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Sulfato de magnésio (MgSO4) no tratamento e prevenção da eclâmpsia: qual esquema adotar?

À BEIRA DO LEITO

OBSTETRÍCIA

Sulfato de magnésio (MgSO4) no tratamento e prevenção da eclâmpsia: qual esquema adotar?

Rodrigo Ruano; Eliane A. Alves; Marcelo Zugaib

A eclâmpsia, definida como o surgimento de convulsão tônico-clônica em gestantes com pré-eclâmpsia, foi a principal causa de mortalidade materna em todo mundo e continua sendo uma das complicações obstétricas mais graves em nosso meio. Historicamente, no início, a eclâmpsia foi tratada com a sangria materna, no intuito de eliminar a "toxina" presente na doença, e posteriormente com drogas anti-hipertensivas e anticonvulsivantes deixando, muitas vezes, o feto evoluir a óbito. Em seguida, com o aprofundamento dos conhecimentos fisiopatológicos referentes à má adaptação placentária, a interrupção da gravidez passou a ser o tratamento de escolha. Porém, o marco na prevenção e no tratamento das convulsões na eclâmpsia foi o uso do sulfato de magnésio (MgSO4), que provou ser mais eficiente que os anticonvulsivantes clássicos como a fenitoína e benzodiazepínicos, tanto na interrupção da crise convulsiva como na diminuição de suas recorrências (The Eclamptic Trial Collaborative Group 1995). Um grande estudo mundial multicêntrico ("Magpie trial") consolidou os beneficios do MgSO4 na eclâmpsia, além de demonstrar boa tolerância tanto materna como fetal (The Magpie Trial Collaborative Group). Porém, a dúvida persiste quanto ao esquema a ser realizado. Em 1955, Pritchard decreveu o esquema terapêutico intramuscular para eclâmpsia e pré-eclâmpsia grave utilizando dose de ataque de 4 g intravascular associada a 10 g intramuscular, seguida pela dose de manutenção de 5 g intramuscular a cada 4 horas. Zuspan, em 1966, descreveu o esquema endovenoso utilizando 4 g intravascular seguido de 1-2 g/h em bomba de infusão. Como a principal complicação do esquema intramuscular proposto por Pritchard era a dor e o risco de hematomas e abscessos (0,5%), o esquema endovenoso de Zuspan tornou-se recomendado em vários centros do mundo. Contudo, a principal limitação do esquema endovenoso foi a necessidade de equipamentos adequados (bomba de infusão) e de maior treinamento da equipe médica. Além disso, Sibai e cols, em 1984, observaram níveis séricos maternos significativamente menores no esquema proposto por Zuspan, o que seria níveis subterapêuticos. Assim, esses autores propuseram aumentar a dose para 6 g de ataque e para 3 g/h de manutenção.

Como o esquema proposto por Sibai apresenta doses altas de MgSO4 e próximas aos níveis tóxicos, poucos se estimularam a utili- zá-lo, o que necessita ainda de novas investigações. O esquema intramuscular de Pritchard continua tendo algumas vantagens sobre o esquema de Zuspan, justificando a sua preferência em nosso meio. A primeira é a sua simplicidade, não necessitando de equipamentos sofisticados e bombas de infusão. Como demonstrado por Sibai et al. (1984), esse esquema confere níveis séricos maternos mais próximos do terapêutico que o esquema de Zuspan. Além disso, o esquema intramuscular permite um transporte mais seguro das pacientes de um centro secundário a outro terciário e/ou quaternário. Sendo a farmacologia e a farmacocinética do MgSO4 bem conhecidas no esquema intramuscular preconizado por Pritchard, a intoxicação, a qual costuma ser rara, pode ser facilmente identificada através da avaliação clínica, da diurese materna e dos reflexos patelares, sem a necessidade de se dosar a magnesemia da gestante, e revertida com o seu principal antídoto, o gluconato de cálcio. Assim, o esquema de Pritchard é o preferido para casos de eclâmpsia em nosso meio, enquanto não houver comprovação científica da superioridade e dos benefícios do uso intravenoso do MgSO4, após adequação da dose administrada por essa via.

Referências

1. Magpie Trial Collaboration Group. Do women with pre-eclampsia, and their babies, benefit from magnesium sulphate? The Magpie Trial: a randomised placebo-controlled trial. Lancet. 2002; 359(9321):1877-90.

2. Pritchard JA. The use of the magnesium ion in the management of eclamptogenic toxemias. Surg Gynecol Obstet 1955; 100(2):131-40.

3. Zuspan FP. Treatment of severe preeclampsia and eclampsia. Clin Obstet Gynecol. 1966; 9(4):954-72.

4. Sibai BM, Graham JM, McCubbin JH. A comparison of intravenous and intramuscular magnesium sulfate regimens in preeclampsia. Am J Obstet Gynecol. 1984; 150(6):728-33.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Out 2004
  • Data do Fascículo
    Set 2004
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