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Assistência pré-natal: parte I

DIRETRIZES EM FOCO

Assistência pré-natal – parte I

Autoria: Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia

Participantes: Victor Hugo de Melo e Suzana Maria Pires do Rio

Descrição do método de coleta de evidência:

Revisão bibliográfica de artigos científicos. Os textos foram selecionados após criteriosa avaliação da força de evidência científica.

Graus de recomendação e força de evidência:

A: Estudos experimentais ou observacionais de melhor consistência;

B: Estudos experimentais ou observacionais de menor consistência;

C: Relatos de casos (estudos não controlados);

D: Opinião desprovida de avaliação crítica, baseada em consensos, estudos fisiológicos ou modelos animais.

Diagnóstico precoce da gravidez

Considerando que entre 11% e 42% das idades gestacionais estimadas pela data da última menstruação são incorretas, deve-se oferecer à gestante, na primeira consulta, exame ultra-sonográfico para determinar a idade gestacional. É ideal que este seja realizado no período entre 10 e 13 semanas, utilizando o comprimento cabeça-nádega para determinar a idade gestacional. A partir da 15ª semana, a estimativa da idade gestacional será feita por meio da medida do diâmetro biparietal. Este exame assegura a confiabilidade da idade gestacional1(A).

A dosagem da gonadotrofina coriônica humana (ßhCG) para o diagnóstico precoce da gravidez, utilizando medidas quantitativas precisas e rápidas, tornou este teste mundialmente reconhecido para confirmar a ocorrência de gravidez. O ßhCG pode ser detectado no sangue periférico da mulher grávida de oito a onze dias após a concepção. Os níveis plasmáticos aumentam rapidamente até atingir um pico entre 60 e 90 dias de gravidez. A maioria dos testes tem sensibilidade para detecção de gravidez entre 25 a 30mUI/ml. RESULTADOS falsos-positivos ocorrem na faixa de 2 a 25mUI/ml. Do ponto de vista prático, níveis menores que 5mUI/ml são considerados negativos e acima de 25mUI/ml são considerados positivos2(D).

Orientação e recomendações gerais

Constipação

A suplementação dietética com fibras vegetais ajuda reduzir a constipação durante a gravidez. Esta suplementação aumentou a freqüência de evacuação em 67% das gestantes que a utilizaram, versus 23% entre as que não utilizaram (OR-0,18; IC a 95%: 0,05-0,67). A consistência das fezes também ficou mais amolecida.

Se não houver resposta à suplementação com fibras, laxativos estimulantes serão mais efetivos (77%) que os formadores de volume (50%) (OR-0,30; IC a 95%: 0,14-0,61)3(A).

Repouso

Não existem dados suficientes para sustentar a orientação de repouso no leito como prevenção de abortamento em mulheres com sangramento vaginal na primeira metade da gravidez4(A).

Não existem evidências de que o repouso no leito, domiciliar ou hospitalar, previne o parto pré-termo. Em revisão da Cochrane Review, o parto prematuro antes de 37 semanas foi similar, tanto no grupo que observou o repouso (7,9%), quanto no grupo controle (8,5%) (RR-0,92; IC a 95%: 0,62-1,37). Devido aos potenciais efeitos adversos que o repouso no leito pode trazer para a mulher e seus familiares, além dos custos aumentados para o sistema de saúde, os médicos não devem prescrever repouso no leito rotineiramente como prevenção para o parto pré-termo. Potenciais riscos e benefícios devem ser discutidos com a paciente e os familiares5(A).

Exercícios físicos

Exercício aeróbico regular durante a gravidez parece melhorar ou manter a capacidade física e a boa imagem corporal. Entretanto, os dados ainda são insuficientes para esclarecer os possíveis riscos e benefícios para a mãe e o recém-nascido6(A).

Gestantes saudáveis devem ser avaliadas antes de iniciarem atividade física. Grande parte das atividades recreativas são seguras durante a gravidez. No entanto, devem ser evitados exercícios que coloquem as gestantes em risco de quedas ou trauma abdominal. Recomenda-se a prática de exercícios moderados por 30 minutos, diariamente7(D).

Hipertermia

Hipertermia (temperatura axilar maior que 38,9ºC) pode ser responsável por teratogênese e defeitos do tubo neural quando ocorrer no primeiro trimestre gestacional (RR- 1,95; IC a 95%: 1,3-2,9)8(A).

A exposição ao calor na forma de banhos quentes de imersão (RR-2,8; IC a 95%: 1,2-6,5), no primeiro trimestre da gravidez, associa-se a risco aumentado de defeitos do tubo neural. Outras formas de exposição ao calor, como sauna (RR-1,8; IC a 95%: 0,4-7,9) e febre (RR-1,8; IC a 95%: 0,8-4,1), apesar de demonstrarem maior risco, não apresentaram significância estatística isoladamente. Entretanto, após exposição a dois ou mais tipos de calor, o risco é significativamente maior (RR-6,2; IC a 95%: 2,2-17,2), devendo ser evitados nesse período gestacional9(A).

Banho quente de hidromassagem se associa a risco duas vezes maior de abortamento antes de 20 semanas de gestação (HR-2,0; IC a 95%: 1,3-3,1). O risco aumenta com a freqüência do banho e a menor idade gestacional: mais que um banho por semana apresenta risco 2,7 maior10(A).

Viagens aéreas

Viagens aéreas, geralmente, são seguras para a grávida até quatro semanas antes da data provável do parto11(D).

Vacinações

Gripe

As modificações do sistema imunológico durante a gravidez podem aumentar a probabilidade de ocorrência de complicações da gripe (pneumonia), especialmente no terceiro trimestre. Por isso, deve-se oferecer vacina contra o vírus da influenza a toda gestante durante a estação de gripe. A vacinação está contra-indicada para mulheres com história de hipersensibilidade a ovo de galinha ou a componentes da vacina12(D).

Tétano

O Ministério da Saúde preconiza a aplicação da vacina dupla tipo adulto (dT) ou, na falta desta, a vacina com o toxóide tetânico (TT), durante a gravidez, para a proteção da gestante e a prevenção do tétano neonatal13(D).

Trabalho

Pacientes com história prévia de dois ou mais abortamentos não devem permanecer muitas horas em pé ou caminhando, seja no trabalho ou em atividades domésticas. Aquelas que trabalham mais de sete horas em pé apresentam probabilidade maior de abortamento espontâneo (OR-4,3; IC a 95%: 1,6-11,7). Para as gestantes sem história prévia de abortamento não foi encontrado risco associado à atividade física durante a jornada de trabalho14(B).

Atividade sexual

Atividade sexual durante o terceiro trimestre da gravidez não está associada ao aumento da mortalidade perinatal, comparando mulheres sem atividade sexual com aquelas com mais de quatro relações por mês (OR-0,87; IC a 95%: 0,74-0,89)15(B).

Atividade sexual durante o terceiro trimestre da gravidez não está associada ao aumento da prematuridade, independentemente da presença de vaginose bacteriana (RR-1,2; IC a 95%: 0,9-1,6) ou tricomoníase (RR-0,5; IC a 95%: 0,2-1,1)16(A).

Ingestão de álcool

Não existem evidências sobre as vantagens da visitação domiciliar de equipe multidisciplinar às gestantes com problemas de abuso de bebidas alcoólicas durante a gravidez (RR-1,08; IC a 95%: 0,83-1,41)17(A).

Os programas de aconselhamento podem ser intervenções efetivas para diminuição do consumo de álcool da gestante18(A).

Recém-nascidos prematuros de gestantes que ingerem sete ou mais doses de bebida alcoólica por semana, e/ou três ou mais doses na mesma ocasião, têm maior risco de apresentar as formas mais comuns de lesão cerebral: hemorragia cerebral (OR-5,5; IC a 95%: 1,2-24,7) e destruição da substância branca (OR-9,5; IC a 95%:1,9-46,4)19(A).

Não foi encontrada nenhuma evidência de que existe quantidade segura de consumo de álcool durante a gravidez. A abstinência é o recomendado20(D).

Uso de drogas ilícitas

Não existem evidências sobre as vantagens da visitação domiciliar de equipe multidisciplinar às gestantes com problemas de uso de drogas ilícitas durante a gravidez (RR-0,95; IC a 95%: 0,75-1,20)17(A).

O uso de cocaína durante a gestação aumenta significativamente o risco de descolamento prematuro da placenta (RR-4,55; IC a 95%: 3,19-6,5) e de rotura prematura das membranas (RR-1,85; IC a 95%: 1,35- 2,52)21(A).

Tabagismo

São efetivas as intervenções sobre gestantes tabagistas, utilizando material visual, com o objetivo de suspensão do uso de cigarro (OR-1,6; IC a 95%:1,4-1,8)22(A).

O texto completo da Diretriz: Assistência Pré-natal está disponível nos sites: www.projetodiretrizes.org.br e www.amb.org.br.

Referências

1. Crowther CA, Kornman L, O'Callaghan S, George K, Furness M, Willson K. Is an ultrasound assessment of gestational age at the first antenatal visit of value? A randomized clinical trial. Br J Obstet Gynaecol. 1999;106:1273-9.

2. Davies S, Byrn F, Cole LA. Human chorionic gonadotropin testing for early pregnancy viability and complications. Clin Lab Med. 2003;23:257-64.

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4. Aleman A, Althabe F, Belizán J, Bergel E. Bed rest during pregnancy for preventing miscarriage. Cochrane Database Syst Rev 2005;2:CD003576.

5. Sosa C, Althabe F, Belizán J, Bergel E. Bed rest in singleton pregnancies for preventing preterm birth. Cochrane Database Syst Rev. 2004;1:CD003581.

6. Kramer MS. Aerobic exercise for women during pregnancy (Cochrane Review). In: The Cochrane Library, Issue 2. Oxford: Update Software; 2005.

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8. Moretti ME, Bar-Oz B, Fried S, Koren G. Maternal hyperthermia and the risk for neural tube defects in offspring: systematic review and meta-analysis. Epidemiology. 2005;16:216-9.

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10. Li DK, Janevic T, Odouli R, Liu L. Hot tub use during pregnancy and the risk of miscarriage. Am J Epidemiol. 2003;158:931-7.

11. ACOG Committee on Obstetric Practice. ACOG committee opinion. Air travel during pregnancy. Int J Gynaecol Obstet. 2002; 76:338-9. National Collaborating Centre for Women's and Children's Health. Antenatal care: routine care for the healthy pregnant woman. Avaliable from: http:// www.rcog.org.uk/resources/Public/Antenatal_Care.pdf.

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20. National Collaborating Centre for Women's and Children's Health. Antenatal care: routine care for the healthy pregnant woman. Avaliable from: http:// www.rcog.org.uk/resources/Public/ Antenatal_Care.pdf.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Out 2007
  • Data do Fascículo
    Out 2007
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