Acessibilidade / Reportar erro

O fórcipe ainda é necessário?

Diretrizes em foco

Obstetrícia

O FÓRCIPE AINDA É NECESSÁRIO?

"A arte e a ciência do parto a fórcipe está se tornando uma coisa do passado" (Douglas e Stromme, 1988). Esta observação traz à reminiscência Magalhães, que em 1933 prognosticou que o parto do futuro será normal ou cesárea. O resgate dessas afirmações reconduz à tona um apelo para que aqueles que se dedicam ao ensino e à assistência obstétrica façam uma reflexão quanto ao papel do parto a fórcipe no início deste novo século, e sobre suas perspectivas futuras. Será que o fórcipe, conhecido desde 1500 a.C e melhor estudado e praticado a partir do século XVIII, não tem mais utilidade? Seguramente o fórcipe alto e o médio não devem ser mais realizados devido às grandes complicações e seqüelas materno-fetais decorrentes de sua prática. Por outro lado, estamos vivendo uma época de estímulo ao parto vaginal, levando a uma necessidade de se aprimorar o ensino e a assistência obstétrica. Em contraposição, duas vertentes inundam a literatura pertinente: a primeira diz respeito ao legítimo direito de escolha da via de parto pela interessada (a paciente) e a segunda, relaciona-se à melhoria nos conhecimentos acerca das alterações na urodinâmica feminina em face às mudanças do assoalho pélvico e às lesões neurológicas durante o trabalho de parto. As repercussões negativas (incontinência urinária e fecal, eliminação involuntária de flatos) ganham publicidade porque são, no mínimo, constrangedoras às pacientes vitimadas por tais incômodos. Em virtude disso, não é nada surpreendente os resultados de pesquisa realizada no Canadá, na qual, indagados, obstetras (homens e mulheres) optaram, em grande número, pela cesárea, nada a obstar o inequívoco e incontestável dogma da obstetrícia: a via abdominal envolve maior risco para a mãe e para a criança. Alternativamente, o parto vaginal, independentemente de como consegui-lo, é considerado mais natural. Por isso, dispondo-se de amplo domínio do saber obstétrico, é salutar, mesmo estreitando seu uso, reservar ao fórcipe, indicações precisas e convincentes. É essencial que o profissional esteja atento aos preceitos que regem a boa prática obstétrica, não negligenciando nenhuma das etapas da semiologia pertinente. Examinar, tocar, avaliar a bacia obstétrica adequadamente, conhecer os mecanismos de parto, saber identificar as distocias e a maneira de corrigi-las, são tópicos inegociáveis. Nessa composição, a avaliação da proporcionalidade do objeto com o trajeto é imprescindível para o sucesso da tarefa. Jamais pode ser procrastinada. No período expulsivo do trabalho de parto residem todas as variáveis que norteiam a decisão para um parto instrumentalizado, sendo o fórcipe, uma ferramenta obrigatória a ser lembrada. Podemos citar como as melhores indicações o expulsivo prolongado, a distocia de rotação, a cesárea anterior, as condições maternas anormais (neuropatias, cardiopatias, hipertensão arterial, estafa) e o sofrimento fetal agudo (mecônio, bradicardia prolongada).

Comentário

Observa-se, portanto, que para a prática do fórcipe é necessário conhecer as condições de aplicabilidade maternas e fetais, o tipo a ser utilizado (Simpson, Kielland) e as regras gerais de aplicação. A utilização de manequins próprios, de maneira exaustiva, seguida da prática clínica com professor habilitado, tornam o parto a fórcipe útil, auxiliando a ultimar o parto de maneira rápida, elegante e segura. Inversamente, a lembrança e a utilização, por conveniência, da máxima que, por presunção, delineia a arte médica: "primum non nocere" tão arraigada na mentalidade de tantos profissionais médicos, em geral, caminha em conflito com a doutrina obstétrica "obstare" e dá vazão àqueles não habilitados que, utilizando-se de subterfúgios, optam por caminhos mais simples, rápidos e de grande comodidade: a cesárea, indiferentes às aspirações de sua cliente.

MARIO MACOTO KONDO

SEIZO MIYADAHIRA

MARCELO ZUGAIB

Referências

1. Farrell AS. Cesarean section versus forceps-assisted vaginal birth: it's time to include pelvic injury in the risk-benefit equation. Can Med Assoc J 2002; 166:337-8.

2. Hankins GDV, Clark SL, Cunningham FG, Gilstrap LD. Operative obstetrics. New York: Appleton & Lange;1995.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jan 2003
  • Data do Fascículo
    Dez 2002
Associação Médica Brasileira R. São Carlos do Pinhal, 324, 01333-903 São Paulo SP - Brazil, Tel: +55 11 3178-6800, Fax: +55 11 3178-6816 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: ramb@amb.org.br