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Métodos de prevenção ou tratamento das alterações estruturais pulmonares decorrentes da hérnia diafragmática congênita

PEDIATRIA

Métodos de prevenção ou tratamento das alterações estruturais pulmonares decorrentes da hérnia diafragmática congênita

Uenis Tannuri; Ana Cristina Aoun Tannuri

Os índices de mortalidade de recém-nascidos com hérnia diafragmática póstero-lateral de Boshdalek persistem altos, a despeito dos últimos avanços nos cuidados intensivos neo-natais. As alterações do desenvolvimento estrutural pulmonar decorrentes da compressão mecânica que as vísceras abdominais, em posição intratorácica, exercem sobre os pulmões durante o desenvolvimento fetal são responsáveis pelo óbito. Desta forma, pulmões de recém-nascidos com hérnia diafragmática podem apresentar hipoplasia, espessamento da parede das arteríolas e deficiência de substância surfactante. Tais alterações causam hipertensão pulmonar, com persistência do padrão fetal de circulação, "shunt" direita-esquerda através do canal arterial e forame oval inter-atrial, além de redução da complacência pulmonar. Adicionalmente, são descritas alterações no sistema de fibras elásticas e do colágeno que podem ser responsáveis pela menor elasticidade do parênquima pulmonar1,2. Por fim, em modelos experimentais de hérnia diafragmática congênita descrevem-se alterações cardíacas, representadas por hipoplasia de ventrículo esquerdo e aumento do calibre do canal arterial3.

Embora a correção cirúrgica do defeito diafragmático seja tecnicamente simples, o tratamento das alterações estruturais pulmonares ainda constitui problema não resolvido em cirurgia neo-natal. Sendo portanto assunto de inúmeros trabalhos de investigação na literatura dos últimos anos.

Várias pesquisas têm focalizado tentativas de tratamento da hipoplasia pulmonar e conseqüente insuficiência respiratória. A utilização da circulação extra-corpórea com oxiegandor de mebrana (ECMO - "extracorporeal membrane oxigenation"), ventiladores com respiração de alta freqüência, ventilação com óxido nítrico ou ventilação líquida com instilação traqueal de perfluorcarbono têm se revelado métodos caros, complexos, disponíveis em poucos centros médicos e de eficácia discutível. Também o transplante homólogo de lobo pulmonar constitui alternativa cirúrgica pouco prática com resultados duvidosos. Finalmente, tentativas de correção da hérnia intra-útero em seres humanos, com o objetivo de evitar a hipoplasia pulmonar, não foram bem-sucedidas, pelas dificuldades técnicas e pelos óbvios obstáculos éticos1,2.

Desde meados da década passada tem sido demonstrado, em animal de experimentação com hérnia diafragmática, que a ligadura antenatal da traquéia impede a saída do líquido naturalmente produzido pelos pulmões em desenvolvimento, o que mantém regime de alta pressão na árvore tráqueo-brônquica e promove crescimento dos pulmões. Desta forma, evita-se herniação do conteúdo abdominal para o tórax e a conseqüente hipoplasia pulmonar. Também a administração de corticosteróides à mãe, por via parenteral, com o objetivo de estimular a produção endógena de surfactante no pulmão do feto e apressar a maturidade da víscera, pode ser benéfica no sentido de diminuir o grau de hipoplasia pulmonar na hérnia diafragmática. No entanto, a administração intra-traqueal de surfactante exógeno, no período pós-natal imediato, não se revelou benéfica, quer em modelos animas de hérnia diafragmática, quer em humanos.

Comentário

A prática clínica demonstra que não há, até o presente, na espécie humana, método ideal de prevenção das alterações pulmonares provocadas pela hérnia diafragmática congênita. O tratamento do recém-nascido portador do defeito deve se basear em intubação endotraqueal ao nascimento, respiração assistida com baixas pressões intratraqueais e hipercapnia permissiva. Após estabilização, a cirurgia poderá ser eletivamente indicada. Em modelo animal de hérnia diafragmática congênita, comprovamos os efeitos benéficos da ligadura traqueal sobre o desenvolvimento pulmonar e verificamos que a administração intra-amniótica de dexametasona ou substância surfactante exercer efeito similar4. Esta pode se constituir em nova tentativa terapêutica a ser utilizada na espécie humana para prevenir as alterações pulmonares em fetos com hérnia diafragmática congênita.

Referências

1. Sydorak RM, Harrison MR. Congenital diaphragmatic hernia: advances in prenatal treatment. World J Surg 2003;27:68-76.

2. Smith NP, Jesudason EC, Losty PD. Congenital diaphragmatic hernia. Paediatr Resp Rev 2002;3:339-348.

3. Tannuri U. Heart hypoplasia in na animal model of congenital diaphragmatic hernia. Rev Hosp Clin Fac Med São Paulo 2001;56:173-8.

4. Tannuri U, Maksoud-Filho JG, Santos MM, et al. The effects of prenatal intraamniotic surfactant or dexamethasone administration on lung development are comparable to changes induced by tracheal ligation in na animal model of congenital diaphragmatic hernia. J Pediatr Surg 1998;33:1198-205.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Nov 2003
  • Data do Fascículo
    Set 2003
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