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Ressuscitação intra-uterina no trabalho de parto: existe factibilidade atualmente no Brasil?

À BEIRA DO LEITO

OBSTETRÍCIA

Ressuscitação intra-uterina no trabalho de parto: existe factibilidade atualmente no Brasil?

Seizo Miyadahira; Roseli Mieko Yamamoto Nomura; Marcelo Zugaib

A banalização da cesárea, em sua acepção ampla, desloca para planos ínfimos de importância as manobras e as técnicas1 existentes para reverter quadros de possível depressão fetal, durante o trabalho de parto, recursos esses elaborados para se concretizar um parto por via vaginal. O aprimoramento da tecnologia de vigilância do bem-estar fetal2, aplicada durante esse curto período da gestação, facilitou sobremaneira a instituição de cuidados preventivos e terapêuticos porque as ferramentas disponibilizadas permitem a detecção precoce dos desvios agudos na fisiologia feto e uteroplacentária. Entretanto, observa-se que, ao avesso de se aproveitarem dessas vantagens para o estabelecimento de medidas corretivas, ao reconhecerem quaisquer irregularidades, os obstetras brasileiros utilizam-nas como subterfúgio para a indicação imediata da via abdominal de nascimento, a despeito das eloqüentes taxas de falsos-positivos (até 80%) exibidas pelos testes aplicados2. Embora essas anormalidades do trabalho de parto sejam responsáveis por número irrisório de casos com desfecho tão crítico e sua ocorrência seja pouco freqüente, a paralisia cerebral3 e outras seqüelas neurológicas pós-natais são preocupações constantes nas atividades em Centro Obstétrico. De fato, as complicações profissionais resultantes disso, na esfera civil e judicial implicam grande ônus emocional e, às vezes, econômico. Em face disso, é oportuno, mesmo que soe anacrônico e de pouca factibilidade, enfatizar as medidas fundadas para a correção da hipoxia intraparto. Por óbvio, é desnecessário salientar que uma instrumentalização mínima é obrigatória. Nesse sentido, a cardiotocografia (CTG) é soberana para a monitorização da freqüência cardíaca fetal (FCF) e compõe a metodologia primária para essa finalidade, empregada na maioria dos centros obstétricos dos países desenvolvidos e nos centros nacionais mais bem estruturados. Nos resultados não-tranqüilizadores desse exame, idealmente pode-se complementar a análise da vitalidade fetal por meio da gasometria4, oximetria ou pela eletrocardiografia fetal2. Se, porventura, existirem fortes indícios de hipoxia fetal, mesmo na indisponibilidade de métodos complementares à CTG, deve-se instituir os procedimentos de ressuscitação intra-uterina constituídos por: a) reposicionamento materno, nas situações de inadequações hemodinâmicas maternas e mal posicionamento do cordão umbilical (desacelerações variáveis da FCF); b) redução da atividade uterina, suspendendo a infusão de ocitocina ou ministrando uterolíticos; c) infusão de fluido intravenoso, seja solução fisiológica ou de ringer-lactato, mesmo não havendo evidências de déficit volumétrico materno; d) administração de oxigênio, de preferência, por meio de máscaras especiais, tipo "non-rebreather facemask"; e) amnioinfusão para corrigir os efeitos das compressões funiculares; f) suspensão temporária dos esforços expulsivos (puxos) até a recuperação da reserva fetal em oxigênio1. Nada a obstar à inexistência de consenso a respeito da eficácia de cada medida de ressuscitação ou de todo o conjunto de manobras se o profissional tiver o escopo franco de propiciar à parturiente um parto vaginal, a correta observância de todos os passos diagnósticos e terapêuticos pertinentes é imprescindível e, seguramente, pode coroar de êxito o seu propósito. Portanto, a factibilidade da reanimação intra-uterina está diretamente vinculada não só à cognição e domínio do obstetra em relação à propedêutica do bem-estar fetal durante o período intraparto, mas também à sua verdadeira intenção na assistência à parturiente.

  • 1. Simpson KR. Intrauterine resuscitation during labor: review of current methods and supportive evidence. J Midwifery Women's Health. 2007;52:229-37.
  • 2. Noren H, Blad S, Carlsson A, Flisberg A, Gustavsson A, Lilja H, et al. STAN in clinical practice: The outcome of 2 years of regular use in the city of Gothenburg. Am J Obstet Gynecol. 2007;195:7-15.
  • 3. Strijbis EMM, Oudman I, Van Essen P, MacLennan A. Cerebral palsy and the application of International Criteria for Acute Intrapartum Hypoxia Obstet Gynecol. 2006;107:1357-65.
  • 4. Ross MG, Gala R. Use of umbilical artery base excess: algorithm for the timing of hypoxic injury. Am J Obstet Gynecol. 2002;187:1-9

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Abr 2008
  • Data do Fascículo
    Fev 2008
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