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Qualidade do sono em mulheres paulistanas no climatério

Quality of sleep of climacteric women in São Paulo: some significant aspects

Resumos

OBJETIVO: O climatério é um período de grandes transformações em que a qualidade do sono usualmente se deteriora. O objetivo foi avaliar subjetivamente a qualidade do sono em mulheres no climatério (35 a 65 anos). MÉTODOS: Um questionário contendo informações pessoais, hábitos/saúde, sexualidade e sono foi aplicado a 271 mulheres. RESULTADOS: A amostra estudada constituiu-se principalmente de mulheres casadas, ativas profissionalmente, de alta condição econômica e escolaridade, não usuárias de terapêutica hormonal da menopausa (THM), com hábito freqüente de ingerir café e com pouco consumo de álcool/tabaco. A maioria das participantes tinha hábito de jantar e de praticar atividade física. A avaliação subjetiva da qualidade do sono foi considerada ruim por 29% das mulheres da amostra. A menopausa e a autopercepção de saúde foram as únicas variáveis que exibiram relação estatisticamente significante com a qualidade do sono. Mulheres na perimenopausa (ou seja, entre 45 anos e até um ano após a menopausa) e após menopausa cirúrgica declararam a pior qualidade de sono, enquanto mulheres na pré-menopausa revelaram a melhor qualidade de sono. Mulheres que se consideravam saudáveis informaram melhor qualidade de sono do que as que declararam problemas de saúde. CONCLUSÃO: A qualidade do sono piora durante o climatério e nas mulheres que se percebem doentes; ademais, há um grande desconhecimento de regras básicas de higiene do sono entre as mulheres.

Sono e climatério; Qualidade do sono; Avaliação subjetiva do sono


OBJECTIVE: To subjectively evaluate the quality of sleep in menopausal women (35 to 65 years of age) METHOD: A questionnaire about personal information, habits/health, sexuality and sleep was administered to 271 women. RESULTS: The sample under study included mostly married women, professionally active with a higher education and financial status, not using menopause hormone therapy, (MHT) habitual coffee drinkers and limited users of alcohol/tobacco. Most participants habitually had dinner and practiced physical exercises. Subjective evaluation of the quality of sleep was considered poor by 29% of the women in this sample. Menopause and self- awareness of health were the only variables that had a statistically significant relation with the quality of sleep. Perimenopausal women (that is to say from 45 years until one year after menopause) and those after surgical menopause stated the worst quality of sleep, while women at pre-menopause disclosed the best quality of sleep. Women who deemed themselves healthy reported a better quality of sleep than those that mentioned health problems. CONCLUSION: quality of sleep worsens during the climacterium and in women that consider themselves sick. Furthermore, there is a considerable lack of knowledge about the basic rules of sleep hygiene among women.

Sleep and menopause; Quality of sleep; Subjective evaluation of sleep


ARTIGO ORIGINAL

Qualidade do sono em mulheres paulistanas no climatério

Quality of sleep of climacteric women in São Paulo: some significant aspects

Carmen Lúcia Souza* * Correspondência: Rua Inhambu, 1307, ap. 63 Moema, São Paulo, SP, Cep 04520-010, Tel: (11) 5531-7832 clucia@uol.com.br ; José Mendes Aldrighi; Geraldo Lorenzi Filho

RESUMO

OBJETIVO: O climatério é um período de grandes transformações em que a qualidade do sono usualmente se deteriora. O objetivo foi avaliar subjetivamente a qualidade do sono em mulheres no climatério (35 a 65 anos).

MÉTODOS: Um questionário contendo informações pessoais, hábitos/saúde, sexualidade e sono foi aplicado a 271 mulheres.

RESULTADOS: A amostra estudada constituiu-se principalmente de mulheres casadas, ativas profissionalmente, de alta condição econômica e escolaridade, não usuárias de terapêutica hormonal da menopausa (THM), com hábito freqüente de ingerir café e com pouco consumo de álcool/tabaco. A maioria das participantes tinha hábito de jantar e de praticar atividade física. A avaliação subjetiva da qualidade do sono foi considerada ruim por 29% das mulheres da amostra. A menopausa e a autopercepção de saúde foram as únicas variáveis que exibiram relação estatisticamente significante com a qualidade do sono. Mulheres na perimenopausa (ou seja, entre 45 anos e até um ano após a menopausa) e após menopausa cirúrgica declararam a pior qualidade de sono, enquanto mulheres na pré-menopausa revelaram a melhor qualidade de sono. Mulheres que se consideravam saudáveis informaram melhor qualidade de sono do que as que declararam problemas de saúde.

CONCLUSÃO: A qualidade do sono piora durante o climatério e nas mulheres que se percebem doentes; ademais, há um grande desconhecimento de regras básicas de higiene do sono entre as mulheres.

Unitermos: Sono e climatério. Qualidade do sono. Avaliação subjetiva do sono

SUMMARY

OBJECTIVE: To subjectively evaluate the quality of sleep in menopausal women (35 to 65 years of age)

METHOD: A questionnaire about personal information, habits/health, sexuality and sleep was administered to 271 women.

RESULTS: The sample under study included mostly married women, professionally active with a higher education and financial status, not using menopause hormone therapy, (MHT) habitual coffee drinkers and limited users of alcohol/tobacco. Most participants habitually had dinner and practiced physical exercises. Subjective evaluation of the quality of sleep was considered poor by 29% of the women in this sample. Menopause and self- awareness of health were the only variables that had a statistically significant relation with the quality of sleep. Perimenopausal women (that is to say from 45 years until one year after menopause) and those after surgical menopause stated the worst quality of sleep, while women at pre-menopause disclosed the best quality of sleep. Women who deemed themselves healthy reported a better quality of sleep than those that mentioned health problems.

CONCLUSION: quality of sleep worsens during the climacterium and in women that consider themselves sick. Furthermore, there is a considerable lack of knowledge about the basic rules of sleep hygiene among women.

Key words: Sleep and menopause. Quality of sleep. Subjective evaluation of sleep.

INTRODUÇÃO

O climatério feminino é um período de grandes transformações físicas e emocionais em que o principal evento é a menopausa, a última menstruação. Notelovitz1 considera o climatério como sendo o período que se estende dos 35 aos 65 anos. Esse longo período abarcaria diferentes fases. A fase mais sintomática do climatério, a perimenopausa, tem sido conceituada mais recentemente como o intervalo que se estende dos 45 anos até um ano após a instalação da menopausa2.

Durante o climatério, além dos sintomas típicos de fogachos, sudorese noturna e atrofia cutâneo-mucosa, surge uma queixa muito negligenciada pelos médicos, a insônia. Muitas variáveis têm sido implicadas para entender o binômio climatério-dificuldades do sono; entre elas destacam-se as sociodemográficas (idade, estado civil, escolaridade, emprego, facilidade/dificuldade para custear as necessidades básicas), as psicológicas (tensão, depressão, irritabilidade e disparada cardíaca), as de suporte social (amigos, parentes), as relacionadas aos sintomas vasomotores (fogachos e sudorese), as de comportamentos voltados à saúde (atividade física, consumo de cigarros e IMC), as relativas às condições médicas (diabetes, hipertensão, problemas cardíacos, osteoporose, câncer) e as de autopercepção com relação à saúde, ou seja, se a pessoa se percebe como tendo, ou não, boa saúde3.

Apesar de alguns estudos relatarem que as dificuldades do sono aumentam sensivelmente durante a transição da menopausa4-6, nota-se que este período é relativamente negligenciado com relação à epidemiologia do sono; ademais, os dados sobre a qualidade do sono em mulheres climatéricas, especialmente as brasileiras, ainda são escassos7.

Por isso, o presente estudo objetivou caracterizar os fatores determinantes da qualidade do sono em um grupo de mulheres climatéricas paulistanas. Optou-se por considerar os fatores analisados por Kravitz et al.3: faixa etária, fase do climatério, índice de massa corporal (IMC), uso de terapia hormonal da menopausa (THM), hábitos (consumo de fumo, álcool e cafeína; prática de atividade física) e autopercepção de saúde. Foram incluídos outros dois fatores: tipo de orientação médica procurada (halopatia ou homeopatia) e o intervalo de tempo entre a última refeição e o início do sono.

MÉTODOS

Participaram do estudo 271 mulheres com idade entre 35 a 65 anos. Enquanto aguardavam para atendimento em consultórios privados ou em ambulatórios de hospitais-escola, as mulheres (tanto as que estavam ali como pacientes, quanto as acompanhantes) eram convidadas a responder questionário padrão cujo preenchimento demorava cerca de 20 minutos. Os convites quanto à entrega e ao recolhimento do questionário eram feitos pelo pessoal do próprio consultório ou ambulatório (atendentes ou médicos) previamente orientados pelos pesquisadores. O preenchimento do questionário era voluntário e totalmente individualizado; nenhum tipo de orientação ou esclarecimento era fornecido, além dos que constavam no próprio questionário. Todas assinaram termo de consentimento informado.

O questionário utilizado foi o desenvolvido por Souza e Aldrighi8 abrangendo quatro domínios: informações pessoais (idade, profissão, escolaridade, rendimento, estado civil, número de filhos, tipo de parto); hábitos e saúde (peso e altura; consumo de cigarros, álcool e cafeína; tempo transcorrido entre jantar e dormir; atividade física; problemas de saúde; cirurgias; climatério: menstruação, uso de reposição hormonal, sintomas físicos e emocionais da menopausa); sexualidade (orgasmo, desejo, freqüência, parceiro, satisfação); sono (latência, qualidade, duração, distúrbios, medicação, sonolência diurna, cochilos, procedimentos para melhorar a qualidade do sono, expectativa quanto ao número ideal de horas de sono/noite).

Os aspectos abordados no item hábitos e saúde e no item sexualidade foram estabelecidos a partir da literatura sobre climatério feminino e da experiência clínica dos autores. Os aspectos abordados no item sono foram estabelecidos tomando-se como referência os questionários utilizados no Centro Interdepartamental para Estudos do Sono (CIES) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP: Pittsburgh Sleep Quality Index, Sleep Evaluation Questionnaire, Questionário de Sono Habitual (partes A e B), Technion Sleep Questionnaire, Escala de Sono Epworth e Questionário Basal Escandinavo de Sono.

Análise estatística

Os resultados do questionário foram obtidos por meio de uma análise descritiva apropriada para cada variável – média, desvio-padrão, intervalo de confiança da média, quartis, máximo, mínimo e/ou distribuição de freqüências. A associação entre a variável qualidade do sono e as variáveis de interesse (faixa etária, classificação da menopausa, faixa de IMC, TRH, tipo de consulta médica, atividade física, intervalo entre jantar e dormir, consumo de fumo, álcool e cafeína e auto-percepção de saúde) foi testada pelo teste exato de Fisher e quantificada pelo coeficiente de Cramér. A comparação das taxas (avaliação de risco) foi estimada pelo produto cruzado de prevalência (odds). Em todas as comparações foram consideradas significantes as probabilidades associadas aos testes menores que 0,05, ou seja, com no máximo 5% de chance de rejeitar a hipótese de igualdade de média, quando verdadeira.

RESULTADOS

1. Caracterização da amostra

A amostra foi composta de 271 mulheres. A maioria (68,2%) respondeu o questionário enquanto aguardava para fazer consulta; as restantes estavam apenas como acompanhantes. A caracterização da população estudada está apresentada na Tabela 1. Nela se percebe que a amostra era constituída principalmente de mulheres casadas, profissionalmente ativas e com alto nível econômico e de escolaridade. Quanto à classificação do estado hormonal, a maior parte (41%) das participantes relatava ausência de menstruação há pelo menos doze meses consecutivos, ou seja, estavam no período após a menopausa. Dentre as participantes que estavam na pós-menopausa, aquelas que relatavam terem se submetido a histerectomia compuseram o sub-grupo da pós-menopausa cirúrgica.

As participantes usuárias de terapia hormonal da menopausa (THM) a estavam utilizando em média há 3,7 ± 2,51 anos.

2. Hábitos e saúde

O consumo declarado, tanto de cigarros quanto de álcool, era bastante reduzido: 81% se declararam não fumantes e 37% nunca ingeriram álcool. As fumantes consumiam em média 17 ± 10,09 cigarros por dia e afirmavam fumar em média há 14 ± 12,29 anos. O consumo de cafeína, por outro lado, apresentou um perfil diferente, uma vez que a quase totalidade das participantes (96,9%) declarou ser consumidora. Os produtos que contêm cafeína e que são consumidos pelas mulheres da amostra estudada são o café (consumido por 89% da amostra), chocolate (consumido por 50%) e coca-cola (consumido por 36%).

As participantes que têm o hábito de jantar (77% da amostra) declararam que, em média, vão dormir 3,07 ± 1,19 horas após o jantar.

A prática de atividade física foi declarada por 53% das mulheres pesquisadas. As atividades físicas mais freqüentes foram: caminhadas (67%), ginástica e aeróbica (25%) e musculação (5%). As mulheres declararam prática de atividade física em média 3,7 ± 1,61 vezes por semana.

A maior parte da amostra (76%) já havia passado por algum tipo de cirurgia principalmente cesárea (34%), amígdalas (26%) e histerectomia (17%). A ooforectomia foi relatada por apenas 3% da amostra.

3. Sexualidade

Quanto à sexualidade, 97% das mulheres da amostra declararam ter atividade sexual. Destas, 36% afirmaram ter orgasmo, 37% declararam ter um número satisfatório de relações sexuais e 45% declararam ter desejo sexual. Do total de mulheres da amostra que declararam ter atividade sexual, 41% informaram não estar satisfeitas com sua vida sexual. Não responderam este item 30% das participantes

4. Qualidade do sono

Na avaliação subjetiva da qualidade do sono constatou-se que 71% da amostra dormia bem (sempre ou a maior parte das vezes) e 29% declararam dormir mal (sempre ou a maior parte das vezes). Entre as mulheres que afirmaram dormir mal, 62% disseram ter essa dificuldade há mais de três anos e apenas 11% da amostra ingeriam medicação para dormir.

Quanto ao número de horas de sono, a grande maioria (67%) afirmou dormir entre 6 a 8 horas por noite, 16% declararam até 5 horas de sono por noite e 14% mais de 8 horas. A maioria (64%) considerou dormir um número suficiente de horas/noite e 36% declararam que seu número de horas de sono é insuficiente. O número médio de horas de sono considerado ideal por esta amostra foi 8,6 ± 1,05 horas/sono noite. Parte da amostra (24%) declarou dormir exatamente o número de horas considerado ideal e 4% afirmaram dormir um número maior de horas. Destaca-se o fato de que a grande maioria (72%) declarou dormir um número de horas menor do que aquele considerado ideal.

Quanto à latência do sono, 44% declararam levar menos de quinze minutos para dormir, 29% de quinze a trinta minutos e 27% mais de trinta minutos. Entre as que demoram mais de trinta minutos para dormir, 81% declararam não usar nenhum procedimento especial para provocar o sono. Entre as que lançam mão de alguns procedimentos para dormir, 50% optavam pelo banho quente e 32% para pensamentos positivos e relaxantes.

Na amostra estudada, 81% das mulheres declararam interrupções de sono durante a noite. Destas, 50% acordavam até duas vezes por noite, 22% de duas a quatro vezes e 8% mais de quatro vezes. Apenas 19% das mulheres declararam nunca acordar durante a noite. Entre as que acordavam à noite os motivos declarados foram vontade de urinar (58%), barulho (26%), calor (23%) e pesadelos (10%). Não sabem porque acordavam 20% da amostra. Entre as que acordavam à noite, 49% tinham dificuldade de voltar a dormir, 39% voltavam a dormir com facilidade e 6% já tiveram essa dificuldade, mas hoje a consideram superada. Entre as que acordavam à noite e tinham dificuldade de voltar a dormir, 80% permaneciam na cama (65% tentando dormir e 15% fazendo outra atividade como ler ou ver TV) e apenas 10% declararam sair da cama para se envolver com outra atividade.

Quanto à sonolência diurna, 37% da amostra total declararam acordar cansadas (sempre ou a maior parte das vezes) e 72% da amostra sentiam sonolência durante o dia. Das que sentiam sonolência, 50% cochilavam durante o dia e a duração do cochilo variava de menos de uma hora (tempo declarado por 70%) a um intervalo de duas a três horas (declarado por 8%). Um tempo de cochilo estimado entre uma e duas horas por dia foi declarado por 22%.

Com relação à tendência para apnéia do sono, 26% da amostra declararam características que podem ser preditivas de apnéia (roncar e/ou acordar com falta de ar). Entre as que declararam essas características: 21% roncavam, 2% acordavam com falta de ar e 4% declararam ambas as características. Quanto à tendência para insônia, 49% da amostra declararam características que podem ser preditivas de insônia (demorar para dormir, acordar à noite e ter dificuldade de voltar a dormir, acordar mais cedo do que precisaria). Entre as que declararam características preditivas de insônia, 15% apresentavam as três características.

5. Impacto das variáveis pesquisadas sobre a qualidade do sono

A relação entre qualidade do sono e as variáveis pesquisadas está apresentada na Tabela 2, em que se pode observar dois tipos de resultados: o teste de independência (que estabelece se há ou não relação estatisticamente significante entre as variáveis) e a comparação de taxas (que permite uma avaliação do risco de que o fator pesquisado interfira na qualidade do sono). Observa-se, então, que o percentual de dormir mal oscila, em geral, entre 25% e 38% para todas as variáveis consideradas, com exceção da classificação de menopausa e da autopercepção de problema de saúde. Estas foram as únicas variáveis cujos dados indicaram relação estatisticamente significante com a qualidade do sono.

Estes dados podem ser melhor visualizados na Figura 1, em que está apresentado o produto cruzado da prevalência (odds) dos fatores que pareceram mais associados à variável qualidade do sono; nela se percebe com clareza os intervalos que não incluem o valor referência, o que é indicativo de relação estatisticamente significante com a qualidade do sono. O tipo de consulta embora não tenha apresentado relação estatisticamente significante com a qualidade do sono, apresenta forte tendência nesse sentido, sendo que as pacientes de uso da medicina halopática declararam uma qualidade de sono melhor que as de medicina homeopática.


DISCUSSÃO

Os resultados aqui obtidos em mulheres paulistanas no climatério são concordes com os da literatura sobre sono e climatério. Assim, os índices gerais de dificuldade de sono obtidos para os fatores pesquisados oscilaram ao redor dos 30%, coincidindo com os estudos epidemiológicos sobre sono9,10 que encontram percentual semelhante na população em geral. É interessante observar que o percentual que dorme mal incrementa-se gradativamente à medida que aumenta a faixa etária, o que coincide, também, com os dados da literatura que registram aumento das queixas de dificuldade de sono quando se compara indivíduos idosos com jovens11,12..

A constatação de que a qualidade do sono se deteriora durante o climatério confirma dados divulgados na literatura3,4,13,14. Os resultados obtidos que sugerem uma qualidade do sono melhor entre mulheres na pré-menopausa do que em mulheres na peri e após a menopausa também coincidem com os de Kravitz et al.3 e podem ser explicados pela presença, nas mulheres pré-menopáusicas, do estrogênio endógeno, que impede os calores noturnos permitindo um sono mais tranqüilo. Na amostra estudada, os índices mais elevados de dificuldade de sono foram obtidos pelas mulheres em fase de pós-menopausa cirúrgica, resultado também concorde com os obtidos por Kravitz et al.3 em caucasianas e japonesas.

Estes resultados devem estimular a necessidade de realização de outros estudos brasileiros mais abrangentes sobre o binômio sono-climatério, área em que, pelo menos até momento, o presente trabalho é único. Ademais, reforçam a necessidade de que se divulgue, junto aos profissionais que trabalham com mulheres no climatério, que a menopausa representa um importante fator de risco para deterioração da qualidade do sono.

A autopercepção de problemas de saúde mostrou-se outro significativo determinante da qualidade do sono. Assim, em todas as mulheres da amostra (pacientes e acompanhantes) que afirmavam estar com algum problema de saúde, a qualidade do sono mostrou-se sempre pior. Por outro lado, é interessante observar que nenhuma das mulheres que afirmaram ter problemas de saúde mencionou a dificuldade de sono como um desses problemas. Ou seja, observou-se nesta amostra que o sono se deteriora na presença de problemas de saúde, mas a deterioração do sono em si não é percebida pelas mulheres como um problema médico. Este é mais um indicador de que a pesquisa feita pelo médico durante a consulta precisa ser minuciosa com relação a eventuais dificuldades de sono, pois tais dificuldades podem passar despercebidas durante a consulta, mas permanecer operantes, comprometendo a qualidade de vida.

Cabe, ainda, ao clínico pesquisar atentamente os hábitos que podem melhorar ou prejudicar a qualidade de sono, a fim de orientar adequadamente as pacientes no climatério. Consumo de álcool, cigarro e cafeína, horário de jantar e prática de atividade física são itens obrigatórios na discussão sobre qualidade do sono.

O consumo de álcool, cigarro e cafeína está sempre na mira dos defensores de hábitos saudáveis que propõem seja sua eliminação (caso do cigarro) seja sua redução a uma ingestão aceitável (caso do álcool e da cafeína). A literatura sobre higiene do sono sugere diminuição do consumo de cafeína alegando que quanto maior o consumo, pior a qualidade de sono15. Na amostra estudada, o consumo de cafeína foi alto, especialmente o de café.

A adequação do horário de jantar é discutível. Dormir de estômago cheio parece tão nocivo quanto dormir de estômago vazio. Na amostra estudada a qualidade do sono foi melhor entre as mulheres que tinham o hábito de jantar e estas, em sua grande maioria, mantinham um intervalo de mais de 3 horas entre o ato de jantar e o início do sono. Considerando-se que à medida que o indivíduo envelhece seu metabolismo torna-se mais lento e sua necessidade calórica diminui, parece mais saudável que haja uma alteração dos hábitos alimentares que inclua a substituição do jantar tradicional por uma refeição mais leve. Fazer uma refeição normal e dormir menos de 3 horas depois é um hábito inadequado e sua alteração trará benefícios como redução da sonolência diurna e a melhora da qualidade do sono16.

Juntamente com uma alimentação balanceada, a prática de atividade física tem sido sugerida como um dos componentes fundamentais dos hábitos saudáveis. Muitos estudos sugerem o tipo de atividade física mais adequado para o objetivo pretendido; assim, em relação à massa óssea, a caminhada, corrida e os exercícios realizados com peso, como ginástica localizada, são os aconselháveis. O exercício resistido (localizado e realizado com pesos) é apontado17 como aquele de maior benefício para a musculatura dos idosos. Para os estudiosos do sono, a prática regular de atividade física é uma das normas de higiene do sono, entretanto, os exercícios físicos exaustivos são desaconselhados após as 18 horas18.

Outro aspecto que pode aparecer como queixa para os profissionais da área da saúde é a discrepância entre o número real e o número ideal de horas de sono. Na amostra estudada, mais de 30% reclamaram dormir menos do que gostariam. Os estudiosos do sono alertam para o fato de que, embora haja uma expectativa generalizada de que se deve dormir pelo menos oito horas por noite, há uma grande < variabilidade entre as pessoas quanto à necessidade de sono. Essa variabilidade depende, além do sexo e da idade, de outras características pessoais. Reimão19 fala em perfis de dormidores curtos (que precisam de menos de cinco horas de sono/dia), dormidores longos (que necessitam de mais de 10 horas de sono/dia), matutinos (que dormem e acordam cedo) e vespertinos (que dormem e acordam tarde). Por isso, é importante estar informado sobre esses perfis de sono, respeitando-os na estruturação da rotina diária. Muitas vezes, a discrepância entre o número esperado e o número real de horas de sono, pode ser, apenas, decorrente de uma expectativa irrealista com relação às horas necessárias de sono.

No presente estudo, a grande maioria das mulheres que acordam à noite adota um procedimento (permanecer na cama) que é considerado inadequado pelos estudiosos do sono18,20. Em geral, a prática sugerida é sair da cama e envolver-se com outras atividades até sentir sonolência novamente. Uma das regras fundamentais preconizadas pela higiene do sono é permanecer na cama apenas para dormir, evitando usá-la para outras atividades como ler, comer ou ver televisão. Os procedimentos para dormir, que constituem a chamada higiene do sono, podem, de fato, ser um instrumento interessante para as pessoas que apresentam dificuldades de sono. Estabelecer uma rotina que vá, pouco a pouco, afastando a pessoa das preocupações do dia-a-dia e colocando-a em ritmo mais relaxado de preparação para dormir têm sido uma das indicações dos especialistas que sugerem a higiene do sono como uma das formas de tratamento para dificuldades de sono18,20-22. Informações desse tipo são fundamentais para o profissional de saúde que trabalha com mulheres no climatério, pois o alto índice (49%) de características preditivas de insônia encontrado no presente estudo vem confirmar que as dificuldades de sono durante o climatério devem merecer especial atenção.

A interrupção do sono durante a noite, declarada por mais de 80% da amostra estudada, pode provocar, entre outras decorrências, a sonolência diurna, e esta pode levar ao hábito de cochilar durante o dia. A adequação de cochilar durante o dia é uma questão ainda em aberto. Alguns autores acreditam que cochilos curtos podem beneficiar o sono à noite, outros preferem sugerir que os cochilos devem ser evitados. É importante que a pessoa com dificuldade de sono observe e avalie se um cochilo curto durante o dia beneficia ou perturba seu sono noturno. De qualquer forma, cochilos longos (com mais de uma hora de duração) tendem a ser prejudiciais.

Quanto ao uso de THM pode-se observar que, na amostra estudada (composta principalmente por mulheres de bom nível socioeconômico e alta escolaridade), o índice de não adesão a essa terapêutica foi bastante alto (72%), o que é compreensível face às reais contra-indicações e também pela excessiva veiculação de seus riscos pela mídia. É interessante assinalar que o uso de THM era mais freqüente entre as mulheres que faziam consultas halopáticas, o que vem confirmar as expectativas de que essa terapêutica é rejeitada (exceto em situações muito específicas) por aqueles que fazem opção por um atendimento mais "naturalista". Nesta amostra, as pacientes da halopatia declararam uma qualidade de sono melhor do que as da homeopatia. Uma vez que o uso de THM foi a única variável que as distinguiu (com índices de significância estatística p=0,007), pode-se suspeitar que seu uso, mais freqüente entre as pacientes de médicos halopatas, seja o fator explicativo para a melhor qualidade do sono declarada por elas. De fato, essa pode ser a justificativa, já que a literatura sugere que o uso da THM melhora a qualidade do sono7.

Para finalizar, é adequado e necessário que se comente os dois tipos de limitação do presente estudo: o uso de uma avaliação subjetiva da qualidade do sono e o tipo de amostra estudada. Os estudos sobre qualidade do sono trazem dados tanto de avaliações objetivas quanto de subjetivas. A avaliação objetiva da qualidade do sono usualmente é feita pela polissonografia14,23-25. A avaliação subjetiva, por outro lado, é feita pelo uso de escalas padronizadas, diários de sono e questionários desenvolvidos pelos próprios autores3,4,26,27. Às vezes os dois tipos de avaliação são utilizados25. A literatura ainda não tem resposta sobre a maior eficácia de um ou outro tipo de avaliação. Levanta-se, inclusive, a possibilidade de que diferentes aspectos do sono podem estar sendo avaliados por diferentes tipos de instrumento28. Sugere, ainda, que a avaliação objetiva da qualidade do sono nem sempre coincide com a subjetiva, e, principalmente, que as mulheres que, subjetivamente, avaliam seu sono como de má qualidade são, em geral, aquelas que apresentam os maiores índices de desconforto psicológico.

Considerando que, do ponto de vista clínico, a percepção do desconforto é tão ou mais importante do que as eventuais medidas objetivas que possam vir a caracterizá-lo, a avaliação subjetiva da qualidade do sono tem sua justificativa. Com relação às mulheres no climatério, uma vez que a qualidade do sono nessa fase ainda é pouco estudada, a avaliação subjetiva cumpre papel especial. Além de permitir a caracterização de algumas das queixas mais freqüentes nesse período e de verificar que diferentes fatores poderiam estar influenciando a qualidade do sono nessa fase, a avaliação subjetiva municia o clínico com informações que podem ajudá-lo a focalizar melhor as queixas dessas mulheres.

Quanto à amostra estudada, embora os questionários tenham sido deixados tanto em ambulatórios de hospitais-escola quanto em consultórios particulares, o número de preenchimentos neste último tipo de local foi muito maior (82% da amostra), o que levou à composição de uma amostra com características específicas: mulheres com alto nível socioeconômico, alta escolaridade e profissionalmente ativas. Os altos índices de consultas de manutenção e de prática de atividade física apresentados pela amostra, hábitos altamente saudáveis quando se pensa em atitudes preventivas com relação à saúde, podem ser considerados, também, como fatores de especificidade da amostra estudada. Em função disso, os dados aqui apresentados devem ser complementados por outros de mulheres climatéricas com diferente nível socioeconômico e de escolaridade.

CONCLUSÃO

Na amostra pesquisada, a qualidade do sono não pareceu depender da maioria das variáveis estudadas (IMC, consumo de álcool e cafeína, TRH, tipo de medicina, atividade física e hábito de jantar), mostrando-se dependente, apenas, da fase de menopausa e da auto-percepção de problema de saúde. As mulheres na fase em que a sintomatologia do climatério é usualmente mais intensa (perimenopausa) e as que declararam pós-menopausa cirúrgica apresentaram a pior avaliação da qualidade do sono. Da mesma forma, mulheres que se percebiam com algum problema de saúde declararam pior qualidade de sono do que as que se percebiam como saudáveis.

Os resultados indicaram, também, que mesmo mulheres com bom nível socioeconômico e alta escolaridade, como as que caracterizaram a amostra do presente estudo, demonstram alguns hábitos que podem ser considerados pouco adequados quando se analisa a qualidade do sono: alta ingestão de cafeína, principalmente café, permanecer na cama ao acordar durante a noite e cochilar, por mais de uma hora, durante o dia.

Os dados obtidos sugerem que o fator qualidade do sono merece ser investigado, especialmente entre mulheres climatéricas. Torna-se evidente, a partir destes dados, que o profissional que venha a trabalhar com mulheres climatéricas deve estar bem informado sobre os aspectos mais relevantes para uma boa qualidade do sono e sobre as orientações básicas que devem ser dadas a esse respeito. Cabe ao profissional da área de saúde atualizar-se sobre esses aspectos e estar apto a informar e orientar adequadamente sua clientela que, certamente, poderá se beneficiar de informações adequadas sobre alimentação, atividade física e higiene do sono.

Conflito de interesse: não há.

Artigo recebido: 13/04/04

Aceito para publicação: 12/05/04

Trabalho realizado no departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo,SP.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Jul 2005
    • Data do Fascículo
      Jun 2005

    Histórico

    • Aceito
      12 Maio 2004
    • Recebido
      13 Abr 2004
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