS

A reforma do setor saúde na Argentina pode ser vista como uma novela que se inicia no começo dos anos 90 e ainda não terminou. Novela de trajetória longa, passada em vários momentos do tempo, pode ser dividida em pelo menos cinco episódios: a longa marcha de construção e hegemonia do antigo sistema (até fins dos anos 70); a crise do antigo sistema (do final dos anos 70 ao início dos 90); os preparativos e os primeiros passos de reforma (1991-1997); o grande salto "para frente e para trás" (1997-2000) e a retomada do processo (2001 a ....)

Difícil, no entanto, é definir claramente os personagens e seus interesses específicos, já que estes mudam constantemente de posição na medida em que evolui a narrativa. De um lado, existem os interessados em melhorar as principais deficiências do sistema antigo, que apesar de juridicamente morto, permanece com os mesmos problemas: insuficiente cobertura, baixo grau de equidade, altos custos, corrupção e gastos desproporcionais aos benefícios. De outro, existem aqueles interessados em ressuscitar o morto ou recuperar suas caras anteriores, já que através delas recebem seus principais benefícios. E não são poucos.

A LONGA MARCHA...

O principal cenário institucional onde se desenvolve a novela é o sistema de seguro público de saúde denominado "Obras Sociais". Herdeiras do sistema de mutualistas e instituídas pelo governo populista de Perón, nos anos 40, as Obras Sociais, tal qual ocorreu com as Caixas e Institutos de Aposentadorias e Pensões no Brasil no período Vargas, foram a forma que o governo argentino na época encontrou para perpetuar-se no poder através da cooptação das burocracias sindicais e do respaldo de seus interesses na administração pública.

As Obras Sociais são autarquias destinadas a prover ações de saúde e de assistência recreativa aos empregados formais na sociedade argentina. Sendo desde os anos 60 instituições de afiliação compulsória para todos os trabalhadores, são financiadas através de uma contribuição social, que incide sobre a folha de salários com duas alíquotas: uma paga pelos empregadores (na época, 6%) e outra pelos os empregados (3%). As primeiras Obras Sociais tiveram sua organização baseada em categorias profissionais. Foram as chamadas Obras Sociais Sindicais (OSS), cuja administração era feita por escolha dos dirigentes do velho sindicalismo de base peronista. Posteriormente, foram criadas as Obras Sociais de Direção (OSD), com planos especiais para funcionários de alto escalão administrativo das empresas; as Obras Sociais Provinciais (OSP), destinadas a prover benefícios para os empregados públicos dos governos das províncias e PAMI que se constituiu em um seguro de saúde compulsório para os trabalhadores formais, financiada por uma contribuição adicional sobre a folha de salários, destinado a sustentar os altos custos da assistência médica de aposentados e/ou pensionistas4. A obrigatoriedade de contribuição sobre a folha de salários para o pagamento do sistema de saúde dos aposentados e pensionistas foi estabelecida em 1970 (decreto lei 18610) anteriormente à criação de PAMI, tendo sido sancionada, pelo Governo Militar, através da Lei 19032.

As mudanças ocorridas nos anos 70 foram bastante expressivas. Primeiramente, elas avançaram em direção a uma efetiva universalização do sistema. Em 1967, as Obras Sociais cobriam somente 35% da população argentina. Nos anos 70, a cobertura institucional, antes restrita aos trabalhadores, se estende à esposa e aos filhos. O advento da compulsoriedade de afiliação e sua extensão aos familiares, numa economia onde larga maioria dos trabalhadores se inseria no mercado formal de trabalho, elevou a cobertura das Obras Sociais para 75% da população em 1984. Assim, a Argentina foi o país que mais se aproximou da universalização da saúde no sentido welfariano (através do mercado formal de trabalho) em toda a América Latina. O projeto básico proposto em 1974 consistiu em criar um Sistema Nacional Integrado de Saúde (SNIS), o qual estabelecia pontes e vasos comunicantes entre o sistema público e as Obras Sociais, favorecendo o intercâmbio de clientela e estimulando a solidariedade financeira entre os dois. Com o golpe militar de 1976, os avanços nessa direção foram revertidos3.

Em segundo lugar, depois de um longo período sem regulação setorial, foi nos anos 70 que se estabeleceu o Instituto Nacional de Obras Sociais (INOS), destinado a regular as prestações, o financiamento e a estabelecer mecanismos de solidariedade entre as distintas categorias profissionais. Com salários muito díspares entre estas categorias, muitas OSS não tinham condições de oferecer prestações na quantidade e qualidade necessária a seus afiliados. Estes, quando necessitavam, acabavam nas portas dos hospitais e ambulatórios públicos. A grande mudança introduzida pelo INOS foi estabelecer um fundo de solidariedade, equivalente a 10% do montante das alíquotas recebidas sobre a folha de salários, para financiar a cobertura das OSS que apresentassem déficit na cobertura das necessidades de saúde de seus afiliados. A introdução do Fundo Solidário de Redistribuição (FSR) se estabelece, em 1989, com a Lei 23660, que cria o Sistema de Seguro Nacional de Saúde. Com propósitos altamente redistributivos, a falta de regulamentação de dispositivos reguladores não impediu que o uso destes recursos fosse altamente manipulado, abrindo as portas para beneficiar as Obras Sociais mais ricas5.

A CRISE DO ANTIGO SISTEMA

Vários são os fatores que levaram o sistema de Obras Sociais a entrar em colapso. Entre eles, podemos citar: (I) a natureza de sua condução política e administrativa; (II) o fato de que cada Obra Social tinha sua clientela cativa e a falta de mecanismos de competição que favorecessem a escolha dos usuários; (III) a debilidade progressiva dos mecanismos de regulação; (IV) o desequilíbrio na regulação da oferta provocado por PAMI; (V) a heterogeneidade do sistema ao nível regional e provincial; (VI) o alto custo e o desperdício do sistema e; (VII) o crescimento das instituições privadas de assistência médica gerenciada, com base em pré-pagamento, as quais progressivamente vão desarticulando as Obras Sociais dos grupos de assalariados e de direção de empresas com renda mais elevada.

(I) A condução política e administrativa das OSS, em sua maioria nas mãos do sindicalismo de base peronista, foi em grande parte uma fonte de poder e corrupção para parcelas importantes da aristocracia sindical argentina. Recebendo uma renda praticamente vitalícia e sem ter que se esforçar para recebê-la, as Obras Sociais não tinham muita preocupação em prestar um bom serviço a sua clientela. Os "incomodados" não tinham com quem reclamar e, em geral, tinham, no limite, a opção de usar os serviços públicos de forma paliativa. Por outro lado, sem grandes requisitos de transparência e prestação de contas, não existiam limites sobre as comissões que os dirigentes destas instituições podiam receber nas compras de insumos e serviços, em investimentos e construções, etc. Por outro lado, as Obras Sociais foram importante mecanismo de sustentação de campanhas eleitorais, fazendo com que seus dirigentes sempre fossem apadrinhados políticos de importantes personalidades dos poderes Executivo e Legislativo.

(II) Por terem clientela cativa, os afiliados de cada Obra Social não podiam exercer seu direito como consumidores. Só podiam mudar de Obra Social se passassem a trabalhar em empresas de outro setor de atividade econômica ou quando se aposentassem, passando a ser afiliados de PAMI. Esse tipo de comportamento eliminava qualquer incentivo para a concorrência no setor e impedia que as Obras Sociais melhorassem a qualidade da saúde que ofertavam, já que não tinham porque lutar para aumentar sua clientela. Nessa perspectiva, até mesmo instituições como o INOS pouco podiam fazer para melhorar a qualidade dos serviços ofertados e implantar incentivos para o controle e a redução de custos do sistema;

(III) Apesar de seus esforços, o INOS sempre sofreu certa debilidade no processo de regulação das Obras Sociais. Embora tenha conseguido unificar as alíquotas de contribuição (que antes variavam segundo a categoria profissional) e os preços pagos pelos serviços comprados (através da criação de um "nomenclador nacional"), não conseguiu estancar a tendência crescente a comprar serviços desnecessários (nas OSD e OSS mais ricas) ou a não atender adequadamente a clientela (nas OSS mais pobres). Mesmo o Fundo de Solidariedade acabava apoiando as OSS mais ricas, dado que estas eram mais eficientes em planejar e faturar suas compras e prestar serviços, demonstrando ao INOS a necessidade de recursos superiores a suas rendas líquidas. As mais pobres sequer tinham capacidade de planejar os instrumentos de oferta para posterior prestação de contas ao órgão regulador. A debilidade na regulação também se dava pelo fato de que o INOS não tinha como regular as relações monopólicas/ monopsônicas entre Obras Sociais e prestadores de serviços que se estabeleciam nas províncias menores, aumentando livremente os preços pagos pelos serviços sem nenhum incentivo para seu adequado controle.

(IV) A grande magnitude da população coberta por PAMI acabava imprimindo a esta instituição um forte peso na regulação da oferta local de serviços de saúde, já que esta passou a definir novas modalidades de contrato, gerando um grande número de prestadores privados (médicos e hospitais) na base de contratos por capitação com regras distintas das operadas no sistema de Obras Sociais. Como os que prestavam serviços para estas entidades também o faziam para PAMI, acabavam adotando regras e praticando os preços das últimas em todas as circunstâncias, especialmente nas províncias de menor porte.

(V) A heterogeneidade econômica regional argentina é responsável por uma grande diversidade de modelos de organização do setor saúde que respondem por distintos processos de estruturação do sistema de obras sociais, ao nível provincial. Nas províncias mais ricas, como a de Buenos Aires, com 40% da população e 35% do PIB nacional, o sistema de saúde é basicamente dominado pelas OSS, mas existe internamente uma grande heterogeneidade nas formas de organização. Na área da periferia urbana da província, se fortaleceu o papel das empresas de assistência médica gerenciada, com um grande número de assalariados médicos, as quais passaram a ter na Federación Médica de la Provincia de Buenos Aires seu principal agente de negociação de preços e quantidades de serviços com as Obras Sociais. Em províncias do interior, como Neuquén e Salta, se fortalece um modelo débil de organização das OSS, ao lado do crescimento das OSP e do setor público2. No entanto, o papel dos contratos captados de PAMI monopoliza boa parte do mercado privado de prestadores, o qual faz com que as OSP tenham que contar obrigatoriamente com a oferta de serviços públicos para complementar a cobertura de sua clientela. Como tal fato ocorre às expensas de um mecanismo de recuperação de custos dos hospitais públicos, estes acabam deteriorando sua capacidade instalada pelo seu crescente déficit financeiro, oriundo da cobertura das necessidades de saúde de uma clientela adicional à sua população objetivo. Quem se beneficia de todo o processo é a classe médica, a qual, nas raias do multi-emprego, multiplica o "dom da ubiqüidade" dos médicos, o qual nem sempre é bom para os pacientes, mas traz grandes vantagens financeiras para esta categoria profissional.

(VI) A existência de fortes falhas de mercado, tais como as relações monopólico/ monopsônicas entre Obras Sociais e prestadores e a clientela cativa de cada Obra Social, estabeleceram um sistema pouco eficiente, fazendo com que seus custos e gastos aumentassem sem cessar. Junte-se a isso o fato de que cada membro da família que trabalha tem direito a afiliar o restante da família em sua Obra Social de contribuição. Nesse sentido, casais onde os dois cônjuges se inserem no mercado formal, podem ter duas coberturas, o que pode ser ainda potencializado se um filho mais velho, também trabalhador, inscreve pai e mãe como beneficiários do sistema. Tal fato criava uma cumplicidade entre o sistema e seus beneficiários, num duplo processo de free riding. Os usuários, dispondo de mais de uma Obra Social, utilizavam seletivamente a que lhe dava melhor cobertura para cada modalidade. As Obras Sociais, por sua vez, maximizavam seu rendimento, ao mesmo tempo em que dividiam seus custos de atenção médica.

(VII) Em muitos segmentos de renda mais alta, a opção da Obra Social passava a ser entregar toda ou parte de sua atenção às empresas de seguro saúde ou de atenção médica gerenciada que começam a florescer na Argentina desde os anos 70.

Diante de todas essas deficiências, com o retorno da democracia, o Governo Alfonsin tentou reestabelecer mecanismos para evitar todos esses problemas, através da criação de um projeto de Seguro Nacional de Saúde. Esse projeto reivindicava o fortalecimento do papel do Estado como condutor da política de saúde e propunha uma estratégia conjunta com as Obras Sociais para fortalecer a cobertura e parcelas da população fora do mercado formal de trabalho. O projeto, no entanto, enfrentou dura resistência do sindicalismo de base peronista e acabou sendo aprovado, ao final do Governo Alfonsín, sem ter sido regulamentado. No entanto, serviu como estrutura e base legal para a implementação da política de desregulação das Obras Sociais, que se inicia quatro anos depois.

Mas nenhum desses fatores foi decisivo para explicar de fato a crise do sistema de Obras Sociais, já que todos eles, apesar das deficiências inerentes, poderiam conviver num clima de crescimento econômico e estabilidade. O advento do Plano Austral, ao fortalecer a moeda e manter o valor presente dos passivos das Obras Sociais, põe em evidência a dificuldade de financiar a estrutura de prestação de serviços existentes, aumentando fortemente o nível de endividamento destas instituições. Por outro lado, a estagnação econômica e a hiperinflação do final dos anos 80 aumentaram fortemente as taxas de desemprego e a informalidade do trabalho, reduzindo na base o sustento financeiro das Obras Sociais. Somente na província de Buenos Aires, a população com necessidades básicas insatisfeitas (NBI ¾ uma medida do nível de pobreza utilizada na Argentina) aumentou de 25% para 45% da população. O número de pessoas cobertas pelo sistema de Obras Sociais reduziu de 22,6 para 18,8 milhões de pessoas entre 1984 e 1991, resultando em uma queda de cobertura de 75% para 58%.

OS PRIMEIROS PASSOS DA REFORMA

A reforma das Obras Sociais é parte de todo um esforço de mudança que se instituiu em 1991 com o Plano de Convertibilidade ¾ um dos maiores e mais ousados planos de estabilização econômica da América Latina - o qual garantiu por longo tempo a estabilidade e a recuperação do crescimento no país, ainda que não tenha conseguido reverter um dos seus principais problemas, que foi o avanço dos níveis de informalidade do trabalho e desemprego.

Por outro lado, como visto anteriormente, a reforma das Obras Sociais nasce da consciência de que o sistema, tal como estava, não se sustentaria por muito tempo. Por um lado, a crise do desemprego e do mercado de trabalho formal criou uma debandada da classe média para o uso crescente de hospitais e órgãos públicos. Mesmo as próprias Obras Sociais, ao racionalizarem progressivamente suas ofertas de serviços, começaram a jogar seus afiliados na boca de atendimento dos hospitais públicos.

Nesse sentido é que surge no início dos anos 90 somente a peça de uma engrenagem mais ampla de reforma, que tenta redefinir os espaços do setor público, reformar as Obras Sociais e, de quebra, regular o mercado de seguro saúde baseado no pré-pagamento. No entanto, pouca coisa avançou neste último campo.

A reforma do setor público se estruturou em três pilares: (I) a descentralização dos serviços públicos de saúde para as províncias; (II) o modelo de auto-gestão para hospitais públicos; (III) o fortalecimento do modelo de atenção primária de saúde, baseado em estratégias de promoção e prevenção de saúde, atenção materno-infantil, medicina de família e vigilância epidemiológica.

(I) A descentralização dos serviços públicos de saúde começa timidamente no final dos anos 70, no governo militar, mas se aprofunda e se completa no início dos anos 90, com a transferência de todos os hospitais nacionais para as províncias;

(II) O modelo de auto-gestão para os hospitais públicos se desenvolve inicialmente nas Províncias de Buenos Aires e Mendoza, sendo posteriormente estendido a todo o país, a partir da promulgação do Decreto 578 de 1993. Com este procedimento, os hospitais públicos passam a cobrar e a receber das Obras Sociais o valor dos serviços prestados para a população com cobertura dessas instituições. Os resultados, no entanto, têm sido muito tímidos, já que os valores recuperados não chegam hoje em dia a 10% dos serviços efetivamente prestados por estes hospitais a estas instituições;

(III) O fortalecimento das estratégias de atenção primária se inicia em 1994 com o Programa de Atenção Materno Infantil (PROMIN), através do qual se fortalecem os estabelecimentos provinciais que oferecem cuidados a mãe e a criança, com vistas a reduzir a mortalidade materna e melhorar os padrões de atendimento às crianças em sua primeira infância. Uma medida posterior, já em 1998, é o estabelecimento do Plano de Atenção Primária para o Hospital de Auto-gestão por Área Tipo e, em 1999, o Programa de Atenção Primária de Saúde (PROAPS), em que se define que cada hospital passaria a ser a cabeça de uma rede onde prevaleceriam estratégias de atenção primária e de fortalecimento do primeiro e segundo nível de hierarquia dos serviços e se define a implantação de estratégias de atenção primária de saúde nas províncias. Na mesma época, se desenvolve o Programa de Vigilância Argentino (VIGIA), que permite aumentar e integrar, em nível provincial, os esforços de vigilância epidemiológica.

As estratégias definidas no campo da reforma do setor público em grande medida se coordenavam com a desregulação das Obras Sociais. A tentativa mais imediata dessa coordenação foi um projeto, que não chegou a se converter em Lei, denominado Organização Solidária da Assistência Médica. Esse projeto tinha como base três pilares: a liberdade de afiliação e a pluralidade institucional do sistema de Obras Sociais; a criação de um novo marco financeiro para o sistema e a progressiva universalização da cobertura.

Em 1991, com a desregulação econômica (decretos 2284 e 2741), os aportes para as Obras Sociais deixam de ir para o INOS e passam a ser canalizados para a Administração Nacional da Seguridade Social (ANSES), a qual passa a organizar o repasse dos recursos para as distintas Obras Sociais. Em 1993, estes recursos passam a ser canalizados para a Direção Geral de Impostos (DGI) ¾ hoje transformada em Administração de Finanças Públicas (AFIP). Com isso, se gera a base econômica em que se desenvolve o processo de desregulação das Obras Sociais. Esse processo começa, efetivamente, com o Decreto 9, de 1993, (que regulamente parte das Leis 23.660 e 23.661 de 1989), o qual passa a ter basicamente os seguintes dispositivos:

• Os beneficiários do sistema de Obras Sociais, em qualquer de suas modalidades, poderão eleger a Obra Social de sua preferência;

• São eliminadas as restrições que limitam a liberdade de contratação assim como as que regulam as tabelas de preços de serviços;

• É criada a diferenciação entre empresas ou entidades de prestação de serviços e associações profissionais, impedindo que as Obras Sociais contratem estas últimas como prestadores de serviços de qualquer natureza;

• É ratificada a recuperação de custos dos Hospitais Públicos às Obras Sociais, obrigando a estas a reembolsar qualquer uso que se realiza dos primeiros;

• Obriga as Obras Sociais a contratar somente prestadores de serviços devidamente acreditados por mecanismos vigentes no mercado, com vistas a melhorar a qualidade das prestações;

• Passa a ser permitida a fusão e a união de Obras Sociais;

• Fica proibida a gestão e cobrança centralizada de contratos;

• Se estabelece um pacote básico mínimo obrigatório de serviços (PMO), definido e regulado pelo Ministério da Saúde, ao qual deverá ser garantido aos afiliados das Obras Sociais;

• O INOS se transforma em Administração Nacional de Seguro Social (ANSSAL), assumindo a responsabilidade de compensar as diferenças que eventualmente viessem a surgir entre os aportes recebidos e as necessidades de cobertura das prestações incluídas no PMO aos afiliados.

Diferentemente das reformas dos anos 80, que tiveram o apoio do Organização Pan-Americana de Saúde, as reformas de saúde nos anos 90 contaram com o apoio de organismos multilaterais de crédito, especialmente o Banco Mundial, o qual financiou parte dos investimentos para a implantação do Programa de Hospitais de Auto-gestão (PRESSAL), do Programa de Atenção Materno Infantil (PROMIN), do Programa de Reforma das Obras Sociais (PROS) e do Programa de Vigilância Sanitária e Epidemiológica (VIGIA). O Banco In-teramericano de Desenvolvimento, recentemente vem apoiando o Programa de Atenção Primária de Saúde (PROAPS).

Entre 1993 e 1997, são promulgadas medidas complementares a esta legislação, cabendo destacar o Decreto 576/93, que define o alcance desse pacote de medidas; as normativas que regulamentam a redução das contribuições patronais, rebaixando-as de 6% para 5% e o Decreto 292/95, que modifica as funções de repartição do Fundo Solidário de Redistribuição de ANSSAL, dando-lhe caráter automático para complementar o fundo mínimo para a cobertura do PMO, eliminando a duplicidade de cobertura das Obras Sociais e estendendo o regime de livre eleição para os aposentados e pensionistas filiados a PAMI. Pouco depois, outro decreto 492/95, aumenta novamente as alíquotas de contribuição dos empregadores para 6%.

A regulamentação do PMO das Obras Sociais é regulamentada em 1996 (Decreto 247). O processo de livre eleição das Obras Sociais é regulamentado pelo Decreto 1141 de 1996 e sua implementação se inicia em 1997, com uma única restrição: as pessoas só poderiam trocar de Obra Social desde que fosse uma vez por ano (Decreto 84/97).

Em dezembro de 1996, a ANSSAL é convertida em Superintendência de Seguros de Saúde (SSS), já antevendo que as funções de regulamentação do setor poderiam se ampliar, incorporando os seguros privados correspondentes. Entre as novas funções da SSS, passam a figurar a fiscalização e cumprimento do PMO, a supervisão do processo de recuperação de custos dos hospitais de auto-gestão e o cumprimento do Programa Nacional de Garantia de Qualidade.

O GRANDE SALTO: PARA FRENTE E PARA TRÁS

Os processo de livre eleição das Obras Sociais, entre 1997 e 2000, teve alguns efeitos esperados e outros não. Um dos efeitos esperados foi a concentração do mercado, a partir da redução do número de instituições, o que trouxe um impacto positivo ao eliminar as instituições menos eficientes e reduzir custos pelo efeito de ampliação de escala. De fato, das 360 Obras Sociais existentes no início dos 90, sobraram pouco mais de 200 na virada do milênio. E tudo indica que esse processo de concentração vai continuar.

Os efeitos inesperados estão no chamado "descreme do mercado". Algumas Obras Sociais ¾ em geral as maiores e com mais capacidade de sobrevivência financeira ¾ com ou sem acordo com as empresas de atenção médica administrada, passaram a captar no "corpo a corpo" os usuários com maiores salários, aumentando o risco sistêmico de sobrevivência das demais Obras Sociais.

Por tudo isso, os sindicatos que administram as Obras Sociais ofereceram forte resistência ao processo de livre eleição, intervindo permanentemente no processo e criando obstáculos ao processo de mudança dos usuários de uma instituição para outra. O número de pessoas que trocou de Obra Social entre abril de 1997 e outubro de 2000 não passou de 400 mil pessoas, entre os 11,5 milhões de associados às OSN, ou seja, menos de 3,5% da população inserida no sistema6.

Durante este período, a resistência ao processo foi crescente e se intensificou com o enfraquecimento da economia argentina, ao final dos anos 90 e com os esforços de campanha eleitoral. O grande salto para frente acabou se convertendo em um grande salto para trás. O sindicalismo mais uma vez demonstrou sua força e, aliado aos interesses dos médicos e funcionários públicos, fortaleceu as críticas ao caráter não solidário do sistema e aos riscos de privatização e internacionalização do setor saúde. Para garantir o apoio da base do sindicalismo justicialista nas eleições presidenciais, o governo, em fins de 1999, foi obrigado a retroceder e suspender o processo de livre-escolha das Obras Sociais, marcando sua rediscussão numa data a ser definida posteriormente às eleições.

2001: UMA ODISSÉIA? EM QUE ESPAÇO?

Não resta dúvida que a reforma das Obras Sociais na Argentina é um processo necessário, não somente por questões de eficiência, controle e redução dos custos do sistema de saúde, mas principalmente por questões de eqüidade e justiça social. Mas um projeto dessa natureza não é trivial e sua implementação exige governabilidade, gradualismo e análise de alternativas de viabilidade, fatores que podem ser quase tão ou mais importantes no sucesso das reformas que a perfeição do desenho técnico das mesmas.

No início do ano 2000, o governo de Fernando de La Rua assumiu a condução do país em meio a uma grave crise econômica e social, iniciada com a desvalorização da moeda do principal parceiro comercial argentino: o Brasil. A recuperação da economia tem sido penosa, no meio de altas taxas de desemprego e de um rigoroso programa de ajuste fiscal que conta com o apoio do Fundo Monetário Internacional (FMI) e das instituições multilaterais de crédito.

Ao mesmo tempo, o governo tem tido grandes dificuldades em manter intacta a coalizão política entre radicais e frepassistas que derrotou o justicialismo menemista nas eleições de 1999, em meio ao turbilhão de críticas internas e externas e ao enfraquecimento da relação entre o Executivo e Legislativo. Em menos de um ano, o governo já realizou duas reformas ministeriais e, mesmo assim, o consenso sobre a estratégia de governo no interior próprio executivo é bastante precário. A renúncia do Vice-Presidente da República Chaucho Álvares, em meio a escândalos de corrupção associados a compra de votos do Senado para a aprovação da reforma laboral, aumentou a temperatura e a pressão da crise política do governo de coalizão, enfraquecendo a confiabilidade interna e externa e aumentando o risco do país nos mercados internacionais de crédito.

Para tentar reverter tal situação, a principal estratégia de sustentação econômica do governo De la Rua foi alinhavada e costurada no final do ano passado junto ao FMI e ao sistema bancário internacional. A chamada "blindagem econômica" ¾ um pacote de crédito de quase US$ 40 bilhões - permite garantir o fechamento do déficit público e o pagamento das contas internas e externas. O mês de janeiro de 2001 já mostra alguns sinais positivos da blindagem na recuperação da imagem interna e externa do país. Tal fato foi ainda favorecido pela queda das taxas de juros internacionais, com efeitos nas perspectivas de aumento dos investimentos externos. Todos apostam que a blindagem possa reverter as expectativas de risco elevado e aumentar o estado de confiança para a construção de uma estratégia sólida de recuperação econômica.

Mas, ao mesmo tempo, todos sabem também que é impossível "fechar" uma estratégia dessa natureza sem a continuidade do processo de reformas estruturais que não se completou na década passada. Dentre as reformas pendentes, as mais importantes são as que apontam para a redução do déficit público e para o aumento da competitividade, tais como a conclusão da reforma laboral (em que os acertos básicos foram dados recentemente e ao que parece não existem grandes percalços); a reforma da previdência social (que apresenta inúmeros problemas relacionados ao déficit do sistema, a ineficiência de gestão e informação assimétrica aos que aportam ao sistema) a reforma administrativa (que parece caminhar bem) e a reforma do setor saúde.

A blindagem foi negociada com os credores externos com base nas promessas relacionadas à realização destas reformas. Entre elas está a chamada "Reforma Integral do Sistema de Seguro Saúde", que retoma o caminho das reformas implementadas durante a fase final do Governo Menen. Em fins do ano 2000, foram sancionados três decretos (nº 446,1140 e 1305) de necessidade e urgência (Os decretos de necessidade e urgência são a versão argentina do que chamamos de medida provisória no Brasil) que retomam vários pontos da reforma. Estes decretos já estão em vigor desde 1o de janeiro de 2001 e somente serão derrogados se o Congresso requerer tal medida. Além destes decretos, o governo elaborou o Projeto de Lei No. 1503/00, de dezembro de 2000, que contém quase todas as medidas deste decreto. O Congresso terá 60 dias para aprovar ou vetar esta nova legislação, a qual será automaticamente aprovada no caso deste não se pronunciar a respeito. Os principais pontos da nova legislação7 são:

(a) Diferentemente da legislação promulgada e suspendida no Governo Menen, o atual projeto incorpora ao sistema de Seguro Saúde, não somente as OSS, mas as OSD, as OSP e as empresas de assistência médica gerenciadas, financiadas na base de pré-pagamento. Desaparece a diferença entre as OSD e as OSS, já que as primeiras serão obrigadas a aceitar afiliados com menores salários de contribuição (Os decretos de necessidade de urgência anteriormente enumerados não estendem suas medidas às OSP, para evitar conflitos de ordem federativa).

(b) O direito de opção e mudança de uma Obra Social para outra se exercerá uma vez por ano;

(c) Todos os cidadãos argentinos passarão a ter um único número de registro para efeitos do sistema de saúde (público ou privado) de modo a facilitar os trâmites do processo de recuperação de custos e o traslado de um sistema para outro, além de contribuir para melhorar as estatísticas de saúde do país, contribuindo para melhorar a gestão, ao nível geral e específico, de cada entidade do sistema (Este dispositivo não se apresenta nos três decretos enumerados);

(d) Os desempregados continuarão a receber, durante três meses após a demissão, as prestações do PMO por parte da entidade na qual está afiliado;

(e) O Ministério da Saúde passa a ser a instância última de regulação e fiscalização do sistema, passando a incorporar a Superintendência de Serviços de Saúde (SSS) e PAMI. Tomará ações para garantir o cumprimento das prestações básicas existentes no PMO e arbitrará as medidas necessárias para garantir as prestações médicas de alta complexidade, alto custo e baixa freqüência de utilização. A SSS, órgão direto de regulação do sistema, será financiada com um aporte máximo equivalente a 3% dos recursos do fundo de redistribuição.

(f) Fica estabelecido um sistema solidário de financiamento do seguro social, através do qual todos possam ter, no interior de cada Obra Social, idêntica cobertura médica sem carências e exclusões. No sistema anterior, 10% da alíquota de contribuição (equivalente a 8% sobre a folha de salários: 3% para empregados e 5% para empregadores), se destinavam ao fundo de redistribuição. No novo sistema proposto, para assegurar não somente as prestações de alto custo, nenhum assegurado terá direito a menos de US$ 20 mensais de cobertura financeira para seu plano de saúde. Para tal, os que recebem salários até US$ 700 por mês contribuirão com 10% de sua alíquota de 8% para o fundo de redistribuição. A contribuição para este fundo aumentará para 15% para quem ganha entre US$ 700 e US$ 1500, e para 20%, para quem ganha mais de US$ 1500 mensais. Além do mais, o fundo de distribuição contará com aportes do tesouro nacional para cobrir eventuais insuficiências de fundos. As medidas tomadas permitem aumentar o valor do fundo de redistribuição de US$ 360 para US$ 550 milhões por ano, o que aumenta seu caráter solidário e distributivo.

(g) Fica mantido o sistema de recuperação de custos dos Hospitais Públicos de Auto-gestão que utilizam o sistema de Obras Sociais (Esta medida não está contemplada nos decretos anteriormente mencionados);

(h) Fica criado um sistema que obriga os produtores a utilizar o nome do genérico equivalente nos medicamentos comercializados nas farmácias do país, assim como todos os médicos a fazer suas prescrições com base no uso do nome destes mesmos genéricos. A Administração Nacional de Medicamentos, Alimentos e Tecnologia Médica (ANMAT) passará a ter a obrigatoriedade de fiscalizar essas disposições. O governo confeccionará, até março de 2000, um compêndio ordenado por genéricos, com cada uma de suas formas comerciais, o qual constituirá o Vademécum Social de Genéricos.

Como pode ser visto, o projeto representa um avanço em relação ao anteriormente existente antes de sua suspensão pelo governo Menen, já que aumenta a escala de competitividade do novo sistema, ao incluir a possibilidade de que empresas de seguro saúde privadas passem a receber diretamente os recursos das alíquotas pagas pelos trabalhadores e passem a administrar sua saúde. Além do mais, reduz a possibilidade de "descremar" o mercado, já que uniformiza os planos e amplia a cobertura do PMO.

Por outro lado, haverá um novo impulso ao processo de concentração das Obras Sociais, o que permite ampliar a escala de eficiência do processo de produção e entrega de serviços aos segurados. Como declarou à imprensa o Ministro da Economia, José Luís Maquinea, "o novo sistema foi desenhado para entidades que tenham a capacidade de manejar capitas de um milhão de usuários1". Nesse sentido, não se descarta a possibilidade de novas fusões de Obras Sociais ou do ingresso de grandes empresas internacionais no processo de gestão do seguro saúde na Argentina. O que está em jogo é um mercado que, contados os recursos administrados atualmente pelas OSS, OSD, OSP, PAMI e seguradoras privadas, poderá chegar a faturar mais de US$ 10 bilhões anuais.

Por outro lado, permanece o risco de que, se a economia não retoma seu caminho de crescimento, tal perspectiva de cobertura e faturamento não se concretize, em função da continuidade do aumento da informalidade e do desemprego e da passagem progressiva de beneficiários das Obras Sociais a usuários do sistema público, facilitada pelo processo de descentralização e de organização da atenção primária de saúde nas Províncias.

A perspectiva de concentração também se funda no aumento das barreiras econômicas à entrada. Qualquer entidade que participe do novo sistema deverá contar com um patrimônio que contenha reservas líquidas de, no mínimo, US$ 3 milhões, se atuarem em nível nacional, US$ 2 milhões se atuarem somente na capital federal e US$ 1,0 milhão, se atuarem em apenas uma província do interior. Além do mais, todas as entidades deverão outorgar pelo menos um Plano de Assistência Médica que contenha as prestações incluídas no PMO, o qual não permitirá mais exclusões por questões médicas, reduzindo as diferenças a questões de hotelaria e evitando discriminação de pacientes através do nível de preços praticados ou do nível de renda dos contribuintes ao sistema. Os planos adicionais oferecidos (por preços mais elevados) deverão contar com a aprovação da SSS, dado que o PMO tem um valor anual de US$ 240 por beneficiário.

As críticas ao projeto de desregulação das Obras Sociais começam a surgir de várias partes. As OSD, por exemplo, não aceitam a obrigatoriedade de receber clientes de mais baixo poder aquisitivo e administrar planos menos custosos como o PMO. As empresas nacionais de assistência médica gerenciada criticam o plano, dizendo que ele foi desenhado para favorecer uma internacionalização do mercado de seguro saúde. As empresas internacionais, por sua vez, relutam em participar do modelo enquanto não se definam claramente suas regras.

Além do mais, é necessário disciplinar o regime fiscal destas instituições. As empresas de assistência médica gerenciada afirmam que existe uma iniqüidade de tratamento para que o mercado funcione, dado que as Obras Sociais são isentas de pagamento de impostos, o que não acontece com as empresas de assistência médica gerenciada.

Por outro lado, cerca de 14% dos recursos devidos ao sistema não ingressam nas Obras Sociais, por questões de atraso no recolhimento ou evasão fiscal. Segundo os dirigentes do setor privado, nenhuma empresa poderia participar do sistema com este grau de evasão de recursos. Além do mais, as empresas esperariam, antes de ingressar no sistema, que se defina uma legislação justa em relação ao problema das enfermidades preexistentes e se reduza o risco para as empresas em assumir tratamentos de alto custo não cobertos pelo fundo de solidariedade.

As OSS, por sua vez, mobilizam suas bases sindicais para que se mantenham no negócio e que a livre eleição seja implementada gradualmente. Portanto, ainda que o Governo tenha definido que a desregulação seja total, as expectativas das empresas, dos sindicatos e do setor internacional conduzem a que seja definido um novo processo de micro-regulação em substituição a estratégia de desregulação total. Logicamente que todas essas opiniões acabarão por influenciar o Congresso Nacional na sua decisão em aprovar ou rejeitar o projeto.

Em janeiro de 2001, as principais OSN, que representam 95% dos afiliados, entraram na justiça contra a constitucionalidade dos decretos e do Projeto de Lei em vigor. Segundo eles, as medidas tomadas afetariam fortemente a estrutura do mercado e levariam muitas instituições a deixar de cobrir suas funções de assegurar boa saúde aos seus afiliados.

Pelo visto, o governo deverá enfrentar uma verdadeira odisséia para que finalize a desregulação das Obras Sociais. Falta definir os espaços institucionais e a estratégia de implementação do projeto, a qual, segundo o consenso dos atores, deveria ser realizada progressivamente em distintos segmentos do mercado.

Com a atual crise que vive a sociedade argentina, desde fins de 2001, o projeto de reforma das Obras Sociais foi temporariamente abandonado, dando lugar a projetos de emergência destinados ao abastecimento das unidades públicas de saúde com medicamentos para uma população trabalhadora cada vez mais inserida no setor informal e no desemprego.

Frente a esta situação de precariedade, em que a demanda pelo setor público aumenta fortemente e as Obras Sociais mergulham na crise e no desfinanciamento, a proposta do atual governo, já iniciada em algumas Províncias, é promover a criação de Seguros Públicos de Saúde, que fundem as Obras Sociais Provinciais com os Ministérios de Saúde das Províncias, na busca de modelos que harmonizem a integração solidária de cobertura entre os que tem e os que perderam ou estruturalmente nunca tiveram capacidade contribuitiva. Sabemos que este processo é penoso, demorado e cheio de riscos. Mas existe sempre a esperança de que não termine em mágoas e frustrações, como quase sempre se escuta nas letras dos tangos argentinos.

As opiniões expressadas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a posição do BID.

SUMMARY

The deregulation of health care organizations in Argentina: what is next?

This article presents the historical evolution of the main heath system in Argentina - The Social Works System (System de Obras Sociais - OS) focusing in the nineties, when were realized the main intents to reform this system. The article point out the difficulties on the health reforms implementation and the interest conflicts that emerged on the negotiation among government and trade unions who managed the system since its creation. The article also analyze the near future perspectives regarding the OS system. [Rev Assoc Med Bras 2002; 48(3): 268-74]

KEY WORDS: Health reform. Social works. Social security. Argentina.

Artigo recebido: 25/07/2002

Aceito para publicação: 27/07/2002

Correspondência:

8207 Lilly Stone Drive

Bethesda (MD) 20817 ¾ USA

andrem@iadb.org

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Mar 2006
  • Data do Fascículo
    Set 2002

Histórico

  • Aceito
    27 Jul 2002
  • Recebido
    25 Jul 2002
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