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Anencefalia e transplante

DIRETRIZES EM FOCO

BIOÉTICA

Anencefalia e transplante

Sérgio Ibiapina F. Costa

O Processo-consulta CFM Nº 1.839/98 que trata da doação de órgãos de portadores de anencefalia para fins de transplante foi aprovado pelo plenário do Conselho Federal de Medicina (CFM), em 09 de maio de 2003.

Em seu parecer o relator faz menção à Resolução nº 1.480/97, em seu artigo 3º, quando afirma: '' a morte encefálica deverá ser conseqüência de processo irreversível e de causa conhecida''. Segundo o relator,''o anencéfalo é o resultado de um processo irreversível, sem qualquer possibilidade de sobrevida e de causa conhecida''. Em continuidade às razões apresentadas cita ainda a Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, que, em seu artigo 3º, dá competência ao Conselho Federal de Medicina para definir os critérios para o diagnóstico de morte encefálica.

Face a essas considerações, o CFM recomenda que '' uma vez autorizado formalmente pelos pais, o médico poderá proceder ao transplante de órgãos do anencéfalo após a expulsão ou retirada do útero materno, dada a incompatibilidade vital que o ente apresenta, por não possuir a parte nobre e vital do cérebro, tratando-se de processo irreversível, mesmo que o tronco cerebral esteja ainda temporariamente funcionante (grifo nosso)''.

Comentário

Trata-se de decisão ética das mais difíceis na prática clínica considerar como apto para a doação de órgão recém-nascido com tronco encefálico ''funcionante'', não importa por quanto tempo, portanto, vivo. O próprio CFM, na resolução que dispõe sobre morte encefálica define alguns pontos que não devem suscitar dúvidas para a sociedade quanto aos critérios de um ente morto. Com esse propósito, convém enfatizar que o anencéfalo, mesmo com a baixa expectativa de vida detém tronco encefálico, respira após o nascimento, esboça movimentos e, na condição de ser vivente, a ninguém é dado o direito de praticar homicídio, promovendo a retirada de órgãos para serem transplantados. Ademais, a Resolução nº 1.480/97 estabelece que o critério de morte encefálica em portador de lesão irreversível de tronco encefálico somente poderá ser considerada após o sétimo dia de vida, sem oferecer qualquer ressalva.

In casu, constitui-se temerária a postura adotada pelo CFM em relação à doação de órgãos aos portadores de anencefalia aos seus jurisdicionados, não apenas por violar as suas próprias diretrizes, elaboradas à época com base em amplo debate entre especialistas e extensa consulta feita à literatura nacional e internacional, mas pela possibilidade factível de se utilizar tal recomendação como futuro argumento da ladeira escorregadia, tomando por base situações assemelhadas.

Este é um tema que urge discussão mais aprofundada e deve ser enriquecido com argumentos que não ponham em risco a descrença dos critérios de morte encefálica elaborados e defendidos de forma intransigente pelo próprio CFM em defesa da dignidade da pessoa humana.

Referências

1. Resolução CFM nº 1.480/97

2. Processo-consulta CFM nº 1.839/98

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Maio 2004
  • Data do Fascículo
    2004
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