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Juramento ou compromisso?

Panorama Internacional

Bioética

JURAMENTO OU COMPROMISSO?

Artigo publicado em The Lancet, Vol 359 de 9 de fevereiro de 2002, traz à tona questão central para nossa reflexão, qual seja o juramento médico. Um expressivo número de entidades médicas norte-americanas e européias considera mais adequado para a contemporaneidade substituir o tradicional juramento hipocrático por um termo de compromissos. Apresentam como princípios fundamentais a primazia do bem-estar e autonomia do paciente, assim como a busca de justiça social eliminando as discriminações baseadas em raça, gênero, etnia, religião e posição socioeconômica.

Tratam os autores ainda de responsabilidades profissionais como competência, honestidade com pacientes, confidencialidade, adequada relação médico-paciente, busca de uma melhor qualidade de vida e acesso aos cuidados de saúde, justa distribuição de recursos e habilidade na condução de conflitos de interesses.

Comentário

Consideramos inteiramente pertinente a abordagem realizada pelos autores. O juramento hipocrático, escrito por volta do ano 420 a.C, é um documento precioso da história da humanidade, porém refere-se a práticas realizadas à época e, portanto, incompatíveis com os avanços da hodierna medicina. Em seu enunciado evoca deuses do Olimpo grego como Apolo, Eusculápio, Higéia e Panacéia e considera indigna do exercício profissional práticas cirúrgicas que somente deveriam ser executadas por práticos.

Desde o sec. XVIII aprendemos com Immannuel Kant a respeitar a autonomia do ser humano portador de dignidade e, portanto, não podendo ser utilizado como meio por ser um fim em si mesmo. Trata-se de um imperativo categórico do filósofo alemão.

Mais recentemente, Jürgen Habermas, herdeiro da Escola Filosófica de Frankfurt, considera ser impossível fundamentar qualquer procedimento ético sem considerar uma comunidade em permanente comunicação. Ponto-chave na argumentação de Habermas é a passagem do singular para o universal. Inconcebível na modernidade, portanto, uma pessoa como emissora da verdade impondo heteronomamente suas decisões sobre outra que as recebe passiva e acriticamente.

Em conclusão, parece mais sensato substituir um juramento revestido de caráter religioso por compromissos que não somente os médicos, mas toda sociedade humana reconheça como autênticos.

JOSÉ EDUARDO DE SIQUEIRA

Referência

"Medical Professionalism in the new millennium: a physicians' charter". Medical Professionalism Project. Lancet 2002; 359:520-2.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jan 2003
  • Data do Fascículo
    Dez 2002
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