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Diagnóstico precoce da restrição do crescimento fetal pela estimativa ultra-sonográfica do peso fetal

Early diagnosis of intra-uterine growth restriction by ultrasonographic estimation of fetal weight

Resumos

OBJETIVOS: Com a finalidade da atuação pré-natal oportuna e diminuição da morbiletalidade perinatal e tardia, este estudo se propôs a avaliar a evolução do peso fetal determinado pela ecografia entre a 25ª e 27ª semanas de gestação, estabelecer valores de corte de peso fetal úteis no diagnóstico do pequeno para esta época da gestação e propor modelo matemático para reconhecer a probabilidade de ocorrência de recém-nascido pequeno para a idade gestacional (PIG). MÉTODOS: Avaliaram-se 85 recém-nascidos, 35 pequenos e 50 adequados para a idade gestacional (AIG). As mães haviam feito o pré-natal no serviço, eram hígidas ou apresentavam hipertensão arterial crônica como única doença, sem história de vícios, fetos gemelares ou malformados. Todas realizaram exames ultra-sonográficos na 25ª e 27ª semanas para cálculo do peso fetal. RESULTADOS: O ganho de peso ecográfico fetal entre a 25ª e a 27ª semanas de gestação foi menor no grupo PIG havendo desaceleração do crescimento em relação ao grupo AIG. Os valores de corte de pesos ecográficos fetais foram de 775 gramas e 1015 gramas para a 25ª e 27ª semanas, respectivamente Obteve-se modelo matemático útil para quantificar a probabilidade de crescimento intra-uterino inadequado.

Restrição de crescimento fetal; Ultra-sonografia


OBJECTIVE: Aiming to reduce the perinatal and late morbidity and lethality through opportune prenatal intervention, this study proposed to sequentially evaluate the echographic fetal weight at the 25th and 27th weeks of gestation, establishing cut-off values for echographic fetal weight useful in the diagnosis of small-for-gestational-age at this gestation time, and developing a mathematical model able to recognize the probability of a newborn small-for- gestational-age. METHODS: Eighty-five newborns were evaluated, 35 small and 50 adequate for gestational age. The mothers who underwent prenatal care at our Instituition were healthy or presented chronic arterial hypertension as the only disease, no history of addictions, gemellarity or malformed fetuses. All mothers performed ultrasonographic exams at the 25th and 27th weeks for estimation of the fetal weight. Results: The exams were able to detect the inadequate development of those fetuses small-for-gestational-age group. The cut-off values for echographic fetal weight were established as 775 grams and 1015 grams for the 25th and 27th weeks, respectively A mathematical model was developed, capable of quantifying the probability of newborns exhibiting insufficient intra-uterine growth, being small-for-gestational-age.

Intra-uterine growth restriction; Ultrasonography


ARTIGO ORIGINAL

Diagnóstico precoce da restrição do crescimento fetal pela estimativa ultra-sonográfica do peso fetal

Early diagnosis of intra-uterine growth restriction by ultrasonographic estimation of fetal weight

* * Correspondência: Rua: Caraíbas, 666 - apto. 81 CEP 05020-000 - Perdizes - São Paulo - SP Fone: (11) 3872-1724 - Fax: (11) 3864-7767 mmm1000@uol.com.br Maria Marta Martins, José Júlio de Azevedo Tedesco

RESUMO

OBJETIVOS: Com a finalidade da atuação pré-natal oportuna e diminuição da morbiletalidade perinatal e tardia, este estudo se propôs a avaliar a evolução do peso fetal determinado pela ecografia entre a 25ª e 27ª semanas de gestação, estabelecer valores de corte de peso fetal úteis no diagnóstico do pequeno para esta época da gestação e propor modelo matemático para reconhecer a probabilidade de ocorrência de recém-nascido pequeno para a idade gestacional (PIG).

MÉTODOS: Avaliaram-se 85 recém-nascidos, 35 pequenos e 50 adequados para a idade gestacional (AIG). As mães haviam feito o pré-natal no serviço, eram hígidas ou apresentavam hipertensão arterial crônica como única doença, sem história de vícios, fetos gemelares ou malformados. Todas realizaram exames ultra-sonográficos na 25ª e 27ª semanas para cálculo do peso fetal.

RESULTADOS: O ganho de peso ecográfico fetal entre a 25ª e a 27ª semanas de gestação foi menor no grupo PIG havendo desaceleração do crescimento em relação ao grupo AIG. Os valores de corte de pesos ecográficos fetais foram de 775 gramas e 1015 gramas para a 25ª e 27ª semanas, respectivamente Obteve-se modelo matemático útil para quantificar a probabilidade de crescimento intra-uterino inadequado.

Unitermos: Restrição de crescimento fetal. Ultra-sonografia.

SUMMARY

OBJECTIVE: Aiming to reduce the perinatal and late morbidity and lethality through opportune prenatal intervention, this study proposed to sequentially evaluate the echographic fetal weight at the 25th and 27th weeks of gestation, establishing cut-off values for echographic fetal weight useful in the diagnosis of small-for-gestational-age at this gestation time, and developing a mathematical model able to recognize the probability of a newborn small-for- gestational-age.

METHODS: Eighty-five newborns were evaluated, 35 small and 50 adequate for gestational age. The mothers who underwent prenatal care at our Instituition were healthy or presented chronic arterial hypertension as the only disease, no history of addictions, gemellarity or malformed fetuses. All mothers performed ultrasonographic exams at the 25th and 27th weeks for estimation of the fetal weight. Results: The exams were able to detect the inadequate development of those fetuses small-for-gestational-age group. The cut-off values for echographic fetal weight were established as 775 grams and 1015 grams for the 25th and 27th weeks, respectively A mathematical model was developed, capable of quantifying the probability of newborns exhibiting insufficient intra-uterine growth, being small-for-gestational-age.

Key words: Intra-uterine growth restriction. Ultrasonography.

INTRODUÇÃO

A importância do recém-nascido pequeno para a idade gestacional (RN PIG) é grande pela alta morbiletalidade a curto e longo prazo. Devido à dificuldade de conceituação, com base em diferentes critérios de definição e dos diagnósticos empregados, a incidência é variável, calculando-se entre 2% a 10%1.

A morbiletalidade elevada nos recém-nascidos com restrição de crescimento fetal (RCF) deve-se a alterações metabólicas, asfixia, síndrome do desconforto respiratório, hemorragia intracraniana, aspiração meconial, hipotermia e outros2.

Estudos epidemiológicos mostram que o crescimento fetal restrito está associado a repercussões tardias como alterações no desenvolvimento físico, neuro-psicomotor e intelectual, risco de hipertensão arterial, triglicérides séricos elevados, alterações endócrinas e subfertilidade3.

Revendo-se a literatura sobre o valor da estimativa do peso fetal avaliado por ultra-sonografia para o diagnóstico do RN PIG, verificou-se ser um dos métodos mais utilizados, práticos e eficientes dentro de todos os disponíveis4. No entanto, os resultados dos diferentes trabalhos mostraram grande variação e sistematicamente foram realizados em fases mais avançadas da gravidez. Partindo dessa premissa, utilizou-se o valor do peso fetal estimado pela ultra-sonografia para avaliação do crescimento, elegendo-se idade gestacional precoce e de viabilidade fetal para o diagnóstico da doença.

Assim, os objetivos deste estudo foram avaliar o ganho de peso fetal por meio de dois exames ecográficos para os grupos de RN PIG e para os recém-nascidos adequados para a idade gestacional (RN AIG); escolher valores de peso fetal ecográfico para o diagnóstico do PIG e elaborar um modelo matemático para estimar a probabilidade do RN ser PIG por meio de exames ecográficos na 25ª e na 27ª semana de gestação.

MÉTODOS

Realizou-se estudo retrospectivo em recém-nascidos cujas mães haviam feito pré-natal no Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, no período de julho de 1996 a janeiro de 2000.

Incluíram-se as mães consideradas clínica e obstetricamente normais durante o pré-natal e as hipertensas crônicas clinicamente estáveis, com idade gestacional menor que 20 semanas, estabelecidas pela data da última menstruação e por exame ecográfico precoce. Não foram incluídas as portadoras de outras doenças clínicas ou obstétricas (exceto hipertensão arterial crônica), com hábitos e vícios, com parturição múltipla ou com nascidos malformados. Em todas as grávidas realizaram-se exames ultra-sonográficos na 25ª e na 27ª semana de gestação com aparelho modelo HITACHI EUB-405. Calculou-se o peso ecográfico por meio da fórmula de Hadlock et al.5, com erro estimado em 10%, expresso em gramas, pela equação: Peso ={Log 10[1,5115 + 0,0436 (CA) + 0.1517 (CF) - [0.321 (CA) (CF) + 100] + [0.6923 (DBP) (CC) + 10000]}, onde CA corresponde à medida da circunferência abdominal, CC à circunferência cefálica, F ao comprimento do fêmur e DBP ao diâmetro biparietal.

Incluíram-se RN PIG e AIG nos quais o diagnóstico da idade gestacional foi estimada pelo índice de Ballard et al.6, o qual analisa as condições somáticas e neuromusculares por meio dos escores definidos. A idade gestacional obtida pelo índice e o peso aferido do RN eram levados à curva proposta por Lubchenco et al.7. Consideraram-se PIG os RN cujo peso ao nascer foi menor que o valor do percentil 10 desta curva, para a idade gestacional considerada. Dessa forma e aleatoriamente, selecionaram-se 85 RN cujas mães haviam satisfeito os critérios propostos. Dentre esses, 35 RN foram considerados PIG, constituindo o grupo de estudo e 50 RN foram considerados AIG, compondo o grupo de controle.

O protocolo de pesquisa foi apresentado e aprovado pela Comissão de Ética Médica da mesma instituição onde foi realizado o estudo.

Os parâmetros utilizados para a caracterização da amostra e não considerados para a seleção (idade, raça, estado civil, profissão, paridade) foram analisados quanto à sua possível influência na comparação dos grupos. Para isso realizou-se o teste Qui-quadrado de Person, que apresentou resultados não significativos.

Procedeu-se à análise exploratória para cada um dos grupos considerados. Foram calculadas medidas descritivas (média, desvio padrão, mediana e respectivos intervalos de confiança mínimo e máximo) para os resultados observados nas ecografias da 25ª e da 27ª semana e gráficos tipo Box-Plot para identificar valores da amostra discrepantes em relação aos demais.

Compararam-se os grupos quanto ao aumento do peso nas semanas propostas pela técnica de análise univariada de perfis.

Para avaliar o poder diagnóstico dos exames nas semanas propostas, em relação à presença ou não do PIG, foram calculadas medidas de sensibilidade, especificidade, taxas de erros, valores preditivos e acurácia.

Para definir o valor limítrofe, rastreador, diagnóstico do PIG utilizou-se a Curva ROC, onde o ponto de corte corresponde ao valor do peso colocado mais alto e à esquerda, isto é, apresenta as maiores taxas de sensibilidade e especificidade dentro dos valores contínuos.

Elaborou-se, por meio de regressão logística, um modelo matemático que permite calcular a probabilidade de o RN vir a ser PIG utilizando-se dos valores de peso calculados nas semanas propostas.

O nível de significância adotado para avaliação dos dados foi igual a 5%.

Os seguintes programas computacionais foram utilizados: Microsoft Excel para Windows 97; S-Plus 4.5 e Minitab 13.

RESULTADOS

O perfil da amostra está representado na Tabela 1. Verifica-se que 85 RN fizeram parte deste estudo, sendo 50 RN (58.82%) AIG e 35 RN (41.18%) PIG cujas mães realizaram exames ecográficos na 25ª e na 27ª semana de gestação.

A variabilidade do ganho ponderal fetal apresentada no grupo de RN AIG é menor do que a encontrada no grupo de RN PIG. Como conseqüência, o peso médio do segundo exame ecográfico é maior que o primeiro, nos dois grupos. Destaca-se que o peso médio é sempre maior no grupo AIG. Esses resultados estão expostos na Tabela 2.

O ganho ponderal dos fetos entre a 25ª e a 27ª semana foi menor no grupo de RN PIG comparado ao grupo de AIG, isto é, houve desaceleração no crescimento dos fetos do grupo PIG. Há uma diferença significativa entre os pesos observados nos grupos, onde os maiores valores são sempre observados no grupo de RN AIG. Da mesma forma, há diferença significativa entre os pesos observados no primeiro e no segundo exame ecográfico. Esses resultados sugerem que o grupo de estudo apresenta maior evidência da presença de restrição de crescimento ao nascer. A Figura 1 ilustra esses resultados.


A análise dos valores de peso dentro da amplitude dos resultados obtidos permite obter ponto de corte para os pesos fetais aferidos nos dois exames, conforme é demonstrado nas Figuras 2 e 3.



O teste apresenta bom poder discriminatório pois a curva se concentra no canto superior esquerdo. Escolheu-se o valor 775 gramas, por apresentar maior especificidade e sensibilidade (0.98 e 0.86, respectivamente), como melhor alternativa para rastreamento do PIG na 25ª semana.

O exame realizado na 27ª semana também apresenta bom poder discriminatório. O valor de peso 1015 gramas é o mais indicado como rastreador, apresentando sensibilidade de 0.97 e especificidade de 0.98.

Aplicando-se modelo de regressão logística aos valores obtidos, é possível estabelecer modelo matemático que permite quantificar a probabilidade precoce do RN ser PIG (Figura 4).


DISCUSSÃO

O feto PIG que sofreu RCF pode apresentar alta morbiletalidade perinatal e complicações tardias. O diagnóstico do PIG, apesar de muito pesquisado por diversos autores, ainda apresenta falhas que variam de 35% a 77%, o que mostra a necessidade de continuidade de pesquisas8.

Este estudo resultou de especial interesse pela avaliação precoce da alteração do crescimento fetal dada a escassez de trabalhos e as dificuldades de interpretação de resultados nessa fase da gestação. Sabe-se que quanto mais inicial for a instalação da RCF maior a gravidade e pior o prognóstico9.

Tendo-se em vista tais fatos, torna-se necessário o diagnóstico mais precoce possível e atuação assistencial oportuna.

Dessa forma, objetivou-se a avaliação do crescimento intra-uterino por exames ecográficos realizados na 25ª e na 27ª semana. A margem de erro na predição do peso ecográfico bidimensional é de 20%, sendo mais precisa em feto com peso abaixo de 2500 gramas10. Julgou-se que comparados os resultados obtidos pelo peso fetal nesses dois exames poder-se-ia suspeitar de eventual restrição. A revisão bibliográfica sobre o enfoque abordado mostrou que são raros os autores que dele se ocuparam. Os trabalhos encontrados referem-se mais à pesquisa em idade gestacional tardia, sendo que os exames ultra-sonográficos para avaliar a RCF trazem cálculo de peso fetal após 30 semanas ou mesmo poucos dias antes do parto9,11. O valor diagnóstico precoce foi demonstrado no estudo das complicações do nascimento antes de 27 semanas de Bardin et al.12, no qual concluíram que ser PIG confere risco adicional grave para a mortalidade e morbidade dos prematuros.

Utilizou-se a medida do peso fetal ecográfico, conforme descrito por Hadlock et al.5, em medidas ultra-sonográficas obtidas seriadamente na 25ª e na 27ª semanas. Esta fórmula foi originalmente descrita para população americana, mas foi igualmente eficiente para a população asiática, demonstrando sua validade genérica13. Dessa forma, utilizou-se, retrospectivamente, o peso de RN de mães que realizaram exames ecográficos nos períodos propostos. Selecionaram-se, então, dois grupos de RN, PIG e AIG, cujos diagnósticos foram estabelecidos com base no cálculo da idade gestacional do RN pelo escore de Ballard et al.6 e na curva de crescimento proposta por Lubchenco et al.7, onde denominou-se PIG o RN com peso ao nascer abaixo do percentil 10 da curva. A freqüência desses RN está ilustrada na Tabela 1.

Comparando-se os valores das medidas obtidas nos dois exames ultra-sonográficos realizados, verifica-se que a variabilidade nos valores dos pesos apresentados é maior no grupo de RN PIG (Tabela 2).

Compararam-se os grupos a partir dos pesos observados nos exames realizados (Figura 1). No segundo exame a diferença entre o grupo de RN PIG e o grupo AIG é maior que no primeiro exame, ou seja, pode-se dizer que o crescimento dos fetos entre 25 e 27 semanas foi menor no grupo PIG que no grupo AIG. Há diferença entre os pesos nos dois grupos, sendo os maiores valores sempre observados no grupo controle. Da mesma forma, conclui-se que há diferença significativa entre os pesos observados no primeiro e no segundo exame.

Pensou-se também ser de interesse estabelecer ponto de corte dos valores de peso para a 25ª e para a 27ª semana, o que se conseguiu por meio da elaboração das curvas ROC. Analisando-se a Figura 2, constatou-se que o teste apresenta bom poder discriminatório para o exame da 25ª semana, pois a curva está concentrada no canto superior esquerdo. Escolheu-se o peso 775 gramas, por apresentar maior especificidade, como melhor alternativa para rastreamento do PIG. Esse valor apresentou sensibilidade de 0.86 e especificidade de 0.98.

De forma análoga, pode-se observar que o exame realizado na 27ª semana apresenta bom poder discriminatório (Figura 3). Destaca-se o ponto 1015 gramas como o mais indicado para o rastreamento, apresentando especificidade de 0.98 e sensibilidade de 0.97.

Na análise da literatura, encontram-se vários trabalhos que utilizam igualmente curvas ROC construídas a partir de dados biométricos fetais, com o objetivo de diagnosticar o RN PIG. Porém, os estudos não são uniformes em relação à metodologia empregada, diferindo entre si pela forma de acompanhamento das gestantes, cálculo da idade gestacional, época de realização do exame ultra-sonográfico para estimar o peso fetal, número de examinadores e avaliação do peso ao nascimento12,14,15, o que dificulta a comparação deste estudo.

Somente O'Reilly-Green et al.16 usaram metodologia e objetivos semelhantes. No entanto, referem-se à avaliação do peso fetal em 410 grávidas com idade gestacional maior que 41 semanas, realizando exames ecográficos até no máximo nove dias antes do parto. Por meio da utilização da curva ROC, encontraram o valor de corte de peso de 3370 gramas para o percentil 10 e 3200 gramas para o percentil 5. Validaram a hipótese de que o peso fetal estimado por exame ecográfico pode predizer a ocorrência de PIG ao nascimento em gestação prolongada.

Por outro lado, não se encontraram na revisão de literatura outros trabalhos que tenham utilizado curvas ROC para definir ponto de corte de peso fetal no diagnóstico precoce do PIG. No entanto, com o intuito de se comparar estes resultados obtidos com outros usados rotineiramente em tabelas, construí-ram-se curvas ROC também para esses últimos.

Jeanty et al.17 realizaram estudo prospectivo para avaliar o peso fetal por meio de exames ecográficos feitos de forma seriada. Acompanharam 48 grávidas saudáveis, universitárias, caucasianas, de classe média. Construíram tabela de valores de peso relacionados à idade gestacional, a partir da equação proposta por Shepard et al.18. A tabela assim elaborada apresenta média de peso para a 25ª semana de 871 gramas e para a 27ª semana de 1139 gramas. Aplicando-se esses valores de peso na casuística atual, a curva ROC resultante mostra que os valores referidos por Jeanty et al.17 apresentam sensibilidade de 100%, porém com especificidade mais baixa (60%), números considerados de menor valor que os atuais para predição de RN PIG.

Utilizando esse mesmo artifício e aplicando os valores de peso propostos por Birnholz et al.19, ou seja, 908 gramas para a 25ª semana e 1156 gramas para a 27ª semana, nos dados deste trabalho, verifica-se sensibilidade de 100% para as duas semanas, porém especificidade de 4% para a 25ª semana e de 22% para a 27ª semana.

Analisando essas cifras em relação aos resultados atuais, observa-se que são insatisfatórios, pois apesar de sensíveis se mostraram pouco específicos. Este fato valoriza os resultados deste estudo. Os valores de peso menores aqui apresentados provavelmente se deveram ao fato de que esses foram obtidos a partir de população-alvo específica, isto é, fetos que desenvolveram a doença e não população de RN mista ou hígida. Além disso, a população era local, representativa do nosso meio, com características provavelmente diferentes das utilizadas nos estudos referidos.

Objetivando-se fornecer modelo matemático para quantificar a probabilidade precoce do RN apresentar-se PIG, por meio de exames ecográficos na 25ª e na 27ª semanas, aplicou-se modelo de regressão logística aos dados desse estudo. A variável de interesse é a presença ou ausência do PIG. O fato de os dois exames terem sido realizados no mesmo feto sugere que as observações, variáveis explicativas, são correlacionadas. Assim, ajustou-se modelo logístico a cada uma dessas variáveis. As equações obtidas estão ilustradas na Figura 4. Para se ilustrar o benefício da utilização desse modelo, se obtivermos o peso fetal em exame ecográfico realizado na 25a semana de 700 gramas, a probalidade do RN ser PIG é de 98%.

Chervenak et al.20 também quantificaram a probabilidade de existência do PIG por meio da estimativa ultra-sonográfica do peso fetal, calculado de acordo com a fórmula de Shepard et al.18. Propuseram tabela de peso fetal esperado na qual existem média e limites inferiores de confiança de 20% a 0.5%. Dividiram em três zonas que excluem o risco ou estimam em 80% ou em 20% a probabilidade do feto vir a ser PIG.

Ambos os modelos apresentam-se de fácil aplicabilidade ressaltando-se, no entanto, que a metodologia apresentada por Chervenak et al.20 aplica-se à gravidez de termo enquanto que a ora apresentada refere-se a gestações de segundo trimestre.

O entendimento de muitos aspectos do crescimento fetal e fisiopatologia da sua restrição ainda é pobre. Como propostas clínicas, vários modelos de técnicas ultra-sonográficas têm sido divulgados. Porém, método preciso para o diagnóstico da doença ainda não foi encontrado. Sabe-se que quanto mais inicial for a instalação da insuficiência do crescimento, maior é a gravidade. Existe consenso médico de que os resultados perinatais são melhores quando se decide por entregar ao neonatologista RN de menor idade e em condições mais adequadas de oxigenação, em vez de se postergar o nascimento, quando o grau de hipóxia intra-uterina é grave. Assim, este estudo preocu-pou-se em avaliar um período da gestação em que a escassez de trabalhos é evidente, mas a viabilidade fetal começa a ser possível. No entanto, somente a validação prospectiva dos resultados aqui apresentados poderá estabelecer este método como útil e prático para o diagnóstico da restrição de crescimento fetal, principalmente para gestações de alto risco e em centros terciários de atendimento.

CONCLUSÃO

O desenvolvimento dos fetos entre 25 e 27 semanas foi menor no grupo de estudo que no grupo de controle, havendo desaceleração no crescimento dos fetos do grupo de RN PIG em relação ao grupo de RN AIG. Os valores de peso 775 gramas e 1015 gramas podem ser usados como pontos de corte para o rastreamento do PIG na 25ª semana e 27ª semana de gestação, respectivamente. Obteve-se modelo matemático para quantificar a probabilidade precoce de ocorrência de RN PIG por meio de estimativa de peso fetal em exames ultra-sonográficos na 25ª e na 27ª semana.

AGRADECIMENTO

Agradecemos ao NAP-SC-Núcleo de Apoio à Publicação da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo pelo suporte técnico-científico à publicação.

Conflito de interesse: não há.

Artigo recebido: 27/08/2003

Aceito para publicação: 13/02/2004

Trabalho realizado na Unidade Estratégica da Ginecologia e Obstetrícia da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, São Paulo, SP

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Mar 2005
    • Data do Fascículo
      Fev 2005

    Histórico

    • Aceito
      13 Fev 2004
    • Recebido
      27 Ago 2003
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