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Qualidade de vida em portadores de doença arterial coronária

EDITORIAL

"Qualidade de vida em portadores de doença arterial coronária"

A Medicina Baseada em Evidências propõe um novo paradigma para a prática e o ensino da medicina. Entre os princípios preconizados, enfatiza a necessidade de que os trabalhos de pesquisa clínica enfoquem desfechos clínicos vinculados à vida do paciente, em detrimento aos desfechos ditos intermediários, do tipo marcadores biológicos que avaliam aspectos do sistema imune, do metabolismo ou imagens de tecidos e órgãos. Dentro deste contexto são absolutamente bem-vindos trabalhos como o publicado nesta edição por Favarato et al. Os autores avaliam a qualidade de vida, por meio do questionário SF-36, em sujeitos com estenose arterial em múltiplos vasos coronários, submetidos às intervenções terapêuticas convencionais, com o objetivo de comparar as diferenças entre os gêneros.

A análise do perfil demográfico apontou para o fato das mulheres apresentarem maior idade, menor escolaridade e serem menos ativas profissionalmente, condições associadas ao prejuízo da qualidade de vida em trabalhos de outros autores.

Os homens apresentaram melhor qualidade de vida antes do início do tratamento com melhores resultados em todas as dimensões quando comparado às mulheres e se beneficiaram progressivamente aos 6 e 12 meses, diferenciando-se das mulheres mais velhas, que se encontravam no climatério, com melhora após 6 meses, mas que tiveram queda nos resultados em todas as dimensões aos 12 meses. No entanto, essa relativa piora pode ser devida a maior prevalência feminina de comorbidade psíquica e somática, maior facilidade das mulheres em expressar a realidade na auto-avaliação. Como também, a influência da coronariopatia no prejuízo da capacidade física, desempenho das atividades da vida diária, e dificuldades emocionais da condição de pós-menopausa, descrita pela mesma autora em trabalho publicado em 2001, nesta revista.

Outra questão a ser considerada é que pode ocorrer na coronariopatia o mesmo que foi observado na insuficiência cardíaca, em que o aparente prejuízo da qualidade de vida nas mulheres desaparece com o controle da idade, escala funcional, fração de ejeção e condição marital. Além disso, o ajuste para a condição de qualidade de vida pré-morbidade, e a severidade de doenças cardiovasculares por ocasião do diagnóstico também tem explicado eventual diferença entre gêneros. O ganho secundário decorrente da doença pode distorcer o resultado avaliado por questionários de qualidade de vida que não detectam situações como a sexualidade que é cumprida antes da doença por imposição do parceiro. Estudo de qualidade de vida com população chinesa mostrou que problemas sexuais são relatados na mesma proporção entre homens e mulheres, embora o gênero feminino perceba a importância do sexo importante em proporção cinco vezes menor. O ganho secundário advindo dos benefícios sociais em situação de desemprego que acaba por garantir a autonomia financeira do paciente, também pode distorcer os resultados desses instrumentos.

Como principal ganho positivo do trabalho, fica a melhora observada nos oito domínios da qualidade de vida no conjunto dos pacientes tratados da coronariopatia, independentemente da condição de gênero. Trabalhos que avaliam a qualidade de vida como desfecho clínico contribuem para o que realmente interessa ao exercício da prática clínica baseada em evidências.

Moacyr R. C. Nobre

Referência

Favarato MECS, Favarato D, Hueb WA, Aldrighi JM. Qualidade de vida em portadores de doença arterial coronária: comparação entre gêneros. Rev Assoc Med Bras 2006; 52(4):236-41.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Ago 2006
  • Data do Fascículo
    Ago 2006
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