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III Diretrizes brasileiras sobre dislipidemias: tratamento da dislipidemia em indivíduos infectados pelo HIV

CLÍNICA MÉDICA

III Diretrizes brasileiras sobre dislipidemias: tratamento da dislipidemia em indivíduos infectados pelo HIV

Enéas Martins de Oliveira Lima; Claudia Yanet San Martín de Bernoche; Bruno Caramelli

Foram observadas alterações importantes nas concentrações dos lípides plasmáticos em pacientes infectados pelo HIV. Estas modificações são ainda mais intensas nos indivíduos que estão recebendo o tratamento anti-retroviral com medicamentos do grupo dos inibidores de protease. Inicialmente, foram descritas uma redução nos níveis de HDL-colesterol e elevação discreta dos triglicérides, traduzindo provavelmente uma resposta inflamatória inespecífica. Depois da introdução dos inibidores de protease (IP), entretanto, foi observada uma notável elevação dos triglicérides, do colesterol total e uma intensificação da redução do HDL-colesterol.

Os mecanismos que explicam estes resultados parecem estar relacionados a modificações no metabolismo lipídico. O sítio de ligação à proteína viral dos IP tem estrutura molecular similar a algumas proteínas envolvidas no metabolismo lipídico. Desta maneira, a introdução destes medicamentos promoveria uma inibição parcial ou total do metabolismo lipídico, dependendo provavelmente da expressão gênica do receptores envolvidos. A inibição da atividade da lipase lipoprotéica plasmática após a introdução dos IP é outro dos mecanismos propostos. Com a inibição da atividade lipolítica, ocorre uma redução na hidrólise dos quilomícrons e conseqüentemente um aumento dos triglicérides. Num terceiro mecanismo, os IP, por similaridade molecular, competem pelo sítio de ligação dos receptores hepáticos dos remanescentes de quilomícrons. Assim sendo, ocorre um aumento equilibrado dos níveis de colesterol total e triglicérides relacionado à permanência dos remanescentes de quilomícrons no plasma.

As alterações nas concentrações dos lípides plasmáticos, em direção a um perfil mais aterogênico, podem significar um maior risco de complicações cardiovasculares. Por este motivo, diversos estudos procuraram estabelecer uma relação entre a doença, seu tratamento com inibidores de protease e a ocorrência de eventos cardiovasculares. Embora a literatura ainda careça de resultados conclusivos sobre o assunto, já foram propostos tratamentos que se mostraram eficazes e seguros para esta população.

As III Diretrizes brasileiras sobre dislipidemia (Arq Bras Cardiol, 77, Supl III, 2001) recomendam que todo o paciente com infecção pelo HIV deve realizar a dosagem dos lípides sangüíneos no início do acompanhamento. Para pacientes com níveis desejáveis (na ausência de estudos específicos foram adotados como referência os mesmo valores da população geral) e sem uso de terapia anti-retroviral (TAR), a dosagem deve ser repetida a cada dois anos. Quando for iniciada a TAR, a dosagem deve ser repetida depois de um mês e a cada três meses a partir daí. O tratamento da dislipidemia deve ser iniciado por atividade física, dieta e um fibrato. Os ômega-3 também podem ser utilizados (Grau de recomendação B, nível de evidência 4). Caso os objetivos não sejam alcançados, a associação com uma estatina pode ser considerada mas com cuidado pelo riscos potencialmente mais elevados de toxicidade muscular.

Comentário

Apesar da ausência de estudos epidemiológicos definitivos, já existem evidências indiretas suficientes (alteração da função endotelial, espessamento arterial carotídeo entre outras) para supor que esta população está exposta a um risco elevado de doenças cardiovasculares. Esta foi a primeira diretriz mundial sobre dislipidemia a tratar desta situação específica e propor um tratamento. No futuro, mais estudos serão necessários para determinar se os valores desejáveis dos lípides para este grupo populacional são os mesmos que para a população geral.

Referência

Arq Bras Cardiol 2001; 77(Supl 3).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Nov 2003
  • Data do Fascículo
    Set 2003
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