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Resultados do tratamento do carcinoma espinocelular anal e do seu precursor em doentes HIV-positivos

Outcome of treatment of anal squamous cell carcinoma and its precursor in HIV-infected patients

Resumos

OBJETIVO: A incidência de carcinomas espinocelulares anais vem aumentando nos doentes HIV-positivos. O tratamento consiste de radio e/ou quimioterapia, eventualmente seguidos pela ressecção do tumor. O objetivo é avaliar o seguimento desses doentes para verificar as recidivas e a evolução do NIAA para câncer. Apresentação da casuística da Equipe Técnica de Proctologia do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, de São Paulo. MÉTODOS: Acompanhamos 45 doentes HIV-positivos portadores de carcinoma espinocelular anal e seu precursor no período de 1996 a 2006. Eram 30 neoplasias intra-epiteliais anais de alto grau (NIAA), tratadas com ressecção local e 15 carcinomas invasores do canal anal. Nove das 15 lesões invasivas foram submetidas ao esquema de Nigro isolado ou associado à ressecção local, amputação abdominoperineal ou colostomia para derivação. RESULTADOS: No seguimento ambulatorial das NIAA tivemos recidiva em 16,7% e não observamos evolução para carcinoma, num período mínimo de três anos. Entre os nove tumores submetidos ao esquema de Nigro, com ou sem operação complementar, cinco estão livres de tumor. Nenhum tratamento foi feito em cinco doentes. Em três, devido às péssimas condições clínicas, e em dois, pois recusaram tratamento. Outro teve diagnóstico na vigência de oclusão intestinal sendo submetido à colostomia de derivação. CONCLUSÃO: Concluímos que a NIAA pode reincidir após excisão local em doentes HIV-positivos, mas não evolui para carcinoma invasor e que os doentes de câncer anal invasor podem ser tratados da mesma maneira que a população soronegativa para o HIV desde que as condições clínicas o permitam.

Carcinoma de células escamosas; Radioterapia; Quimioterapia; Carcinoma intra-epitelial; Infecções por papillomavirus; Aids


OBJECTIVE: Incidence of anal squamous cell carcinoma is increasing mainly among HIV-positive patients. Treatment consists of radiotherapy and chemotherapy, sometimes followed by tumor resection. The objective was to evaluate the follow-up of such patients to verify recurrences and evolution from HAIN to cancer. This is a report of cases treated at the "Instituto de Infectologia Emílio Ribas", Sao Paulo, Brazil. METHODS: We attended 45 HIV-positive patients between July 1996 and June 2006. Most were male (97.7%), with ages ranging from 23 to 55 years (mean: 38.5 years). Thirty patients had high grade anal intra-epithelial neoplasia (HAIN), treated with local resection, and 15 with anal canal invasive squamous cell carcinoma were first submitted to chemo radiation, while biopsies were obtained during follow-up. RESULTS: Patients with HAIN had recurrences in 16.7% of cases and remained cancer free for up to five years. Chemoradiation was not possible in five patients with invasive carcinoma (40%) because three had advanced AIDS and two refused treatment. Eight (88.8%) out of nine patients had complete response to chemoradiation and remained cancer free for a period from three to six years. Chemoradiation failed in the ninth patient: abdominal perineal resection was performed, and there was no recurrence over a five-year period. CONCLUSION: We concluded that HAIN can recur after local resection in HIV-positive patients but does not evolve to invasive carcinoma. Invasive cancer can be treated in the same way as in HIV seronegative persons, when clinical conditions permit.

Carcinoma; squamous cell; Radiotherapy; Drug Therapy; Carcinoma in situ; Papillomavirus infections; Aids


ARTIGO ORIGINAL

Resultados do tratamento do carcinoma espinocelular anal e do seu precursor em doentes HIV-positivos

Outcome of treatment of anal squamous cell carcinoma and its precursor in HIV-infected patients

Sidney Roberto Nadal* * Correspondência Rua Dr. Virgilio de Carvalho Pinto, 381 apto. 23 São Paulo/SP Brasil Cep: 05415-030 Tel./Fax (11) 3337-4282 srnadal@terra.com.br ; Sergio Henrique Couto Horta; Edenilson Eduardo Calore; Carmen Ruth Manzione

RESUMO

OBJETIVO: A incidência de carcinomas espinocelulares anais vem aumentando nos doentes HIV-positivos. O tratamento consiste de radio e/ou quimioterapia, eventualmente seguidos pela ressecção do tumor. O objetivo é avaliar o seguimento desses doentes para verificar as recidivas e a evolução do NIAA para câncer. Apresentação da casuística da Equipe Técnica de Proctologia do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, de São Paulo.

MÉTODOS: Acompanhamos 45 doentes HIV-positivos portadores de carcinoma espinocelular anal e seu precursor no período de 1996 a 2006. Eram 30 neoplasias intra-epiteliais anais de alto grau (NIAA), tratadas com ressecção local e 15 carcinomas invasores do canal anal. Nove das 15 lesões invasivas foram submetidas ao esquema de Nigro isolado ou associado à ressecção local, amputação abdominoperineal ou colostomia para derivação.

RESULTADOS: No seguimento ambulatorial das NIAA tivemos recidiva em 16,7% e não observamos evolução para carcinoma, num período mínimo de três anos. Entre os nove tumores submetidos ao esquema de Nigro, com ou sem operação complementar, cinco estão livres de tumor. Nenhum tratamento foi feito em cinco doentes. Em três, devido às péssimas condições clínicas, e em dois, pois recusaram tratamento. Outro teve diagnóstico na vigência de oclusão intestinal sendo submetido à colostomia de derivação.

CONCLUSÃO: Concluímos que a NIAA pode reincidir após excisão local em doentes HIV-positivos, mas não evolui para carcinoma invasor e que os doentes de câncer anal invasor podem ser tratados da mesma maneira que a população soronegativa para o HIV desde que as condições clínicas o permitam.

Unitermos: Carcinoma de células escamosas. Radioterapia. Quimioterapia. Carcinoma intra-epitelial. Infecções por papillomavirus. Aids.

SUMMARY

OBJECTIVE: Incidence of anal squamous cell carcinoma is increasing mainly among HIV-positive patients. Treatment consists of radiotherapy and chemotherapy, sometimes followed by tumor resection. The objective was to evaluate the follow-up of such patients to verify recurrences and evolution from HAIN to cancer. This is a report of cases treated at the "Instituto de Infectologia Emílio Ribas", Sao Paulo, Brazil.

METHODS: We attended 45 HIV-positive patients between July 1996 and June 2006. Most were male (97.7%), with ages ranging from 23 to 55 years (mean: 38.5 years). Thirty patients had high grade anal intra-epithelial neoplasia (HAIN), treated with local resection, and 15 with anal canal invasive squamous cell carcinoma were first submitted to chemo radiation, while biopsies were obtained during follow-up.

RESULTS: Patients with HAIN had recurrences in 16.7% of cases and remained cancer free for up to five years. Chemoradiation was not possible in five patients with invasive carcinoma (40%) because three had advanced AIDS and two refused treatment. Eight (88.8%) out of nine patients had complete response to chemoradiation and remained cancer free for a period from three to six years. Chemoradiation failed in the ninth patient: abdominal perineal resection was performed, and there was no recurrence over a five-year period.

CONCLUSION: We concluded that HAIN can recur after local resection in HIV-positive patients but does not evolve to invasive carcinoma. Invasive cancer can be treated in the same way as in HIV seronegative persons, when clinical conditions permit.

Key words: Carcinoma, squamous cell. Radiotherapy. Drug Therapy. Carcinoma in situ. Papillomavirus infections. Aids.

INTRODUÇÃO

A incidência do carcinoma anal corresponde a 1,5% de todos os tumores do aparelho digestório, e entre 2% e 4% dos tumores colo-retais1-2. Acomete mais mulheres do que homens, na proporção de 5:13. Entretanto, sua freqüência é 25 a 50 vezes maior entre os portadores do vírus da imunodeficiência adquirida (HIV), demonstrando mudança na epidemiologia dessa afecção2,4. Esse aumento vem sendo notado desde os anos 80, particularmente entre os homossexuais masculinos5, e parece estar intimamente associado à infecção pelo Papilomavírus Humano (HPV)6-7. Além disso, vários autores acreditam que o esquema de drogas anti-retrovirais, atualmente usado pelos portadores do HIV, aumenta a expectativa de vida desses doentes. Desta forma, o estado de imunodepressão crônico e de maior duração pode predispor ao aparecimento de maior número de tumores malignos8-9.

Na literatura médica estão descritos vários fatores de risco para o carcinoma anal. São eles: a imunodepressão causada pela infecção pelo HIV; a associação com a infecção pelo HPV; a contagem sérica de linfócitos T CD4+ inferior a 100/mm3; a contagem viral elevada do HIV sugerindo ausência ou ineficácia do tratamento e denotando imunodepressão iminente; e a presença de displasia acentuada10-12, também conhecida como neoplasia intra-epitelial anal de alto grau (NIAA). Associadas a essas, outras situações de risco também foram observadas, tais como o trauma local e a inflamação crônica e prolongada, o sexo anal receptivo e o tabagismo2.

A importância da imunodepressão e da infecção pelo HIV em relação a esse tumor se nota quando reparamos que a doença, antes mais freqüente nas mulheres acima dos 60 anos de idade3,13, tornou-se mais comum nos homens entre 30 e 40 anos14. Uma vez que o carcinoma anal é raro entre os soronegativos para o HIV e sua incidência vem crescendo entre os doentes de imunodeficiência adquirida (Aids), esse vírus poderia ser o co-fator que o HPV necessita para induzir às displasias que podem progredir para carcinoma4.

Muitos relatos têm indicado o tratamento não operatório com radio e quimioterapia que possui altos índices de cura e preserva o esfíncter anal15,16. A expectativa de sobrevivência de 90% em cinco anos é referida com o uso de radioterapia em aplicações fracionadas, que somadas atingem entre 4500 cGy e 5500 cGy, associada à mitomicina C e ao 5-fluorouracil, endovenosos16-17. Quando não há resposta, o tratamento operatório com ressecção local ou amputação abdominoperineal estão indicados18. Para os doentes HIV-positivos o esquema terapêutico deve ser o mesmo15,19.

O prognóstico é pior entre os doentes imunocomprometidos. Esses apresentam mais metástases linfonodais, maiores taxas de recidiva, menor expectativa de vida10,20, e pior resposta à radio e à quimioterapia associadas12. Estudos comparando doentes imunodeprimidos e imunocompetentes vêm mostrando, respectivamente, envolvimento linfonodal em 60% e 17%, recidivas em 75% e 6%, boa resposta à radio e quimioterapia em 62% e 85%, toxicidade a esse tratamento em 80% e 30%, e sobrevivência global de 1,4 e 5,3 anos10,12,20. Todavia, naqueles que receberam o esquema de drogas anti-retrovirais21, o número de linfócitos T CD4+ aumentou22 e o prognóstico melhorou11, sugerindo melhora da imunidade e controle da doença. Além disso, quantidade de displasias diminuiu apesar de haver discordância quanto a esse fato23.

Poucos artigos sobre carcinoma anal em doentes HIV-positivos vêm sendo publicados. Desta maneira, decidimos avaliar o seguimento desses doentes para verificar as recidivas e a evolução do NIAA para câncer.

MÉTODOS

Entre julho de 1996 e junho de 2006, atendemos 45 doentes HIV-positivos com câncer anal ou NIAA, seu provável precursor. A maioria era masculina (97,7%) com idades variando entre 23 e 55, com média de 38,5 anos. Trinta apresentavam NIAA e 15 tinham carcinomas espinocelulares localizados no canal anal.

Os doentes com NIAA foram diagnosticados durante avaliação histológica das peças ressecadas de 23 condilomas anais, quatro doenças de Bowen, duas úlceras idiopáticas do canal anal e uma fistulectomia. Todos referiram tratamento anterior para condilomas anais. O tipo do HPV foi identificado com o método da reação em cadeia da polimerase (PCR) realizado no material obtido dos blocos de parafina dos espécimens ressecados.

Suspeitamos dos tumores malignos durante o exame físico do doente e o diagnóstico foi confirmado pela avaliação histológica. Todos os doentes foram atendidos entre 1996 e 2006, período em que o atual esquema anti-retroviral estava disponível. E todos se diziam aderentes ao tratamento da infecção pelo HIV. Realizamos o exame físico e indicamos as radiografias do tórax e a tomografia computadorizada do abdome e da pelve para conhecer o estádio da doença neoplásica, utilizando as classificações do American Joint Committee on Cancer/ Union Internationale Contre le Cancer (AJCC/UICC) (Tabela 1)24. Nove doentes estavam no estádio II (20%) e seis no estádio III (13,4%).

Para os doentes com NIAA, decidimos que a ressecção local, já realizada, foi suficiente como tratamento da doença anal. Para aqueles com carcinoma, a radio e quimioterapia combinada seria realizada inicialmente, desde que houvesse boas condições clínicas e que a operação de emergência não fosse necessária. Todos os doentes no estádio II foram submetidos a radio e quimioterapia. A radioterapia foi fracionada em doses que somadas totalizaram de 4.500 a 5.040 cGy e o esquema quimioterápico incluiu 5-fluoruacil e mitomicina C, endovenosos. Nesse grupo, incluímos um doente com tumor de pequenas dimensões, submetido à biópsia excisional. O tumor comprometia microscopicamente as margens da área ressecada. Outro doente foi submetido à colostomia de alça para derivação do trânsito intestinal antes do esquema adjuvante. Entre os doentes no estádio III, dois recusaram qualquer tratamento, um foi submetido à colostomia em alça para derivação do trânsito intestinal devido obstrução tumoral e três não possuíam condições clínicas aceitáveis para a radio e quimioterapia, devido ao grau avançado da infecção pelo HIV.

Nos doentes com NIAA, o seguimento consistiu de avaliação semanal até cicatrização completa, retornos mensais até o sexto mês, passando a semestral, desde que não houvesse doença perianal. Realizamos biópsias das áreas suspeitas, e sempre que necessárias, com auxílio do colposcópio e ácido acético25.

Naqueles submetidos a radio e quimioterapia fizemos avaliações trimestrais e retiramos material para biópsia da área da fibrose, bem como das áreas suspeitas e das recidivas, 30 dias após o término do esquema terapêutico e depois a cada três meses.

RESULTADOS

Todos os doentes com NIAA tinham infecção pelo HPV sugerida pelo exame histológico. O PCR identificou o tipo do HPV em 13 doentes. Eram sete (53,8%) com os tipos não-oncogênicos 6 e 11, quatro com os oncogênicos 18 e 31 (30,8%), o tipo 53, de oncogenicidade desconhecida, em um (7,7%), e em outro o tipo viral é desconhecido (7,7%). Em três, o HPV não foi identificado. Todos permaneceram livres da doença e não houve progressão para carcinoma invasor num período que variou entre três e seis anos. No entanto, 17 (56,7%) apresentaram recidiva do condiloma, sendo cinco deles com NIAA (16,7%). A presença do HPV pôde ser observada em seis (40%) dos doentes com carcinoma invasor. Essa infecção foi diagnosticada pelas características histológicas como coilocitose e inclusões virais intracelulares.

Quanto aos portadores do câncer anal, oito (88,8%) daqueles no estádio II submetidos à radio e quimioterapia apresentaram resposta completa e permanecem livres da doença após seguimento de cinco a oito anos (média de sete anos). Dois relataram cefaléia e fraqueza durante dois ou três dias após a quimioterapia. O doente submetido à colostomia antes do tratamento teve a estomia fechada após seis meses. Submetemos aquele (11,2%) que não respondeu ao tratamento à amputação abdominoperineal. Ele permanece vivo e livre da doença após cinco anos. Em quatro doentes, a radiação resultou em úlceras que não cicatrizaram, entretanto, as biópsias seriadas não revelaram doença neoplásica. A amputação abdominoperineal foi proposta para controle da úlcera, apesar de não haver malignidade, mas dois recusaram a operação e nos outros, o estádio de imunodeficiência contra-indicou o procedimento. Os seis doentes no estádio III não receberam tratamento específico para o carcinoma. A sobrevivência variou de 20 dias a seis meses (média de três meses). A morte em cinco deles (83,3%) foi provocada pelas doenças associadas à Aids e no outro (16,7%) pela progressão do câncer.

Nós também observamos que os seis doentes com pior evolução tinham as contagens de linfócitos T CD4+ muito baixas (média de 9/mm3, variando entre 4 e 21), enquanto que nos demais, com melhor evolução, as contagens oscilaram entre 25 e 332/mm3 (média de 217/mm3) à época do diagnóstico. O teste do t de Student mostrou diferença significante. (p = 0.005)

DISCUSSÃO

Desde os anos 1980, o aumento dos casos de carcinoma anal, associados à infecção pelo HPV, vem sendo observado6,26. Caso o HPV seja o agente etiológico, esse tipo de câncer poderá ser considerado como doença sexualmente transmissível6,7. Na literatura, a incidência do HPV entre doentes com carcinoma anal varia entre 35% e 60%6-7. Em nossos casos, o HPV esteve presente em 100% das NIAAs e em 40% dos carcinomas invasores. Todavia, o PCR só pôde ser realizado em 16 doentes, identificando os tipos virais em 13 deles (81,2%). A literatura mostrou que a positividade da PCR para os tipos de HPV variou entre 32 e 93,8%, quando tecidos fixados em formalina e parafinados foram avaliados27-30.

Os tipos 5, 8, 16, 18, 31 e 45 do HPV são os mais comuns na região anogenital e são considerados como oncogênicos. As oncoproteínas E6 desses tipos virais interagem com a E6AP ubiquitina ligase e se ligam a várias proteínas celulares, incluindo a p53, causando degradação celular31. Muitos autores acreditam que o potencial oncogênico desse vírus provavelmente venha dessa interação32-33. Em nosso estudo, observamos tanto os tipos oncogênicos como os não-oncogênicos do HPV provocando NIAA, sugerindo que esses últimos também podem estar associados às displasias mais acentuadas e ao risco de evolução para carcinoma invasor.

Embora o câncer anal seja mais freqüente em mulheres acima dos 60 anos, em nosso estudo a maioria era masculina (97,8%) com média de 38,5 anos de idade. Essa discrepância foi devida ao perfil de nossos doentes: grande incidência de homens nas terceira e quinta décadas da vida e infecção pelo HIV, como descrito na literatura14. O aparecimento do carcinoma anal em idade mais jovem pode ocorrer devido à infecção pelo HPV, imunodepressão local e sistêmica provocada pela infecção pelo HIV e sexo anal receptivo7,20,22-23.

NIAA significa a presença de tumor restrito à mucosa. O diagnóstico desses casos é mais raro e geralmente ao acaso34, embora haja especialistas em HIV fazendo rastreamento e seguimento com raspado para citologia (Papanicolaou)35-36. Nossos 30 doentes tiveram diagnóstico feito com estudo histológico dos espécimens retirados das doenças anais operadas. Algumas delas tiveram incidência aumentada entre os doentes soropositivos para o HIV, como por exemplo, o condiloma acuminado, a doença de Bowen (que é idêntica à NIAA), úlcera idiopática do canal anal e fístula37. A ressecção local é o tratamento inicial preferencial para a NIAA13. Nós decidimos por essa conduta operatória e seguimento rigoroso. Nenhum dos nossos doentes evoluiu para câncer invasor, apesar de muitas dessas ocorrências estarem relatadas na literatura4. Identificamos cinco doentes (16,7%) com recidiva da NIAA no seguimento, percentual inferior ao da literatura que registrou freqüências entre 64% e 73%38-39. Rotineiramente, tratamos todas as infecções induzidas pelo HPV com quatro aplicações tópicas, semanais, de podofilina a 25% em vaselina sólida, quando abaixo da linha pectínea e ácito tricloroacético a 90%, se acima dessa. As lesões remanescentes são submetidas à ressecção ou eletrocauterização. Notamos menos recidivas com esse esquema. Talvez, esse procedimento esteja evitando as recidivas da NIAA em nossos doentes. De qualquer maneira, todas os espécimens ressecados devem ser histologicamente examinados. Além disso, embora a ressecção local da NIAA possa parecer suficiente, o seguimento de forma oncológica é necessário para esses doentes.

O esquema com radio e quimioterapia combinadas é o tratamento inicial para os carcinomas do canal anal15,16. Entretanto, nos doentes HIV-positivos, essa terapia pode ser contra-indicada conforme o estado de imunodepressão ou intensidade das infecções oportunistas, piorando o prognóstico40-41. Somado a isso, esses doentes têm menor tolerância ao tratamento que pode provocar complicações clínicas e alterações hematológicas, especialmente leucopenia16,41. Os efeitos tóxicos agudos e crônicos da quimioterapia podem ser exarcebados naqueles com contagens de linfócitos TCD4+ inferiores a 200/mm3, requerendo tratamento medicamentoso adicional10,16,41. Não observamos qualquer efeito tóxico em nossos doentes, mas dois deles queixaram-se de cefaléia e fraqueza transitória e de curta duração após a quimioterapia. Ambos tinham contagens séricas de linfócitos T CD4+ inferior a 200/mm3.

Nós acompanhamos cinco doentes no estádio III, com Aids avançada, doenças oportunistas e leucopenia (contagens inferiores a 1.000/mm3), e que não possuíam condições clínicas para o tratamento específico para o câncer anal, e que morreram pelas complicações ocasionadas pela Aids. Dentre os nove doentes no estádio II que foram submetidos à radio e quimioterapia, oito tiveram resposta completa (88,8%). Essa taxa de sucesso foi semelhante às obtidas para os doentes HIV-negativos com tumores no mesmo estádio, que variou de 70% a 92%15,41.

Aqueles que apresentam resposta ausente ou parcial à radio e quimioterapia podem ser submetidos à nova quimioterapia, usando 5-fluorouracil e cisplatina associadas, e doses complementares de radioterapia com taxas de sucesso em até 50% dos casos42-43. O tratamento operatório é necessário para ressecar o tumor remanescente em caso de falência da terapia inicial, o que ocorre em 10% a 15% das vezes, sendo a amputação abdominoperineal o procedimento mais realizado44-46. A radio e quimioterapia falhou em apenas um dos nossos doentes (11,2%). Ele tinha menos que 200 linfócitos T CD4+, nenhuma doença oportunista e boas condições clínicas. Permanece sem doença residual, cinco anos após a amputação abdominoperineal.

Nós também observamos que os doentes com pior evolução tinham contagens muito baixas de linfócitos T CD4+ na época do diagnóstico do câncer anal. Resultados similares foram relatados por outros23, confirmando a importância do estado imunológico na gênese e na evolução desse tumor.

CONCLUSÃO

Baseados em nossos resultados, concluímos que a NIAA pode reincidir após excisão local em doentes HIV-positivos, mas não evolui para carcinoma invasor e que os doentes de câncer anal invasor podem ser tratados da mesma maneira que a população soronegativa para o HIV desde que as condições clínicas o permitam.

Conflito de interesse: não há.

Artigo recebido: 01/02/07

Aceito para publicação: 02/04/07

Trabalho foi realizado pelas Equipes de Proctologia e Patologia do Instituto de Infectologia Emilio Ribas, São Paulo, Brasil

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Set 2007
    • Data do Fascículo
      Ago 2007

    Histórico

    • Aceito
      02 Abr 2007
    • Recebido
      01 Fev 2007
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