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Estado nutricional, ferro, cobre e zinco em escolares de favelas da cidade de São Paulo

Nutritional status, iron, copper, and zinc in school children of shantytowns of Sao Paulo

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a antropometria, a composição corporal e o estado nutricional em ferro, cobre e zinco segundo o gênero, de crianças e adolescentes institucionalizados, moradores de duas favelas da cidade de São Paulo. MÉTODOS: Estudo transversal utilizando medidas de peso, estatura, circunferência braquial, dobras cutâneas, bioimpedância elétrica, os escores Z da relação estatura para idade, índice de massa corporal, área do braço, área muscular do braço e área de gordura do braço. Os percentuais de gordura corporal e massa magra foram analisados segundo fórmulas de Siri e Slaughter. Foram determinados hemoglobina, hematócrito, ferro, ferritina, cobre e zinco séricos. RESULTADOS: Foram maiores o peso corporal, circunferência do braço, dobras cutâneas do tríceps e subescapular, resistência elétrica, escores Z da área do braço, área muscular do braço e percentual de gordura corporal no sexo feminino em relação ao masculino. Baixa estatura foi encontrada em 8% das meninas e 5,6% dos meninos, sem diferença quanto ao gênero. Houve menor prevalência de desnutrição (2% das meninas e 5,6% nos meninos), do que de sobrepeso e obesidade (30% e 11,2%, respectivamente). Observou-se anemia em 24,4% e ferropenia em 10,5% dos escolares com ou sem anemia. Apresentaram valores abaixo do limite inferior do padrão de referência para cobre e zinco séricos, respectivamente três e sete indivíduos. CONCLUSÃO: Na população estudada, de baixo nível econômico e institucionalizada, ocorre o processo de transição nutricional e alta prevalência de anemia que não resulta da interação ferro, cobre e zinco.

Estado nutricional; Composição corporal; Ferro; Cobre; Zinco


OBJECTIVE: To assess the anthropometry, body composition and iron, copper and zinc nutritional status, according to gender, of institutionalized children and adolescents living in two shantytowns in the city of Sao Paulo. METHODS: A cross sectional study using weight, height, arm circumference, skinfolds, electrical bioimpedance, Z scores for the relationships: height to age, body mass index, middle-upper arm circumference, muscle area of the arm and fat area of the arm was carried out; the body fat and lean mass percentages were analyzed according to the formulas proposed by Siri and Slaughter. Hemoglobin, hematocrit, serum iron ferritin, copper and zinc were determined. RESULTS: Body weight, middle-upper arm circumference, triceps and subescapular skinfolds, electric resistance, Z scores of the arm area, muscle area of the arm, and body fat percentage of girls were higher in relation to boys. Low stature was found in 8% of the girls and in 5.6% of the boys, without differences according to gender. There was a lower prevalence of malnutrition (2% of the girls and 5.6% of the boys), than of overweight and obesity (30% and 11.2%, respectively). Anemia was observed in 24.4% and iron deficiency in 10.5% of the schoolchildren with or without anemia. Values were below the lower limit of the reference standard for serum copper and zinc, respectively, for 3 and 7 individuals. CONCLUSION: In the studied population, institutionalized and of low social economic level, a process of nutritional transition and high prevalence of anemia takes place which does not result from an interaction of iron, copper and zinc.

Nutritional status; Body composition; Iron; Copper; Zinc


ARTIGO ORIGINAL

Estado nutricional, ferro, cobre e zinco em escolares de favelas da cidade de São Paulo

Nutritional status, iron, copper, and zinc in school children of shantytowns of Sao Paulo

Elisabete B. Santos; Olga M. S. Amancio* * Correspondência Rua Botucatu, 703 Cep: 04023-062 São Paulo/ SP omsamancio.dped@epm.br ; Carlos A.G. Oliva

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a antropometria, a composição corporal e o estado nutricional em ferro, cobre e zinco segundo o gênero, de crianças e adolescentes institucionalizados, moradores de duas favelas da cidade de São Paulo.

MÉTODOS: Estudo transversal utilizando medidas de peso, estatura, circunferência braquial, dobras cutâneas, bioimpedância elétrica, os escores Z da relação estatura para idade, índice de massa corporal, área do braço, área muscular do braço e área de gordura do braço. Os percentuais de gordura corporal e massa magra foram analisados segundo fórmulas de Siri e Slaughter. Foram determinados hemoglobina, hematócrito, ferro, ferritina, cobre e zinco séricos.

RESULTADOS: Foram maiores o peso corporal, circunferência do braço, dobras cutâneas do tríceps e subescapular, resistência elétrica, escores Z da área do braço, área muscular do braço e percentual de gordura corporal no sexo feminino em relação ao masculino. Baixa estatura foi encontrada em 8% das meninas e 5,6% dos meninos, sem diferença quanto ao gênero. Houve menor prevalência de desnutrição (2% das meninas e 5,6% nos meninos), do que de sobrepeso e obesidade (30% e 11,2%, respectivamente). Observou-se anemia em 24,4% e ferropenia em 10,5% dos escolares com ou sem anemia. Apresentaram valores abaixo do limite inferior do padrão de referência para cobre e zinco séricos, respectivamente três e sete indivíduos.

CONCLUSÃO: Na população estudada, de baixo nível econômico e institucionalizada, ocorre o processo de transição nutricional e alta prevalência de anemia que não resulta da interação ferro, cobre e zinco.

Unitermos: Estado nutricional. Composição corporal. Ferro. Cobre. Zinco.

SUMMARY

OBJECTIVE: To assess the anthropometry, body composition and iron, copper and zinc nutritional status, according to gender, of institutionalized children and adolescents living in two shantytowns in the city of Sao Paulo.

METHODS: A cross sectional study using weight, height, arm circumference, skinfolds, electrical bioimpedance, Z scores for the relationships: height to age, body mass index, middle-upper arm circumference, muscle area of the arm and fat area of the arm was carried out; the body fat and lean mass percentages were analyzed according to the formulas proposed by Siri and Slaughter. Hemoglobin, hematocrit, serum iron ferritin, copper and zinc were determined.

RESULTS: Body weight, middle-upper arm circumference, triceps and subescapular skinfolds, electric resistance, Z scores of the arm area, muscle area of the arm, and body fat percentage of girls were higher in relation to boys. Low stature was found in 8% of the girls and in 5.6% of the boys, without differences according to gender. There was a lower prevalence of malnutrition (2% of the girls and 5.6% of the boys), than of overweight and obesity (30% and 11.2%, respectively). Anemia was observed in 24.4% and iron deficiency in 10.5% of the schoolchildren with or without anemia. Values were below the lower limit of the reference standard for serum copper and zinc, respectively, for 3 and 7 individuals.

CONCLUSION: In the studied population, institutionalized and of low social economic level, a process of nutritional transition and high prevalence of anemia takes place which does not result from an interaction of iron, copper and zinc.

Key words: Nutritional status. Body composition. Iron. Copper. Zinc.

INTRODUÇÃO

Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), a prevalência de comprometimento grave do crescimento em países em desenvolvimento tem diminuído progressivamente de 47% em 1980 para 33% em 2000. Cerca de um terço de todas as crianças com idade inferior a 5 anos apresentam comprometimento grave do crescimento, sendo que 70% vivem na Ásia, 26% na África e 4% na América Latina e Caribe1.

O "stunting" nutricional na infância, um indicador de desnutrição crônica, tem sido sugerido como um fator que contribui para altas taxas de obesidade em adolescentes e adultos de países em desenvolvimento2.

A comparação de estudos realizados nos períodos de 1974/75 e 1995/96 sobre a prevalência de desnutrição e obesidade em crianças e adolescentes, mostra que em nosso país a desnutrição diminuiu de 14,8% para 8,6%, sendo que a obesidade aumentou de 4,1% para 13,9%3.

Assim, a progressão da transição nutricional caracterizada por redução na prevalência dos déficits nutricionais e a ocorrência mais expressiva de sobrepeso e obesidade têm sido observadas em sociedades em desenvolvimento que experimentam rápidas e intensas transformações de crescimento econômico e de estrutura demográfica4.

O uso de índices antropométricos tem sido uma estratégia válida para gerar indicadores sensíveis do estado nutricional, tendo como objetivo determinar a massa corporal, expressa pelo peso; as dimensões lineares, especialmente a estatura; e a composição corporal (a gordura subcutânea e a massa muscular). Seus resultados podem refletir, também, a condição de vida dos grupos populacionais estudados5.

Além do déficit pôndero-estatural e da vulnerabilidade às doenças infecto-parasitárias, a desnutrição, quer por insuficiência quer por excesso, se correlaciona com outras carências nutricionais como de micronutrientes.

A anemia por deficiência de ferro é atualmente o problema nutricional mais prevalente, afetando cerca de 1,3 bilhão de pessoas, com aumento da sua prevalência e morbidade em crianças e adolescentes do sexo feminino6. Diferencia-se de outras condições carenciais na medida em que sua ocorrência não se limita apenas às populações de baixa renda, desnutridos ou indivíduos submetidos a condições especiais de risco, mas acomete também nos grupos mais favorecidos e de condição global adequada7.

Outras deficiências podem ocorrer em função da maior necessidade para o crescimento, como a de cobre e de zinco que fazem parte da estrutura das metaloenzimas e agem como co-fatores enzimáticos, estando, pois, envolvidas em diversas funções metabólicas, inclusive as inerentes ao crescimento linear e a composição corporal8.

Considerando o exposto, objetivou-se investigar a antropometria, a composição corporal e o estado nutricional em ferro, cobre e zinco, segundo o gênero, de crianças e adolescentes institucionalizados, moradores de duas favelas da cidade de São Paulo.

MÉTODOS

Trata-se de estudo transversal, com 86/140 escolares de 7 a 15 anos, moradores de duas favelas, Rocinha e Beira Rio, da zona sul da cidade de São Paulo, que freqüentavam o Centro de Juventude da Associação dos Cavaleiros da Soberana Ordem Militar de Malta de São Paulo e Brasil/Meridional, entidade internacional não-governamental. Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo, tendo sido necessário o consentimento prévio por escrito dos pais ou responsáveis.

Critérios de inclusão

Ausência de hospitalização nos últimos 30 dias; ausência de doenças crônicas conhecidas; sem uso de suplementação de ferro, que interferiria nos resultados bioquímicos9.

Os indivíduos estudados foram divididos em dois grupos, segundo o gênero.

Avaliação do nível econômico

Foi determinado pela renda mensal em salários mínimos per capita10.

Avaliação antropométrica

Peso e estatura: a tomada de dados foi realizada segundo técnicas padronizadas11. Para o cálculo do escore Z da relação estatura para a idade (E/I), foi utilizado o programa Epi Info12.

Índice de Massa Corporal (IMC): de acordo com os valores de IMC obtidos, os indivíduos foram classificados em eutróficos, desnutridos, sobrepeso e obesos13. Calculou-se o escore Z do Índice de Massa Corporal.

Circunferência braquial: esta medida foi realizada de acordo com a técnica de Frisancho14.

Dobras cutâneas: para mensuração das dobras cutâneas foi utilizado Lange Skinfold Caliper. Foram feitas três medidas consecutivas, calculando-se a média entre elas. Foram avaliadas as dobras cutâneas do tríceps, bíceps, supra-ilíaca e subescapular.

A medida da circunferência braquial foi convertida em mm, para o cálculo da área do braço (AB), área muscular do braço (AMB) e área de gordura do braço (AGB) segundo Frisancho14. Foram calculados os escores Z de cada variável utilizando valores de referência de Frisancho15.

Bioimpedância elétrica: a bioimpedância elétrica foi realizada por meio do aparelho RJL System, modelo 101, com o indivíduo em jejum por pelo menos duas horas. Os eletrodos foram colocados de acordo com o preconizado16. Foram realizadas três medidas consecutivas, adotando-se a média entre elas.

Análise da composição corporal

Para a análise da composição corporal foram calculadas a massa gorda e a massa magra em quilogramas (kg) e em percentual do peso corporal (%), segundo metodologias de Siri17 e Slaughter et al.18. A densidade corporal foi estimada por meio das fórmulas propostas por Brook19. Os percentuais de massa gorda e magra foram comparados com o padrão de referência de Fomon et al.20 em crianças até 10 anos de idade e de Haschke21 em crianças maiores de 10 anos.

Avaliação bioquímica

Para as determinações bioquímicas foram coletados 8 mL de sangue por meio de seringas e agulhas descartáveis, estando os participantes em jejum de pelo menos três horas.

Hemoglobina e hematócrito: as dosagens de hemoglobina e hematócrito foram realizadas em aparelho automatizado Cell-Dyn 3800. Considerou-se anemia os níveis de hemoglobina < 11,5 g/dL (crianças entre 5 e 11 anos); < 12 g/dL (entre 12 e 14 anos, e meninas acima de 15 anos)22.

Ferro e ferritina séricos: o ferro sérico foi determinado utilizando o kit Ironâ da Bayer. A ferritina foi determinada pelo kit Immulite - Ferritinâ da Diagnostic Products Corporation.

Apesar de não existir completa uniformidade na literatura, considerou-se indicativos de deficiência de ferro: ferro sérico < 50mg/dL; ferritina sérica < 12 ng/mL23.

Cobre e zinco séricos: as amostras de soro foram diluídas em água Milli-Q, na proporção de 1:10 e as concentrações de cobre e zinco foram determinadas por espectrofotometria de absorção atômica ("Perkin Elmer" modelo 5.100) nas condições especificadas pelo fabricante. Os resultados foram expressos como mg Cu e Zn/dL. Adotou-se valores de referência para o sexo masculino de 70 a 140 mg Cu/dL e de 65 a 120 mg Zn/dl, e para o sexo feminino de 80 a 155 mg Cu/dL e de 60 a 120 mg Zn/dL24.

Análise estatística

Teste t de Student e teste de Mann-Whitney para comparação entre dois grupos, de variáveis quantitativas de distribuição paramétrica e não-paramétrica , respectivamente.

Teste de Qui-quadrado ou teste exato de Fisher, para comparação das freqüências de variáveis qualitativas. Adotou-se a < 0,05.

RESULTADOS

O número mediano de pessoas por família foi cinco e a renda per capita foi inferior a 0,5 salário mínimo em 79% dos indivíduos, sendo que apenas um apresentou renda per capita entre 1,5 e 2,5 salários mínimos (dados não mostrados).

Embora não houvesse diferença significante entre os gêneros quanto à média da estatura (p= 0,12) (dado não mostrado) e quanto à média do escore Z E/I (p= 0,27) (Tabela 1), nos dois gêneros a distribuição dos valores de estatura ocorreu abaixo do percentil 50 do padrão de referência, verificando-se baixa estatura em 4/50 (8,0%) das meninas e 2/36 (5,6%) dos meninos (teste do Qui-quadrado, p=0,50).

Foram significantemente maiores no sexo feminino as médias de peso corporal, da circunferência do braço, das dobras cutâneas do tríceps e subescapular e da resistência elétrica, respectivamente p=0,01 (dados não mostrados). Em relação ao peso corporal, no sexo feminino os valores estavam distribuídos acima do percentil 50 do padrão de referência, enquanto no masculino essa distribuição ocorreu abaixo desse percentil.

O sexo feminino apresentou valores maiores de escores Z do IMC, AB e AMB, assim como a freqüência de sobrepeso e obesidade (Tabela 1). Quanto ao percentual de gordura corporal, o sexo feminino apresentou percentuais maiores do que o sexo masculino tanto pelo método de Siri (p=0,01) como pelo de Slaughter (p<0.01) (dados não mostrados).

A prevalência de anemia, em ambos os gêneros, foi de 24,4% (21/86) e os níveis séricos de ferro e ferritina não apresentaram diferença segundo o gênero (Tabela 2).

No sexo feminino, 24 (48%) apresentaram níveis de cobre sérico acima do limite superior do padrão de referência e 2 (4%) abaixo do limite inferior; enquanto que no sexo masculino esses números foram 12 (33,4%) e 1 (2,8%), respectivamente. A mediana do gênero feminino foi maior que a do masculino (p=0,04) (Tabela 2).

Quanto aos valores de zinco sérico (Tabela 2) observou-se médias de acordo com o padrão de referência nos dois gêneros e sem diferença significante entre eles (p=0,54), porém seis indivíduos, um do gênero feminino, apresentaram valores abaixo do limite inferior do padrão de referência.

As crianças e adolescentes com anemia tiveram níveis séricos de ferro menores (p=0,04) e maior incidência de ferropenia (p= 0,03) do que aqueles sem anemia (Tabela 3).

Não houve diferença significante entre as médias de cobre (p=0,22) e de zinco (p=0,08) séricos segundo a presença de anemia (dados não mostrados).

DISCUSSÃO

Os resultados da renda per capita estão de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)25, que relata apenas 2,4% da população com renda até 0,5 salário mínimo no estado de São Paulo.

A incidência de baixa estatura verificada em ambos os gêneros, provavelmente se deve à desnutrição pregressa nos primeiros anos de vida. A literatura registra em crianças e adolescentes dos sexos feminino e masculino e de baixa renda, estatura menor em relação aos de maior renda26.

Verificou-se baixa prevalência de desnutrição, 2% nas meninas e 5,6% nos meninos, sendo que as meninas apresentaram maior freqüência de sobrepeso e obesidade (30%) do que os meninos (11,2%). Esse resultado pode estar relacionado com o processo de transição nutricional que vem ocorrendo em grupos de baixo nível econômico de forma semelhante aos de maior renda. Vários estudos27-28 relatam a transição nutricional em crianças e adolescentes, inclusive com significância no gênero feminino em relação ao masculino, confirmando os resultados obtidos neste trabalho.

Quanto à composição corporal, o sexo feminino apresentou percentual de gordura corporal maior que o masculino, bem como a circunferência do braço, dobras cutâneas triciptal e subescapular, resistência elétrica, área do braço e área muscular do braço. Alguns autores relatam maior percentual de gordura corporal29, dobras cutâneas e circunferência do braço em meninas30. Há estudos indicando que atualmente crianças e adolescentes apresentam maior quantidade de gordura corporal que as de gerações passadas31-32. Nesse sentido, a implicação maior é que, seguindo esta tendência, pode-se identificar mudanças no curso de vida destes indivíduos, com concomitante aumento na prevalência de doenças crônicas não transmissíveis e conseqüentemente, aumento na carga para os serviços de saúde.

Para se compreender os principais determinantes de sobrepeso e da obesidade na infância e adolescência, a literatura tem discutido amplamente as práticas alimentares inadequadas, o tempo de inatividade, sobrepeso e obesidade dos pais, peso ao nascer e também as condições socioeconômicas das famílias33. A obesidade tem-se associado a fatores ambientais e comportamentais, que interagem de forma complexa. Sobrepeso e obesidade têm se relacionado de forma inconsistente com padrões socioeconômicos, etnia e gênero, não havendo um padrão definido de associação que seja generalizável34.

Em indivíduos desnutridos e com excesso de peso ocorrem deficiências de micronutrientes, sendo que a mais prevalente é a anemia por deficiência de ferro. Monteiro et al.35, estimando a prevalência da anemia na infância na cidade de São Paulo, constatam que no espaço de dez anos houve redução significativa na concentração média de hemoglobina com aumento na prevalência de anemia de 35,6% para 46,9%, atingindo meninas e meninos principalmente dos grupos de menor renda. Segundo a OMS22 a prevalência de anemia em crianças e adolescentes de países em desenvolvimento está em torno de 48,1% e de 5,9% em países desenvolvidos.

Apesar do grupo estudado freqüentar uma instituição social, a prevalência de anemia em ambos os gêneros (24,4%) e de ferropenia nos indivíduos com anemia (23,8%) pode estar relacionada com ingestão insuficiente de ferro e o fato de morarem em favelas poder desencadear a ocorrência de parasitismo. Embora alta, a prevalência de anemia nos indivíduos estudados mostrou-se menor do que a observada anteriormente, 53,5%36. O fato de não ter sido observada diferença nos valores de Hb entre os gêneros confirma relato de Norton et al.37 para a mesma faixa etária.

Os valores de ferro sérico sem diferença entre os gêneros confirmam resultados de Alárcon et al.38. Neste parâmetro a variação foi de 24,0 a 177,0 mg/dL, sendo que 10,5% apresentaram ferropenia. Diferentemente dos resultados obtidos neste trabalho, Nead et al.39 não verificam diferença na prevalência de deficiência de ferro nas crianças e adolescentes com ou sem anemia.

Em relação ao cobre sérico, Alárcon et al.38 também relatam maiores concentrações séricas de cobre no sexo feminino do que no masculino. Há relatos de aumento dos níveis séricos de cobre em meninas com idades entre 12 e 19 anos ou 15 e 18 anos40-41 quando comparado com os meninos. No presente estudo verificou-se baixa prevalência de deficiência de cobre (3,48%). Este baixo percentual pode ser explicado, por se tratarem de crianças e adolescentes institucionalizados, pressupondo-se que a alimentação fornecida pela instituição social consiga fornecer as quantidades necessárias diárias deste mineral. Estévez et al.40 descrevem prevalência de deficiência de cobre em 7% de indivíduos não institucionalizados.

A concentração de zinco sérico nas meninas e meninos na infância é baixa, alcançando um pico na adolescência e declinando na idade adulta. Laitinen et al.41 verificam que os níveis séricos de zinco não diferem aos 3, 6, 9 e 12 anos, sendo que os meninos apresentam nas idades de 15 e 18 anos valores maiores em relação ao das meninas. Porém, outros estudos avaliando a concentração de zinco sérico em crianças e adolescentes não observam diferença quanto ao gênero38,40 confirmando o resultado do presente estudo.

A prevalência de deficiência de zinco no presente estudo foi baixa (6,9%) quando comparada aos estudos de Estévez et al.40 que relatam deficiência em 19,6% da população, enquanto Favaro, Vannucchi42 descrevem em 14% nas meninas e 11,7% nos meninos. A população estudada por esses autores corresponde também a indivíduos de baixa renda, porém não institucionalizados, o que pode estar relacionado com os altos índices observados por esses autores.

Entre os indivíduos com ou sem anemia, não houve diferença para o cobre e zinco séricos. Esse resultado mostra que não houve interação entre zinco, cobre e ferro, situação na qual teria ocorrido anemia por alta ingestão de zinco, ou seja, alta ingestão de zinco dietético levando à deficiência de cobre por competição pelos sítios de ligação da metalotioneína nas células mucosas intestinais43, que por sua vez restringe a utilização de ferro. A ceruloplasmina, proteína cobre dependente, é essencial para a mobilização de ferro a partir dos depósitos, antes de sua incorporação na hemoglobina44. Na deficiência de cobre, a ceruloplasmina tem sua atividade significantemente diminuída, levando à anemia, a qual é responsiva à suplementação de cobre45. Em nosso meio há relato de baixa ingestão de zinco em crianças e adolescentes de baixo nível econômico46, provavelmente pelo fato dos alimentos-fonte em zinco serem os de origem animal, que apresentam maior custo. Assim sendo, a anemia apresentada pelos indivíduos estudados não é conseqüente da interação entre ferro, cobre e zinco, mas provavelmente pela baixa ingestão de ferro e/ou baixa biodisponibilidade do ferro dietético.

CONCLUSÃO

Os resultados obtidos permitem concluir que na população estudada, caracterizada pelo baixo nível econômico e institucionalização, ocorre o processo de transição nutricional e alta prevalência de anemia, que não resulta da interação ferro, cobre e zinco. Em ambas as situações podem ocorrer implicações futuras como menor desempenho profissional na idade adulta, associado com doenças crônicas não transmissíveis. Faz-se necessárias ações que visem a promoção e a prevenção da obesidade e de anemia na infância e adolescência.

Conflito de interesse: não há.

Artigo recebido: 20/10/06

Aceito para publicação: 02/05/07

Trabalho realizado no Departamento de Pediatria da Universidade Federal de São Paulo

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Set 2007
    • Data do Fascículo
      Ago 2007

    Histórico

    • Aceito
      02 Maio 2007
    • Recebido
      20 Out 2006
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