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Toxoplasmose pulmonar: ocorrência em adulto imunocompetente

DISCUSSÃO DE CASO

Toxoplasmose pulmonar — ocorrência em adulto imunocompetente

Ruy Guilherme Rodrigues Cal; Alexandre Rodrigues Marra; David Salomão Lewi; Sérgio Barsanti Wey

O caso em apresentação refere-se a paciente do sexo feminino de 41 anos, viúva, previamente hígida, que após cinco dias da ingestão de carne crua (quibe cru) (19/02/2003) apresentou febre (39,0oC) diária, cefaléia holocraniana e mialgia. Na investigação retrospectiva, identificaram-se três pessoas do seu convívio com a mesma ingestão de carne crua, que desenvolveram febre mialgia, e cefaléia, sendo uma criança após três dias da ingestão, que foi tratada com a hipótese diagnóstica de sinusite e dois outros adultos após cinco dias, com sintomas atribuídos a resfriado comum, todos com boa evolução. A paciente em questão, após terapia com medicamentos sintomáticos, evoluiu com febre persistente tendo procurado a unidade de primeiro atendimento no Hospital Israelita Albert Einstein, sendo internada na vigência de desconforto respiratório em 01/03/2003, nove dias após a ingestão de carne crua. Progrediu nesta mesma data para insuficiência respiratória aguda, sendo transferida para a Unidade de Terapia Intensiva, onde permaneceu com necessidade de suporte ventilatório não invasivo. Foram realizados exames laboratoriais e radiológicos. O raio X de tórax revelava um padrão de infiltrado de aparente predomínio intersticial difuso e significativo. Iniciou terapia antimicrobiana empírica com sulfametoxazol-trimetroprim endovenoso e claritorimicina oral. Foram realizadas sorologias para toxoplasmose onde se observou IgM reagente 1/32 e IgG não reagente. Demais sorologias (Chlamydia, Legionella, Mycoplasma e Citomegalovirus) foram negativas. Oito dias depois, desaparecimento do comprometimento intersticial difuso dos pulmões e do derrame pleural bilateral, indicando resolução completa do quadro pulmonar (Figura 2). A paciente evoluiu bem, recebendo alta hospitalar 11 dias após a internação.


Com grande distribuição em todo o planeta e incidência significativa, a toxoplamose é uma doença comum a mamíferos e pássaros causada por protozoário Toxoplasma gondii. No homem, o parasitismo na fase proliferativa intracelular pode se apresentar sem sintomas, ou causar doença transitória caracterizada por febre, fadiga e linfadenopatia. As manifestações importantes são relacionadas ao acometimento principalmente no cérebro, olhos, músculos, coração, fígado e pulmões. Com o desenvolvimento da imunidade, a proliferação decresce e pode haver a formação cistos (fase cística) com parasitas persistindo viáveis durante muitos anos. Os casos mais graves estão relacionados à infecção acometendo fetos e recém-natos na forma congênita com grande lesão ao sistema nervos central e nos pacientes com imunidade diminuída (patologia intercorrente ou transplantes). A eliminação de oocistos pelas fezes de pequenos mamíferos, principalmente felinos, com infecção no trato gastrointestinal, assim como a presença de organismos viáveis encistados na musculatura e cérebro de animais consumidos na alimentação, são as principais fontes de contaminação. Os dados epidemiológicos de convívio com gatos e hábito de ingerir carnes mal passadas ou cruas são importantes no diagnóstico que deve ser mais preciso e rápido em mulheres grávidas. A forma pulmonar da toxoplamose tem sido relatada com mais freqüência na literatura relacionada a portadores de imunidade diminuída, como nos pacientes submetidos a transplantes, portadores de neoplasia submetidos a quimioterapia e em portadores da síndrome de imunodeficiência adquirida. Nestes pacientes já existe a atenção na investigação desta patologia em casos de quadros pulmonares com diagnóstico a esclarecer.

Fazem parte do diagnóstico diferencial as infecções bacterianas e virais como a pneumonia por Pneumocystis carinii e a infecção pelo citomegalovirus, que podem ocorrer associadas.

A evolução nestes pacientes imunodeprimidos geralmente é complicada, podendo ser fatal e são descritas encefalites, pneumonias, miocardites e paniculites em casos de formas disseminadas. O tratamento de escolha é a pirimetamina via oral 75mg primeiro dia e 25mg dia por um mês (crianças 1 a 2 mg/kg por 3 dias e 0,5mg/kg/dia a seguir) A sulfadiazina usada por via oral 4g dia dividida 4x por um mês (crianças 100mg/kg/dia dividida 2x dia - na toxoplamose congênita por um ano). O sulfametoxazol-trimetropim apresenta-se como opção com possibilidade de uso parenteral.

A pirimetamina tem como efeito colateral importante inibição da síntese de folato com potencial mielotoxicidade: anemia megaloblástica, leucopenia, plaquetopenia. O uso concomitante de ácido fólico 5mg/dia reduz esses efeitos.

No caso apresentado não foi possível instituir pirimetamina por intolerância gastrointestinal.

Trabalho realizado no Centro de Terapia Intensiva do Hospital Israelita Albert Einstein em São Paulo — SP

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jul 2003
  • Data do Fascículo
    Jun 2003
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