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Dopplervelocimetria do ducto venoso na predição da acidemia fetal

Ductus venosus Doppler velocimetry to predict acidemia at birth in pregnancies with placental insufficiency

Resumos

OBJETIVOS: Investigar a possibilidade da predição da acidemia no nascimento mediante dopplervelocimetria do ducto venoso e definir qual o melhor parâmetro e seus pontos de corte nessa predição em gestações com insuficiência placentária. MÉTODOS: Trata-se de estudo transversal e prospectivo que analisou 47 gestações únicas com insuficiência placentária e idade gestacional superior a 26 semanas, realizado no Hospital São Paulo (UNIFESP) e na Maternidade-Escola Assis Chateaubriand (UFC). A insuficiência placentária foi diagnosticada quando o índice de pulsatilidade da artéria umbilical encontrava-se acima do percentil 95 para a idade gestacional estimada. Fetos com anomalias estruturais ou cromossômicas foram excluídos. O doppler foi realizado a menos de 24 horas do parto. A amostra de sangue da artéria umbilical foi coletada imediatamente após o nascimento para análise da gasometria. Diagnosticou-se acidemia quando o pH encontrava-se abaixo de 7,20 na ausência de trabalho de parto e abaixo de 7,15 quando parto vaginal. Foram consideradas patológicas as acidemias metabólicas ou mistas. Construiu-se curva ROC para as velocidades S, D e A e para o IPV e as relações S/A e (S-A)/S do DV (variáveis independentes) e acidemia (variável dependente). O teste de MacNemar foi utilizado para comparar os parâmetros entre si. RESULTADOS: As velocidades absolutas S, D e A mostraram ser pobres preditoras da acidemia no nascimento. O IPV mostrou ser bom preditor de acidemia (área sob a curva ROC 0,79, p=0,003). As relações S/A e (S-A)/S também mostraram ser boas preditoras da acidemia (área sob a curva ROC 0,818, p=0,001). Os pontos de corte calculados foram: IPV = 0,76, S/A = 2,67 e (S-A)/S = 0,63. CONCLUSÕES: Os índices ângulo-independentes do doppler do DV mostraram excelente correlação com acidemia no nascimento nesta população. Não houve diferença estatisticamene significativa entre estes parâmetros.

Dopplervelocimetria; Ducto venoso; Acidemia fetal


OBJETIVES: To investigate the possibility of predicting acidemia at birth in pregnancies with placental insufficiency by Doppler velocimetry of the ductus venosus and to establish the best parameter and cut-off points in this prediction. METHODS: This was a prospective cross-sectional study, involving 47 single pregnancies with placental insufficiency after 26 weeks of gestation, carried out at the "Hospital São Paulo (UNIFESP) and Maternidade-Escola Assis Chateaubriand (UFC)". Placental insufficiency was defined as the umbilical artery pulsatility index above the 95th percentile for gestational age. Fetuses with chromosomal or structural anomalies were excluded. The time interval between the Doppler velocimetry and the birth was of less than 24 hours. The umbilical arterial blood samples were collected immediately after birth. Acidemia was defined as umbilical arterial pH < 7.2 in the absence of uterine contractions and < 7.15 in the presence of contractions. Metabolic or mixed acidemia at birth was considered pathological. Receiver operating characteristics (ROC) curves were calculated for S, D and A-velocities, pulsatility index for veins and the S/A ratio and (S-A)/S ratio of the ductus venosus. Parameters were compared using the MacNemar Test RESULTS: S, D and A-velocities of the ductus venosus were poor predictors of acidemia at birth. The pulsatility index for veins (area under the curve 0.79, p=0.003), S/A ratio and (S-A)/S ratio (area under the curve 0.818, p=0.001) of the DV were strongly related to fetal acidemia. The cut-off points calculated were: pulsatility index for veins = 0.76; S/A ratio = 2.67 and (S-A)/S ratio = 0.63. CONCLUSIONS: The angle-independent indices of the DV Doppler are adequate for the diagnosis of fetal acidemia in gestations with placental insufficiency. No statistically significant differences were observed between these parameters.

Doppler velocimetry; Ductus venosus; Fetal acidemia


ARTIGO ORIGINAL

Dopplervelocimetria do ducto venoso na predição da acidemia fetal

Ductus venosus Doppler velocimetry to predict acidemia at birth in pregnancies with placental insufficiency

Francisco Herlânio C. Carvalho* * Correspondência: R. Osvaldo Cruz, 2582, Ap. 202, Dionísio Torres, Fortaleza, CE, Cep 60125-151, Telefone: (85) 458-2121 herlaniocosta@uol.com.br ; Antonio Fernandes Moron; Rosiane Mattar; Renato Martins Santana; Carlos Geraldo V. Murta; Maurício Mendes Barbosa; Maria Regina Torloni; Luiz Kulay Junior

RESUMO

OBJETIVOS: Investigar a possibilidade da predição da acidemia no nascimento mediante dopplervelocimetria do ducto venoso e definir qual o melhor parâmetro e seus pontos de corte nessa predição em gestações com insuficiência placentária.

MÉTODOS: Trata-se de estudo transversal e prospectivo que analisou 47 gestações únicas com insuficiência placentária e idade gestacional superior a 26 semanas, realizado no Hospital São Paulo (UNIFESP) e na Maternidade-Escola Assis Chateaubriand (UFC). A insuficiência placentária foi diagnosticada quando o índice de pulsatilidade da artéria umbilical encontrava-se acima do percentil 95 para a idade gestacional estimada. Fetos com anomalias estruturais ou cromossômicas foram excluídos. O doppler foi realizado a menos de 24 horas do parto. A amostra de sangue da artéria umbilical foi coletada imediatamente após o nascimento para análise da gasometria. Diagnosticou-se acidemia quando o pH encontrava-se abaixo de 7,20 na ausência de trabalho de parto e abaixo de 7,15 quando parto vaginal. Foram consideradas patológicas as acidemias metabólicas ou mistas. Construiu-se curva ROC para as velocidades S, D e A e para o IPV e as relações S/A e (S-A)/S do DV (variáveis independentes) e acidemia (variável dependente). O teste de MacNemar foi utilizado para comparar os parâmetros entre si.

RESULTADOS: As velocidades absolutas S, D e A mostraram ser pobres preditoras da acidemia no nascimento. O IPV mostrou ser bom preditor de acidemia (área sob a curva ROC 0,79, p=0,003). As relações S/A e (S-A)/S também mostraram ser

boas preditoras da acidemia (área sob a curva ROC 0,818, p=0,001). Os pontos de corte calculados foram: IPV = 0,76,

S/A = 2,67 e (S-A)/S = 0,63.

CONCLUSÕES: Os índices ângulo-independentes do doppler do DV mostraram excelente correlação com acidemia no nascimento nesta população. Não houve diferença estatisticamene significativa entre estes parâmetros.

Unitermos: Dopplervelocimetria. Ducto venoso. Acidemia fetal.

SUMMMARY

OBJETIVES: To investigate the possibility of predicting acidemia at birth in pregnancies with placental insufficiency by Doppler velocimetry of the ductus venosus and to establish the best parameter and cut-off points in this prediction.

METHODS: This was a prospective cross-sectional study, involving 47 single pregnancies with placental insufficiency after 26 weeks of gestation, carried out at the "Hospital São Paulo (UNIFESP) and Maternidade-Escola Assis Chateaubriand (UFC)". Placental insufficiency was defined as the umbilical artery pulsatility index above the 95th percentile for gestational age. Fetuses with chromosomal or structural anomalies were excluded. The time interval between the Doppler velocimetry and the birth was of less than 24 hours. The umbilical arterial blood samples were collected immediately after birth. Acidemia was defined as umbilical arterial pH < 7.2 in the absence of uterine contractions and < 7.15 in the presence of contractions. Metabolic or mixed acidemia at birth was considered pathological. Receiver operating characteristics (ROC) curves were calculated for S, D and A-velocities, pulsatility index for veins and the S/A ratio and (S-A)/S ratio of the ductus venosus. Parameters were compared using the MacNemar Test

RESULTS: S, D and A-velocities of the ductus venosus were poor predictors of acidemia at birth. The pulsatility index for veins (area under the curve 0.79, p=0.003), S/A ratio and (S-A)/S ratio (area under the curve 0.818, p=0.001) of the DV were strongly related to fetal acidemia. The cut-off points calculated were: pulsatility index for veins = 0.76; S/A ratio = 2.67 and (S-A)/S ratio = 0.63.

CONCLUSIONS: The angle-independent indices of the DV Doppler are adequate for the diagnosis of fetal acidemia in gestations with placental insufficiency. No statistically significant differences were observed between these parameters.

Key words: Doppler velocimetry. Ductus venosus. Fetal acidemia.

INTRODUÇÃO

O advento da dopplervelocimetria nas três últimas décadas permitiu o estudo da hemodinâmica útero e feto-placentária por meio da análise das artérias uterinas e umbilicais, e, proporcionou melhoria nos resultados perinatais. Portanto, é a metodologia preferida na atualidade para o diagnóstico e seguimento das gestações com insuficiência placentária1,2.

A aplicação da dopplervelocimetria foi introduzida na obstetrícia por Fitzgerald e Drumm, em 1977, com a análise do fluxo na artéria umbilical. Posteriormente, com o aprimoramento dos aparelhos de ultra-sonografia, a avaliação foi estendida à circulação fetal propriamente dita e, na última década, o território venoso fetal passou a ser desvendado. A partir daí, os fenômenos adaptativos fetais, estudados no passado por meio de modelos hipoxêmicos em animais, puderam ser demonstrados na espécie humana.

As alterações hemodinâmicas são desencadeadas pelo estímulo dos quimiorreceptores quando o feto é exposto a condições pobres em oxigênio. O mecanismo adaptativo visa proteger os órgãos considerados nobres, cujas funções devem ser preservadas para a manutenção das atividades vitais do feto. Um maior fluxo de sangue é destinado ao sistema nervoso central, miocárdio e glândulas adrenais. Esse privilégio ocorre em detrimento dos demais órgãos, nos quais ocorre vasoconstrição (fenômeno denominado centralização da circulação fetal). Nessa fase, observam-se anormalidades no segmento arterial fetal3,4.

Em situações de grave comprometimento placentário, os mecanismos compensatórios alcançam seus limites e a oxigenação do miocárdio torna-se insuficiente para proporcionar adequada contratilidade e uma efetiva ejeção do sangue. A queda no débito cardíaco é atribuída à miocardiopatia hipoxêmica com subseqüente disfunção ventricular3,5.

A descompensação hemodinâmica é clinicamente reconhecida pelo padrão anormal do doppler venoso. Com a queda no débito cardíaco, a pressão venosa central eleva-se causando aumento no fluxo reverso durante sístole atrial na veia cava inferior e surgimento de fluxo zero ou reverso no ducto venoso (DV). A progressão dos padrões de fluxos anormais nas veias precordiais reflete, presumivelmente, estágios progressivos da disfunção miocárdica e sua correlação com a gravidade da acidemia3,5.

A transição entre a adaptação e a descompensação devida à hipoxemia é difícil de ser identificada acuradamente. Não existe, na atualidade, intervenção terapêutica efetiva capaz de reverter o curso progressivo da insuficiência placentária, exceto a resolução da gestação. Otimizar a assistência e decidir o momento da intervenção é complexo, pois requer a comparação dos riscos da prematuridade contra aqueles da permanência intra-uterina: morte e lesão de múltiplos órgãos devido à inadequada perfusão tissular6. Uma conduta razoável é permitir a manutenção da gestação até o ponto anterior à lesão fetal, portanto minimizando tanto os riscos da prematuridade quanto da própria lesão orgânica. A questão clínica é saber que ponto seria esse e como o seguimento pode ser realizado.

O doppler da artéria umbilical é verdadeiramente um teste para análise da função placentária que permite a identificação dos fetos de risco para resultados adversos, mas é um pobre preditor da condição fetal. Em contraste, o doppler venoso nos permite definir a severidade dos resultados perinatais, pois descreve o grau do comprometimento circulatório do feto4,7.

Há evidências crescentes de que o doppler pode ter papel central nas decisões perinatais, avaliando o risco de lesões teciduais ou morte intra-uterina comparado aos riscos da prematuridade nesses fetos comprometidos7,8. Desde que se conhece a seqüência de alterações, múltiplos vasos (artéria umbilical, artéria cerebral média e veias precordiais) devem ser avaliados, mas o DV oferece uma combinação de vantagens: é um regulador importante do retorno venoso tanto em fetos normais quanto anormais, é um canal direto para transmissão das ondas de pulso retrógrado do átrio direito, é responsivo a variações na concentração de oxigênio independente da função cardíaca e é identificável com relativa facilidade devido a sua alta velocidade de fluxo com o doppler colorido4.

O DV parece ser, no momento, o melhor vaso para monitorização de fetos comprometidos colaborando na decisão sobre o momento da resolução da gestação em virtude de se traduzir numa alteração não tão precoce quanto o doppler arterial, nem tão tardia como anormalidades na veia umbilical ou nas outras provas biofísicas4,9.

Ainda há resultados diferentes quanto ao parâmetro no doppler do DV que melhor traduz o risco de comprometimento fetal: análise qualitativa com velocidade durante sístole atrial zero ou reversa3,4,10,11, índices ângulo-independentes acima do percentil 9512,13, velocidade A abaixo do percentil 512, relação S/A maior que 3,614 ou velocidade durante contração atrial < 17 cm/s, índice de pulsatilidade para veias (IPV) > 0,90 e S – A/S > 0,7015.

O objetivo do presente estudo foi investigar a probabilidade de predição de acidemia fetal através das velocidades (S, D e A) e índices ângulo-independentes (IPV, S/A e S-A/S) no doppler do DV e definir qual o melhor parâmetro e seu ponto de corte nessa determinação em gestações com insuficiência placentária.

MÉTODOS

Trata-se de estudo transversal e prospectivo com análise do doppler do ducto venoso em gestações com insuficiência placentária, realizado no Hospital São Paulo (Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina) e na Maternidade-Escola Assis Chateaubriand (Universidade Federal do Ceará). A coleta de dados foi realizada entre 1 de março de 2001 e 31 de outubro de 2003.

A presente pesquisa atendeu aos preceitos da Declaração de Helsinque, emendada em Hong-Kong, e segue os termos preconizados pelo Conselho Nacional de Saúde (portaria 196/1996) para pesquisa com seres humanos. Todas as pacientes foram informadas sobre os objetivos da pesquisa, os exames a serem realizados e sua segurança, e, após esclarecimento das dúvidas, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O protocolo de estudo foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa de ambas as instituições.

O estudo incluiu 47 pacientes com diagnóstico de insuficiência placentária (presença de índices de resistência e pulsatilidade na artéria umbilical acima do percentil 95 para a idade gestacional estimada, calculados pelas tabelas de Arduini e Rizzo,199016), persistência de incisura protodiastólica nas artérias uterinas, gestações únicas, idade gestacional > 26 semanas, ausência de anomalias estruturais ou cromossômicas no feto ou RN, último exame de doppler realizado a menos de 24 horas do parto, RN vivo, gasometria realizada no cordão umbilical no momento do parto e parto realizado em uma das duas instituições incluídas no estudo. Foram excluídas as gestantes com diagnóstico de descolamento prematuro de placenta antes ou durante o parto, anestesia geral quando parto abdominal ou que se recusaram a prosseguir no estudo.

Quinze pacientes foram selecionadas no setor de patologia obstétrica no Hospital São Paulo e 32 na Maternidade-Escola Assis Chateaubriand.

Treze pacientes não apresentavam patologias associadas com a insuficiência placentária. As patologias associadas às outras 34 pacientes foram: 17 doença hipertensiva específica da gestação (DHEG) na sua forma pura (destas, uma apresentou eclâmpsia e a outra síndrome HELLP), dez apresentavam hipertensão arterial crônica (duas delas evoluíram com DHEG superajuntada), duas portadoras da síndrome do anticorpo antifosfolípide, duas do vírus HIV, uma diabética insulino-independente, uma cardiopatia reumática e uma portadora de carcinoma mamário que realizou quimioterapia durante a gestação.

A idade média da população foi de 28,9 anos (variando de 16 a 44 anos). A maioria tratava-se de pacientes multíparas (28 pacientes = 60,6%). A idade gestacional média no momento do parto foi de 32,9 semanas (variando de 26 a 40 semanas). A gestação foi resolvida pela cesárea em 42 pacientes (89,4%) e houve cinco partos vaginais (10,6%). Os recém-nascidos pesaram, em média, 1.581 g (variando de 500 a 2.730 g). Quanto à adequação do peso à idade gestacional, 42 RN foram classificados como PIG (89,4%) e 5 como AIG (10,6%). Trinta e dois recém-nascidos (68,1%) apresentaram Apgar no primeiro minuto maior ou igual a 7 e 15 deles menor que 7. No quinto minuto, 44 dos recém-nascidos (93,6%) mostravam Apgar maior ou igual a 7.

A idade gestacional foi estimada pela data da última menstruação, desde que conhecida e confiável, e confirmada por exame ecográfico, realizado antes de 20 semanas. Pacientes com data da última menstruação desconhecida ou pouco confiável foram admitidas no estudo quando havia a informação de exame ecográfico precoce. Nesse caso, a idade gestacional foi corrigida pela ultra-sonografia.

O tamanho da amostra foi calculado com o auxílio do programa EPI INFO. Fixando um erro alfa de 5% (confiança de 95%), um erro beta de 10% (poder do estudo de 90%) e considerando-se uma freqüência esperada de acidemia no cordão umbilical ao nascimento em torno de 20% no grupo de gestações de alto risco, foi encontrado "n" total de 34 pacientes.

Os exames foram realizados em equipamentos de ultra-som das marcas Dysonic (GE) ou Siemens Versa-Pro com capacidade para estudo dopplervelocimétrico colorido e pulsátil. Utilizou-se transdutor convexo de 3,5 MHz. As medidas dopplervelocimétricas foram obtidas durante período de repouso, na ausência de movimentos respiratórios fetais ou de contrações uterinas. O ângulo de insonação foi considerado satisfatório quando < 30° na análise dos vasos arteriais e sempre de 0 grau na avaliação do DV, pois se analisou as velocidades específicas no cálculo dos índices. Utilizou-se filtro de 100 Hz, para minimizar as chances de erros causados pelo movimento das paredes vasculares. O tamanho da amostra de volume foi ajustado de acordo com o diâmetro do vaso analisado; em particular para o DV, utilizou-se janela de 1 a 2 mm. As medidas verificadas foram efetuadas após a obtenção de pelo menos três ondas seguidas e simétricas.

Durante a realização do exame dopplervelocimétrico, as pacientes eram acomodadas em posição semi-Fowler, objetivando evitar a hipotensão postural. Todos os exames foram realizados pelo mesmo pesquisador (FHCC).

Como local de amostragem para obtenção do sonograma da artéria umbilical adotou-se a sua porção mais distal (próximo à sua inserção placentária). O segmento escolhido era selecionado pelo doppler colorido e posteriormente acionado o doppler pulsátil para obtenção das ondas de velocidade de fluxo. O fluxo da veia umbilical deveria ser visualizado no mesmo corte.

Foram determinados os índices de resistência (A – B / A) e pulsatilidade (A – B / média). Diagnosticou-se aumento de resistência na artéria umbilical quando o IR ou o IP encontravam-se acima do percentil 95 para idade gestacional estimada segundo a tabela de Arduini e Rizzo (1990)16.

O DV foi identificado em corte transversal ou médio-sagital do abdome superior fetal através do doppler colorido e o local de amostragem foi localizado em sua porção ístmica, mais estreita e com maiores velocidades.

Foram calculadas as velocidades durante sístole ventricular (onda S), durante diástole ventricular (onda D) e sístole atrial (onda A), o índice de pulsatilidade para veias (S – A/média) e as relações S/A e (S – A)/S.

Após o nascimento, antes do delivramento e mesmo do primeiro movimento respiratório fetal, obteve-se um segmento de 10-20 cm de comprimento do cordão umbilical por clampeamento com duas pinças. As amostras de sangue (artéria e veia) foram obtidas através de punção (aproximadamente 2 ml) de ambos os vasos com seringas previamente preparadas.

Foram utilizadas seringas plásticas de 3 ml e agulhas 25 x 7 – 22G descartáveis da marca Becton Dickinson (B-D). Utilizou-se heparina sódica liofilizada em ampolas na concentração de 1.000 UI/ml. A heparina era aspirada para a seringa e homogeneamente distribuída pelas suas paredes. A seguir, o conteúdo era expelido com a seringa posicionada de modo que a agulha localizasse para cima para que o ar remanescente fosse eliminado. As amostras eram enviadas imediatamente ao laboratório e analisadas dentro de 5-10 minutos da coleta17.

A análise do sangue foi realizada automaticamente pelo aparelho Radiomiter ABL-5. Foram calculados o pH, o pCO2 e o excesso (ou déficit) de base para a artéria e a veia umbilicais.

Considerou-se acidemia valores de pH menores que 7,26 para a veia e 7,20 para a artéria, se a paciente não apresentava contrações uterinas e pH < 7,20 para a veia e 7,15 para a artéria umbilical se a paciente apresentou trabalho de parto. Somente foram incluídos como patológicos os RN com diagnóstico de acidemia metabólica ou mista (BE < -10 e pCO2 > 60 mmHg na ausência de trabalho de parto e BE < -11 e pCO2 > 65 mmHg quando contrações uterinas presentes na artéria umbilical ou BE < -6 e pCO2 > 50 mmHg na ausência de trabalho de parto e BE < -8 e pCO2 > 55 mmHg na presença de contrações uterinas para a veia umbilical)18. Quando foi coletado sangue da artéria e da veia umbilical, considerou-se para diagnóstico de acidemia o resultado da artéria umbilical. Somente quando a coleta da artéria não foi efetuada ou a análise foi prejudicada é que foi considerado o resultado obtido na veia umbilical.

As pacientes foram seguidas com exames dopplervelocimétricos periódicos. A freqüência dos exames foi determinada seguindo protocolos de acompanhamento semelhantes em ambos os serviços: levando-se em consideração a condição clínica materna e as alterações encontradas ao doppler. Após a admissão no protocolo de estudo, todas as pacientes permaneceram internadas até o parto. As outras provas de vitalidade fetal também eram realizadas seguindo o mesmo protocolo.

A avaliação do doppler do ducto venoso, no período do estudo, não era critério para resolução da gestação ou mudança de procedimentos no acompanhamento; portanto, foi indiferente o conhecimento ou desconhecimento do resultado desse exame pelo corpo clínico. Quando solicitado, o resultado não foi omitido.

Os casos não determinados pelos protocolos foram decididos em reuniões científicas com docentes das disciplinas e a chefia da enfermaria de patologia obstétrica.

A análise estatística foi realizada pelo Departamento de Matemática e Estatística da Universidade Federal do Ceará com o auxílio do programa SPSS 10.0® (SPSS Co, Chicago, IL, USA). Foram calculadas a sensibilidade e a especificidade dos vários pontos de corte das variáveis analisadas no doppler do DV e construída curva ROC para cada parâmetro. Quando o parâmetro analisado se mostrou bom preditor para o diagnóstico de acidemia (área sob a curva significativamente superior a 50%; p < 0,05) selecionou-se o melhor ponto de corte. Para esse valor encontrado foram calculados a sensibilidade, a especificidade, o valor preditivo positivo, o valor preditivo negativo, a taxa de falsos positivos, a taxa de falsos negativos, o valor de predição (acurácia), a razão de verossimilhança positiva e a razão de verossimilhança negativa. As variáveis analisadas no doppler do DV (variáveis independentes) foram: a velocidade durante sístole ventricular (onda S), a velocidade durante diástole ventricular (onda D), a velocidade durante sístole atrial (onda A), o índice de pulsatilidade para veias, a relação S/A e a relação (S – A)/S. A variável analisada no nascimento (variável dependente) foi a presença de acidemia metabólica ou mista no cordão umbilical.

RESULTADOS

Em 19 casos foram colhidas amostras do sangue da veia e da artéria umbilicais no momento do parto, em 26 oportunidades foi colhido somente sangue das artérias e em dois casos apenas da veia. Em nenhum dos casos onde foram examinados ambos os vasos houve diferença no diagnóstico de normalidade ou de acidemia. O pH médio da artéria umbilical foi de 7,27 (variando de 7,14 a 7,37) e da veia de 7,27 (variando de 6,97 a 7,41). O excesso de base encontrado na artéria umbilical foi, em média, de -5,85 (variando de 0,0 a -17,0) e na veia de -6,34 (variando de 0,0 a -22,3).

Obteve-se diagnóstico de acidemia em 12 pacientes (25,5%). Ocorreu acidemia metabólica em seis casos e acidemia mista em seis. Não houve diagnóstico de acidemia respiratória.

A análise, através da curva ROC, mostrou que a velocidade S, a velocidade D e a velocidade A no doppler de DV não se mostraram bons parâmetros para a predição de acidemia no nascimento na população de estudo. A curva ROC para a velocidade S mostrou área sob a curva de apenas 0,435 [intervalo de confiança = 0,233 ; 0,636] com p = 0,502. Para a velocidade D, a área sob a curva ROC encontrada foi de 0,462 [intervalo de confiança = 0,264 ; 0,660] com p = 0,462, e a velocidade A mostrou área sob a curva ROC de 0,617 [intervalo de confiança = 0,416 ; 0,817] com p = 0,232.

A análise do índice de pulsatilidade para veias do DV na predição de acidemia no nascimento mostra que a área sob a curva ROC foi significativamente superior a 50%, traduzindo esse parâmetro como bom preditor para acidemia. Encontrou-se área sob a curva de 0,790 [IC = 0,624 ; 0,957] com p = 0,003 (Figura 1).


Para decisão do ponto de corte foi construído quadro com as coordenadas da curva ROC determinando a sensibilidade e a taxa de falso-positivo (complementar da especificidade) para os valores encontrados do IPV. Tomou-se como ponto de corte o valor do IPV do DV = 0,76, onde IPV > 0,76 implica em maiores chances da presença de acidemia no nascimento. Encontrou-se: sensibilidade de 66,7%, especificidade de 88,6%, valor preditivo positivo (VPP) de 66,7%, valor preditivo negativo (VPN) de 88,6%, taxa de falso-positivo de 33,3%, taxa de falso-negativo de 11,4%, acurácia igual a 83%, razão de verossimilhança positiva de 5,8 e razão de verossimilhança negativa de 0,4.

A análise da relação S/A do DV (considerando S/A > 5,06, maior valor encontrado, quando a velocidade A era igual a zero) na predição de acidemia no nascimento mostra uma área sob a curva ROC significativamente superior a 50%, traduzindo esse parâmetro como bom preditor para acidemia. Encontrou-se uma área sob a curva de 0,818 [IC = 0,662; 0,974] com p = 0,001 (Figura 2).


O ponto de corte encontrado para a relação S/A do DV foi 2,67. Calculou-se: sensibilidade de 58,3%, especificidade de 94,3%, VPP de 77,8%, VPN de 86,8%, taxa de falso-positivo de 22,2%, taxa de falso-negativo de 13,2%, acurácia igual a 85,1%, razão de verossimilhança positiva de 10,2 e razão de verossimilhança negativa de 0,4.

A análise da relação (S – A)/S do DV na predição de acidemia no nascimento mostra uma área sob a curva ROC significativamente superior a 50%, traduzindo esse parâmetro como bom preditor para acidemia. Encontrou-se uma área sob a curva de 0,818 [IC = 0,662 ; 0,974] com p = 0,001 (Figura 3).


Encontrou-se como ponto de corte o valor da relação (S – A)/S do DV = 0,63. Foram calculados: sensibilidade de 58,3%, especificidade de 94,3%, VPP de 77,8%, VPN de 86,8%, taxa de falso-positivo de 22,2%, taxa de falso-negativo de 13,2%, acurácia igual a 85,1%, razão de verossimilhança positiva de 10,2 e razão de verossimilhança negativa de 0,4.

O Teste de MacNemar comparou esses parâmetros entre si e não encontrou diferença estatisticamente significativa na predição de acidemia ao nascimento. Quando comparou a sensibilidade, encontrou: IPV x relação S/A, p = 1,000; IPV x (S – A)/S, p= 1,000 e S/A x (S – A)/S, p= 1,000. Para a especificidade: IPV x relação S/A encontrou p = 0,500; IPV x (S – A)/S, p= 0,500 e S/A x (S – A)/S, p= 1,000. A comparação da acurácia, revelou: IPV x relação S/A, p = 1,000; IPV x (S – A)/S, p= 1,000 e S/A x (S – A)/S, p= 1,000.

DISCUSSÃO

A insuficiência placentária é uma das principais causas de morbi-mortalidade perinatal. Sua etiologia é ampla e associa-se freqüentemente com as principais intercorrências clínicas e obstétricas: síndromes hipertensivas, restrição do crescimento fetal, diabetes mellitus, gestação prolongada, colagenoses, síndrome do anticorpo anti-fosfolípide, cardiopatias, pneumopatias e hemopatias2.

O advento da dopplervelocimetria permitiu o estudo da hemodinâmica útero e feto-placentária e proporcionou melhoria nos resultados perinatais nas populações de alto-risco. O doppler da artéria umbilical reflete a resistência vascular placentária, fortemente correlacionada com a restrição do crescimento fetal e os efeitos multisistêmicos da deficiência de nutrientes e oxigênio. Por isso, é hoje considerado o melhor método de diagnosticar a insuficiência placentária1,2.

Este estudo avaliou a relação entre o doppler do DV e a presença de acidemia no nascimento em gestações com diagnóstico de insuficiência placentária pela presença de resistência elevada na artéria umbilical. Foram excluídas outras causas agudas de acidemia fetal, tais como o descolamento prematuro de placenta e a anestesia geral. O resultado do doppler venoso não influenciou a decisão da conduta. A época da resolução da gestação foi definida pela idade gestacional, piora do doppler arterial ou padrão patológico na cardiotocografia (CTG) e/ou no perfil biofísico fetal (PBF). O resultado do doppler do DV considerado na análise estatística foi realizado a menos de 24 horas do parto, pois alterações podem aparecer rapidamente nos dias que antecedem o padrão anormal na CTG19.

O doppler da artéria umbilical anormal permite a identificação dos fetos de risco para resultados adversos, mas é um pobre preditor da condição fetal. Em contraste, o doppler venoso nos permite definir a gravidade dos resultados perinatais, pois relaciona-se com o grau do comprometimento circulatório do feto4,7.

O DV parece ser, no momento, o melhor vaso para monitorização de fetos comprometidos colaborando na decisão sobre o momento da resolução da gestação, pois alguns autores encontraram que sua anormalidade precede em poucos dias as alterações dos outros testes biofísicos como CTG e PBF9,19. No entanto, Baschat (2003) descreveu que a relação temporal na seqüência de deterioração no doppler é mais claramente descrita em fetos prematuros. Próximo ao termo, pode não haver relação dos parâmetros metabólicos com a análise do doppler. Em contraste, a perda dos critérios do PBF com o comprometimento metabólico é independente da idade gestacional4.

Dois mecanismos parecem ser responsáveis pelo padrão anormal das ondas de velocidade venosas: um é o aumento da pós-carga ventricular direita e o outro, a falência miocárdica20. A capacidade de compensação fetal através da centralização está relacionada à adequada oxigenação miocárdica. Nesse momento, embora exista aumento da resistência na circulação feto-placentária, a centralização se dá sem anormalidades no doppler venoso. As alterações progressivas na circulação venosa indicam falência no mecanismo compensatório e o desenvolvimento de insuficiência cardíaca por hipóxia miocárdica20,21. Progressão da anormalidade circulatória fetal é associada com deterioração do equilíbrio ácido-básico e resultados perinatais adversos. O fenômeno da centralização é relacionado com queda da pO2 no cordão umbilical e padrões anormais de doppler venoso com queda da pO2 mais acentuada, acidemia e morte fetal5.

Há na literatura inúmeras investigações demonstrando a predição eficaz de resultados perinatais adversos com o doppler venoso, em particular com o DV. No entanto, os estudos que verificaram a predição de acidemia ainda são poucos e não se encontrou consenso sobre qual o melhor parâmetro, e o ponto de corte, para esse fim. A importância de se diagnosticar essa anormalidade é o fato de sabermos que a acidemia metabólica fetal é evento terminal da via que leva os fetos com restrição do crescimento ao óbito19.

A análise do sangue do cordão umbilical é considerada o padrão ouro na avaliação da condição bioquímica fetal/neonatal. A aferição dos parâmetros ácido-básicos no cordão umbilical, ao nascimento, mostrou ser mais preciso indicador de asfixia intra-parto que os escores de Apgar, e essa análise deveria ser rotineira no cuidado obstétrico22. Alguns pesquisadores sugerem que o pH da artéria umbilical reflete com mais acurácia a condição fetal ou neonatal que qualquer outro parâmetro da gasometria arterial ou venosa23.

O limite inferior da normalidade para o pH, abaixo do qual se considera acidemia no nascimento, não foi definido com precisão. Observa-se variação de 7,00 a 7,2022. Utilizou-se, nessa investigação, os parâmetros de Vintzileos et al. (1992)18, que diferenciam os fetos que se submeteram às contrações uterinas daqueles nascidos por cesariana eletiva. O valor do pH na artéria umbilical, sem trabalho de parto, foi considerado o valor clássico < 7,20. O objetivo foi selecionar mais precocemente todos os fetos com acidemia e não apenas aqueles com acidemia grave (pH < 7,00), onde ocorre verdadeira associação com seqüelas neurológicas e, inclusive, morte neonatal. Sabe-se que as acidemias metabólica e mista, diferentemente da acidemia respiratória, são verdadeiramente associadas com complicações neonatais21.

Encontrou-se 12 RN acidóticos na população de estudo (25,5%). Freqüência semelhante foi encontrada por Andrade et al. (2002)13.

Os estudos da década de 90 foram realizados com coleta de sangue fetal através de cordocentese. A importância dessas investigações foi mostrar a correlação da acidemia com o doppler de DV anormal; no entanto, essa prática não foi instituída na clínica pelo fato de haver maior risco de complicações nesses fetos já debilitados3,21,24. Rizzo et al. (1996)24 encontraram uma área sob a curva ROC, para predição de hipoxemia, de 0,66, sensibilidade de 72% e especificidade de 60%.

Na literatura nacional, o IPV é o índice mais freqüentemente testado e, por vezes, encontram-se resultados discordantes. Andrade et al. (2002)13, avaliando gestações de alto risco, encontraram boa correlação do IPV acima do percentil 95 com acidemia no nascimento: sensibilidade de 39,1%, especificidade de 90,4%, VPP de 60% e VPN de 80,2%. Miyadahira (2002)2, no entanto, não encontrou resultados tão animadores: sensibilidade de 36,23%, especificidade de 65,14%, VPP de 15,5% e VPN de 85,27%. Para o último autor, o doppler de DV é um pobre preditor de acidemia. Nossa casuística demonstrou, para o IPV do DV, sensibilidade de 66,7%, especificidade de 88,6%, VPP de 66,7%, VPN de 88,6% e razão de verossimilhança positiva de 5,8.

Na determinação do melhor parâmetro do doppler do DV para diagnóstico de acidemia no nascimento, encontrou-se que as relações S/A e (S – A)/S são igualmente boas, e superiores aos demais, para esse fim. A relação S/A é o índice mais comumente utilizado para descrever o fluxo do DV, segundo Harman e Baschat (2003)7.

Os pontos de corte encontrados neste estudo, para predição de acidemia, são muito próximos aos calculados por Hofstaetter et al. (2002)15 quando avaliaram a predição de mortalidade perinatal. O ponto de corte para o IPV encontrado foi de 0,76 (com sensibilidade de 66,7%, especificidade de 88,6%, acurácia de 83% e área sob a curva ROC de 0,79) e para a relação (S –A)/S foi de 0,63 (com sensibilidade de 58,3%, especificidade de 94,3%, acurácia de 85,1% e área sob a curva ROC de 0,818). Nos dados de Hofstaetter et al. os valores foram, respectivamente, 0,99 (área sob a curva = 0,84) e 0,70 (área sob a curva = 0,805).

Para a relação S/A encontrou-se ponto de corte de 2,67 (sensibilidade de 58,3%, especificidade de 94,3% e acurácia de 85,1%). Sá et al. (2003)14 descreveram como limite superior o valor de 3,6 (sensibilidade de 71%, especificidade de 94% e razão de verossimilhança positiva de 12,14); no entanto, nosso valor coincide com os limites superiores (percentil 95) encontrados por Bahlmann et al. (2000)12. Bahlmann et al. verificaram que a relação S/A diminui com a idade gestacional. O valor máximo para 32 semanas é 2,791 e para 33 semanas é 2,762. A idade gestacional média da nossa casuística foi 32,9 semanas. Se adotarmos o limite de 3,6 descrito por Sá et al. (2003)14, encontraremos especificidade de 97%, porém sensibilidade de apenas 25%.

O valor limite para a relação (S – A)/S de 0,63 também é semelhante aos decritos por Bahlmann et al. (2000)12. O limite superior na 32ª. semana é 0,631 e na 33ª. semana é 0,630. Para o IPV encontrou-se, nesta casuística, valor pouco inferior aos limites descritos por aqueles autores. Eles descreveram como limites máximos para 32 semanas 0,977 e para 33 semanas 0,974.

As velocidades S e D no doppler do DV geralmente pouco se alteram em fetos comprometidos e oferecem poucas possibilidades para diagnóstico. Não se verificou, nesse estudo, benefício dessas velocidades na predição de acidemia. Surpreendente foi o achado que a velocidade A não se mostrou boa preditora de acidemia, pois se sabe que ela declina à medida que progride o comprometimento fetal. Hofstaetter et al. (2002)15 encontraram boa predição dessa velocidade para mortalidade perinatal. A área sob a curva ROC encontrada foi de 0,788. Para o ponto de corte descrito de > 17 cm/s, a sensibilidade encontrada foi de 79% e a especificidade de 68%.

Francisco (2002)25 demonstrou que o doppler do DV foi o único teste capaz de predizer acidemia em gestações com diástole zero ou reversa na artéria umbilical. Foi adotado como ponto de corte o percentil 95 do IPV para idade gestacional. O IPV médio nos fetos com pH < 7,20 foi 1,19 e nos casos com pH = 7,20 foi 0,82. A freqüência de acidemia no último grupo foi de 48,4%.

Vários autores descreveram que o doppler do DV precede as alterações dos testes tradicionais de avaliação do bem-estar fetal, CTG e PBF, em fetos prematuros4,9,19. Apesar das evidências, a época da resolução da gestação ainda é definida em muitos serviços pelos traçados anormais da freqüência cardíaca fetal. Porém, nesse momento, mais de 64% dos fetos estão extremamente hipoxemiados e acidóticos11.

O doppler de DV mostrou eficácia em predizer acidemia nas gestações com insuficiência placentária. Outro dado a ser observado é que se trata de teste específico, demonstrando a sua importância na tomada de decisão quando se pesa o risco da prematuridade com os riscos de comprometimento fetal e óbito intra-uterino nessa situação. Deve ser adicionado ao arsenal propedêutico no seguimento de fetos com diagnóstico de alteração no território arterial. Pode ajudar a diminuir as taxas de falso-positivo da CTG que possui boa sensibilidade, porém baixa especificidade.

Decisão de interrupção da gestação, na presença de doppler venoso anormal, poderia ser sugerida pela inegável associação com acidemia encontrada nesse estudo e em dados da literatura5,15. No entanto, é necessário cautela antes da generalização, pois as correlações mais evidentes são com o estado fetal (equilíbrio ácido-básico, natimortalidade e sofrimento fetal). As associações com as complicações neonatais são menos evidentes e não foram testadas no presente estudo. Isso indica que a condição neonatal é sujeita a muitas variáveis, das quais a idade gestacional no parto parece ser a mais aparente5. O benefício da adição do doppler de DV na avaliação só pode ser calculado em investigações prospectivas e randomizadas que incluam a condição materna, a idade gestacional e o poder preditivo das anormalidades específicas das outras provas de bem-estar fetal, o que torna o estudo complicado. Portanto, mais pesquisas são necessárias para delinear os protocolos de acompanhamento perinatal, com os atuais e futuros conhecimentos, dessas gestações que portam um problema tão complexo quanto a insuficiência placentária.

CONCLUSÕES

Os índices ângulo-independentes do doppler do DV mostraram-se bons preditores de acidemia ao nascimento em gestações com insuficiência placentária. As relações S/A e (S – A)/S e o índice de pulsatilidade do DV mostraram-se estatisticamente similares nesta predição. Os pontos de corte determinados para os parâmetros do doppler do DV foram: IPV = 0,76, relação S/A = 2,67 e (S – A)/S = 0,63.

Conflito de interesse: não há.

Artigo recebido: 14/04/04

Aceito para publicação: 04/08/04

Trabalho realizado no Hospital São Paulo – Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina, São Paulo, e na Maternidade-Escola Assis Chateaubriand - Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Ceará

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    Correspondência: R. Osvaldo Cruz, 2582, Ap. 202, Dionísio Torres, Fortaleza, CE, Cep 60125-151, Telefone: (85) 458-2121
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Ago 2005
    • Data do Fascículo
      Ago 2005

    Histórico

    • Aceito
      04 Ago 2004
    • Recebido
      14 Abr 2004
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