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Síndrome compartimental abdominal na ressucitação supra-normal pós-traumática

MEDICINA BASEADA EM EVIDÊNCIAS

Síndrome compartimental abdominal na ressucitação supra-normal pós-traumática

Alejandra del Pilar G. Garrido; Ruy Jorge Cruz Junior; Luiz Francisco Poli de Figueiredo

A síndrome compartimental abdominal (SCA) tem recebido maior atenção recentemente devido à sua grande associação com o desenvolvimento de disfunção de múltiplos órgãos e aumento significativo das taxas de mortalidade em pacientes traumatizados. Este distúrbio resulta da elevação aguda da pressão intra-abdominal comprometendo o sistema cardiovascular, respiratório, renal, esplâncnico e sistema nervoso central, necessitando de um rápido diagnóstico e, muitas vezes, intervenção cirúrgica. Recentemente, Balogh et al. demonstraram um aumento na incidência da SCA, disfunção orgânica e morte, em pacientes vítimas de trauma grave (ISS>15), nos quais a ressucitação volêmica foi instituída com o objetivo de atingir valores supra-normais de oferta de oxigênio (DO2I) nas primeiras 24 horas. Foram analisados retrospectivamente 156 pacientes, sendo estes divididos em dois grupos conforme o índice de oferta de oxigênio aos tecidos: grupo A (DO2I ³ 600 ml/min/m2, n=85) e grupo B (DO2I ³ 500 ml/min/m2, n=71), obtido através da infusão de Ringer lactato, transfusão sangüínea e doses moderadas de inotrópicos. Os dados demográficos, a gravidade das lesões e do choque foram semelhantes em ambos os grupos. O grupo A recebeu um volume de solução cristalóide significativamente maior quando comparado ao grupo B (13±2 vs. 7±1 litros; p<0,05) além de apresentar um gradiente gastro-arterial de CO2 (PCO2-gap, medido por tonometria) maior (16±2 vs. 7±1 mmHg; p<0,05). No grupo supranormal (DO2I ³ 600 ml/min/m2), o desenvolvimento de hipertensão intra-abdominal assim como da síndrome compartimental abdominal foram mais freqüentes (42 vs. 20% e 16% vs. 8%, respectivamente; p<0,05). Surpreendentemente, a incidência de disfunção de múltiplos orgãos e a mortalidade também foram superiores no grupo ressuscitado de modo agressivo (22% vs. 9% e 27% vs. 11%, respectivamente; p<0,05).

Comentário

A expansão volêmica precoce tem demonstrado redução significativa da morbidade e mortalidade em pacientes com choque. Esta tem o objetivo de adequar a oferta de oxigênio aos tecidos, restabelecendo desta forma o metabolismo oxidativo e pode ser avaliada de forma indireta através de variáveis derivadas do metabolismo celular como saturação venosa central de oxigênio, déficit de base, lactato e PCO2-gap. Embora não existam metas definidas para a ressuscitação volêmica, a utilização de valores pré-estabelecidos de oferta de oxigênio, como descrito neste estudo, não tem se mostrado apropriada. Portanto, mais importante que o aumento indiscriminado da oferta de oxigênio aos tecidos, com seus possíveis efeitos deletérios como edema pulmonar, hipertensão intra-abdominal e SCA, é a ressuscitação visando a normalização das variáveis derivadas do metabolismo celular.

Referência

1. Balogh Z, McKinley BA, Cocanour CS, Kozar RA, Valdivia A, Sailors RM, et al. Supranormal trauma resuscitation causes more cases of abdominal compartment syndrome. Arch Surg 2003, 138:637-42.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Fev 2004
  • Data do Fascículo
    2003
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