Acessibilidade / Reportar erro

Pieloectasia fetal

PANORAMA INTERNACIONAL

OBSTETRÍCIA

Pieloectasia fetal

Victor Bunduki; Marcelo Zugaib

O achado de pieoloectasia ao ultra-som fetal é sinal marcador de duas entidades patológicas distintas: a presença de aneuploidia fetal (em especial a trissomia do cromossomo 21- T21) e a indicação de ocorrência de um processo obstrutivo renal, as ditas uropatias obstrutivas. A associação de aneuploidia e pieloectasia foi primeiramente descrita pela autora americana Benacerraf et al., em 1990. Nos casos de T21, 25% dos fetos apresentaram pieloectasia contra 2,8% nos fetos normais. Os autores concluíram que esse achado poderia ser utilizado como um marcador de risco em associação a outros marcadores, ressaltando, porém, que um maior número de casos deveria ser revisado antes de se propor um diagnóstico invasivo baseado apenas nesse sinal. Corteville et al. (1992) publicaram um estudo com 5.944 fetos em que pieloectasia, definida por diâmetro da pelve renal maior ou igual a 4mm até 33 semanas e 7mm ou mais, acima de 33 semanas, foi encontrada em 124 fetos. Após o seguimento pós-natal, os fetos foram classificados em dois grupos: T21 e normais. No grupo com T21, a incidência de pieloectasia foi de 17,4%, enquanto no grupo controle foi de 2%, diferença estatisticamente significativa. Os autores concluíram que, embora a pieloectasia seja mais comum nos fetos com síndrome de Down, a amniocentese genética deveria ser restrita àqueles casos em que outros fatores de risco estivessem presentes. Em um artigo de revisão da literatura, Nicolaides et al. (1992) coletaram 682 casos com malformações renais; diversas a cromossomopatia mais encontrada nos casos de pieloectasia foi a T21 (4%). Porém, excluindo-se os casos que apresentaram malformações associadas, a incidência caiu para um caso em 163 (0,61%). Os autores relataram ainda que nos fetos femininos o risco de anormalidades cromossômicas foi quase duas vezes maior que o encontrado nos fetos masculinos. Concluíram que as alterações morfológicas eram sutis e de difícil detecção. Dispondo de uma metodologia estatística mais refinada, Snijders et al. (1995) revisaram o problema, apresentando um estudo de 1.177 fetos com pieloectasia com 7,3% de cariótipos fetais anormais. Excluindo-se os casos com outras anormalidades ecográficas, foi encontrada T21 em cinco dos 805 fetos (0,40%). Essa incidência não diferiu significativamente daquela esperada, de acordo com a distribuição de idade materna e idade gestacional (0,62%). Os autores concluíram que para demonstrar uma diferença significativa, pelo menos 1.000.000 de fetos deveriam ser estudados e que, na inexistência de tais estudos, os pais deveriam ser aconselhados que a presença de pieloectasia isolada não aumenta significativamente o risco de T21 ou, no máximo, elevaria o risco ajustado pela idade materna e gestacional em 1,6. Essa opinião é também dividida por Pilu e Nicolaides que, revisando a literatura, recomendaram que o risco de aneuploidia fosse sempre calculado de acordo com o risco basal para idade materna e idade gestacional. Esses autores sugeriram que o achado de hidronefrose isolada elevava em somente 1,5 vez o risco de base e que essa informação deveria ser transmitida ao casal. Dommergues et al. (1999) lembraram que o achado de pieloectasia isolada pode ser encontrado em até 4% da população e que a realização de amniocentese de rotina, em todos esses casos, poderia levar à iatrogenia inaceitável. No entanto, o emprego de múltiplos parâmetros, em que a pieloectasia seja um dos marcadores estudados, apresentaria importante utilidade clínica. Compartilhamos desta opinião baseados em nossa casuística de 42 casos de T21 fetal onde a pieloectasia foi achado isolado em apenas dois deles. Em um grande estudo prospectivo e multicêntrico relatado por Chudleigh et al. (2001), envolvendo 12 instituições e uma população total de 101.600 fetos submetidos a ultra-som gestacional rotineiro, foram encontrados 737 fetos com pieloectasia, definida como pelve renal entre 5-10mm. A incidência de T21 no grupo de fetos com pieloectasia foi de 1,7% (6/737) e, quando excluíram os casos que apresentavam outras alterações ecográficas associadas, a taxa baixou para 0,46% (3/648). Quanto à pieloectasia fetal como preditor de uropatias obstrutivas, salientamos que o achado de dilatação da pelve renal e sua relação com doença renal importante e relevante no período pós-natal depende do grau de dilatação, da evolução e principalmente da presença de oligohidramnio ou de obstruções baixas com megabexiga (Oliveira et al., 2000). Os níveis de corte usados para a medida da pelve renal como preditor de obstrução ou refluxo são de 4,5 mm até a 24ª semana e de 7,0 mm até a 32ª semana. A partir daí, pelves de até 10 mm podem ser encontradas sem significado patológico na maioria das vezes. Em trabalho belga, relatando o estudo de 5.643 fetos de uma população geral e não selecionada, a pieloectasia foi encontrada em 4,5% dos casos. Dessas 213 crianças seguidas, 62% tiveram anomalias renais, mas só 83 casos foram de uropatias significantes. A pieloectasia encontrada somente no segundo trimestre teve como resultado uma uropatia significante em apenas 12% dos casos, pouco para que assustemos o casal, porém suficiente para que seja proposto um seguimento ultra-sonográfico no terceiro trimestre.

Comentário

É claro que os achados com dilatação dos grupamentos caliciais e do ureter ou ainda com acomentimento de bexiga dilatada são preocupantes e merecem atendimento em centro de referência para medicina fetal. O maior benefício do diagnóstico pré-natal de pieloectasia é permitir ao pediatra exercer um controle e avaliação completa pós-natal precoce e dar um diagnóstico definitivo (Langer, 2000). Concluímos que o achado de pieloectasia é bastante freqüente e muito esporadicamente significativo, ao menos quando isolado, tanto para predizer síndrome de Down fetal quanto para ser usado como preditivo de função renal alterada na infância. Ainda assim, o relato do achado permite um controle pré-natal no sentido de afirmar seu caráter isolado ou não, e permite um acompanhamento adequado dos casos pertinentes de obstrução das vias urinárias, quando um controle no terceiro trimestre é muito importante.

Referências

1. Corteville JE. Dicke JM, Crane JP. Fetal pyeloectasys and Down syndrome: is genetic amniocentesis warranted ? Obstet. Gynecol 1992; 79:770-2.

2. Dommergues M, Mahieu-Caputo D, Jouanic JM, Dumez Y. Prenatal diagnosis of fetal abnormalities: importance of a prognostic evaluation Arch Pediatr 1999; 6:243-5.

3. Langer B. Fetal pyeloctasis. Ultrasound Obstet Gynecol 2000; 16:1-5.

4. Ismaili K, Corredor M, Donner C, Thomas D, Vermeylen D, Avni FE. Results of a systematic screening for fetal mild pyeloctasis in a low risk population. Am J Obstet Gynecol 2003; 188:242-6.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jul 2004
  • Data do Fascículo
    Abr 2004
Associação Médica Brasileira R. São Carlos do Pinhal, 324, 01333-903 São Paulo SP - Brazil, Tel: +55 11 3178-6800, Fax: +55 11 3178-6816 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: ramb@amb.org.br