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Influência da distribuição da gordura corporal sobre a prevalência de hipertensão arterial e outros fatores de risco cardiovascular em indivíduos obesos

Influence of body fat distribution on the prevalence of arterial hypertension and other cardiovascular risk factors in obese patients

Resumos

OBJETIVOS: Indivíduos obesos são mais predispostos à ocorrência de eventos cardiovasculares que indivíduos com peso normal. Para se avaliar o impacto da obesidade e da distribuição de gordura corporal sobre o risco cardiovascular, avaliamos uma população de indivíduos com sobrepeso ou obesidade. MÉTODOS: Foram feitas medidas do índice de massa corporal (IMC), da relação entre as medidas da cintura e do quadril (RCQ), da pressão arterial sistólica (PAS) e diastólica (PAD) e dos níveis da glicemia de jejum, colesterol total e triglicérides. RESULTADOS: Altas prevalências de intolerância à glicose ou diabetes (21,8%), hipercolesterolenemia (49,1%), hipertrigliceridemia (21,3%) e hipertensão arterial (43,8%) foram observadas nesta população. A prevalência de hipertensão aumentou de 23% no grupo com sobrepeso (IMC 25-29,9 kg/m²) para 67,1% (p<0.05) em pacientes com obesidade grau 3 (IMC > 40kg/m²). Também a prevalência de hipertensão aumentou de 35,7% naqueles com RCQ entre 0,73 e 0,88 para 66,6% naqueles com RCQ >0,97 (p<0,05), independente do IMC, e os valores da PAS se correlacionaram com as medidas da circunferência da cintura (r=0,35; p<0,0001). A PAS, entretanto, mostrou aumentos com o IMC apenas entre hipertensos, elevando-se de 150±12 mmHg naqueles com sobrepeso para 161±18mmHg naqueles com IMC > 40kg/m² (p<0,05). CONCLUSÃO: A obesidade favorece a ocorrência dos fatores de risco cardiovascular, sendo que a distribuição central da gordura corporal se destaca especialmente como fator importante no desenvolvimento da hipertensão arterial.

Obesidade; Distribuição de gordura corporal; Risco cardiovascular; Hipertensão Arterial


INTRODUCTION: Obese people are at higher cardiovascular risk than people with normal body weight. The objective of this study was to establish the relationship between obesity, body fat distribution and cardiovascular risk factors. METHODS: Body mass index (BMI), waist-hip ratio (WHR) systolic (SBP) and diastolic blood pressure (DBP), plasma cholesterol, triglycerides and glucose levels were determined in a population of 499 overweight and obese patients (432F/67M; age 39±12.9y). RESULTS: High prevalence of abnormal glucose tolerance or diabetes (21.8%), hypercholesterolenemia (49.1%), hypertri glyceridemia (21.3%) and hypertension (43.8%) were found in this population. The prevalence of hypertension increased from 23% in patients with BMI 25-29.9 kg/m² to 67.1% (p<0.05) in those with BMI > 40kg/m² and also from 35.7% in patients with WHR between 0.73 and 0.88 to 66.6% in those with WHR >0.97 (p<0.05). In addition, a correlation was found between the waist circumference and SBP (r=0.35; p<0.0001). In the hypertensive group, but not in the normotensive, SBP increased with BMI, from 150±12 mmHg in the overweight group to 161±18mmHg in that with BMI > 40kg/m², (p<0.05). CONCLUSION: Our data reinforce the association between obesity and high cardiovascular risk. In addition, our findings suggested a role for body fat distribution in the development of hypertension in obese patients.

Obesity; Body fat distribution; Cardiovascular risk; Hypertension


ARTIGO ORIGINAL

Influência da distribuição da gordura corporal sobre a prevalência de hipertensão arterial e outros fatores de risco cardiovascular em indivíduos obesos

Influence of body fat distribution on the prevalence of arterial hypertension and other cardiovascular risk factors in obese patients

Gláucia Carneiro; Alessandra N. Faria; Fernando F. Ribeiro Filho; Adriana Guimarães; Daniel Lerário; Sandra R.G. Ferreira; Maria Teresa Zanella

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Maria Teresa Zanella Hospital do Rim e Hipertensão. Rua Borges Lagoa, 960 Vila Clementino – 04038-002 – São Paulo – SP Tel. (11) 50878062 – Fax: (11) 5579-2985 E-mail: tereza.zanella@hrim.com.br

RESUMO

OBJETIVOS: Indivíduos obesos são mais predispostos à ocorrência de eventos cardiovasculares que indivíduos com peso normal. Para se avaliar o impacto da obesidade e da distribuição de gordura corporal sobre o risco cardiovascular, avaliamos uma população de indivíduos com sobrepeso ou obesidade.

MÉTODOS: Foram feitas medidas do índice de massa corporal (IMC), da relação entre as medidas da cintura e do quadril (RCQ), da pressão arterial sistólica (PAS) e diastólica (PAD) e dos níveis da glicemia de jejum, colesterol total e triglicérides.

RESULTADOS: Altas prevalências de intolerância à glicose ou diabetes (21,8%), hipercolesterolenemia (49,1%), hipertrigliceridemia (21,3%) e hipertensão arterial (43,8%) foram observadas nesta população. A prevalência de hipertensão aumentou de 23% no grupo com sobrepeso (IMC 25-29,9 kg/m2) para 67,1% (p<0.05) em pacientes com obesidade grau 3 (IMC > 40kg/m2). Também a prevalência de hipertensão aumentou de 35,7% naqueles com RCQ entre 0,73 e 0,88 para 66,6% naqueles com RCQ >0,97 (p<0,05), independente do IMC, e os valores da PAS se correlacionaram com as medidas da circunferência da cintura (r=0,35; p<0,0001). A PAS, entretanto, mostrou aumentos com o IMC apenas entre hipertensos, elevando-se de 150±12 mmHg naqueles com sobrepeso para 161±18mmHg naqueles com IMC > 40kg/m2 (p<0,05).

CONCLUSÃO: A obesidade favorece a ocorrência dos fatores de risco cardiovascular, sendo que a distribuição central da gordura corporal se destaca especialmente como fator importante no desenvolvimento da hipertensão arterial.

Unitermos: Obesidade. Distribuição de gordura corporal. Risco cardiovascular. Hipertensão Arterial.

SUMMARY

INTRODUCTION: Obese people are at higher cardiovascular risk than people with normal body weight. The objective of this study was to establish the relationship between obesity, body fat distribution and cardiovascular risk factors.

METHODS: Body mass index (BMI), waist-hip ratio (WHR) systolic (SBP) and diastolic blood pressure (DBP), plasma cholesterol, triglycerides and glucose levels were determined in a population of 499 overweight and obese patients (432F/67M; age 39±12.9y).

RESULTS: High prevalence of abnormal glucose tolerance or diabetes (21.8%), hypercholesterolenemia (49.1%), hypertri glyceridemia (21.3%) and hypertension (43.8%) were found in this population. The prevalence of hypertension increased from 23% in patients with BMI 25-29.9 kg/m2 to 67.1% (p<0.05) in those with BMI > 40kg/m2 and also from 35.7% in patients with WHR between 0.73 and 0.88 to 66.6% in those with WHR >0.97 (p<0.05). In addition, a correlation was found between the waist circumference and SBP (r=0.35; p<0.0001). In the hypertensive group, but not in the normotensive, SBP increased with BMI, from 150±12 mmHg in the overweight group to 161±18mmHg in that with BMI > 40kg/m2, (p<0.05).

CONCLUSION: Our data reinforce the association between obesity and high cardiovascular risk. In addition, our findings suggested a role for body fat distribution in the development of hypertension in obese patients.

Key words: Obesity. Body fat distribution. Cardiovascular risk. Hypertension.

INTRODUÇÃO

A prevalência de obesidade tem aumentado em todo o mundo e vem se tornando o maior problema de saúde na sociedade moderna na maioria dos países desenvolvidos e em desenvolvimento. Quando comparados aos indivíduos com peso normal, aqueles com sobrepeso possuem maior risco de desenvolver diabetes mellitus1 (DM), dislipidemia2 e hipertensão arterial3,4 (HAS), condições que favorecem o desenvolvimento de doenças cardiovasculares (DCV)5,6.

Hubert et al7, mostraram no estudo de Framingham que a obesidade é um fator de risco independente dos demais para a ocorrência de doença isquêmica coronariana e morte súbita, especialmente em homens abaixo de 50 anos. A maior prevalência de hipertensão na obesidade tem sido atribuída à hiperinsulinemia decorrente da resistência à insulina presente em indivíduos obesos, principalmente naqueles que apresentam excesso de gordura na região do tronco8. A hiperinsulinemia promove ativação do sistema nervoso simpático e reabsorção tubular de sódio, o que contribui para aumentar à resistência vascular periférica e a pressão arterial9. Outros fatores de risco para DCV, tais como intolerância à glicose e dislipidemia também estão associados à hiperinsulinemia e a resistência à insulina. A obesidade associada a dislipidemia, hipertensão arterial, resistência à insulina e hiperinsulinemia e/ou intolerância à glicose, no mesmo indivíduo, constitui a chamada síndrome X, descrita por Reaven, e também conhecida como síndrome metabólica10,11,12.

Diversos índices antropométricos têm sido propostos para determinar a associação entre excesso de peso e fatores de risco cardiovascular13,14. Estudos de Hans et al.15 demonstraram que a medida da circunferência da cintura maior que 88 cm para mulheres e maior que 102 cm para homens é capaz de identificar paciente com maior risco de DCV. Da mesma forma, a razão entre as medidas da circunferência da cintura e quadril (RCQ) maior que 0,95 para homens e maior que 0,85 para mulheres, que caracterizam a distribuição central de gordura, tem sido utilizada para identificar indivíduos com maior risco cardiovascular.

O objetivo do presente trabalho foi o de analisar como o excesso de gordura e, particularmente, a distribuição central da adiposidade corporal se associam a fatores de risco para DCV em uma população de indivíduos com sobrepeso ou obesos.

MÉTODOS

Neste estudo 499 pacientes com sobrepeso e obesos (432 mulheres e 67 homens) admitidos para tratamento entre março de 1998 e novembro de 1999, no Ambulatório de Obesidade da UNIFESP, foram avaliados com aprovação do Comitê de Ética da UNIFESP. A Tabela 1 mostra as características da população estudada. Todos os pacientes admitidos foram submetidos a anamnese e exame clínico completo, sendo registrados dados relativos a sexo, idade, peso, altura, índice de massa corporal (IMC), pressão arterial e medidas da circunferência da cintura e do quadril.

A pressão arterial foi aferida no braço direito de cada paciente na posição sentada, após pelo menos cinco minutos de descanso. Manguito de 12 cm x 23 cm foi utilizado para a medida da pressão arterial nos indivíduos com circunferência do braço < 36 cm e correção da medida para o perímetro braquial foi utilizada naqueles com circunferência do braço >40 cm. Para efeito de análise foi considerada a média de duas aferições, com correção para o perímetro braquial. Foram considerados hipertensos os indivíduos com pressão arterial sistólica (PAS) > 140 mmHg e/ou pressão diastólica (PAD) > 90 mmHg ou em uso de drogas anti-hipertensivas.

Verificou-se o peso corporal dos indivíduos descalços, vestindo roupas leves, utilizando-se balanças digitais com precisão de 0,1 kg. Aferiram-se as circunferências do braço, da cintura e do quadril com fita métrica e a altura com o auxílio de um estadiômetro.

Calculou-se o índice de massa corporal (IMC) dividindo-se o valor do peso em quilos (Kg), pelo quadrado da altura, medida em metros, (kg/m2). De acordo com a Organização Mundial da Saúde (1998), a seguinte classificação foi adotada.

Sobrepeso: IMC > 25 e < 29,9 kg/m2

Obesidade grau 1: IMC > 30 e < 34,9 kg/m2

Obesidade grau 2: IMC > 35 e < 39,9 kg/m2

Obesidade grau 3: IMC > 40 kg/m2 (anteriormente denominada obesidade mórbida).

A medida da cintura foi realizada na altura da cicatriz umbilical e a medida do quadril, no nível dos grandes trocânteres. Os valores encontrados na relação cintura-quadril foram divididos em tercis para posterior análise da associação com fatores de risco para doença cardiovascular.

Os níveis séricos do colesterol total foram dosados pelo método enzimático com o Kit Boehringer. Hipercolesterolemia foi definida para valores do colesterol total acima de 200 mg/dl, hipertrigliceridemia para valores de triglicérides séricos acima de 200mg/dl e tolerância à glicose anormal ou diabetes para valores de glicemia de jejum acima de 110 e 126 mg/dl, respectivamente.

Na análise estatística utilizou-se o teste t-Student para comparar as médias das PAS e PAD dos pacientes normotensos e hipertensos com sobrepeso e obesidade. O teste qui-quadrado foi utilizado para se testar as associações entre a prevalência dos fatores cardiovasculares e os índices de excesso de peso e distribuição de gordura. O coeficiente de Pearson foi calculado para se testar a correlação entre as medidas da circunferência da cintura e os valores da pressão arterial.

RESULTADOS

Como pode ser visto na Tabela 2, aumento significante na prevalência de hipertensão arterial foi observado com o aumento do IMC. Os indivíduos com obesidade grau 1 já apresentaram valores mais elevados que aqueles com sobrepeso. Já a prevalência de diabetes tipo 2 ou anormalidade na tolerância à glicose elevou-se com o aumento do IMC de forma menos evidente que a prevalência de hipertensão. Apenas no grupo com IMC > 40 Kg/m2 a prevalência destas alterações mostrou-se maior que aquela obtida nos indivíduos com sobrepeso (28% vs 8,8%; p<0,05).

Alta prevalência de hipercolesterolemia (53%) foi observada já nos pacientes com sobrepeso e a prevalência desta condição se manteve praticamente inalterada com o aumento do IMC. Comportamento semelhante foi observado com relação à prevalência de hipertrigliceridemia, que se mostrou maior em pacientes com IMC > 40 Kg/m2, em relação àqueles com sobrepeso, sem que esta diferença, entretanto, atingisse significância estatística (27,9% vs 15,6%; NS).

Quando este grupo foi dividido em tercis dos valores de RCQ (Tabela 2), observou-se um aumento significante da prevalência de hipertensão quando o tercil de valor mais alto (>0,97) foi comparado ao de menor valor (0,73-0,88). A prevalência de tolerância à glicose anormal ou diabetes também se mostrou maior no grupo com RCQ >0,97 quando comparada àquela observada no grupo com RCQ entre 0,73 e 0,88. Oitenta e sete pacientes referiam o uso de medicação anti-hipertensiva que incluía diuréticos e/ou beta-bloqueadores. Destes, 26 (29,8%) apresentavam intolerância à glicose (glicemia de jejum > 110 mg/dl) ou diabetes (glicemia de jejum > 126 mg/dl). Este porcentual de pacientes com intolerância à glicose ou diabetes entre os que referiam o uso destas duas classes de medicação anti-hipertensiva não diferiu do valor 33,4% encontrado entre os pacientes hipertensos que se encontravam sem medicação. Assim não pudemos observar associação entre o uso de diuréticos e beta-bloqueadores e a presença de intolerância à glicose. Vale ressaltar que apenas 12,7% dos pacientes que referiam o uso de medicamentos mostravam níveis da pressão arterial sistólica e diastólica iguais ou inferiores a 140/90 mmHg.

A Figura 1 mostra a ocorrência de hipertensão arterial de acordo com a elevação do IMC e da RCQ nos indivíduos obesos. Pode-se observar que no grupo com obesidade grau 1 (30-34,9 kg/m2) o aumento da RCQ se associou a um aumento significante da prevalência de hipertensão arterial. O mesmo comportamento foi observado nos pacientes com obesidade grau 2 e 3, embora este aumento tenha sido de menor magnitude nos pacientes com obesidade grau 3. Portanto, em todos os subgrupos de indivíduos obesos (IMC>30) a maior concentração de gordura na região abdominal se associou à maior prevalência de hipertensão arterial.


Dividindo-se a população estudada em pacientes hipertensos e normotensos, pudemos avaliar a influência do IMC sobre os níveis de pressão arterial sistólica. Como pode ser observada na Tabela 3, a média dos valores da pressão arterial sistólica e diastólica nos indivíduos normotensos foi semelhante em todos os subgrupos estudados. Já nos indivíduos hipertensos, foi observada elevação dos valores da pressão sistólica com o aumento do IMC, atingindo diferença estatisticamente significativa entre os grupos com sobrepeso e com obesidade grau 3. Comportamento semelhante foi observado com relação à pressão arterial diastólica. Apenas nos indivíduos hipertensos, a média da pressão diastólica observada nos pacientes com sobrepeso se mostrou inferior àquela observada nos pacientes com obesidade grau 3 (98±10 vs 101±13 mmHg; p<0,05). Quando avaliamos a influência da distribuição da gordura corporal sobre a pressão arterial através do RCQ, observamos que, em todos os subgrupos de pacientes obesos (grau 1, 2 e 3), o aumento do RCQ não se associou a maiores níveis pressóricos. Entretanto, como mostra a Figura 2, quando todos os indivíduos foram analisados em conjunto, correlação significante foi observada entre as medidas da circunferência da cintura e a pressão arterial sistólica (r=0,35; p<0,0001).


Na Figura 3, avaliamos a influência da idade e do IMC na prevalência da hipertensão arterial. O grupo total foi subdividido em indivíduos com idade maior ou igual a 40 anos. Para qualquer categoria de IMC, a prevalência de hipertensão arterial se mostrou maior nos indivíduos com idade maior que 40 anos. Pode-se observar também que o aumento da prevalência de hipertensão arterial com o IMC ocorreu nas duas faixas etárias. No entanto, o impacto do aumento do IMC sobre a prevalência de hipertensão arterial se mostrou maior nos indivíduos mais jovens. Neste subgrupo, a chance de um indivíduo com obesidade grau 3 ser também portador de hipertensão é mais de sete vezes maior que a chance de um indivíduo que apresenta apenas sobrepeso (razão entre chances = 7,58). Nos indivíduos com mais de 40 anos, a presença de obesidade grau 3 se associa a um risco cinco vezes maior de ocorrência de hipertensão arterial quando comparados aos indivíduos com sobrepeso (razão entre chances = 5,3).


DISCUSSÃO

No presente estudo ressaltamos a importância do aumento da adiposidade corporal na prevalência de hipertensão arterial, principalmente nos indivíduos que apresentam distribuição central de gordura. Embora o aumento da gordura esteja também associado ao aumento de prevalência de outros fatores de risco para DCV, como dislipidemia e intolerância à glicose, o impacto da obesidade sobre a prevalência de hipertensão arterial foi muito mais evidente. O fato de parte dos pacientes hipertensos estarem em uso de medicamentos, como diuréticos e beta-bloqueadores, que sabidamente aumentam a resistência à insulina, poderia nesta população estar contribuindo para a alta prevalência de intolerância à glicose nesta população. Entretanto, a porcentagem de pacientes com alteração no metabolismo da glicose não diferiu entre os pacientes que estavam ou não em uso de medicação anti-hipertensiva. É provável que o uso irregular da medicação tenha reduzido a influência deletéria da medicação anti-hipertensiva sobre o metabolismo da glicose. De fato, apenas uma pequena porcentagem desta população mostrava-se razoavelmente controlada do ponto de vista da pressão arterial.

Com relação à hipertensão arterial, os resultados obtidos em nossos pacientes, entre os quais prevalece o sexo feminino, são muito semelhantes àqueles observados em estudos epidemiológicos americanos, tais como o Nurses' Study6 e no NHANES II16 (Segunda Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição). Esse último mostrou que americanos entre 20 e 75 anos com sobrepeso possuem chance três vezes maior de serem hipertensos que seus compatriotas sem sobrepeso. O maior risco estava entre os mais jovens (sobrepeso entre 20 e 45 anos) que apresentavam seis vezes mais chance de hipertensão que os indivíduos normais. No presente estudo, foi identificada maior prevalência de hipertensão entre os indivíduos com obesidade grau III em relação àqueles com sobrepeso. Após estratificação por idade, nota-se que o maior aumento do risco de hipertensão ocorre entre os jovens, grupo no qual este risco alcança valor 7,5 vezes maior que nos indivíduos com IMC entre 25 e 29,9 kg/m2. Assim, podemos concluir que a prevalência de hipertensão varia de acordo com o grau de obesidade e com a idade. Os resultados sugerem também que não é recomendado envelhecer com IMC > 30kg/m2, uma vez que a prevalência de hipertensão neste grupo é alta, elevando o risco de eventos cardiovasculares.

Os mecanismos pelos quais a gordura abdominal se associa a aumentos da prevalência de hipertensão arterial não são totalmente claros. Alguns autores sugerem que a resistência à insulina e à hiperinsulinemia poderia ter um papel na gênese da hipertensão arterial associada à obesidade17. A hiperinsulinemia provoca aumentos da atividade do sistema nervoso simpático e da reabsorção tubular de sódio17,18,19, ações que contribuem para o aumento da pressão arterial. Por outro lado, a insulina é um hormônio vasodilatador e induz aumentos do fluxo sangüíneo para a musculatura esquelética, um efeito que parece ser mediado pelo óxido nítrico20,21. Estes efeitos são acentuadamente diminuídos em pacientes obesos e hipertensos20, portadores de resistência à insulina. Além deste possível comprometimento da vasodilatação, que poderia contribuir ainda mais para a elevação da pressão arterial, o decréscimo do fluxo sangüíneo para a musculatura esquelética poderia também determinar uma redução no aproveitamento periférico de glicose, agravando o estado de resistência à insulina22. Em indivíduos normotensos, entretanto, aumentos na produção de insulina, em geral, não se acompanham de elevações dos níveis pressóricos, como pudemos observar em nossos pacientes normotensos. A explicação para este fenômeno seria a de que o aumento da atividade simpática, conseqüente à hiperinsulinemia e que induz vasoconstricção, seria contrabalançada pela ação direta vasodilatadora da insulina. Em indivíduos com predisposição genética à hipertensão, nos quais a ação vasodilatadora da insulina estaria prejudicada, o aumento da atividade simpática induzida pela hiperinsulinemia poderia ser responsável pela elevação dos níveis pressóricos. Isto explicaria a elevação da pressão arterial em nossos pacientes, à medida que se eleva o IMC. Entretanto, no estudo de Faria23 em mulheres obesas, não se observou correlação entre os valores da insulinemia e os níveis de pressão arterial, embora a correlação positiva e significante tenha sido encontrada entre a quantidade de gordura visceral e os valores da pressão arterial. Esses dados são concordantes com os nossos, nos quais o aumento da circunferência da cintura se associou a aumentos da pressão arterial sistólica, ainda que alguns pacientes estivessem fazendo uso de medicação anti-hipertensiva.

Outros mecanismos têm sido propostos para explicar a associação entre aumento de gordura visceral e hipertensão arterial. Hall et al, defendem a possibilidade da gordura visceral mediar a elevação da pressão arterial através da diminuição da natriurese24. A maior retenção de sódio não seria dependente dos níveis séricos elevados de insulina25,27, mas seria provocada por ativação do sistema renina - angiotensina, por ativação do sistema nervoso autônomo simpático e ainda por alterações da hemodinâmica intra-renal, conseqüente à compressão da medula renal24, 26. Embora estes mecanismos não tenham sido avaliados em nosso estudo, poderiam explicar também nossos achados.

CONCLUSÃO

Em resumo, os dados do presente estudo confirmam resultados de outros estudos que mostram a importância da obesidade no desenvolvimento dos fatores de risco cardiovascular. Em nossa população, a distribuição central da adiposidade corporal se destacou especialmente como fator importante no desenvolvimento da hipertensão arterial.

Artigo recebido: 14/10/02

Aceito para publicação: 13/12/02

Trabalho realizado na Disciplina de Endocrinologia da Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP.

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  • Endereço para correspondência

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Nov 2003
    • Data do Fascículo
      Set 2003

    Histórico

    • Recebido
      14 Out 2002
    • Aceito
      13 Dez 2002
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