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Qualidade de vida em usuárias e não usuárias de terapia de reposição hormonal

Quality of life in users and non-users of hormone replacement therapy

Resumos

OBJETIVO: Comparar a qualidade de vida de mulheres após a menopausa usuárias e não usuárias de terapia de reposição hormonal (TRH). MÉTODOS: Realizou-se um estudo de corte transversal com mulheres na pós-menopausa, com idade entre 40 e 65 anos, menopausadas há no máximo 15 anos. Consideraram-se como usuárias de TRH aquelas que faziam uso dessa terapia há pelo menos seis meses, e não usuárias aquelas que não fizeram uso dessa terapia nos últimos seis meses. Foram incluídas no estudo 207 mulheres: 106 usuárias e 101 não usuárias de TRH. Avaliaram-se as características sociodemográficas, clínicas e comportamentais. Aplicou-se o Índice de Kupperman para avaliar a intensidade dos sintomas climatéricos, e o questionário Medical Outcomes Study 36-item Short-Form Health Survey (SF-36) para avaliação da qualidade de vida. Na análise dos dados utilizaram-se os testes t de student, Qui-quadrado, exato de Fisher e Mann-Whitney. RESULTADOS: As usuárias de TRH apresentaram média etária de 52,6±4,9 anos e as não usuárias de 54,3±4,7 anos (p=0,01). Houve diferença estatisticamente significativa em relação ao estado marital (p=0,04). As usuárias relataram menor freqüência de sintomas climatéricos de intensidade moderada e acentuada (p=0,001). Dos oito domínios de qualidade de vida avaliados, apenas a vitalidade apresentou escore abaixo de 50 (45) para os dois grupos. Não houve diferenças entre os grupos em relação aos componentes do SF-36. CONCLUSÕES: As mulheres na pós-menopausa usuárias e não usuárias de TRH apresentaram boa qualidade de vida. Não houve diferenças entre usuárias e não usuárias de terapia hormonal.

Menopausa; Qualidade de vida; Questionário SF-36; Terapia de reposição hormonal; Índice de Kupperman


OBJECTIVE: To compare the quality of life in postmenopausal women who were users and non-users of hormone replacement therapy (HRT). METHODS: A cross-sectional study was conducted on postmenopausal women aged between 40 and 65 years, who had been menopausal for up to 15 years. Women considered HRT users were those who had undergone this type of treatment for at least six months. Non-users of HRT were those who had not received this type of treatment during the last six months. Two hundred and seven women were included in the study: 106 users and 101 non-users of HRT. Sociodemographic, clinical and behavioral characteristics were assessed. The Kupperman Menopausal Index was applied to rate the intensity of climacteric symptoms and the Medical Outcomes Study 36-item Short-Form Health Survey (SF-36) was applied to assess women's quality of life. For data analysis, a Student's t test, a chi-square analysis, a Fisher's exact test and a Mann-Whitney test were used. RESULTS: The mean age of HRT users was 52.6 ± 4.9 years and the mean age of non-users of HRT was 54.3 ± 4.7 years (p=0.01). There was a statistically significant difference regarding marital status (p=0.04). HRT users reported a lower frequency of moderate and severe climacteric symptoms (p=0.001). Of the eight quality of life domains evaluated, only vitality scored below 50 (45) in both groups. There were no differences between groups regarding the SF-36 components. CONCLUSIONS: Postmenopausal women who were users and non-users of HRT presented a good quality of life. There were no differences between users and non-users of hormone therapy.

Menopause; Quality of life; SF-36 questionnaire; Hormone replacement therapy; Kupperman Index


ARTIGO ORIGINAL

Qualidade de vida em usuárias e não usuárias de terapia de reposição hormonal

Quality of life in users and non-users of hormone replacement therapy

Sílvia E. V. Zahar; José M. Aldrighi* * Correspondência: Rua Lopes Neto, 34, São Paulo, SP, Cep 04533-030. aldrighi@uol.com.br ; Aarão M. Pinto Neto; Délio M. Conde; Luiz O. Zahar; Fábio Russomano

RESUMO

OBJETIVO: Comparar a qualidade de vida de mulheres após a menopausa usuárias e não usuárias de terapia de reposição hormonal (TRH).

MÉTODOS: Realizou-se um estudo de corte transversal com mulheres na pós-menopausa, com idade entre 40 e 65 anos, menopausadas há no máximo 15 anos. Consideraram-se como usuárias de TRH aquelas que faziam uso dessa terapia há pelo menos seis meses, e não usuárias aquelas que não fizeram uso dessa terapia nos últimos seis meses. Foram incluídas no estudo 207 mulheres: 106 usuárias e 101 não usuárias de TRH. Avaliaram-se as características sociodemográficas, clínicas e comportamentais. Aplicou-se o Índice de Kupperman para avaliar a intensidade dos sintomas climatéricos, e o questionário Medical Outcomes Study 36-item Short-Form Health Survey (SF-36) para avaliação da qualidade de vida. Na análise dos dados utilizaram-se os testes t de student, Qui-quadrado, exato de Fisher e Mann-Whitney.

RESULTADOS: As usuárias de TRH apresentaram média etária de 52,6±4,9 anos e as não usuárias de 54,3±4,7 anos (p=0,01). Houve diferença estatisticamente significativa em relação ao estado marital (p=0,04). As usuárias relataram menor freqüência de sintomas climatéricos de intensidade moderada e acentuada (p=0,001). Dos oito domínios de qualidade de vida avaliados, apenas a vitalidade apresentou escore abaixo de 50 (45) para os dois grupos. Não houve diferenças entre os grupos em relação aos componentes do SF-36.

CONCLUSÕES: As mulheres na pós-menopausa usuárias e não usuárias de TRH apresentaram boa qualidade de vida. Não houve diferenças entre usuárias e não usuárias de terapia hormonal.

Unitermos: Menopausa. Qualidade de vida. Questionário SF-36. Terapia de reposição hormonal. Índice de Kupperman.

SUMMARY

OBJECTIVE: To compare the quality of life in postmenopausal women who were users and non-users of hormone replacement therapy (HRT).

METHODS: A cross-sectional study was conducted on postmenopausal women aged between 40 and 65 years, who had been menopausal for up to 15 years. Women considered HRT users were those who had undergone this type of treatment for at least six months. Non-users of HRT were those who had not received this type of treatment during the last six months. Two hundred and seven women were included in the study: 106 users and 101 non-users of HRT. Sociodemographic, clinical and behavioral characteristics were assessed. The Kupperman Menopausal Index was applied to rate the intensity of climacteric symptoms and the Medical Outcomes Study 36-item Short-Form Health Survey (SF-36) was applied to assess women's quality of life. For data analysis, a Student's t test, a chi-square analysis, a Fisher's exact test and a Mann-Whitney test were used.

RESULTS: The mean age of HRT users was 52.6 ± 4.9 years and the mean age of non-users of HRT was 54.3 ± 4.7 years (p=0.01). There was a statistically significant difference regarding marital status (p=0.04). HRT users reported a lower frequency of moderate and severe climacteric symptoms (p=0.001). Of the eight quality of life domains evaluated, only vitality scored below 50 (45) in both groups. There were no differences between groups regarding the SF-36 components.

CONCLUSIONS: Postmenopausal women who were users and non-users of HRT presented a good quality of life. There were no differences between users and non-users of hormone therapy.

Key words: Menopause. Quality of life. SF-36 questionnaire. Hormone replacement therapy. Kupperman Index.

INTRODUÇÃO

O climatério caracteriza-se por mudanças endócrinas em função do declínio da atividade ovariana, mudanças biológicas através do declínio da fertilidade, em que a mulher passa do período reprodutivo para o não reprodutivo, e por mudanças clínicas conseqüentes às alterações do ciclo menstrual e de uma variedade de sintomas, que caracterizam a síndrome climatérica1. A menopausa é o ponto no tempo em que cessam permanentemente as menstruações, resultante da perda da atividade folicular ovariana2. No Brasil, a menopausa ocorre em média aos 51,2 anos3. Atualmente, a expectativa de vida da mulher brasileira é de 72 anos4. Estima-se, assim, que as mulheres permaneçam aproximadamente um terço de suas vidas em estado de deficiência hormonal. Essas modificações, caracterizadas pela deficiência hormonal, são acompanhadas de alterações fisiológicas e comportamentais5. Alterações fisiológicas como ondas de calor, suores noturnos, atrofia urogenital (incontinência urinária, dispareunia), e patologias como osteoporose e doenças cardiovasculares podem interferir na qualidade de vida da mulher6,7. Alterações comportamentais referem-se às mudanças de humor, depressão, irritabilidade e insônia8,9.

Neste contexto, uma das opções de tratamento e prevenção dos sintomas e doenças após a menopausa é a terapia de reposição hormonal (TRH), que pode melhorar as condições de saúde e de qualidade de vida da mulher10,11. Está clara a importância da TRH na melhora dos sintomas climatéricos (sintomas vasomotores e atrofia urogenital)12,13 e no tratamento e prevenção da osteoporose e de alterações cognitivas14, contudo permanece incerto o impacto dessa terapia na qualidade de vida de mulheres na pós-menopausa.

Estudos que avaliaram o impacto da TRH na qualidade de vida de mulheres na pós-menopausa apresentaram resultados conflitantes. Alguns autores observaram melhora da qualidade de vida de mulheres usuárias de TRH12,15, quando comparadas a um grupo placebo. Entretanto, outros autores não verificaram diferenças na qualidade de vida entre usuárias e não usuárias de TRH16,17.

Esses estudos foram realizados em diferentes contextos socioculturais e os seus resultados não podem ser extrapolados para populações com realidades e perspectivas distintas. Dessa forma, realizou-se o presente estudo cujo objetivo foi comparar a qualidade de vida de mulheres após a menopausa usuárias e não usuárias de terapia de reposição hormonal.

MÉTODOS

Realizou-se um estudo analítico de corte transversal, em que participaram 207 mulheres atendidas nos Ambulatórios de Menopausa do Hospital Clementino Fraga Filho e Instituto de Ginecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Unidade Básica de Saúde (UBS) Antônio Ribeiro Netto, no período de julho de 2000 a março de 2001, no município do Rio de Janeiro. As participantes foram divididas em dois grupos: 106 usuárias de TRH (qualquer esquema) e 101 não usuárias de TRH. Os critérios de inclusão foram: mulheres com idade entre 40 e 65 anos, pós-menopausa (mínimo de 12 meses de amenorréia), menopausa há no máximo 15 anos. Consideraram-se como usuárias de TRH mulheres que faziam uso dessa terapia há pelo menos seis meses e não usuárias aquelas que não fizeram uso dessa terapia nos últimos seis meses. Foram excluídas as mulheres que fizeram uso de qualquer medicamento não hormonal para o alívio dos sintomas associados ao climatério nos últimos seis meses.

As características sociodemográficas e clínicas avaliadas foram idade, tempo de menopausa, estado marital, escolaridade, ter ou não filhos, ocupação profissional, renda própria (número de salários mínimos), comorbidades (hipertensão arterial, diabetes, artralgia, osteoporose). Hipertensão arterial foi definida como pressão arterial sistólica e diastólica maiores que 140 mmHg e/ou 90 mmHg, respectivamente. O diagnóstico de diabetes baseou-se em uma glicemia de jejum superior a 126 mg/dl, de osteoporose, evidências radiológicas com alterações de radiotransparência ou de conformidade em vértebras ou densitometria óssea abaixo de –2,5 desvio-padrão para coluna e fêmur18 e artralgia, queixa diária de dor em uma ou mais articulações. As características comportamentais avaliadas foram: ingestão de álcool, tabagismo (utilização diária de cigarro nas últimas quatro semanas), uso de psicofármacos (benzodiazepínicos, antidepressivos, neurolépticos), diária ou eventualmente. Também foram estudadas as atividades esportivas (mínimo de três vezes por semana, por 30 minutos), artística e religiosa e dificuldades interpessoais (sexuais, conjugais, familiares, sociais), categorizadas em sim ou não. Essas características foram obtidas por meio de um questionário estruturado e pré-testado, informações do prontuário e de exames complementares (radiografia, densitometria óssea e glicemia de jejum). As participantes responderam a uma entrevista em que foram avaliadas essas características, a sintomatologia associada à síndrome do climatério e à qualidade de vida. Esse estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Clementino Fraga Filho da UFRJ e UBS Antônio Ribeiro Netto, no município do Rio de Janeiro.

Foi redigido um Termo de Consentimento Informado, conforme as normas do Conselho Nacional de Saúde, Resolução 196/9619. Este Termo foi lido para todas as mulheres identificadas como possíveis participantes do estudo, quando convidadas a participar do mesmo. Aquelas que concordaram em participar do estudo assinaram o Termo de Consentimento Informado.

Avaliação dos sintomas climatéricos

Os sintomas associados ao climatério foram avaliados pelo Índice Menopausal de Kupperman20. Este índice avalia a intensidade dos sintomas climatéricos. São avaliados os sintomas vasomotores, parestesias, insônia, nervosismo, melancolia, vertigem, fraqueza, artralgia, cefaléia, palpitação e formigamento. A cada sintoma é atribuído um valor, que varia com a intensidade do mesmo. Posteriormente, esses valores foram somados e o índice foi categorizado em: leve, até 19 pontos; moderado, de 20 a 35 pontos, e acentuado, maior que 35 pontos.

Avaliação da qualidade de vida

Na avaliação da qualidade de vida empregou-se o questionário Medical Outcomes Study 36-item Short-Form Health Survey (SF-36)21. O SF-36 é um instrumento genérico de avaliação da qualidade de vida, sendo atualmente um dos instrumentos mais conhecidos e difundidos na área de saúde22, já traduzido e validado no Brasil23. É um questionário multidimensional, composto por 11 questões e 36 itens, com oito componentes ou domínios: capacidade funcional (10 itens), aspectos físicos (4 itens), dor (2 itens), estado geral de saúde (5 itens), vitalidade (4 itens), aspectos sociais (2 itens), aspectos emocionais (3 itens), saúde mental (5 itens). Cada componente do SF-36 corresponde a um valor, que varia de zero a 100, onde zero corresponde ao pior e 100 ao melhor estado de saúde.

Análise estatística

As características sociodemográficas, clínicas e comportamentais e o índice de Kupperman foram expressos em média, desvio-padrão (DP), mediana e proporções. Os componentes do SF-36 foram expressos em mediana, percentil 25% e 75%. Na comparação dessas características entre os grupos aplicou-se o teste t de Student para diferenças entre médias, teste de Mann-Whitney para comparação entre medianas e teste de Qui-quadrado ou exato de Fisher para diferenças entre proporções. As comparações foram consideradas estatisticamente significativas com p <0,05.

RESULTADOS

As usuárias de TRH apresentaram média etária de 52,6±4,9 anos e as não usuárias de 54,3±4,7 anos (p=0,01). Houve diferença estatisticamente significativa em relação ao estado marital (p=0,04). As demais características sociodemográficas são apresentadas na Tabela 1. A freqüência do uso de antidepressivos (p=0,04) foi maior entre as não usuárias de TRH (Tabela 2). A sintomatologia associada ao climatério de intensidade moderada e acentuada foi significativamente mais freqüente em não usuárias de TRH (p=0,001) (Tabela 3). Os menores escores do SF-36 foram observados no componente vitalidade, mediana igual a 45 para usuárias e não usuárias de TRH, enquanto os maiores escores foram observados nos componentes aspectos físicos e emocionais, mediana igual a 100 para usuárias e não usuárias de TRH. Não houve diferença estatisticamente significativa nos componentes do SF-36 (Tabela 4).

DISCUSSÃO

Esta pesquisa tratou-se de um estudo de corte transversal, que teve como objetivo comparar a qualidade de vida de mulheres após a menopausa usuárias e não usuárias de TRH. Não se observaram diferenças entre os grupos nos domínios avaliados. Os maiores escores foram em relação aos componentes aspectos emocionais, físicos, sociais e capacidade funcional. Os menores escores foram observados nos componentes vitalidade, saúde mental, dor e estado geral de saúde, embora apenas o componente vitalidade tenha recebido valor abaixo de 50.

É importante ressaltar que as usuárias de TRH eram mais jovens, relataram freqüência menor de sintomas climatéricos intensos (moderado e acentuado) e uma maior proporção vivia com companheiro. Essas características, principalmente a intensidade dos sintomas, têm sido relacionadas à qualidade de vida de mulheres no climatério. Wiklund et al.12, em estudo duplo-cego, aleatorizado, controlado por placebo, utilizando esquema de TRH exclusivo com estrogênio, observaram melhora significativa dos sintomas climatéricos, da sensação de bem-estar e da ansiedade, seguida de melhora da qualidade de vida. Da mesma forma, Gelfan et al.15 observaram melhora dos sintomas climatéricos e da qualidade de vida em usuárias de TRH, destacando a boa correlação entre o índice de Kupperman e os escores de qualidade de vida. Recentemente um estudo de coorte que avaliou o impacto da TRH na qualidade de vida de mulheres climatéricas verificou que após um ano do início dessa terapia houve melhora estatisticamente significativa das alterações do sono, capacidade funcional e dor, porém sem benefícios clínicos significativos16. Nesse mesmo estudo, após três anos de seguimento não foi observada melhora significativa em nenhum dos domínios da qualidade de vida avaliados16.

Na presente casuística observou-se que as não usuárias de TRH relataram maior freqüência de uso de antidepressivos. Estudo de inquérito populacional realizado no Brasil mostrou que os tranqüilizantes/antidepressivos foram a medicação de escolha (28,3%) para mulheres que procuraram o serviço médico por queixas climatéricas24. Em geral, os tranqüilizantes são usados para alívio do nervosismo, ansiedade, irritabilidade e insônia. Próximo ao período da menopausa, essas queixas relacionadas ao humor podem estar associadas ao climatério. Isso sugere que a TRH pode aliviar as queixas relacionadas ao humor na mulher climatérica25-27. Esse efeito benéfico da TRH sobre o estado do humor parece não só ser decorrente do alívio dos sintomas vasomotores, mas também pode estar relacionado a um efeito direto dos hormônios sexuais femininos sobre o sistema nervoso central. Isso leva a crer que mulheres em uso de tranqüilizantes/antidepressivos poderiam ser beneficiadas com a TRH. Especula-se que a alta taxa de uso de tranqüilizante em mulheres que consultam um médico por queixas climatéricas possa, em alguns casos, representar um diagnóstico errôneo em relação aos sintomas psicológicos, sem que se correlacionasse a presença desses sintomas com o estado menopausal28. Isso poderia explicar o porquê dos tranqüilizantes terem sido prescritos no lugar da TRH. Uma outra explicação poderia ser a falta de familiaridade, conhecimento ou insegurança por parte dos médicos a respeito da terapia de reposição hormonal e mesmo a falta de informação sobre os outros efeitos benéficos da TRH em longo prazo.

Por outro lado, a mulher menopausada que experimenta as ondas de calor e sua cascata de sintomas associados (sudorese noturna, levando à insônia e fadiga no próximo dia) pode apresentar melhora dos sintomas emocionais, se as ondas de calor forem aliviadas pela TRH, mas não melhorará se lhe são prescritos antidepressivos ou tranqüilizantes. Entretanto, se a mulher não refere sintomas de deficiência estrogênica, mas apresenta sintomas emocionais ou físicos, é improvável que ela melhore com a TRH29,30. Essas considerações podem, ao menos em parte, explicar a semelhança nos componentes do SF-36 nessa casuística. Como se tratou de um estudo de corte transversal, é importante lembrar que houve comparação entre dois grupos de mulheres num dado momento. O ideal seria avaliar a mesma mulher ao longo do tempo, antes e após o uso da TRH.

Outro aspecto a destacar refere-se à prescrição da TRH, pois outros autores observaram que a TRH foi mais prescrita para o tratamento da irregularidade menstrual da perimenopausa (53,2%) do que para o alívio dos sintomas climatéricos (19%)24. Este fato pode ter ocorrido nessa casuística, pois a média etária das usuárias de TRH foi significativamente menor do que das não usuárias, e o início de uso da TRH pode ter sido motivado principalmente para tratamento da irregularidade menstrual. Verificou-se também nessa casuística diferença no porcentual de mulheres que declararam viver com companheiro. Estudo anterior demonstrou que a presença de um companheiro associou-se à procura de serviço médico por queixas relacionadas ao climatério, mas não à autopercepção do estado de saúde. Neste mesmo estudo, os fatores associados à autopercepção do estado de saúde foram escolaridade, classe social e intensidade dos sintomas vasomotores e psicológicos31.

Na presente casuística, as participantes eram freqüentadoras de serviços públicos de saúde e, portanto, pertencentes a estratos sociais menos favorecidos e de baixa escolaridade. Apesar disso, podemos considerar de uma maneira geral que a qualidade de vida dessas mulheres foi boa, independentemente do uso ou não da terapia hormonal, uma vez que dos oito componentes avaliados, sete apresentaram valores acima de 50. O fato dessas mulheres terem acesso a serviços de saúde especializados no atendimento e, sobretudo, no entendimento da mulher climatérica pode ter minimizado os efeitos da terapia hormonal sobre a qualidade de vida. A consulta com profissionais especializados pode ter exercido um efeito positivo na percepção da qualidade de vida. Outro ponto que merece atenção foi a prevalência de comorbidades, sobretudo em não usuárias de TRH, que provavelmente associou-se à prescrição de alguma medicação, que pode ter exercido algum efeito placebo nesse grupo. Estudos aleatorizados observaram efeito placebo substancial, sendo que 25% das mulheres referiram melhora na qualidade de vida32.

Os escores máximos foram observados nos componentes aspectos físicos e emocionais. O componente aspectos físicos avalia a interferência dos problemas de saúde na realização do trabalho e das atividades diárias, e a maioria dessas mulheres, em ambos os grupos, exercia atividades profissionais. Talvez não lhes seja possível apresentar limitações nesse componente. No componente emocional, que avalia a interferência de problemas emocionais nas atividades sociais, também se observou escore máximo. Esse fato pode significar que a menopausa não interferiu negativamente na integração social dessas mulheres. O menor escore foi observado no componente vitalidade (45) para ambos os grupos. Esse resultado pode ser explicado em razão dessa casuística ser formada em sua maioria por mulheres com filhos e que exercem atividade fora do lar. É possível que a sobrecarga causada pela dupla jornada de trabalho seja responsável pelo comprometimento da vitalidade. Outros autores, aplicando o SF-36 em mulheres no climatério, também verificaram baixos escores no componente vitalidade17,33.

Consideramos que este estudo sugere perspectivas no campo da pesquisa de qualidade de vida em mulheres brasileiras no climatério. Os próximos trabalhos deverão considerar a avaliação de variáveis como sintomas clínicos e mentais, fatores sociodemográficos, comorbidades físicas, dificuldades interpessoais, uso ou não de TRH e uso de psicotrópicos. Estudos longitudinais poderão mostrar a mudança do escore de qualidade de vida a partir da prescrição da TRH, enriquecendo as informações existentes até o momento e ampliando a compreensão dos fatores associados à qualidade de vida dessas mulheres. A utilização de uma amostra populacional permitiria inferências relativas às mulheres climatéricas de forma mais ampla e não apenas relativas àquelas de ambulató-rios especializados.

Ressaltamos a necessidade de que a interpretação dos dados aqui apresentados, bem como as comparações com outros estudos, sejam realizadas com cautela, uma vez que se aplicaram diferentes instrumentos a diferentes populações e em uso de diferentes esquemas de terapia hormonal.

CONCLUSÕES

As mulheres na pós-menopausa usuárias e não usuárias de TRH apresentaram boa qualidade de vida. Não houve diferenças entre usuárias e não usuárias de terapia hormonal nos domínios avaliados através do SF-36.

Conflito de interesse: não há.

Artigo recebido: 13/04/04

Aceito para publicação: 12/05/04

Trabalho realizado nos departamentos de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP, serviço de Saúde e Assistência ao Trabalhador do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da UFRJ e departamento de Ginecologia e Obstetrícia do Instituto Fernandes Figueira, FIOCRUZ, Rio de Janeiro, RJ.

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    Correspondência: Rua Lopes Neto, 34, São Paulo, SP, Cep 04533-030.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Jul 2005
    • Data do Fascículo
      Jun 2005

    Histórico

    • Aceito
      12 Maio 2004
    • Recebido
      13 Abr 2004
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