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Insuficiência renal crônica em transplante de órgão não renal

PANORAMA INTERNACIONAL

CLÍNICA MÉDICA

Insuficiência renal crônica em transplante de órgão não renal

Niels Olsen Saraiva Câmara; Álvaro Pacheco-Silva

O transplante de órgãos representa hoje a melhor terapia substitutiva para pacientes com doença crônica terminal. Apesar do rim ser o órgão mais transplantado no país, seguido dos enxertos de córnea, os transplantes de outros órgãos sólidos têm crescido gradativamente nos últimos anos, exemplificando os transplantes de pâncreas (duplo ou não), fígado e coração.

A rejeição aguda ainda persiste como a principal causa de perda precoce no transplante de órgãos, apesar de sua incidência ter diminuído com o advento de novos potentes imunossupressores. A longo prazo, a maioria dos órgãos serão perdidos em conseqüência de um processo crônico fibrótico irreversível, a rejeição crônica. Com o aumento da sobrevida dos pacientes, vários autores vêm demonstrando a prevalência e importância de complicações imunológicas ou não tardias, muitas delas secundárias ao uso dos imunossupressores, representando um importante fator de risco para perda do enxerto.

Recentemente, Ojo et al. relataram a incidência de insuficiência renal crônica em pacientes submetidos a transplante de órgãos sólidos que não rim. Os autores analisaram 69.321 receptores de transplante de órgãos sólidos, excluído rim, num período de 1990 a 2000 no Estados Unidos. Foram estudadas a incidência cumulativa de insuficiência renal crônica (IRC) e as variáveis clínicas relacionadas. Em um período de 36 meses de acompanhamento, 16,5% dos pacientes desenvolveram IRC, e 28,9% deles necessitaram de diálise. O risco de desenvolver IRC em cinco anos foi maior nos receptores de transplante intestinal, seguidos dos receptores de fígado, pulmão, coração e finalmente coração-pulmão. Entre os fatores relacionados a um maior risco de IRC foram encontrados a idade avançada (RR= 1.36, para incrementos de 10 anos), sexo feminino (RR= 0.74), diabetes mellitus (RR= 1.42), hipertensão arterial (RR= 1.18), insuficiência renal aguda no pós-operatório (RR = 2.13), sorologia positiva para hepatite C (RR= 1.15), todos com significância estatística. A presença de IRC pós-transplante de órgão sólido que não rim foi associada a um risco significativamente aumentado de morte (RR= 4.55, p<0.001). O transplante renal nos pacientes com IRC foi associado com uma queda no risco de morte quando comparada à terapia dialítica (RR= 0.56, P= 0.02).

Comentário

O transplante de órgãos sólidos representa a melhor opção terapêutica, considerando custos e melhorias na qualidade de vida dada ao paciente. Com o uso corriqueiro dos novos imunossupressores e o crescente número de cirurgias realizadas, o manuseio clínico do paciente transformou-se na etapa mais importante para se garantir a sobrevida a longo prazo dos enxertos. Mesmo assim, complicações crônicas tendem a ser mais freqüentes, com implicações na sobrevida do enxerto e do paciente.

Neste estudo pioneiro, a incidência de IRC foi aferida em uma grande população de transplantados, e demonstrado seu impacto na sobrevida nos mesmos. A IRC foi mais freqüente em alguns tipos específicos de transplante, incluindo o transplante de intestino, cuja alta imunogenicidade ocasiona o uso maior de drogas imunossupressoras nefrotóxicas, e o de fígado, que apresenta uma maior incidência de insuficiência renal aguda pré-transplante. De forma importante, os resultados deste trabalho mostram que a presença de IRC aumenta o risco de morte nos transplantados, e que o transplante renal é a melhor opção substitutiva renal. A indicação de diálise nestes pacientes relaciona-se com pior sobrevida.

Especificamente, não existem métodos laboratoriais não-invasivos que possam detectar quais pacientes estão sob risco aumentado de lesão renal. A detecção precoce de dano renal reversível não pode ser feita pela simples análise das escorias séricas. Recentemente, foi demonstrado que pacientes sob risco aumentado de lesão fibrótica renal podem ser detectados através da dosagem urinária da proteína ligadora do retinol (RBP). Pacientes transplantados cardíacos com elevados níveis de RBP urinários, provavelmente secundário a nefrotoxicidade dos imunossupressores, apresentam elevado risco de IRC. A RBP é uma proteína de baixo peso molecular presente na urina em pacientes com dano túbulo-intersticial e apresenta correlação positiva com perda renal a longo prazo. A determinação rotineira da RBP urinária pode ajudar no manuseio clínico diário de transplantados sob risco aumentado de insuficiência renal.

Referências

1. Ojo OA, Held PJ, Port FK, Wolfe RA, Leichtman AB, Young EW, et al. Chronic renal failure after transplantation of a nonrenal organ. N Engl J Med 2003; 349:931-40.

2. Camara NO, Matos AC, Rodrigues DA, Pereira AB, Pacheco-Silva A. Early detection of heart transplant patients with increased risk of ciclosporin nephrotoxicity. Lancet 2001; 357:856-7.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Maio 2004
  • Data do Fascículo
    2004
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