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Características mamográficas do câncer de mama associadas aos polimorfismos GSTM1 e GSTT1

Polymorphisms GSTM1 and GSTT1 and sporadic breast cancer mammographic features

Resumos

INTRODUÇÃO: As enzimas do sistema da glutationa S-transferase (GST) modulam os efeitos da exposição a vários agentes citotóxicos e genotóxicos. Os genes GSTM1 e GSTT1 são polimórficos em humanos e suas deleções têm sido associadas ao aumento do risco de várias neoplasias, dentre elas o câncer de mama. OBJETIVO: Comparar a freqüência das deleções dos genes GSTM1 e GSTT1 em mulheres sadias e com câncer de mama e comparar as características mamográficas do câncer entre mulheres portadoras e não portadoras das referidas deleções. MÉTODOS: Foram determinadas as freqüências das referidas deleções por PCR em 100 pacientes portadoras de câncer de mama esporádico tratadas de setembro de 2004 a junho de 2005 e em 169 mulheres sadias doadoras de sangue no mesmo período e comparadas através do odds ratio (OR) com seus respectivos IC 95%. Foram revistos os prontuários e as mamografias das pacientes com câncer e avaliadas características mamográficas (padrão de distribuição do parênquima fibro-glandular, achados mamográficos ao diagnóstico e classificação BI-RADS), correlacionando-as às deleções gênicas através do cálculo da RP (razão de prevalência) com seus respectivos IC 95%. RESULTADOS: O GSTM1 esteve deletado em 40% dos cânceres e em 44,4% dos controles (OR=1,20; IC 95% 0,70-2,04; p=0,5659) enquanto o GSTT1 em 20% e 19,5%, respectivamente (OR=0,73; IC 0,37-1,44; p=0,4124). O padrão mamográfico denso esteve associado à deleção homozigótica do GSTM1 (RP= 2,43; IC 1,11-4,08). Não se observou associação entre as deleções do sistema GST e achados mamográficos ao diagnóstico e classificação BI-RADS. CONCLUSÃO: A deleção homozigótica do gene GSTM1 associou-se ao padrão mamográfico denso.

Glutationa S-transferase; GSTM1; GSTT1; Câncer de mama; Mamografia


INTRODUCTION: Enzymes of the Glutathione S-transferase system (GST) modulate the effects of exposure to several cytotoxic and genotoxic agents. The GSTM1 and GSTT1 genes are polymorphic in humans and their deletions have been associated to increased risk of many cancers, including breast cancer. OBJECTIVE: To evaluate the occurrence of homozygous deletions of the GSTM1 and GSTT1 genes in women with sporadic breast cancer and in women without cancer and to compare breast cancer mammographic features between patients with and without these deletions. METHODS: The study evaluated 100 patients with sporadic breast cancer treated from September 2004 to June 2005 and 169 women without cancer, determining the frequency of the above-mentioned deletions by PCR and calculating the odds ratios and their 95% confidence intervals. Medical files and mammograms of 100 patients with breast cancer were evaluated and correlated with mammographic features such as density, mammographic findings and the BI-RADS classification. These findings were correlated with the genetic deletions by the PR (Prevalence-Ratio) with their respective 95% confidence intervals. RESULTS: The GSTM1 gene was deleted in 40% of the cancers and in 44.4% of controls (OR = 1.20; CI 95% 0.70 - 2.04; p=0.5659) while the GSTT1 gene was deleted in 20% and 19.5%, respectively (OR = 0.73; CI 95% 0.37-1.44; p=0.4124). High mammographic density had been associated with GSTM1 deletion (PR 2.43; CI 1.11 to 4.08). GST deletions were not associated with predominant mammographic findings and the BI-RADS classification. CONCLUSION: GSTM1 homozygous deletion was associated with high mammographic density.

Glutathione S-transferase; GSTM1; GSTT1; Breastcancer; Mammography


ARTIGO ORIGINAL

Características mamográficas do câncer de mama associadas aos polimorfismos GSTM1 e GSTT1

Polymorphisms GSTM1 and GSTT1 and sporadic breast cancer mammographic features

Lívia Martins Tavares Scianni Morais, Cássio Cardoso Filho, Gustavo Jacob Lourenço, Julia Yoriko Shinzato, Luiz Carlos Zeferino, Carmen Sílvia Passos Lima, Maria Salete Costa Gurgel* * Correspondência: Rua Alexander Flemming, 101 – Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo – Campinas - SP Cep 13083-970 Tel/Fax: (19) 3521-9305 salete@caism.unicamp.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: As enzimas do sistema da glutationa S-transferase (GST) modulam os efeitos da exposição a vários agentes citotóxicos e genotóxicos. Os genes GSTM1 e GSTT1 são polimórficos em humanos e suas deleções têm sido associadas ao aumento do risco de várias neoplasias, dentre elas o câncer de mama.

OBJETIVO: Comparar a freqüência das deleções dos genes GSTM1 e GSTT1 em mulheres sadias e com câncer de mama e comparar as características mamográficas do câncer entre mulheres portadoras e não portadoras das referidas deleções.

MÉTODOS: Foram determinadas as freqüências das referidas deleções por PCR em 100 pacientes portadoras de câncer de mama esporádico tratadas de setembro de 2004 a junho de 2005 e em 169 mulheres sadias doadoras de sangue no mesmo período e comparadas através do odds ratio (OR) com seus respectivos IC 95%. Foram revistos os prontuários e as mamografias das pacientes com câncer e avaliadas características mamográficas (padrão de distribuição do parênquima fibro-glandular, achados mamográficos ao diagnóstico e classificação BI-RADS), correlacionando-as às deleções gênicas através do cálculo da RP (razão de prevalência) com seus respectivos IC 95%.

RESULTADOS: O GSTM1 esteve deletado em 40% dos cânceres e em 44,4% dos controles (OR=1,20; IC 95% 0,70-2,04; p=0,5659) enquanto o GSTT1 em 20% e 19,5%, respectivamente (OR=0,73; IC 0,37-1,44; p=0,4124). O padrão mamográfico denso esteve associado à deleção homozigótica do GSTM1 (RP= 2,43; IC 1,11-4,08). Não se observou associação entre as deleções do sistema GST e achados mamográficos ao diagnóstico e classificação BI-RADS.

CONCLUSÃO: A deleção homozigótica do gene GSTM1 associou-se ao padrão mamográfico denso.

Unitermos: Glutationa S-transferase. GSTM1. GSTT1. Câncer de mama. Mamografia.

SUMMARY

INTRODUCTION: Enzymes of the Glutathione S-transferase system (GST) modulate the effects of exposure to several cytotoxic and genotoxic agents. The GSTM1 and GSTT1 genes are polymorphic in humans and their deletions have been associated to increased risk of many cancers, including breast cancer.

OBJECTIVE: To evaluate the occurrence of homozygous deletions of the GSTM1 and GSTT1 genes in women with sporadic breast cancer and in women without cancer and to compare breast cancer mammographic features between patients with and without these deletions.

METHODS: The study evaluated 100 patients with sporadic breast cancer treated from September 2004 to June 2005 and 169 women without cancer, determining the frequency of the above-mentioned deletions by PCR and calculating the odds ratios and their 95% confidence intervals. Medical files and mammograms of 100 patients with breast cancer were evaluated and correlated with mammographic features such as density, mammographic findings and the BI-RADS classification. These findings were correlated with the genetic deletions by the PR (Prevalence-Ratio) with their respective 95% confidence intervals.

RESULTS: The GSTM1 gene was deleted in 40% of the cancers and in 44.4% of controls (OR = 1.20; CI 95% 0.70 – 2.04; p=0.5659) while the GSTT1 gene was deleted in 20% and 19.5%, respectively (OR = 0.73; CI 95% 0.37-1.44; p=0.4124). High mammographic density had been associated with GSTM1 deletion (PR 2.43; CI 1.11 to 4.08). GST deletions were not associated with predominant mammographic findings and the BI-RADS classification.

CONCLUSION: GSTM1 homozygous deletion was associated with high mammographic density.

Key words: Glutathione S-transferase. GSTM1. GSTT1. Breastcancer. Mammography.

INTRODUÇÃO

O câncer de mama (CM) é a segunda neoplasia maligna mais freqüente no mundo e a primeira entre as mulheres1. Embora uma fração substancial dos casos possa ser explicada pela associação de fatores de risco bem estabelecidos – idade, menarca precoce, menopausa tardia, nuliparidade ou primiparidade em idade avançada, história de doença mamária benigna e história familiar de câncer mamário em um ou mais parentes de primeiro grau2 – a razão para o aumento na incidência em todo o mundo ainda é desconhecida3.

Estudos epidemiológicos sugerem que carcinógenos ambientais devem contribuir para esse aumento3 e que diferenças genéticas no metabolismo desses carcinógenos podem também estar associadas a variações individuais na susceptibilidade ao CM4.

A glutationa S-transferase (GST) é uma família de enzimas intracelulares, que impedem a ação de toxinas endógenas e exógenas sobre as células, evitando assim danos ao DNA celular7. Como estão envolvidas no metabolismo de muitos carcinógenos, poluentes ambientais e drogas anticancerígenas, é, portanto, razoável supor que a falta de isoenzimas específicas tenha um efeito significante na tolerância de um organismo a carcinógenos8-9.

O gene da classe Mu (GSTM1) e o gene da classe Theta (GSTT1) são polimórficos em humanos e estão ausentes ou deletados de forma homozigótica em 40% a 50% e 16% a 24% das diferentes populações étnicas, respectivamente9-10. Estudos epidemiológicos sugerem que indivíduos com deleção homozigótica do GSTM1 e do GSTT1 apresentam risco elevado de desenvolver vários tipos de neoplasia, incluindo câncer de bexiga, cólon, pulmão, pele e estômago9. No entanto, ainda não está estabelecida a associação entre genótipos GSTM1 e GSTT1 e risco de desenvolvimento de carcinoma mamário8,11-15.

Sabe-se atualmente que o sistema GST também exerce papel importante no metabolismo dos estrogênios3. Dessa forma, pode-se supor que a menor atividade enzimática decorrente do genótipo nulo dos referidos genes poderia estar associada ao aumento da densidade mamária, o que se traduziria principalmente por padrão mamográfico denso16-18. Também é consenso atual que a densidade mamária é um importante fator de risco para câncer de mama19.

Desta forma, este estudo objetivou determinar a freqüência das referidas deleções numa população de mulheres portadoras de CM esporádico em comparação com mulheres sem câncer e avaliar as características mamográficas dos CM cujas mulheres apresentam as deleções dos genes GSTM1 e GSTT1 e compará-las às não portadoras das referidas deleções.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo com um componente inicial do tipo caso-controle e posterior corte transversal no qual foram estudadas 100 mulheres portadoras de CM esporádico, atendidas no CAISM/Unicamp no período de setembro de 2004 a junho de 2005 e um grupo-controle de 169 mulheres sadias doadoras de sangue (de um universo de 367 doadores) que ingressaram no Hemocentro da Unicamp no mesmo período e pareadas por idade.

Foram incluídas como controles mulheres com idade igual ou superior a 25 anos e sem antecedente pessoal pregresso ou familiar de primeiro grau para CM. Estes mesmos critérios foram adotados para o grupo de casos, associados ao diagnóstico histopatológico de carcinoma invasivo da mama. Foram excluídas pessoas que desconhecessem seus antecedentes familiares (adoção, fertilização in vitro), ou que fossem incapazes de informar seus dados clínicos.

Estas pessoas foram convidadas a participar do estudo quando da internação para tratamento cirúrgico, ou quando da doação de sangue. Foi colhido sangue periférico para a análise do DNA e estudo dos polimorfismos do GST.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) e seguiu os preceitos da Declaração de Helsinki (2000) e da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (Brasil, 1996). Todos os sujeitos assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, não havendo nenhum que não se dispusesse a participar do estudo.

Análise molecular dos genes do sistema da glutationa S-transferase

O DNA genômico foi obtido de amostras de sangue periférico por extração com o kit para purificação GFX Genomic Blood DNA TM (Amersham Pharmacia Biotech), seguindo as especificações técnicas. Os éxons 4 e 5 do gene GSTM1 e o éxon 4 e o íntron 4 do gene GSTT1 foram amplificados por meio da reação em cadeia da polimerase (PCR) Multiplex. Um fragmento do gene da globina beta, incluindo o éxon 3 e a seqüência dos íntrons 2 e 3, foi amplificado na mesma reação e serviu como controle da amostra de DNA20.

A presença ou a deleção homozigótica dos referidos genes foram analisadas por eletroforese em gel de agarose a 2%. A determinação dos polimorfismos foi realizada no Hemocentro da Unicamp (Figura 1).


Avaliação mamográfica

Após a determinação das freqüências das deleções gênicas em ambos os grupos, foram analisados os prontuários dos casos com CM e avaliados estado menstrual, idade da menopausa, estadiamento clínico, tipo histológico e graus histológico e nuclear do tumor.

As características mamográficas foram obtidas através da revisão das mamografias feita por dois examinadores por ocasião do diagnóstico. Todos os exames foram realizados em mamógrafos convencionais de alta resolução. O objetivo desta revisão foi determinar: 1) o padrão de densidade mamária, ou seja, a composição e o padrão fibroglandular da mama (classificado em predominantemente adiposa; densidades fibroglandulares esparsas; heterogeneamente densa e acentuadamente densa); 2) os achados mamográficos predominantes no momento do diagnóstico (nódulos ou massas, distorção arquitural, densidade assimétrica focal, neodensidade e microcalficações); 3) as margens da lesão nos casos de nódulos ou massas (espiculada/irregular, mal delimitada, lobulada e bem delimitada); 4) classificação segundo o sistema BI-RADS21.

Análise estatística

A análise dos dados se fez inicialmente através de análise descritiva (distribuição percentual, média e desvio padrão, acompanhadas de seus intervalos de confiança a 95%). O padrão das deleções nos grupos com CM e controle foi comparado através do cálculo do OR (odds ratio) com seus respectivos intervalos de confiança de 95% e o padrão das deleções do sistema GST foi correlacionado às características mamográficas através do cálculo do RP (razão de prevalência) com seus respectivos intervalos de confiança de 95%. O nível de significância foi estabelecido em 5% (p=0,05).

RESULTADOS

A deleção homozigótica do GSTM1 foi observada em 40 (40%) casos de CM e em 75 (44,4%) controles (OR=1,20; IC 95% 0,70-2,04; p=0,5659). Já a deleção homozigótica do GSTT1 foi detectada em 20 (20%) e 33 (19,5%), respectivamente (OR=0,73; IC 95% 0,37-1,44; p=0,4124). A ocorrência de pelo menos uma das deleções estudadas foi de 54 (54%) e 93 (55%), respectivamente, conforme os genótipos apresentados na Tabela 1.

A idade média ao diagnóstico do câncer foi de 56,26 + 13,19 anos (32 a 89 anos) sendo que mais de 65% das pacientes tiveram seu câncer de mama diagnosticado com 50 anos ou mais de idade e em 60% delas na pós-menopausa. Mais de 80% dos tumores eram do tipo histológico ductal invasor. Os demais casos tratavam-se do tipo lobular, colóide, medular, tubular, apócrino, indiferenciado, papilífero e histiocitário. Na maioria dos casos, tratava-se de tumores indiferenciados, de graus histológico e nuclear 2 e 3, porém em metade da casuística o estadiamento clínico ao diagnóstico revelava doença ainda loco-regionalmente localizada (estádios I e II) (Tabela 1).

Vinte e um casos apresentavam padrão mamográfico de distribuição do parênquima fibro-glandular considerado predominantemente adiposo, 24 com densidades fibroglandulares esparsas, 31 hetereogeneamente denso e 22 tinham padrão acentuadamente denso. A imagem predominante da lesão tumoral era na forma de nódulo/massa em 55 casos, densidade assimétrica em 18, neodensidade em 15 e apenas microcalcificações em 7 casos. Em três casos não se observava anormalidades suspeitas à mamografia. Sete casos foram classificados como BI-RADS 0, nove como BI-RADS 1, 2 ou 3; 39 como BI-RADS 4, e 43 como BI-RADS 5.

Quanto às características das margens das lesões do tipo nódulo, 27 (49%) foram consideradas espiculadas ou irregulares, 21 (38%) mal definidas, quatro (7%) bem definidas e três (5,5%) lobuladas.

Não se observou associação entre o padrão das deleções gênicas com a idade ao diagnóstico e com o estado menopausal. Inicialmente avaliou-se isoladamente a associação das características mamográficas entre as mulheres portadoras ou não de qualquer tipo de deleção, não tendo sido observada nenhuma correlação. Foi feito, também, o cálculo dos valores de RP e seus respectivos intervalos de confiança de 95% entre as mulheres sem deleções genéticas, com deleções apenas de um dos genes (GSTM1 ou GSTT1) e com ambos os genes deletados em relação ao padrão de densidade mamográfica. Observou-se associação significativa entre padrão mamográfico predominantemente denso e a deleção homozigótica do gene GSTM1 (RP 2,43; IC 95% 1,11 a 4,08) (Tabela 2).

DISCUSSÃO

O câncer de mama tornou-se uma das doenças de maior impacto entre a população feminina. É temido pelas mulheres devido a sua alta freqüência e, sobretudo, pela mutilação que o tratamento impõe à sua imagem pessoal. Dados recentes têm revelado aumento da incidência nos países do hemisfério sul e da Ásia, onde apresentava freqüência relativamente baixa. Notam-se, em algumas regiões economicamente emergentes, estatísticas similares àquelas de países do hemisfério norte. Estas mudanças nas taxas de incidência, em conjunto com resultados obtidos em populações migrantes, sugerem fortemente que fatores ambientais exercem efeito substancial no risco de surgimento do câncer de mama22.

Estudos epidemiológicos sugerem que fatores ambientais devem contribuir para esse aumento4 e que diferenças genéticas podem também estar associadas a variações individuais na susceptibilidade ao câncer de mama5. Dentre os aspectos genéticos, 10% a 15% dos cânceres de mama têm história familiar positiva para a doença, sendo que apenas 5% podem ser explicados pelas raras, mas de grande penetrância, mutações genéticas BRCA1 e BRCA223. Isto nos leva a crer que há outras variações genéticas comuns, de baixa penetrância, que influenciam na predisposição a esta neoplasia. Uma revisão sistemática aponta três grupos principais de genes potenciais candidatos a este papel: aqueles que codificam proteínas envolvidas no metabolismo dos hormônios esteróides (CYP17, CYP19); outros relacionados à expressão de enzimas envolvidas no processo de carcinogênese (CYP1A1, CYP2D6, CYP2E1, GSTM1, GSTT1, NAT1, NAT2); e os genes com alelos comuns, que têm sido identificados através de estudos familiais (P53, BRCA1, BRCA2, possivelmente relacionados aos mecanismos de apoptose)4.

A glutationa S-transferase (GST) é uma família de enzimas intracelulares divididas em cinco grupos principais com suas respectivas subunidades: Alpha (A1, A2, A3 e A4), Pi (P1), Mu (M1, M2, M3, M4 e M5), Theta (T1 e T2), e Zeta5-6. Essa família de enzimas, localizada no citosol celular, impede a ação de substâncias sobre as células, evitando danos ao seu DNA7. Tais enzimas catalizam a conjugação de diversos compostos eletrofílicos à glutationa, promovendo a formação, na maioria das vezes, de metabólitos menos reativos e mais solúveis em água, o que faz com que sejam mais prontamente excretados pela urina e impede mutações no DNA das células8.

Cerca de 35% dos nossos casos apresentavam deleção do gene GSTM1, 15% do gene GSTT1 e 6% ambos deletados. Estudos epidemiológicos sugerem que indivíduos com deleção homozigótica do GSTM1 apresentam risco elevado de desenvolver vários tipos de neoplasia, incluindo câncer de bexiga, cólon, pulmão, pele e estômago9. Já a freqüência da deleção homozigótica do gene GSTT1 também varia nas diferentes populações, havendo poucos estudos que relacionam tal genótipo a um risco aumentado de susceptibilidade a cânceres24.

Mais especificamente em relação ao carcinoma mamário, os resultados são inconsistentes e heterogêneos8,11-15. Chacko et al. (2005), em estudo caso-controle com 224 mulheres indianas, não observaram associação entre deleção do GSTM1 e aumento significativo no risco de câncer de mama. Encontraram, no entanto, risco aumentado em mulheres com deleção do GSTT1 (OR=3.6, IC=1.6 a 7.7)25. Já Roodi et al. (2004), também em estudo caso-controle, encontraram risco significativo de câncer de mama em mulheres sem a deleção do GSTM1, sugerindo um efeito protetor do genótipo26.

Recentemente, em meta-análise correlacionando o status do gene GSTM1 com risco de câncer de mama, demonstrou-se que o fato de sua deleção homozigótica não ser rara na população geral implica em variabilidade do risco de câncer de mama atribuído. As maiores associações foram observadas em mulheres na pós-menopausa com baixa freqüência da deleção de GSTT127. Vogl et al. (2004) publicaram uma análise sobre a associação dos genes M1, T1 e P1 do sistema GST e câncer de mama. Esse foi o maior estudo que investigou a susceptibilidade ao câncer de mama devida a polimorfismos dos genes da GST. Os resultados mostraram que a deleção isolada desses genes não confere risco substancial de câncer de mama às suas portadoras28.

No presente estudo, o principal objetivo foi avaliar se há diferenças nas características mamográficas entre mulheres portadoras de câncer de mama esporádico que apresentam ou não deleções homozigóticas dos GSTM1 e GSTT1. Observou-se, em mulheres que apresentam deleção do GSTM1 com GSTT1 presente, associação com padrão mamográfico acentuadamente denso, embora essa associação não tenha se evidenciado em relação à idade e estado menopausal, fatores estes de grande importância para determinação da densidade mamária e conseqüentemente mamográfica.

A densidade mamária é atualmente considerada um dos mais importantes fatores de risco para câncer de mama, mesmo em mulheres sem história familiar da doença16-18. Em geral, mulheres cujo tecido mamário denso conta mais que 60% a 75% da mama têm risco aumentado de câncer de mama de quatro a seis vezes em comparação às mulheres com mamas liposubstituídas17.

Já foi mostrada associação entre variações na densidade mamária observada na mamografia e fatores ligados à exposição a hormônios esteróides endógenos e exógenos, tais como idade, estado menopausal, paridade, índice de massa corpórea e uso de terapia hormonal (TH)17. Além desses, também os níveis do fator de crescimento insulina-like I parecem estar associados à densidade mamária em mulheres na pré-menopausa18.

Baseado no papel estabelecido dos hormônios esteróides endógenos e fatores de crescimento no desenvolvimento e manutenção do tecido mamário16-17, genes envolvidos na biossíntese e metabolismo dos mesmos podem explicar, ao menos parcialmente, diferenças interindividuais na densidade mamográfica16. Foi proposto que polimorfismos nesses genes representam marcadores de exposição a longo prazo a hormônios esteróides endógenos e potenciais fatores de risco para o câncer de mama16,26,29-30.

Estudos anteriores avaliaram se há associação entre variações na densidade mamográfica e alguns desses polimorfismos. De acordo com Haiman et al. (2002 e 2003), não houve relação consistente entre polimorfismos genéticos e densidade mamária16-17. Os genes avaliados no primeiro estudo foram CYP17, HSD17B1, HSD3B1 (evolvidos na biossíntese de hormônios esteróides) e COMT (envolvido no metabolismo destes)16. No segundo estudo foram avaliados dez polimorfismos nos seguintes genes candidatos: CYP17, CYP19 (envolvidos na esteroidogênese), CYP1A1, CYP1B1, COMT, UGT1A1 (envolvidos no catabolismo e eliminação de estrógenos), AR, A1B1 (envolvidos na ativação da transcrição de genes-alvo em resposta a hormônios esteróides). Nenhuma associação foi evidenciada17.

Sabe-se atualmente que o sistema GST também exerce um papel importante no metabolismo dos estrogênios3, fato indicativo de que a menor atividade enzimática decorrente do genótipo nulo do gene GSTM1 poderia explicar a associação observada entre esta deleção e padrão mamográfico denso. Apesar dessa observação, seria necessária a realização de estudos adicionais que avaliassem fatores como status menopausal, idade e uso de TH em associação aos polimorfismos para determinar em qual proporção, se existente, tais genes estariam relacionados à densidade mamográfica.

Enfim, este estudo está inserido em uma linha de pesquisa mais ampla, na qual se avalia, além da associação dos diferentes genótipos do sistema GST com o risco de desenvolvimento do câncer de mama esporádico, a associação destes genótipos com características clínicas, histopatológicas, prognóstico e resposta às diferentes modalidades terapêuticas nos casos de câncer de mama. O conhecimento mais aprofundado das variações genéticas comuns, principalmente as de baixa penetrância, pode ser o caminho para ações mais eficazes no sentido de se estabelecer procedimentos ou orientações que visem à prevenção primária do câncer de mama e seu controle adequado uma vez que a doença já tenha se desenvolvido, principalmente individualizando a indicação de terapêuticas mais agressivas.

CONCLUSÃO

A presença de deleção do gene GSTM1 associou-se ao padrão mamográfico denso. Estudos adicionais que avaliem esses e outros genes são necessários para determinar em que grau as diferenças interindividuais na densidade mamária são devidas a polimorfirmos em genes envolvidos na biossíntese e metabolismo dos hormônios esteróides.

Conflito de interesse: não há

Artigo recebido: 02/07/07

Aceito para publicação: 20/10/07

Trabalho realizado pelo Departamento de Tocoginecologia da FCM – UNICAMP e HEMOCENTRO da UNICAMP, Campinas, SP

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Abr 2008
    • Data do Fascículo
      Fev 2008

    Histórico

    • Recebido
      02 Jul 2007
    • Aceito
      20 Out 2007
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