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Tratamento e monitoramento da andropausa

DIRETRIZES EM FOCO

MEDICINA BASEADA EM EVIDÊNCIAS

Tratamento e monitoramento da andropausa

Anna Maria Martits; Elaine Maria Frade Costa

Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia

Descrição do método de coleta de evidências

Foram consultadas as bases de dados Medline, através do PUBMED, a base de dados Cochrane de Revisões Sistemáticas e o Registro de Ensaios Controlados da Colaboração Cochrane, através da BVS, entre os dias 8 e 14 de julho de 2004. A estratégia de busca para a consulta na base de dados Medline foi estruturada na forma de PICO, acrônimo de Paciente alvo, Intervenção, Controle, Outcome ou desfecho que resultou na seguinte sintaxe: [(andropause OR gonadal OR hypogonad* * O texto completo da Diretriz de Tratamento da Andropausa está disponível no site da AMB: www.amb.org.br e também em www.projetodiretrizes.org.br ) AND aged] AND [testosterone OR androsterone OR DHEA OR dehydroepiandrosterone OR androgen OR androgenic OR nandrolone OR (hormone replacement) OR (anabolic steroids)] AND (atherosclerosis OR atherogenesis OR hemostasis OR hemostatic OR haemostatic OR prothrombotic OR muscles OR strength OR cognitive OR function OR cognition OR mental OR performance OR prostate OR diabetic OR diabetes OR obesity OR body OR fat OR obese OR mass OR hyperinsulinaemia OR adiposity). Foram então acrescidos os filtros: Randomized Controlled Trial, Meta-Analysis, (specificity[Title/Abstract]) que resultaram em 643 artigos. A seguir, foram selecionados pelo título os 153 trabalhos mais relevantes. Os 153 trabalhos selecionados tiveram a sua força de evidência científica classificada segundo as normas do "Oxford Centre for Evidence Based Medicine". Foram finalmente escolhidas as 31 referências que pela maior força de evidência científica e relevância clínica deram a sustentação às recomendações da presente diretriz.

Graus de recomendação e força de evidência

A: Estudos experimentais e observacionais de melhor consistência.

B: Estudos experimentais e observacionais de menor consistência.

C: Relatos de casos (estudos não controlados).

D: Opinião desprovida de avaliação crítica, baseada em consensos, estudos fisiológicos ou modelos animais.

Objetivos

Recomendar condutas baseadas em evidências científicas para o tratamento do hipogonadismo masculino tardio (andropausa).

Conflito de interesse

Nenhum conflito de interesse declarado.

Introdução

O uso da terapia de reposição androgênica em homens hipogonádicos está bem documentado, especialmente porque a restauração das concentrações de testosterona nos limites normais mantém as características sexuais, a energia, o humor, o desenvolvimento de massa muscular e o aumento de massa óssea1(A). No entanto, a reposição hormonal no hipogonadismo masculino tardio (andropausa) permanece controversa2(D).

Indicações

A reposição está indicada quando a presença de sintomas sugestivos de deficiência androgênica for acompanhada de níveis séricos de testosterona total abaixo de 300 ng/dl e níveis de testosterona livre abaixo de 6,5 ng/dl3(D).

Objetivos

Aliviar os sintomas relacionados à deficiência hormonal, restaurando o bem-estar físico e mental;

Alcançar o nível sérico de testosterona apropriado, mantendo os níveis de gonadotrofinas não suprimidos. Alguns autores defendem que o tratamento deve manter os níveis de testosterona e seus metabólitos dentro da faixa normal para adultos jovens (500-700 ng/dl)4(D); outros, no entanto, preconizam que a faixa normal para idosos é de 300-450 ng/dl3(D). A Organização Mundial da Saúde conclui que o maior objetivo da reposição hormonal é manter os níveis de testosterona próximos das concentrações fisiológicas5(D).

Andrógenos disponíveis para utilização clínica

Andrógenos orais

A fluoximetazona e a metiltestosterona são preparados 17a-alquilados que são modificados para diminuir o rápido metabolismo hepático, no entanto, essas alterações conferem a esses preparados uma grave hepatotoxicidade, não sendo, portanto, indicados para o tratamento de reposição.

O undecanoato de testosterona é o único éster de testosterona oral efetivo e seguro para uso clínico, pois é absorvido pelo sistema linfático, como todo éster de testosterona, e livre de efeitos hepatotóxicos. É capaz de reduzir os sintomas do hipogonadismo e tem poucos efeitos colaterais6(B).

Não é aconselhável o uso dessas medicações devido ao potencial de toxicidade que elas apresentam.

Andrógenos transdérmicos

A via transdérmica oferece uma reposição mais fisiológica7(A). Está disponível amplamente pelo mundo em adesivos escrotais, não escrotais e géis.

Os adesivos transdérmicos escrotais e os não escrotais são de fácil utilização e, após uma aplicação noturna por dia, proporcionam níveis fisiológicos de testosterona, mimetizando a variação circadiana dos adultos jovens1(A); ao mesmo tempo, permitem a interrupção imediata do tratamento quando necessário.

A principal desvantagem dos adesivos é a associação com irritação local da pele em cerca de 1/3 dos pacientes, proporcionando uma taxa de abandono do tratamento de cerca de 10% a 15%. Além disso, os adesivos escrotais necessitam de uma superfície grande de pele que deve ser depilada e os não escrotais não aderem bem à pele de alguns pacientes1(A).

Os géis de testosterona são preparações hidroalcoólicas capazes de elevar rápida e eficientemente os níveis de testosterona dentro dos limites da normalidade1(A).

Geralmente são bem tolerados e podem ser aplicados diariamente no mesmo local sem desencadear qualquer reação dermatológica8(D). Os efeitos clínicos atingidos com doses de 50, 75 e 100 mg por dia são semelhantes, concluindo que, uma vez atingidos os limites inferiores da normalidade dos níveis de testosterona, os efeitos clínicos desejáveis são evidentes1(A). A relativa ausência de irritação da pele associada à alta efetividade faz do gel de testosterona um método transdérmico mais favorável que os adesivos1(A).

O gel de dihidrotestosterona é utilizado e proporciona a reposição de seus níveis plasmáticos fisiológicos. A principal vantagem desse gel é o fato de não ter efeito estrogênico. Por não ser um andrógeno aromatizável, não produz ginecomastia, nem hiperplasia da próstata. Proporciona efeitos androgênicos esperados e é seguro a curto prazo, tornando-se uma alternativa interessante para o tratamento do hipogonadismo de homens idosos9(A).

Andrógenos subcutâneos

Os implantes subcutâneos proporcionam níveis estáveis e fisiológicos de testosterona. São utilizados na dose de seis vezes 100 mg a cada quatro ou seis meses. Não estão indicados para uso em idosos, pois a extrusão e a infecção local ocorrem em cerca de 10% dos casos10(A).

Andrógenos injetáveis

Os mais freqüentes e amplamente utilizados são os de administração intramuscular:

Os ésteres de testosterona, enantato e cipionato de testosterona são formulações oleosas de longa duração. O nível sérico máximo ocorre dois a cinco dias após a injeção, e o nadir é atingido do 15º ao 20º dia, portanto, não mimetiza o ritmo circadiano endógeno de liberação de testosterona, além de atingir níveis suprafisiológicos nos primeiros dias após a aplicação. Essas flutuações dos níveis de testosterona manifestam-se clinicamente em alguns pacientes e podem aumentar a freqüência de efeitos colaterais11(A); por outro lado, é o método mais barato de reposição e, por isso, o mais utilizado em nosso meio.

O undecanoato de testosterona na forma injetável parece promover níveis fisiológicos de testosterona durante seis a oito semanas; no entanto, não é aprovado pela vigilância farmacêutica norte-americana e o seu uso, até o momento da elaboração deste documento, não se encontrava disponível no Brasil.

Outra opção é a preparação contendo uma mistura de quatro ésteres de testosterona, propionato, fenilpropionato, isocaproato e decanoato, cada um com meia-vida diferente com objetivo de prolongar a ação.

Portanto, as preparações disponíveis de testosterona são efetivas e seguras para o uso clínico, com exceção das formas orais alquiladas que possuem comprovada toxicidade hepática.

Monitoramento do paciente em tratamento de reposição

Antes do início2(D)

Dosagem basal de testosterona

Avaliação lipídica

Avaliação prostática: dosagem basal de PSA. Se PSA > 4,0 ng/ml ou exame retal anormal, realizar biópsia de próstata. Só devem ser tratados os pacientes com sintomas leves ou moderados do trato urinário ou biópsia negativa para carcinoma de próstata.

Dosagem basal de hematócrito

Descartar história de apnéia do sono

Após o início2(D)

As consultas deverão ser realizadas a cada três ou seis meses durante o primeiro ano de tratamento, com intervalos menores nos próximos anos, em que o paciente deve ser questionado sobre a melhora sintomática, sintomas do trato urinário e apnéia do sono. No exame físico, incluir toque retal para avaliação prostática e amostras sangüíneas para dosagem dos níveis de testosterona, PSA, hematócrito e hemoglobina.

Os níveis de testosterona devem ser mantidos entre a média e o limite superior da normalidade. Não há necessidade de ajuste da dose se a resposta clínica for adequada, ainda que os níveis de testosterona estejam no limite inferior da normalidade.

Para pacientes que recebem reposição por via intramuscular, os níveis de testosterona devem ser interpretados com base na data da última injeção.

O hematócrito deve ser verificado no terceiro mês de tratamento e, então, anualmente. Se o hematócrito for maior do que 55%, interromper o tratamento ou reduzir a dose e avaliar apnéia do sono.

Realizar toque retal e dosagem de PSA no terceiro e sexto mês de tratamento e, então, anualmente, se não houver anormalidades.

O paciente deve ser encaminhado ao urologista ou realizar biópsia de próstata quando:

1. PSA > 4 ng/ml;

2. O aumento dos níveis de PSA for >1,5 ng/ml/ano.

Os pacientes que já realizaram biópsia antes do tratamento e o resultado foi negativo, aumentar o PSA 1,0 ng/ml em um ano. Se o aumento do PSA for 0,7- 0,9 ng/ml, repetir em três a seis meses e realizar biópsia se houver posterior aumento.

Se houver detecção de uma anormalidade prostática ao toque retal.

Se o resultado da biópsia de próstata for negativo associado a níveis alterados de PSA ou aumento benigno da próstata, não há necessidade de interromper o tratamento.

A avaliação da massa óssea da coluna lombar e do colo do fêmur, através da densitometria óssea, deve ser realizada anual ou bianualmente se houver osteopenia.

As dosagens das provas de função hepática só são necessárias em pacientes com TRA por via oral.

Referências

1. Wang C, Swedloff RS, Iranmanesh A, Dobs A, Snyder PJ, Cunningham G, et al. Transdermal testosterone gel improves sexual function, mood, muscle strength, and body composition parameters in hypogonadal men. Testosterone Gel Study Group. J Clin Endocrinol Metab 2000;85:2839-53.

2. Rhoden EL, Morgentaler A. Risks of testosterone-replacement therapy and recommendations for monitoring. N Engl J Med 2004;350:482-92.

3. Liverman CT, Blazer DG. Testosterone and aging: clinical research directions. Institute of Medicine. Washington: National Academies Press; 2004.

4. Vermeulen A. Androgen replacement therapy in the aging male: a critical evaluation. J Clin Endocrinol Metab 2001;86:2380-90.

5. World Health Organization. Nieschlag E, Wang C. Guidelines for the use of androgens. Geneva: WHO; 1992.

6. Hong JH, Ahn TY. Oral testosterone replacement in Korean patients with PADAM. Aging Male 2002;5:52-6.

7. Dobs AS, Meikle AW, Arver S, Sanders SW, Caramelli KE, Mazer NA. Pharmacokinetics, efficacy, and safety of a permeation-enhanced testosterone transdermal system in comparison with biweekly injections of testosterone enanthate for the treatment of hypogonadal men. J Clin Endocrinol Metab 1999; 84:3469-78.

8. Falahati-Nini A, Riggs BL, Atkinson EJ, O'Fallon WM, Eastell R, Khosla S. Relative contributions of testosterone and estrogen in regulating bone resorption and formation in normal elderly men. J Clin Invest 2000; 106:1553-60.

9. Ly LP, Jimenez M, Zhuang TN, Celermajer DS, Conway AJ, Handelsman DJ. A double-blind, placebo-controlled, randomized clinical trial of transdermal dihydrotestosterone gel on muscular strength, mobility, and quality of life in older men with partial androgen deficiency. J Clin Endocrinol Metab 2001;86:4078-88.

10. Kelleher S, Conway AJ, Handelsman DJ. A randomised controlled clinical trial of antibiotic impregnation of testosterone pellet implants to reduce extrusion rate. Eur J Endocrinol 2002;146:513-8.

11. Carter HB, Pearson JD, Metter EJ, Brant LJ, Chan DW, Andres R, et al. Longitudinal evaluation of prostate-specific antigen levels in men with and without prostate disease. JAMA 1992;267:2215-20.

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    O texto completo da Diretriz de Tratamento da Andropausa está disponível no site da AMB:
    www.amb.org.br e também em
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Jul 2005
    • Data do Fascículo
      Jun 2005
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