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Efeito sinérgico entre a dexmedetomidina e a ropivacaína 0,75% na anestesia peridural

Synergistic effect between dexmedetomidine and 0.75% ropivacaine in epidural anesthesia

Resumos

OBJETIVO: O objetivo deste estudo foi avaliar as características clínicas da anestesia peridural realizada com ropivacaína associada à dexmedetomidina. MÉTODOS: Quarenta pacientes submetidos à correção cirúrgica de hérnia inguinal ou varizes de membros inferiores sob anestesia peridural participaram deste estudo. Os pacientes foram divididos em: Grupo Controle (n = 20), ropivacaína 0,75%, 20 ml (150 mg); e Grupo Dexmedetomidina (n = 20), ropivacaína 0,75%, 20 ml (150 mg), mais dexmedetomidina, 1 µg.kg-1. As variáveis estudadas foram: tempo de latência do bloqueio sensitivo, dermátomo máximo de anestesia, tempo de duração dos bloqueios analgésico e motor, intensidade do bloqueio motor, nível de sedação, variáveis hemodinâmicas, analgesia pós-operatória e ocorrência de efeitos colaterais. RESULTADOS: A dexmedetomidina não influenciou o tempo de latência da anestesia nem o nível máximo do bloqueio sensitivo (p > 0,05), mas prolongou o tempo de duração dos bloqueios analgésico e motor (p < 0,05) e da analgesia pós-operatória (p < 0,05), além de determinar bloqueio motor de maior intensidade (p < 0,05). Os valores do índice bispectral foram menores no Grupo Dexmedetomidina (p < 0,05). Não houve diferença na incidência de hipotensão arterial e de bradicardia (p > 0,05). A ocorrência de efeitos colaterais (tremor, náuseas e SpO2 < 90%) foi baixa e semelhante entre os grupos (p > 0,05). CONCLUSÃO: Há sinergismo evidente entre a dexmedetomidina e a ropivacaína na anestesia peridural sem que haja elevação da morbidade relacionada a associação dos fármacos.

Anestésicos; Ropivacaína; Analgésicos; Dexmedetomidina; Técnicas anestésicas; Peridural


BACKGROUND: This study aimed to evaluate clinical characteristics of epidural anesthesia performed with 0.75% ropivacaine associated with dexmedetomidine. METHODS: Forty patients scheduled for hernia repair or varicose vein surgeries under epidural anesthesia participated in this study. They were assigned to: Control Group (n = 20), 0.75% ropivacaine, 20 ml (150 mg); and Dexmedetomidine Group (n = 20), 0.75% ropivacaine, 20 ml (150 mg), plus dexmedetomidine, 1 mg.kg-1. The following variables were studied: total analgesic block onset time, upper level of analgesia, analgesic and motor block duration time, intensity of motor block, state of consciousness, hemodynamics, postoperative analgesia and incidence of side-effects. RESULTS: Epidural dexmedetomidine did not affect onset time or upper level of anesthesia (p > 0.05) however it prolonged sensory and motor block duration time (p < 0.05) and postoperative analgesia (p < 0.05), and also resulted in a more intense motor block, l (p < 0.05). Values of bispectral index were lower in Dexmedetomidine Group (p < 0.05). There was no difference in incidence of hypotension and bradycardia (p > 0.05). Occurrence of side-effects (shivering, vomiting and SpO2 < 90%) was low and similar between groups (p > 0.05). CONCLUSION: There is clear synergism between epidural dexmedetomidine and ropivacaine, further this drug association does not bring about additional morbidity.

Anesthetics; Ropivacaine; Analgesics; Dexmedetomidine; Anesthetic techniques; Epidural block


ARTIGO ORIGINAL

Efeito sinérgico entre a dexmedetomidina e a ropivacaína 0,75% na anestesia peridural

Synergistic effect between dexmedetomidine and 0.75% ropivacaine in epidural anesthesia

Paula Fialho Saraiva Salgado; Amália Tieco Sabbag; Priscila Costa da Silva; Sergio Luís Aparecido Brienze; Helio Pontes Dalto; Norma Sueli Pinheiro Módolo; José Reinaldo Cerqueira Braz; Paulo Nascimento Jr* * Correspondência Departamento de Anestesiologia, Faculdade de Medicina de Botucatu Distrito de Rubião Jr, s/n – Caixa Postal 530 Botucatu – SP Cep 18618-970 Tel: (14) 3811-6222/ Fax: (14) 3811-6061 pnasc@fmb.unesp.br

RESUMO

OBJETIVO: O objetivo deste estudo foi avaliar as características clínicas da anestesia peridural realizada com ropivacaína associada à dexmedetomidina.

MÉTODOS: Quarenta pacientes submetidos à correção cirúrgica de hérnia inguinal ou varizes de membros inferiores sob anestesia peridural participaram deste estudo. Os pacientes foram divididos em: Grupo Controle (n = 20), ropivacaína 0,75%, 20 ml (150 mg); e Grupo Dexmedetomidina (n = 20), ropivacaína 0,75%, 20 ml (150 mg), mais dexmedetomidina, 1 µg.kg-1. As variáveis estudadas foram: tempo de latência do bloqueio sensitivo, dermátomo máximo de anestesia, tempo de duração dos bloqueios analgésico e motor, intensidade do bloqueio motor, nível de sedação, variáveis hemodinâmicas, analgesia pós-operatória e ocorrência de efeitos colaterais.

RESULTADOS: A dexmedetomidina não influenciou o tempo de latência da anestesia nem o nível máximo do bloqueio sensitivo (p > 0,05), mas prolongou o tempo de duração dos bloqueios analgésico e motor (p < 0,05) e da analgesia pós-operatória (p < 0,05), além de determinar bloqueio motor de maior intensidade (p < 0,05). Os valores do índice bispectral foram menores no Grupo Dexmedetomidina (p < 0,05). Não houve diferença na incidência de hipotensão arterial e de bradicardia (p > 0,05). A ocorrência de efeitos colaterais (tremor, náuseas e SpO2 < 90%) foi baixa e semelhante entre os grupos (p > 0,05).

CONCLUSÃO: Há sinergismo evidente entre a dexmedetomidina e a ropivacaína na anestesia peridural sem que haja elevação da morbidade relacionada a associação dos fármacos.

Unitermos: Anestésicos. Ropivacaína. Analgésicos. Dexmedetomidina. Técnicas anestésicas. Peridural

SUMMARY

BACKGROUND: This study aimed to evaluate clinical characteristics of epidural anesthesia performed with 0.75% ropivacaine associated with dexmedetomidine.

METHODS: Forty patients scheduled for hernia repair or varicose vein surgeries under epidural anesthesia participated in this study. They were assigned to: Control Group (n = 20), 0.75% ropivacaine, 20 ml (150 mg); and Dexmedetomidine Group (n = 20), 0.75% ropivacaine, 20 ml (150 mg), plus dexmedetomidine, 1 mg.kg-1. The following variables were studied: total analgesic block onset time, upper level of analgesia, analgesic and motor block duration time, intensity of motor block, state of consciousness, hemodynamics, postoperative analgesia and incidence of side-effects.

RESULTS: Epidural dexmedetomidine did not affect onset time or upper level of anesthesia (p > 0.05) however it prolonged sensory and motor block duration time (p < 0.05) and postoperative analgesia (p < 0.05), and also resulted in a more intense motor block, l (p < 0.05). Values of bispectral index were lower in Dexmedetomidine Group (p < 0.05). There was no difference in incidence of hypotension and bradycardia (p > 0.05). Occurrence of side-effects (shivering, vomiting and SpO2 < 90%) was low and similar between groups (p > 0.05).

CONCLUSION: There is clear synergism between epidural dexmedetomidine and ropivacaine, further this drug association does not bring about additional morbidity.

Key words: Anesthetics. Ropivacaine. Analgesics. Dexmedetomidine. Anesthetic techniques. Epidural block.

INTRODUÇÃO

A dexmedetomidina é um agente agonista a2-adrenérgico que apresenta relação de seletividade entre os receptores a2:a1 oito vezes maior que a clonidina e que, quando administrada por via venosa, propicia redução acentuada da necessidade do uso de agentes hipnóticos, anestésicos inalatórios e opióides durante procedimentos anestésico-cirúrgicos, além de diminuir a necessidade do uso de analgésicos para tratamento da dor pós-operatória1-3.

Em modelos animais, verificou-se que a dexmedetomidina apresenta ação analgésica acentuada quando empregada pela via peridural, reduzindo a necessidade de opióides para que se obtenha um mesmo efeito analgésico ou mesmo, prolongando o efeito analgésico quando associada à doses fixas de opióides4. Verificou-se também que a dexmedetomidina por via peridural apresenta efeito analgésico dosidependente e superior àquele obtido pela administração venosa do fármaco, sendo seu efeito correlacionado com sua grande afinidade por receptores a2-adrenérgicos situados na medula espinhal5.

No homem, a dexmedetomidina foi pela primeira vez administrada pela via peridural em 1997, associada à lidocaína 1,5%, em pacientes submetidas à histerectomia, prolongando o tempo de analgesia pós-operatória6. No entanto, o potencial sinérgico entre a dexmedetomidina e os anestésicos locais ainda não foi documentado. Assim, com base nos estudos realizados com a clonidina7,8, testou-se a hipótese de que a dexmedetomidina interage sinergicamente com a ropivacaína durante administração peridural, melhorando as características do bloqueio anestésico. O objetivo desta pesquisa foi avaliar os efeitos clínicos da associação da dexmedetomidina à ropivacaína nas características do bloqueio peridural.

MÉTODOS

Após a aprovação do protocolo de estudo pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, SP, e a obtenção do consentimento livre e esclarecido por escrito dos pacientes, realizou-se estudo comparativo, duplamente encoberto, controlado, com distribuição por meio de sorteio com envelope fechado. Foram estudados 40 pacientes, de ambos os sexos, com idades entre 18 e 60 anos e classificação do estado físico segundo a Sociedade Americana de Anestesiologia (ASA) I ou II, submetidos à anestesia peridural para a realização de cirurgia de hérnia de parede abdominal ou varizes dos membros inferiores. Não participaram do estudo pacientes com hipertensão arterial e que fizessem uso de qualquer fármaco anti-hipertensivo.

Os pacientes foram admitidos no centro cirúrgico, após jejum absoluto por período de no mínimo 8 horas, sem que se administrasse medicação pré-anestésica. Foi feita a punção venosa com cateter 18G para a administração de solução de Ringer com lactato (RL), 8 ml.kg-1.h-1. A monitorização constou de cardioscopia na derivação DII, oximetria de pulso (SpO2), pressão arterial não-invasiva automática e índice bispectral. Um pesquisador que não participou diretamente do procedimento anestésico-cirúrgico preparou a solução de dexmedetomidina ou de cloreto de sódio a 0,9%, em seringa de 1 ml. A punção peridural foi realizada com agulha de Tuohy 16G, através do espaço L3-L4, com os pacientes em posição sentada.

Todos os pacientes receberam, por via peridural:

Grupo Controle (n = 20): 1 ml de solução de cloreto de sódio a 0,9% (placebo);

Grupo Dexmedetomidina (n = 20): 1 µg.kg-1 de dexmedetomidina + solução de cloreto de sódio a 0,9%, para que se completasse o volume da seringa em 1 ml.

Imediatamente após a injeção da solução em estudo, foram administrados 20 ml de ropivacaína a 0,75% (150 mg), na velocidade de 1 ml a cada três segundos, e os pacientes retornaram a posição de decúbito dorsal horizontal.

Após o término da cirurgia, os pacientes foram encaminhados à sala de recuperação pós-anestésica (SRPA), onde permaneceram por período nunca inferior a 8 horas após a injeção da solução anestésica no espaço peridural, até que houvesse recuperação completa dos bloqueios motor e sensitivo. Nesse período, a monitorização foi a mesma empregada na sala de operações, com exceção do índice bispectral. Quando o paciente se queixava de dor, a intensidade foi avaliada segundo escala verbal analógica (0-10), medicação analgésica do grupo dos antiinflamatórios não-hormonais foi empregada, por via venosa, e o tempo decorrido após o início da anestesia foi registrado.

Os atributos estudados foram:

• tempo de início (latência) do bloqueio sensitivo, registrado como o intervalo de tempo entre o final da administração da solução anestésica e início de sensação de formigamento ou parestesia nos membros inferiores (MI);

• tempo para bloqueio analgésico completo nos dermátomos T12, T10 e T8, definido como o intervalo de tempo entre o final da administração da solução anestésica e o aparecimento de analgesia cutânea nos respectivos dermátomos, pesquisado com auxílio de pinça anatômica na linha média clavicular, bilateralmente, a cada minuto;

• nível de dermátomo máximo atingido pelo bloqueio analgésico;

• grau de bloqueio motor, avaliado 45 minutos após a injeção da solução anestésica, de acordo com o critério proposto por Bromage9: grau 0, capacidade em levantar os MI sem dobrar os joelhos; grau 1, capacidade em levantar os MI dobrando os joelhos; grau 2, capacidade em flexionar apenas os pés e grau 3, imobilidade completa dos MI;

• duração do bloqueio motor, registrado como o tempo decorrido entre a administração da solução anestésica e a capacidade para levantar os MI sem dobrar os joelhos;

• duração do bloqueio analgésico, registrado como o tempo decorrido entre a administração da solução anestésica e o desaparecimento de analgesia cutânea nos dermátomos T10 e T12;

• duração da analgesia, equivalendo ao intervalo de tempo entre a realização do bloqueio anestésico e o momento em que se utilizou o analgésico na SRPA;

• nível de consciência, segundo o índice bispectral, avaliado antes que se realizasse sedação ou analgesia complementar no período intra-operatório;

• necessidade de analgesia complementar, realizada com fentanil 100 µg, caso o paciente sentisse dor durante o procedimento cirúrgico;

• sedação complementar, realizada com midazolam 0,03 mg.kg-1, caso o paciente não estivesse tranqüilo e cooperativo;

• ocorrência de hipotensão arterial nos períodos intra e pós-operatório, avaliada como pressão arterial sistólica inferior a 30% de seu valor inicial ou inferior a 90 mmHg;

• ocorrência de bradicardia nos períodos intra e pós-operatório, considerada como freqüência cardíaca < 45 bat.min-1;

• intensidade da dor pós-operatória avaliada de acordo com a escala verbal analógica de dor (0, ausência de dor; 10, dor máxima);

• efeitos colaterais: tremor, vômitos, hipoxemia e depressão respiratória (freqüência respiratória < 10 mov.min-1).

Caso houvesse hipotensão arterial durante o procedimento anestésico ou na SRPA, esta foi tratada com administração de efedrina, 5 a 10 mg e aumento da administração de RL. Episódios de bradicardia foram tratados com atropina, 0,5 mg, e a administração de oxigênio por cateter nasal (3 l.min-1) foi realizada caso a SpO2 fosse < 90%.

A análise estatística foi realizada pelo teste de Mann-Whitney, para as variáveis medidas em escala ordinal para amostras independentes e pelo teste do Qui quadrado, para as variáveis mensuradas em escala nominal. As variáveis demográficas foram analisadas pelo teste t de Student e pelo teste exato de Fisher (sexo). O cálculo do tamanho da amostra foi realizado segundo resultados obtidos em estudo anterior8, conforme diferença máxima nas médias e desvios padrão observados das variáveis "duração do bloqueio analgésico" e "duração do bloqueio motor", sendo o número de pacientes por grupo igual a 17 o suficiente para o poder da amostra ser 0,9. As estatísticas foram consideradas significativas quando p < 0,05.

RESULTADOS

Três pacientes do Grupo Controle e um paciente do Grupo Dexmedetomidina (p > 0,05) foram excluídos por falha no bloqueio peridural e necessidade de realização de anestesia geral.

Não houve diferença entre os grupos nas distribuições de idade, peso, altura e sexo (p > 0,05) (Tabela I). Houve predominância de herniorrafias em ambos os grupos, sem que houvesse diferença significativa entre os grupos quanto à distribuição de cirurgias e o tempo de duração dos procedimentos cirúrgicos (p > 0,05) (Tabela I).

Com relação ao tempo de latência e ao tempo decorrido para bloqueio analgésico completo nos dermátomos T12, T10 e T8, não houve diferença significativa entre os grupos (p > 0,05). Os valores observados e representados em minutos como mediana, 1º e 3º quartis foram, respectivamente, para o Grupo Controle e Grupo Dexmedetomidina: tempo de latência = 2,6 [1,8; 3,3] e 2,2 [2,0; 2,6]; bloqueio analgésico completo em T12 = 7,6 [6,3; 8,0] e 6,3 [4,8; 9,5]; bloqueio analgésico completo em T10 = 13,8 [10,8; 19,9] e 11,5 [9,8; 15,3]; e bloqueio analgésico completo em T8 = 17,7 [15,5; 23,5] e 20,3 [15,3; 24,8]. O valor da mediana do nível máximo de bloqueio analgésico, avaliado 45 minutos após a administração da solução anestésica, foi T6 para ambos os grupos, sem haver diferença significativa (p > 0,05).

Quanto à duração do bloqueio analgésico, o grupo que recebeu dexmedetomidina apresentou valores significativamente maiores em relação ao Grupo Controle (p > 0,05), com aumento médio de 40% na duração do bloqueio analgésico no dermátomo T10 e 38% no dermátomo T12 (Figura 1).


A intensidade do bloqueio motor, avaliada segundo o critério proposto por Bromage, 45 minutos após a injeção da solução anestésica, foi mais acentuada no Grupo Dexmedetomidina, em comparação com o Grupo Controle (p < 0,05) (Tabela 2). No Grupo Dexmedetomidina, 68% dos pacientes apresentaram bloqueio motor grau 2 e 32%, grau 3, sem que nenhum paciente permanecesse com bloqueio grau 1. Já nos pacientes do Grupo Controle, 29% dos pacientes permaneceram com bloqueio motor grau 1, 47%, grau 2 e 24%, grau 3. O tempo de duração do bloqueio motor também foi significativamente mais elevado no Grupo Dexmedetomidina (p > 0,05), sendo em média 30% maior que o observado no Grupo Controle (Tabela 2).

O nível de consciência, avaliado pelo índice bispectral 30 minutos após a execução do bloqueio anestésico e antes que sedação ou analgesia complementar fossem realizadas, foi significativamente diferente entre os grupos (p < 0,05), com os pacientes que receberam dexmedetomidina permanecendo com valores mais baixos e, portanto mais sedados que os pacientes do Grupo Controle. Os valores do índice bispectral apresentados como mediana, 1º e 3º quartis foram, para o Grupo Controle e para o Grupo Dexmedetomidina, respectivamente, 98 [97; 98] e 89 [73; 98]. Quanto à necessidade de sedação complementar no período intra-operatório, houve diferença significativa entre os grupos, sendo que 70% dos pacientes do Grupo Controle e apenas 26% dos pacientes do Grupo Dexmedetomidina foram sedados (p < 0,05). Analgesia complementar foi realizada em 41% e 16%, nos pacientes do Grupo Controle e Dexmedetomidina, respectivamente, sem que houvesse diferença significativa (p > 0,05).

A duração da analgesia pós-operatória foi significativamente diferente entre os grupos (p < 0,05), sendo que o Grupo Dexmedetomidina apresentou tempo de analgesia 33% superior ao Grupo Controle. Os valores em minutos, apresentados como mediana, 1º e 3º quartis, foram para o Grupo Controle e para o Grupo Dexmedetomidina, respectivamente, 360 [305; 395] e 480 [410; 545]. No entanto, não houve diferença no escore da dor, avaliado na SRPA e apresentado como mediana, 1º e 3º quartis, nos grupos Controle (5 [4; 7]) e Dexmedetomidina (4 [1; 5]) (p > 0,05).

A ocorrência de hipotensão arterial nos períodos intra e pós-operatório foi semelhante entre os grupos, sem que houvesse diferença significativa (p > 0,05). No Grupo Controle, o número de pacientes que apresentou hipotensão arterial nos períodos intra e pós-operatório foi, respectivamente, quatro e seis. Considerando-se o Grupo Dexmedetomidina, o número de pacientes que apresentou hipotensão arterial nos períodos intra e pós-operatório foi, respectivamente, cinco e seis. Com relação à ocorrência de bradicardia, verificou-se que foi baixa em ambos os grupos, nos períodos intra e pós-operatório, sem haver diferença em sua distribuição (p > 0,05). Foram dois pacientes no Grupo Controle e seis no Grupo Dexmedetomidina no período intra-operatório e um paciente no Grupo Controle e dois no Grupo Dexmedetomidina no período pós-operatório.

Quanto à ocorrência de outras complicações nos períodos intra e pós-operatório, verificou-se baixa incidência de náuseas e tremores em ambos os grupos, sem diferença significativa (p > 0,05). Náuseas ocorreram em dois pacientes no Grupo Controle e em três pacientes no Grupo Dexmedetomidina durante o período intra-operatório e apenas em dois pacientes do Grupo Dexmedetomidina no período pós-operatório. Tremores ocorreram em dois pacientes no Grupo Controle e em três pacientes no Grupo Dexmedetomidina durante o período intra-operatório e em um e dois pacientes nos Grupos Controle e Dexmedetomidina, respectivamente, no período pós-operatório.

A freqüência respiratória se manteve acima de 10 em todos os pacientes durante todo o período de observação. No entanto, cinco pacientes do Grupo Controle e quatro pacientes do Grupo Dexmedetomidina necessitaram de oxigênio complementar devido a SpO2 menor que 90%. Destes pacientes, um paciente em cada grupo apresentou desconforto respiratório devido a bloqueio alto (T2). Dois pacientes no Grupo Dexmedetomidina e quatro pacientes no Grupo Controle apresentaram hipoxemia após a realização de sedação complementar com midazolam.

DISCUSSÃO

Nesta pesquisa, a hipótese de que a dexmedetomidina interage com a ropivacaína durante administração peridural, melhorando as características do bloqueio anestésico, foi avaliada. De acordo com os resultados da duração do bloqueio anestésico, das características do bloqueio motor e da analgesia pós-operatória, verificou-se que há interação sinérgica entre os fármacos, sendo a hipótese aceita. Não há trabalhos completos publicados na literatura nacional ou internacional que relatem o emprego de qualquer anestésico local associado à dexmedetomidina por via peridural, no ser humano, analisando as características do bloqueio peridural, como tempo de latência e duração do bloqueio anestésico.

Nesta pesquisa, não observamos diferenças significativas entre o Grupo Controle e o Grupo Dexmedetomidina quanto ao tempo de latência para bloqueio analgésico completo nos dermátomos T12, T10 e T8. Em geral, pesquisas realizadas com a administração de clonidina no espaço peridural, nas doses de 2 a 5 µg.kg-1, juntamente com o anestésico local, também não evidenciaram alteração significativa do início do bloqueio sensitivo7,8. Em estudo comparativo, a administração de clonidina, 150 µg, ou dexmedetomidina, 100 µg, associadas à ropivacaína 1%, em dose total de 200 µg, também não resultou em diferença significativa no tempo de latência do bloqueio sensitivo10. Por outro lado, verificou-se, com a administração de dexmedetomidina, uma elevação significativa do tempo de duração do bloqueio analgésico nos dermátomos T10 e T12 (Figura 1). Houve também acentuação da intensidade do bloqueio motor, bem como maior duração deste bloqueio causado pela dexmedetomidina (Tabela 2). De modo semelhante ao aumento do tempo de anestesia, a dexmedetomidina também promoveu elevação significativa da duração da analgesia pós-operatória. O efeito da clonidina em prolongar o tempo de duração da anestesia e/ou intensificar o bloqueio motor tem sido relatado por diversos pesquisadores, em estudos com a administração peridural de lidocaína11, bupivacaína7, levobupivacaína12 e ropivacaína13. Do mesmo modo, a analgesia pós-operatória causada pela clonidina administrada no espaço peridural em associação com anestésicos locais tem sido bem documentada12,14,15. Pesquisas mais recentes realizadas em animais, com o emprego de dexmedetomidina em associação ou não com anestésicos locais administrados no espaço peridural, demonstram o efeito analgésico acentuado da dexmedetomidina16,17. O emprego pioneiro da dexmedetomidina pela via peridural no homem ocorreu em 1997, estudo no qual a dexmedetomidina, na dose de 2 µg.kg-1 foi associada à lidocaína 1,5%, em dose total de 225 mg, em pacientes anestesiadas com isoflurano e submetidas à histerectomia. Os autores verificaram que o tempo de analgesia pós-operatória foi dobrado pela dexmedetomidina, em comparação com a administração apenas de lidocaína peridural6. Silva et al., em 2002, também verificaram ação analgésica pós-operatória adicional da dexmedetomidina na dose fixa de 100 µg, quando administrada em associação com a bupivacaína 0,5%, em pacientes submetidas à histerectomia sob anestesia peridural18.

Em ovelhas, após a administração peridural, a dexmedetomidina é rapidamente detectada no líquido cerebroespinhal, atingindo concentração máxima após cinco minutos. No entanto, em média, apenas 22% da quantidade total administrada são absorvidas para o espaço intratecal. Quando administrada pela via peridural, a meia-vida de distribuição equivale a 0,7 minutos, enquanto que sua meia-vida de eliminação é igual a 25 minutos19. O efeito antinociceptivo da dexmedetomidina é dosidependente e tem relação direta com sua afinidade pelos receptores a2 situados na medula espinhal, sendo este efeito superior aquele observado com a administração peridural de clonidina. Esta maior potência analgésica da dexmedetomidina em relação à clonidina, quando injetadas pela via peridural, deve-se não somente a sua maior seletividade aos receptores a2, mas provavelmente também à maior solubilidade lipídica e penetração nas meninges5,20. Por fim, o prolongamento da ação analgésica dos anestésicos locais pelos fármacos a2-agonistas no espaço peridural pode também ter relação com a redução da absorção sistêmica dos anestésicos locais, causada por efeito vasoconstritor local mediado pelos subtipos a2C no músculo liso do plexo venoso peridural11,21.

Verificou-se efeito sedativo da dexmedetomidina significativo, avaliado pelo índice bispectral, 30 minutos após sua administração. Em modelo semelhante, associando a clonidina a ropivacaína, Alves e Braz, em 2002, observaram sedação dos pacientes após administração peridural da combinação dos fármacos8. Em ratos, a administração de dexmedetomidina pela via peridural resulta em sedação dosidependente, a partir da dose de 1 µg.kg-1, sendo o efeito máximo observado 15 minutos após sua administração16. Por outro lado, Sabbe et al. verificaram efeito sedativo mínimo da dexmedetomidina na dose de 2 µg.kg-1, administrada pela via peridural em cães22. O efeito sedativo dos agentes a2-agonistas é mediado por sua ação no Locus Ceruleus. Assim, após a administração peridural, a passagem do fármaco pelas meninges e sua dispersão cefálica pode ser responsável pelo efeito sedativo observado16,22.

Não houve diferença significativa entre os grupos com relação à ocorrência de hipotensão arterial e bradicardia em nenhum momento do estudo. Em cães, não se observou redução da freqüência cardíaca após injeção peridural de dexmedetomidina na dose de 1 µg.kg-1, enquanto que doses de 2 µg.kg-1 resultaram em bradicardia, com efeito máximo 30 minutos após a administração22. Maroof et al., estudando pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos ortopédicos, observaram maior incidência de bradicardia quando associaram a dexmedetomidina, 2 µg.kg-1, à bupivacaína 0,5% na anestesia peridural, em comparação com a administração isolada de bupivacaína. No entanto, não observaram diferença significativa na pressão arterial23. A intensidade da bradicardia e da redução da pressão arterial após a administração peridural de fármacos a2-agonistas relaciona-se à dose empregada, bem como ao nível espinhal em que o fármaco é injetado21. Assim, doses mais elevadas desses fármacos19,22 bem como administração em nível torácico24 aumentam a probabilidade de ocorrência desses eventos hemodinâmicos.

Na presente pesquisa, não houve diferença significativa quanto à incidência de complicações intra e pós-operatórias. Houve baixa incidência de náuseas e tremores em ambos os grupos e a freqüência respiratória manteve-se em valores habituais durante todo o período de observação. Também não houve diferença significativa quanto à incidência de hipoxemia (SpO2 < 90%) que ocorreu, basicamente, após sedação complementar com midazolam. Destaca-se o estudo de Maroof et al., no qual a dexmedetomidina, na dose de 2 µg.kg-1 associada à bupivacaína 0,5% em anestesia peridural, reduziu significativamente a incidência de tremores23, efeito que se deve principalmente a inibição central do controle termorregulatório pelos fármacos a2-agonistas25,26.

CONCLUSÃO

Conclui-se que a dexmedetomidina, na dose de 1 µg.kg-1, age sinergicamente à ropivacaína 0,75% na anestesia peridural. A dexmedetomidina aumenta a duração do bloqueio analgésico, intensifica o bloqueio motor e prolonga a duração da analgesia pós-operatória. Nesta pesquisa não houve morbidade adicional relacionada à associação da dexmedetomidina à ropivacaína na anestesia peridural.

Conflito de interesse: não há

Artigo recebido: 22/02/07

Aceito para publicação: 18/11/07

Trabalho realizado no Hospital de Base da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, SP, desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Anestesiologia da Faculdade de Medicina de Botucatu, SP

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Maio 2008
    • Data do Fascículo
      Abr 2008

    Histórico

    • Recebido
      22 Fev 2007
    • Aceito
      18 Nov 2007
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