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Fatores preditivos de coledocolitíase em doentes com pancreatite aguda biliar

Predictors of choledocholithiasis in patients sustaining acute biliary pancreatitis

Resumos

OBJETIVO: Avaliar o papel da fosfatase alcalina (FA), gama glutamiltransferase (gamaGT) e ultra-sonografia (US) como fatores preditivos de coledocolitíase em doentes com pancreatite aguda biliar (PAB). MÉTODOS: Os dados foram coletados prospectivamente durante um período de 31 meses. Quarenta doentes foram incluídos, sendo 30 mulheres, com média etária de 49 + 16 anos. Foram registrados os dados de todos os doentes com pancreatite aguda biliar. Aqueles doentes ictéricos e com a forma grave da doença foram excluídos. As dosagens de FA e GGT, assim como a US, eram realizadas na admissão e 48 horas antes da cirurgia. Todos os pacientes foram submetidos à colangiografia intra-operatória (CIO) ou à colangiografia retrógrada endoscópica (CPRE) pré-operatória, que era definida baseada na probabilidade de coledocolitíase. Com o intuito de identificar os indicadores de coledocolitíase, as variáveis foram comparadas entre os pacientes com ou sem coledocolitíase. Os testes t de Student, Qui-quadrado e Fisher foram empregados para a análise estatística, considerando-se p<0,05 como significativo. Os valores preditivos positivo (VPP) e negativo (VPN) foram calculados para cada variável. RESULTADOS: Na US realizada à admissão, 15 doentes (37%) apresentavam dilatação de vias biliares e cinco (12%), coledocolitíase. Nos exames realizados 48 horas antes da colecistectomia, 34 doentes (85%) apresentavam valores elevados de gamaGT e 16 (40%) tinham FA acima do normal. Na segunda USG, nove doentes persistiam com dilatação das vias biliares e em três doentes eram vistos cálculos no colédoco. A CPRE pré-operatória foi indicada a 15 doentes (37%). O maior VPP (55%) foi atribuído à presença de dilatação de vias biliares na US pré-operatória, que também teve o maior VPN (96%). CONCLUSÃO: A dilatação das vias biliares na US realizada antes da colecistectomia foi o melhor indicador de coledocolitíase.

Pancreatite aguda; Coledocolitíase; Colangiografia


BACKGROUND: To assess the role of alkaline phosphatase (AP), gamil-glutamyltransferase (gammaGT) and abdominal ultrasound (US) as predictors of choledocholithiasis in patients sustaining acute biliary pancreatitis. METHODS: Data was prospectively collected during a period of 31 months. Forty patients were included, 30 were female and the mean age was 49 + 16. All patients sustaining acute biliary pancreatitis were enrolled. Patients with clinical jaundice and severe pancreatitis were excluded. Serum content of AP and gGT as well as US were assessed at admission and 48 hours before cholecistectomy. All patients underwent intra-operative cholangiography (IOC) or pre-operative endoscopic retrograde cholangiography (ERCP), which was indicated based on the odds of choledocholithiasis. In order to identify the predictors of choledocholithiasis, variables were compared between patients sustaining or not such alteration in cholangiography. Student t, Fisher and chi square tests were used for statistical analysis, considering p<0.05 as significant. Positive (PPV) and negative predictor values (NPV) were calculated for each variable. RESULTS: Upon admission, 15 (37%) patients sustained biliary tract dilatation and 5 (12%) choledocholithiasis at the US. Forty eight hours before the operation, 34 (85%) patients had altered levels of gGT and 16 (40%) of AP. Pre-operative US showed biliary tract dilatation in nine patients and choledocholithiasis in three. ERCP was performed in 15 (37%) cases. Higher PPV (55%) was attributed to pre-operative US, which had also a NPV of 96%. CONCLUSION: The best predictor of choledocholithiasis in patients sustaining mild acute pancreatitis was the biliary tract dilatation in pre-operative US.

Acute pancreatitis; Choledocholithiasis; Cholangiography


ARTIGO ORIGINAL

Fatores preditivos de coledocolitíase em doentes com pancreatite aguda biliar

Predictors of choledocholithiasis in patients sustaining acute biliary pancreatitis

José Gustavo Parreira; Ronaldo Elias Carnut Rego; Tercio De Campos* * Correspondência: Rua Dr. Cesário Mota Júnior, 112 Departamento de Cirurgia CEP: 01221-020 — São Paulo — SP E-mail: tercio@uol.com.br ; Cristina Hachul Moreno; Adhemar Monteiro Pacheco Jr; Samir Rasslan

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar o papel da fosfatase alcalina (FA), gama glutamiltransferase (gGT) e ultra-sonografia (US) como fatores preditivos de coledocolitíase em doentes com pancreatite aguda biliar (PAB).

MÉTODOS: Os dados foram coletados prospectivamente durante um período de 31 meses. Quarenta doentes foram incluídos, sendo 30 mulheres, com média etária de 49 + 16 anos. Foram registrados os dados de todos os doentes com pancreatite aguda biliar. Aqueles doentes ictéricos e com a forma grave da doença foram excluídos. As dosagens de FA e GGT, assim como a US, eram realizadas na admissão e 48 horas antes da cirurgia. Todos os pacientes foram submetidos à colangiografia intra-operatória (CIO) ou à colangiografia retrógrada endoscópica (CPRE) pré-operatória, que era definida baseada na probabilidade de coledocolitíase. Com o intuito de identificar os indicadores de coledocolitíase, as variáveis foram comparadas entre os pacientes com ou sem coledocolitíase. Os testes t de Student, Qui-quadrado e Fisher foram empregados para a análise estatística, considerando-se p<0,05 como significativo. Os valores preditivos positivo (VPP) e negativo (VPN) foram calculados para cada variável.

RESULTADOS: Na US realizada à admissão, 15 doentes (37%) apresentavam dilatação de vias biliares e cinco (12%), coledocolitíase. Nos exames realizados 48 horas antes da colecistectomia, 34 doentes (85%) apresentavam valores elevados de gGT e 16 (40%) tinham FA acima do normal. Na segunda USG, nove doentes persistiam com dilatação das vias biliares e em três doentes eram vistos cálculos no colédoco. A CPRE pré-operatória foi indicada a 15 doentes (37%). O maior VPP (55%) foi atribuído à presença de dilatação de vias biliares na US pré-operatória, que também teve o maior VPN (96%).

CONCLUSÃO: A dilatação das vias biliares na US realizada antes da colecistectomia foi o melhor indicador de coledocolitíase.

Unitermos: Pancreatite aguda. Coledocolitíase. Colangiografia.

SUMMARY

BACKGROUND: To assess the role of alkaline phosphatase (AP), gamil-glutamyltransferase (gGT) and abdominal ultrasound (US) as predictors of choledocholithiasis in patients sustaining acute biliary pancreatitis.

METHODS: Data was prospectively collected during a period of 31 months. Forty patients were included, 30 were female and the mean age was 49 + 16. All patients sustaining acute biliary pancreatitis were enrolled. Patients with clinical jaundice and severe pancreatitis were excluded. Serum content of AP and gGT as well as US were assessed at admission and 48 hours before cholecistectomy. All patients underwent intra-operative cholangiography (IOC) or pre-operative endoscopic retrograde cholangiography (ERCP), which was indicated based on the odds of choledocholithiasis. In order to identify the predictors of choledocholithiasis, variables were compared between patients sustaining or not such alteration in cholangiography. Student t, Fisher and chi square tests were used for statistical analysis, considering p<0.05 as significant. Positive (PPV) and negative predictor values (NPV) were calculated for each variable.

RESULTS: Upon admission, 15 (37%) patients sustained biliary tract dilatation and 5 (12%) choledocholithiasis at the US. Forty eight hours before the operation, 34 (85%) patients had altered levels of gGT and 16 (40%) of AP. Pre-operative US showed biliary tract dilatation in nine patients and choledocholithiasis in three. ERCP was performed in 15 (37%) cases. Higher PPV (55%) was attributed to pre-operative US, which had also a NPV of 96%.

CONCLUSION: The best predictor of choledocholithiasis in patients sustaining mild acute pancreatitis was the biliary tract dilatation in pre-operative US.

Key words: Acute pancreatitis. Choledocholithiasis. Cholangiography.

INTRODUÇÃO

A pancreatite aguda ocorre em 6% a 8% dos portadores de colelitíase sintomática, sendo observada em até 20% daqueles com microlitíase1. Cerca de 80% a 85% das pancreatites são caracterizadas como doença leve, onde a resolução completa é a regra2. Destas, um número expressivo desenvolverá novo episódio de pancreatite aguda, sendo que 50% irão ter novo surto em menos de seis meses3. Em conseqüência, preconiza-se a colecistectomia na mesma internação da pancreatite aguda, de preferência por video-laparoscopia4,5. Contudo, cerca de 8% a 15% dos portadores de colecistolitíase também apresentam cálculos no colédoco, sendo a freqüência ainda maior logo após o tratamento da pancreatite aguda6-8.

Uma opção para o diagnóstico e tratamento dos cálculos remanescentes na via biliar principal, após a inflamação aguda do pâncreas, é a colangiografia retrógrada endoscópica (CPRE) com papilotomia, previamente à colecistectomia videolaparoscópica, não sendo, porém, um procedimento inócuo9. Além do que, muitos doentes seriam submetidos à papilotomia desnecessária, caso esta fosse indicada para todos aqueles com pancreatite aguda biliar10. Portanto, acredita-se que a CPRE pré-operatória deva ser de indicação seletiva e realizada apenas nos doentes com maior probabilidade de apresentar cálculos no colédoco8,11,12.

Vários parâmetros já foram pesquisados como fatores preditivos de coledocolitíase, como a dosagem sérica de bilirrubinas, transaminases, amilasemia, assim como a ultra-sonografia abdominal (US)13,14. Especialmente após um episódio de pancreatite aguda, todos estes parâmetros podem estar alterados, mesmo nos doentes anictéricos, dificultando ainda mais a identificação dos candidatos à CPRE pré-operatória10.

As enzimas canaliculares por sua vez têm grande sensibilidade porém baixa especificidade8. A análise da fosfatase alcalina (FA) e gama glutamiltransferase (gGT) mostra que elas estão associadas à coledocolitíase em situações eletivas15.

O objetivo deste estudo é avaliar os papéis das dosagens séricas de FA e gGT, bem como o da US, realizados na admissão e 48 horas antes da colecistectomia como fatores preditivos de coledocolitíase em doentes com pancreatite aguda biliar.

MÉTODOS

Realizou-se um estudo prospectivo em 31 meses consecutivos, avaliando os doentes admitidos com pancreatite aguda biliar leve no Serviço de Emergência da Santa Casa de São Paulo. Quarenta doentes foram incluídos no estudo, sendo 30 do sexo feminino. A idade variou de 19 a 77 anos, com média etária de 49 + 16 anos. O diagnóstico fez-se através da história clínica, aumento de no mínimo cinco vezes da concentração sérica da amilase e a presença de colecistolitíase na US de abdome. A FA e a gGT também eram dosadas na admissão. O quadro de doença leve foi baseado na ausência de complicações locais ou sistêmicas. O tratamento incluiu jejum, analgesia e reposição endovenosa de líquidos e eletrólitos.

Foram incluídos no estudo somente os doentes anictéricos que apresentaram resolução do quadro de pancreatite aguda sem intercorrências, alcançando melhora dos sintomas e normalização da amilasemia. Dois dias antes da data programada para a colecistectomia, realizava-se nova dosagem de FA e gGT, e repetição da US de abdome. A indicação da CPRE pré-operatória baseou-se no aumento da concentração sérica das enzimas canaliculares, bem como na presença de dilatação de vias biliares na US do abdome. Os doentes que se apresentavam com estes dois critérios eram submetidos à CPRE. Os valores considerados normais para gGT foram até 35 U/dl para doentes do sexo feminino e até 50 U/dl nos do sexo masculino. A dosagem sérica de FA superior a 250 U/dl foi considerada elevada. Interpretou-se como dilatadas as vias biliares extra-hepáticas de diâmetro superior a 0,9 cm.

Nos que realizaram CPRE pré-operatória, a papilotomia foi indicada seletivamente naqueles com coledocolitíase ou esvaziamento retardado do contraste da via biliar. Nos demais, durante a colecistectomia, foi realizada a colangiografia. Foram analisados os dados demográficos, freqüência de coledocolitíase e o tratamento. Idade, concentração sérica de FA e gGT à admissão e pré-operatória, bem como alterações ultra-sonográficas à admissão e no pré-operatório, foram pesquisadas como indicadores de coledocolitíase.

Este protocolo já era empregado no tratamento dos doentes com pancreatite aguda biliar, não sendo modificado para a realização deste estudo, e sendo aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

Empregaram-se os testes t de Student, Qui-quadrado e Fisher para a análise estatística, considerando-se p<0,05 como significativo. Para cada variável, calculou-se os valores preditivos positivo e negativo para a detecção de coledocolitíase.

RESULTADOS

O tempo entre o início dos sintomas e a internação no Serviço de Emergência variou de um a seis dias, em média 2,5 + 1,4 dia. À admissão, a dosagem sérica de amilase esteve entre 540 e 8108 U/L, em média 1471+1522 U/L. No exame ultra-sonográfico do abdome realizado à admissão, 15 doentes (37%) apresentavam dilatação de vias biliares e cinco (12%), coledocolitíase. Quatro doentes referiam internação anterior em outra instituição por pancreatite aguda.

Nos exames realizados 48 horas antes da data provável da colecistectomia, a gGT variou de 14 a 615 U/L, com média de 219 + 179 U/dL e a FA esteve entre 83 a 885 U/dL, em média 272 + 125 U/dL. Trinta e quatro (85%) apresentavam valores de gGT e 16 (40%) de FA acima do normal. Na nova US, nove doentes persistiram com dilatação das vias biliares e em três doentes foram vistos cálculos no colédoco.

A CPRE pré-operatória foi indicada em 15 doentes (37%) (Figura 1). Destes, cinco (33%) apresentavam cálculos no colédoco, que foram retirados com sucesso em quatro (80%). Foram realizadas 11 papilotomias endoscópicas. Dos outros 25 doentes levados à colecistectomia sem CPRE prévia, em apenas um (4%) foi detectado coledocolitíase pela colangiografia intra-operatória. A colecistectomia por videolaparoscopia foi realizada em 30 doentes e a laparotomia a Kocher nos dez restantes. Nos que iniciaram a operação por via videolaparoscópica, a conversão foi necessária em dois (6%); um por dificuldade técnica e outro para a coledocotomia e tratamento da coledocolitíase. Houve complicações pós-operatórias em dois doentes, ambos desenvolvendo atelectasia. Não houve óbitos.

A dilatação de vias biliares no exame pré-operatório esteve associada significativamente com a presença de coledocolitíase (Tabela 1). Microlitíase, dilatação das vias biliares ou mesmo coledocolitíase detectadas na US à admissão não foram fatores relacionados com a presença de coledocolitíase no momento da colecistectomia do mesmo modo que o aumento da concentração sérica pré-operatória da FA e gGT (Tabela 1). Idade, tempo do início dos sintomas até a colecistectomia e tempo entre internação e colecistectomia não se associaram com a presença de coledocolitíase (Tabela 2).

O maior valor preditivo positivo encontrado foi a dilatação de vias biliares na US pré-operatória, com 55% (Tabela 3). Isoladamente, a ausência desta variável teve um valor preditivo negativo de 96%. A associação de alterações das enzimas canaliculares e ultra-sonográficas não elevou os valores preditivos positivo ou negativo.

DISCUSSÃO

A realização da colecistectomia nos doentes com pancreatite aguda biliar é de fundamental importância no intuito de prevenir novos surtos, devendo ser realizada de preferência na mesma internação4. A videolaparoscopia é a via de eleição para a colecistectomia, sendo que nesta casuística não houve complicações relacionadas ao procedimento, e com uma necessidade de conversão para laparotomia em apenas 6% dos doentes.

No entanto, há controvérsia quanto à melhor forma de tratamento da coledocolitíase na era da cirurgia minimamente invasiva. As opções em questão incluem a CPRE com papilotomia previamente à colecistectomia, podendo ainda ser realizada no pós-operatório16-18; a coledocotomia com retirada dos cálculos por videolaparoscopia19-22, ou mesmo a conversão da operação para laparotomia e coledocotomia por via aberta23.

A resolução da coledocolitíase pela via laparoscópica representa aumento do tempo operatório da mesma forma que a resolução pela via aberta, porém, com necessidade de equipamentos especializados24. A coledocotomia aumenta também a morbidade, pela necessidade de drenagem da via biliar com o dreno de Kehr24,25.

Já a CPRE pré-operatória permitiria o tratamento da coledocolitíase sem estes problemas. Contudo, sua indicação em todos os doentes levaria a uma freqüência muito alta de exames desnecessários, com custo e morbidade dispensáveis11,12,26. Podemos ter complicações em até 10% dos casos, sendo as principais o agravamento ou recidiva da pancreatite aguda, o sangramento, a perfuração duodenal e a colangite. A mortalidade pode chegar de 0,37% a 1%16,27. Sugiyama et al., em 2003, constataram um aumento da morbidade em doentes submetidos à CPRE e dilatação da papila com balão. Este aumento ocorreu principalmente nos doentes jovens, com história de pancreatite, com via biliar fina e quando a canulação se mostrava difícil9.

Dos nossos 15 doentes que fizeram CPRE no pré-operatório, cinco tinham cálculos e 11 foram submetidos à papilotomia, sendo que seis doentes tiveram uma papilotomia desnecessária. Não tivemos complicações relacionadas à CPRE.

Por outro lado, Neoptolemos et al., em 1988, relataram benefício da realização da CPRE nas primeiras 72 horas de internação em doentes com pancreatite aguda de origem biliar28. Admite-se, porém, que a indicação da CPRE na pancreatite aguda seja bem estabelecida nos doentes com elevação das bilirrubinas ou naqueles com colangite associada à pancreatite4.

Deve-se ainda considerar o fato de que muitos hospitais não dispõem de CPRE. Seu custo, quando analisado, atinge valores altos: uma CPRE diagnóstica custa em média U$ 940, subindo para U$ 1060 quando utilizada para o tratamento da coledocolitíase29.

Na reunião da International Association of Pancreatology para elaboração de um guia para o tratamento da pancreatite aguda, realizada em Heidelberg em 2002, não ficou definida nenhuma recomendação para o uso sistemático da CPRE na pancreatite aguda, devido ao fato de que dois estudos prospectivos randomizados, um inglês e outro de Hong Kong, mostraram benefícios da CPRE, enquanto que outro alemão concluiu o contrário4.

Com nossos critérios, obtivemos apenas 33% de coledocolitíase dentre os doentes que foram submetidos à CPRE. Procuram-se, então, critérios para a indicação seletiva da CPRE pré-operatória.

Vários critérios já foram pesquisados na tentativa de identificar os doentes com maior chance de coledocolitíase, pois desta forma a CPRE teria resultados mais efetivos nestes casos. A presença de icterícia persistente é um forte indicador de coledocolitíase, e, por este motivo, os doentes ictéricos foram excluídos do estudo.

Considerando-se doentes com litíase biliar em geral, a dosagem de FA e gGT tem sido útil na identificação daqueles com maior probabilidade de coledocolitíase8. Neste estudo, notamos que as enzimas canaliculares apresentaram-se elevadas na maioria dos doentes após o episódio de pancreatite aguda. Desta forma, não foram critérios efetivos na seleção dos candidatos para CPRE. O melhor indicador de coledocolitíase obtido nesta amostra foi a dilatação das vias biliares ao exame ultra-sonográfico realizado 48 horas antes da colecistectomia. Este achado esteve associado à coledocolitíase em 55% dos casos. É importante ressaltar que a dilatação das vias biliares ou mesmo a presença de coledocolitíase na ultra-sonografia abdominal realizada na admissão apresentaram associação com coledocolitíase no momento da colecistectomia em não mais que 26% dos doentes.

Outro ponto a ser discutido é o melhor momento para a operação. Liu et al., em 1997, relataram que se a colecistectomia for realizada logo na admissão a necessidade de exploração das vias biliares por coledocolitíase chega a 70%, contra 15% a 20% após o quinto dia do surto30.

Desta forma, acreditamos que a CPRE deva ser de indicação seletiva e reservada apenas para os doentes com maior probabilidade de apresentar cálculos no colédoco.

Existem algumas formas de tratamento da pancreatite aguda biliar leve (Quadro 1): quando se tem o diagnóstico de coledocolitíase pré-operatório, pode-se fazer a CPRE com papilotomia para retirada deste cálculo e, após 48 horas, programa-se a colecistectomia videolaparoscópica, caso o doente não tenha apresentado nenhuma intercorrência relacionada à CPRE. Quando o diagnóstico de coledocolitíase é feito durante a colecistectomia, três condutas são possíveis: exploração por videolaparoscopia das vias biliares, caso haja equipamento disponível; retirada do cálculo no pós-operatório, especialmente naqueles cálculos menores que 1 cm e desde que se tenha um endoscopista experiente disponível; ou a conversão para a cirurgia aberta com exploração das vias biliares.


No entanto, a conversão deve ser evitada quando o colédoco for fino, pelo risco decorrente da sua exploração, em especial a estenose cicatricial. Por outro lado, quando se opta pela extração do cálculo por CPRE no pós-operatório, existe o risco de insucesso do procedimento e, com isso, a necessidade de nova intervenção.

CONCLUSÃO

A análise deste trabalho mostra que a dilatação das vias biliares à ultra-sonografia abdominal realizada 48 horas antes da data prevista para colecistectomia foi o melhor indicador de coledocolitíase.

Conflito de interesse: não há.

Artigo recebido: 10/10/03

Aceito para publicação: 13/04/04

Trabalho realizado no Serviço de Emergência e no Grupo de Vias Biliares e Pâncreas do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSC-SP)

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    Correspondência: Rua Dr. Cesário Mota Júnior, 112 Departamento de Cirurgia CEP: 01221-020 — São Paulo — SP E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Jan 2005
    • Data do Fascículo
      Dez 2004

    Histórico

    • Recebido
      10 Out 2003
    • Aceito
      13 Abr 2004
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