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Análise histológica e morfométrica da área cruenta tratada com membrana de silicone: estudo em ratos

Histological and morphometric analysis of the raw areas treated with a silicone membrane: study in rats

Resumos

OBJETIVO: o estudo avaliou o efeito da membrana de silicone no tratamento de área cruenta de ferimento. MÉTODO: O estudo experimental foi realizado com 30 ratos Wistar, machos, divididos igualmente em três grupos: no grupo G G, a área cruenta foi tratada com gazes; no grupo G H, com enxerto homólogo de pele; e no grupo G S, com membrana de silicone. Após 14 dias de pós-operatório, os animais foram mortos para a realização do estudo. Os atributos estudados foram a variação da massa corporal dos animais; o estudo histológico quantificado por análise morfométrica, avaliando o número de neovasos, fibroblastos, fibras colágenas, leucócitos e monócitos; e a medida da espessura da área cruenta através de régua micrométrica. Os dados foram submetidos à análise estatística. RESULTADOS: Não houve diferença significativa entre as massas dos animais. Observou-se predomínio de neovasos, fibroblastos e espessura de área cruenta nos animais do grupo G S. Houve predomínio de leucócitos e monócitos nos animais do grupo G H. Também foi observado que não houve diferença significativa entre os grupos quanto às fibras colágenas. CONCLUSÃO: A membrana de silicone proporcionou tecido de granulação com maior número de neovasos, fibroblastos e maior espessura.

Ratos; Ferimento; Queimadura; Curativo; Membrana sintética


BACKGROUND: This study evaluated the effects of a silicone membrane on the treatment of the raw flesh area in wounds. METHODS: The experimental study was carried out with 30 male Wistar rats divided into three groups: in the G G group, the raw area was treated with gauze, in the G H group with homograft, and in the G S group with a silicone membrane. Animals were sacrificed at fourteen days of postoperative. The studied attributes were body mass variation, histological study quantified by morphometric analysis evaluating the number of neovessels, fibroblasts, collagen fibers, leucocytes, monocytes; and using a micrometric ruler measurement of the raw area's thickness. Data were then submitted to statistical analysis. RESULTS: There was no significant difference between the animals' mass (p=0.0685). Predominance of neovessels (p<0.01), fibroblasts (p<0.001) and thickness of the raw flesh were observed in G S animals. There was predominance of leucocytes (p<0.021) and monocytes (p<0.0001) in G H animals. Also, no significant difference between the groups as for collagen fibers (p=0.0536) was observed. CONCLUSION: The silicone membrane promoted granulation tissue with a large number of neovessels, fibroblasts and greater thickness.

Rat; Burn; Wound; Dressing; Synthetic membrane


ARTIGO ORIGINAL

Análise histológica e morfométrica da área cruenta tratada com membrana de silicone: estudo em ratos

Histological and morphometric analysis of the raw areas treated with a silicone membrane: study in rats

Eduardo Carlos da Silveira Mendes Júnior* * Correspondência Tel.: (17) 3523 1104; fax: (17) 3522 2383; 77em@terra.com.br ; Fausto Viterbo; Celina Santaella Rosa

RESUMO

OBJETIVO: o estudo avaliou o efeito da membrana de silicone no tratamento de área cruenta de ferimento.

MÉTODO: O estudo experimental foi realizado com 30 ratos Wistar, machos, divididos igualmente em três grupos: no grupo GG, a área cruenta foi tratada com gazes; no grupo GH, com enxerto homólogo de pele; e no grupo GS, com membrana de silicone. Após 14 dias de pós-operatório, os animais foram mortos para a realização do estudo. Os atributos estudados foram a variação da massa corporal dos animais; o estudo histológico quantificado por análise morfométrica, avaliando o número de neovasos, fibroblastos, fibras colágenas, leucócitos e monócitos; e a medida da espessura da área cruenta através de régua micrométrica. Os dados foram submetidos à análise estatística.

RESULTADOS: Não houve diferença significativa entre as massas dos animais. Observou-se predomínio de neovasos, fibroblastos e espessura de área cruenta nos animais do grupo GS. Houve predomínio de leucócitos e monócitos nos animais do grupo GH. Também foi observado que não houve diferença significativa entre os grupos quanto às fibras colágenas.

CONCLUSÃO: A membrana de silicone proporcionou tecido de granulação com maior número de neovasos, fibroblastos e maior espessura.

Unitermos: Ratos. Ferimento. Queimadura. Curativo. Membrana sintética.

SUMMARY

BACKGROUND: This study evaluated the effects of a silicone membrane on the treatment of the raw flesh area in wounds.

METHODS: The experimental study was carried out with 30 male Wistar rats divided into three groups: in the GG group, the raw area was treated with gauze, in the GH group with homograft, and in the GS group with a silicone membrane. Animals were sacrificed at fourteen days of postoperative. The studied attributes were body mass variation, histological study quantified by morphometric analysis evaluating the number of neovessels, fibroblasts, collagen fibers, leucocytes, monocytes; and using a micrometric ruler measurement of the raw area's thickness. Data were then submitted to statistical analysis.

RESULTS: There was no significant difference between the animals' mass (p=0.0685). Predominance of neovessels (p<0.01), fibroblasts (p<0.001) and thickness of the raw flesh were observed in GS animals. There was predominance of leucocytes (p<0.021) and monocytes (p<0.0001) in GH animals. Also, no significant difference between the groups as for collagen fibers (p=0.0536) was observed.

CONCLUSION: The silicone membrane promoted granulation tissue with a large number of neovessels, fibroblasts and greater thickness.

Key words: Rat. Burn. Wound. Dressing. Synthetic membrane.

INTRODUÇÃO

Quando existem ferimentos graves e extensos, sejam eles provocados por queimaduras, abrasão da pele, avulsão de tecidos, úlcera ou perda pós-necrótica de tecidos cutâneos, há necessidade de instituir tratamento adequado até que se produza a cicatrização das lesões mais superficiais e a formação de tecido de granulação das áreas mais profundas1. Estima-se que cerca de um milhão de pessoas sofra algum grau de queimaduras no Brasil a cada ano, sendo que cem mil pacientes procuram atendimento hospitalar e, destes, cerca de 2,5 mil morrem por razão direta ou indireta de suas lesões2.

É de conhecimento dos profissionais da área de saúde, que trabalham em Unidades de Tratamento de Queimados (UTQ), que a cobertura cutânea dos pacientes que possuem grande área corpórea comprometida com queimaduras de segundo grau profunda e/ou de terceiro grau é certamente a maior dificuldade3. Observa-se que a retirada do tecido desvitalizado, deixando extensa área cruenta exposta que, por si só, já é um excelente meio de cultura, exacerba uma série de alterações fisiológicas e propicia a infecção. O fechamento destas áreas é, portanto, uma condição primordial na recuperação destes pacientes e, quanto mais precoce for sua realização, maior a chance de sobrevida do paciente4,5.

Entre os biomateriais que estão no mercado, existem alguns produtos que empregam na sua fabricação processo de engenharia tecidual de alta tecnologia6,7,8,9. Dentre estes, encontra-se o GraftsKin®, tecido equivalente à pele, bilaminado, produzido a partir da pele do prepúcio de recém-nascidos e de uma matriz de colágeno bovino tipo 1 purificada e condensada, associado à suspensão de fibroblastos dérmicos7.

Outro produto é o CollatampFacie®, membrana de colágeno tipo 1, derivada de tendão de Aquiles de bovinos, associada a um equivalente epidérmico temporário10,11.

Há o Dermagraft®, uma tela dérmica, metabolicamente ativa, que contém proteínas da matriz (colágenos tipo I, III, V e VII, elastina, fibronectina e tenascina), fatores de crescimento presentes na derme humana e glicosaminoglicanos11.

O Biofill® é uma película microfibrilar de celulose pura, constituída por uma rede de fibras de celulose dispostas ao acaso12.

O Biobrane®, membrana de silicone com nylon ligado a peptídios do colágeno dérmico, é um substituto temporário, de curto prazo, semipermeável e com boa aderência e flexibilidade10.

O Duoderm® é uma membrana impermeável com camada profunda de partículas hidroativas agregadas em polímero inerte, funcionando como um curativo hidroativo13.

A membrana de silicone Silimed® é constituída de elastômero básico e polidimetil-siloxano com carga de sílica pura, posicionada diretamente sobre a área cruenta de ferimentos, proporciona uma camada protetora fisiológica, controlando a redução de perdas hidroeletrolíticas e protéicas, redução da contaminação e proliferação bacteriana. É impermeável, mas a drenagem de secreções de exudação da área cruenta, bem como a troca de gases da ferida, podem ser feitas através de fenestras na sua superfície.

A pele artificial IntegraTM é um material artificial composto por duas camadas. A primeira, externa, é composta por uma membrana de silicone. A camada interna é altamente porosa e composta por colágeno de origem bovina e glicosaminoglicano (condroitina-6-sulfato). A partir do 21º dia da aplicação da matriz, é possível remover a camada de silicone e substituí-la por autoenxerto ultrafino em malha, ou semeadura de queratinócitos autólogos cultivados6,14,15. Há muitas dúvidas quanto à utilização deste produto, por período de 21 dias ou mais, para a preparação da nova derme. Inicialmente, existe a preocupação no aumento do risco de infecção bacteriana e, com isso, tempo maior de hospitalização.

O objetivo deste estudo foi avaliar os efeitos da membrana de silicone sem a associação a materiais heterólogos no tratamento de ferimento.

MÉTODOS

Foram utilizados 30 ratos albinos, da raça "Wistar", machos, com massa corporal variando entre 285 g e 315 g (média de 299,13 g). Os animais, distribuídos aleatoriamente, foram operados com a finalidade de se obter área cruenta no dorso, e divididos em três grupos: grupo GG, com dez animais, em que foi realizado curativo com gazes raiom (considerados grupo controle); grupo GH, com dez animais, em que foi realizado curativo com enxerto homólogo de pele; e grupo GS, com dez animais, em que foi realizado curativo com membrana de silicone Silimed® (Industria Brasileira, Rio de Janeiro, Brasil).

Os animais foram anestesiados pela via intraperitoneal, recebendo dose de 30 mg/kg de massa corporal de Pentobarbital Sódico 3%. Após a anestesia, foi aferida a massa dos animais e, logo após, realizou-se a tricotomia no terço médio da região dorsal, em área quadrada, com seis centímetros de lado. Em área quadrada demarcada com três centímetros de lado, houve ressecção da pele, do tecido subcutâneo e do panículo carnoso, deixando exposta a aponeurose da musculatura dorsal.

No grupo GG, a área cruenta foi coberta com gaze raiom embebida em solução fisiológica. O curativo oclusivo foi realizado com gazes de algodão secas e fixado na pele do animal com pontos de fio mononáilon.

No grupo GH, a área cruenta foi coberta com fragmentos ressecados dos animais do grupo GG, preparados como enxerto homólogo de pele total, que foi fixado na pele do animal com pontos simples de fio mononáilon e, então, o curativo oclusivo foi realizado da mesma forma que nos animais do grupo GG.

No grupo GS, a área cruenta foi coberta com membrana de silicone Silimed®, com espessura de 0,13 mm, e fixada na pele do animal com pontos simples de monáilon. Logo após, foram realizadas quatro fenestras na membrana de silicone de, aproximadamente, sete milímetros de extensão, em quatro pontos cardeais e, então, procedeu-se o curativo oclusivo na mesma forma utilizada para os animais dos grupos GG e GH.

No 14º dia, os animais foram mortos, utilizando-se sobredose de Pentobarbital Sódico 3%, via intraperitoneal. Após o procedimento, foi aferida a massa dos animais e então removida a gaze raiom e o curativo de gazes secas nos animais do grupo GG, o enxerto homólogo de pele e o curativo de gases secas nos animais do grupo GH, e a membrana de silicone e o curativo de gazes secas nos animais do grupo GS.

Demarcou-se na pele o fragmento a ser ressecado, abrangendo a área cruenta tratada e o rebordo de pele normal adjacente, perfazendo uma área quadrada de cinco centímetros de lado. Logo após, ressecou-se em bloco único a pele normal, a área cruenta tratada e o tecido subcutâneo, abrangendo na profundidade a musculatura dorsal. Este procedimento foi realizado em todos os animais dos diferentes grupos. A amostra em bloco único foi espraiada e fixada com alfinetes nos quatro pontos cardeais, em placa de isopor dentro de recipiente de plástico. O material permaneceu em solução de formalina tamponada a 10% durante 48 horas. Após este período, dividiu-se a peça em três segmentos, sendo utilizado somente o segmento central, o qual foi processado para exame histopatológico, segundo a rotina do laboratório de histopatologia.

O estudo histológico e morfométrico no processo inflamatório da área cruenta do ferimento enfocou a proliferação de neovasos, fibroblastos, fibras colágenas, leucócitos e macrófagos nos animais dos grupos GG, GH e GS (Figuras 1 e 2). Adotou-se, como valor final, a média em dez campos analisados por animal de cada grupo, utilizando-se aumento óptico de 40 vezes. Para observação histológica e morfométrica da proliferação dos neovasos, foi utilizado o desenho da grade padronizada por Merz, com semicírculos alternados, formando linhas sinuosas paralelas, com pontos eqüidistantes, e modificada para cem pontos de inserção16,17,18,19.



Em grande aumento (40 vezes), o contorno das estruturas vasculares dos neovasos foi desenhado sobre papel com grade modificada de Merz e foram marcados e contados. Considerando a existência de cem pontos em cada campo, foram estudados mil pontos por animal e a medida da variável foi expressa pela média dos dez campos. Para a análise histológica e morfométrica dos fibroblastos, das fibras colágenas, dos leucócitos e dos macrófagos, considerou-se o campo microscópico contido na área quadrada da grade de Merz, de onde foi quantificada cada estrutura por unidade. A medida da variável foi expressa pela média dos dez campos de cada animal. O estudo da espessura da área cruenta engloba o processo inflamatório da área cruenta do ferimento, desde a superfície até a aponeurose profunda da musculatura dorsal de todos animais. Esta medida foi realizada através da utilização de régua microscópica de Breslow, que é graduada com divisões de dezenas de milímetros (0,1 mm)20,21. A aferição desta medida foi feita através de microscópio óptico convencional com aumento de 40 vezes (Figura 3). As médias das medidas, avaliando a massa corpórea dos animais, o número de neovasos, de fibroblastos, de fibras colágenas, de leucócitos e de macrófagos, e a medida da espessura da área cruenta foram submetidas ao procedimento analítico estatístico, através do programa Excel versão 2002, utilizando-se a análise de variância não paramétrica22.


RESULTADOS

A variação de massa final (MF) nos animais do grupo GG foi de 313 g (± 16), do grupo GH foi de 312 g (± 13), e do grupo GS foi de 312,5 g (± 27,5). A média da variação porcentual entre MF (massa final) e MI (massa inicial) foi de 4,2% nos animais do grupo GG, no grupo GH foi de 4,7%, e no grupo GS foi de 4,6%. Não há diferença significativa entre as médias da variação porcentual entre MF e MI (Teste de Kruskal-Wallis), sendo GG = GH =GS (p = 0,0685).

A média de neovasos nos animais do grupo GS (21,3) foi significativamente maior do que a média dos neovasos do grupo GG (19,6). Da mesma forma, GS foi maior que o grupo GH (15,1), e GG foi maior que GH . Há diferença entre as médias (Teste de Kruskal-Wallis) e observa-se diferença significativa (Teste de Dunn), sendo GS > GG > GH (p<0,01) (Gráfico 1).


A média dos fibroblastos nos animais do grupo GS (9,06) foi significativamente maior que a média do grupo GH (6,63). Da mesma forma, GS foi maior que o grupo GG (5,73), e GH foi maior que GG . Há diferença entre as médias (Teste de Kruskal-Wallis) e observa-se diferença significativa (Teste de Dunn) sendo GS > GH >GG (p<0,001) (Gráfico 2).


A média de fibras colágenas nos animais do grupo GS (10,77) não foi significativamente maior que a média do grupo GG (9,2). Da mesma forma, GS foi maior que o grupo GH (9,06), e GG foi maior que GH . Não há diferença entre as médias dos grupos (Teste de Kruskal-Wallis), portanto GG=GH=GS (p=0,0536).

A média dos leucócitos nos animais do grupo GH (4,95) foi significativamente maior que a média do grupo GS (3,92). Da mesma forma, GH foi maior que o grupo GG (3,82), e GS foi maior que GG . Há diferença entre as médias (Teste de Kruskal-Wallis) e observa-se diferença significativa (Teste de Dunn) sendo GH > GS > GG (p<0,021).

A média dos monócitos nos animais do grupo GH (55,48) foi significativamente maior que a média do grupo GS (7,52). Da mesma forma, GH foi maior que o grupo GG (5,36), e GS foi maior que GG. Há diferença entre as médias (Teste de Kruskal-Wallis) e observa-se diferença significativa (Teste de Dunn) sendo GH > GS > GG (p<0,0001).

A média da medida da espessura de área cruenta nos animais do grupo GS (1,21) foi significativamente maior que a média do grupo GG (1,15). Da mesma forma GS foi maior que o grupo GH (0,73), e GG foi maior que GH. Há diferença entre as médias (Teste de Kruskal-Wallis) e observa-se diferença significativa (Teste de Dunn) sendo GS > GG > GH (p<0,01) (Gráfico 3).


DISCUSSÃO

Optou-se por período de 14 dias para o momento do experimento, porque, clinicamente, é o tempo necessário para que haja os desbridamentos dos ferimentos e o preparo das áreas cruentas que devem receber o tratamento definitivo, ou seja, o enxerto de pele autógena5,23. Contrariando o que acontece com pacientes queimados, o presente estudo constatou que a massa final (MF) dos animais, nos três grupos, foi maior que a massa inicial (MI). Não houve infecção nas áreas cuidadas com os diferentes tratamentos de área cruenta e não ocorreu morte entre os animais durante o período experimental. O período de 14 dias do experimento e a área cruenta menor que 10% da área corpórea total são fatores somados que influenciaram este resultado.

Estes são dados pertinentes ao estudo e qualquer outro fator concomitante que possa eventualmente ter ocorrido, não foi observado. O exame histológico mostrou padrão normal e semelhança na morfologia e distribuição dos fibroblastos, das fibras colágenas, leucócitos, monócitos e neovascularização com presença de hemácias no seu interior, nas áreas cruentas avaliadas, concordando com relatos prévios existentes24.

No presente estudo, foi observado que na área cruenta tratada com a membrana de silicone, nos animais do grupo GS, houve predomínio de neovasos, de fibroblastos, de fibras colágenas e aumento da espessura da área cruenta4. Quanto à proliferação de neovasos, os resultados estão de acordo com as observações da literatura.

O macrófago é um tipo celular que se distingue dos demais pela sua grande capacidade de pinocitose e de fagocitose. Sua capacidade fagocitária pode ser evidenciada ao microscópio óptico pela presença de grânulos no interior de seu citoplasma. Quando encontram corpos estranhos de grandes dimensões, os macrófagos fundem-se com os outros, constituindo células grandes, contendo vários núcleos, as chamadas células gigantes ou multinucleadas25. Neste estudo, o número de macrófagos foi excessivo no grupo GH, resultado esperado devido à ação do sistema imunológico para eliminação do enxerto homólogo de pele total. Nos outros grupos, tanto a proteção da área cruenta com gaze raiom ou membrana de silicone, houve reação alérgica discreta, que não alterou os resultados do experimento.

O processo de integração do enxerto homólogo de pele não tem diferença aparente da integração do enxerto autólogo, pois a neovascularização se processa de forma idêntica. A diferença notada nas observações microscópicas entre os dois tipos de enxerto foi de infiltrado de linfócitos e macrofágos no enxerto homólogo. A utilização da membrana de silicone no tratamento de área cruenta no dorso dos animais do grupo GS teve como objetivo oferecer proteção à área cruenta com baixo custo, de fácil armazenamento, durável, flexível, resistente ao estiramento, com ausência de antigenicidade, boa aderência ao leito, poder de ser utilizada por tempo prolongado, de adaptar-se aos contornos da ferida e propiciar a formação de tecido de granulação adequado à enxertia.

As propriedades físicas e mecânicas dos biomateriais podem ser determinadas por meio de métodos padronizados e descritos de forma objetiva7,26. A resposta biológica ou morfométrica do material usado no leito cruento de ferimentos é avaliada de forma menos definida, por meio do infiltrado celular, da quantidade de fibrose e do grau de vascularização. Além disso, a resposta biológica vai depender se o material é absorvível ou não, sintético ou natural, se é possuidor de ligações químicas ou não2.

No presente estudo, a membrana de silicone de espessura fina sobre a área cruenta é suturada nas bordas do leito receptor e é realizado, sobre ela, curativo oclusivo com gazes secas. Após 14 dias de uso, o leito da ferida apresentou tecido de granulação tipicamente na cor amarelo alaranjada, com pequenas áreas de vermelho brilhante. Acreditamos que este aspecto da área cruenta é adequado para receber o auto enxerto epidérmico. No leito tratado com IntegraTM, vários autores encontraram estas características27. Da mesma forma, estudando membrana de silicone com colágeno bovino, obtiveram leito com aspecto semelhante28.

Neste estudo, com o propósito de melhorar a drenagem de eventuais secreções durante o experimento, utilizando-se o curativo com a membrana de silicone, foram realizadas pequenas incisões (fenestras) na superfície da mesma, assim, evitaram-se complicações como seroma, hematoma e mesmo agressão ao leito cruento receptor, quando retirado o curativo. Esta observação contraria o relato da literatura, afirmando que a membrana de silicone impermeável sobre a derme artificial põe em risco à sua vitalidade, devido à coleção líquida sobre a matriz de colágeno, fazendo com que ela se desfaça mecanicamente, havendo ainda a possibilidade de contaminação por microorganismos. Os autores não fizeram estas fenestrações, que provavelmente impediriam as complicações relatadas. A membrana de silicone utilizada neste trabalho, da mesma forma da membrana empregada no IntegraTM, apesar das várias vantagens já mencionadas, nunca terá glândulas, folículos pilosos, terminações nervosas e células com atividades imunológicas29. O IntegraTM não proporciona maior vascularização e, por isso, tem pouca resistência antimicrobiana comparada ao enxerto de pele fina que, devido à anatomia natural da derme, apresenta rápida revascularização. Além disso, os enxertos de pele fina podem ser tratados com agentes antimicrobianos tópicos em caso de infecção, fato este não permitido quando se utiliza o IntegraTM, devendo retirá-lo frente a esta ocorrência.

Acreditamos que a membrana de silicone utilizada neste estudo, devido suas fenestrações, poderia ser mantida em caso de infecção, pois os agentes antimicrobianos tópicos passariam através das mesmas. Os estudos clínicos sobre substitutos sintéticos da pele são relativamente poucos e limitados quanto à comprovação da eficácia da matriz dérmica artificial e epiderme de silicone como o IntegraTM, como é citado na literatura30.

Embora o IntegraTM venha sendo pesquisado experimentalmente por diversos autores, nos chamou atenção o fato destes trabalhos não terem grupo controle ou não terem sido comparados com produtos empregados habitualmente. Detalhe importante na composição de biomaterial sintético é a presença de material heterólogo, como o colágeno de origem bovina, ou mesmo outros componentes homólogos. Há relato que, embora não seja possível ter absoluta certeza, qualquer material homólogo ou heterólogo pode levar o paciente a contrair a Doença de CrentzfeldtJacob, também conhecida por "Doença da Vaca Louca31. Há casos relatados na literatura, confirmando esta patologia como sendo oriunda de material contaminado. O autor sugere que materiais homólogos ou heterólogos, mesmo que não sejam derivados de tecido neurológico, como a derme, oferecem risco, ainda que pequeno, de transmissão desta doença, sempre proveniente de pacientes ou de animais infectados.

Sabe-se que todo material aloplástico determina reação inflamatória subjacente. No presente estudo, com objetivo de melhor avaliar este processo inflamatório, optou-se por quantificar a espessura do mesmo nos três grupos. Não foi encontrada na literatura quantificação com este objetivo, mas apenas para medidas de tumores, principalmente melanomas cutâneos.

Os resultados deste estudo quanto à espessura do processo inflamatório evidenciaram superioridade dos animais do grupo GS em relação aos demais grupos. Acreditamos que esta maior espessura da reação inflamatória seja positiva, por conter maior número de neovasos e fibroblastos, proporcionando um tecido de granulação mais espesso e efetivo, mais propício a receber futura enxertia autóloga de pele.

CONCLUSÃO

Os resultados obtidos no presente estudo experimental permitem concluir que: o tratamento da área cruenta com gazes, enxerto homólogo de pele e membrana de silicone foi tolerado pelos ratos durante o período experimental; os exames histológicos e morfométricos mostraram que a membrana de silicone utilizada como proteção de área cruenta proporcionou tecido de granulação com maior número de neovasos, fibroblastos e maior espessura, comparada com a proteção feita com gazes raiom e enxerto homólogo de pele.

Conflito de interesse: não há.

Artigo recebido: 16/8/06

Aceito para publicação: 5/6/07

Trabalho realizado na Faculdade de Medicina de Botucatu - Universidade Estadual Paulista "Julio Mesquita Filho", UNESP.

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  • *
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Out 2007
    • Data do Fascículo
      Out 2007

    Histórico

    • Aceito
      05 Jun 2007
    • Recebido
      16 Ago 2006
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