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Avaliação dos glicosaminoglicanos do tecido periuretral de pacientes com e sem prolapso genital

Evaluation of glycosaminoglycans of periurethral tissue in patients with and without pelvic organ prolapse

Resumos

OBJETIVOS: Caracterizar e quantificar os subtipos de glicosaminoglicanos sulfatados (GAGs) existentes no tecido peri-uretral de pacientes com e sem prolapso genital. METODOS: Foram incluídas 35 pacientes que se submeteram a cirurgia vaginal para correção de distopias genitais e/ou incontinência urinária de esforço ou por outra condição benigna. As pacientes foram avaliadas por anamnese padronizada, exame físico e urodinâmico e agrupadas segundo a existência do prolapso genital. Durante o procedimento cirúrgico, amostras de aproximadamente 1,0 x 1,0 cm do tecido periuretral foram retiradas para avaliação. Os GAGs foram extraídos do tecido por proteólise e precipitação por ácido tricloroacético e caracterizados por eletroforese em gel de agarose. A quantificação foi feita por meio de densitometria a 525 nm do gel corado com azul de toluidina. Compararam-se os dados pela análise de variância (ANOVA). RESULTADOS: Nos grupos estudados, houve maior predomínio de dermatam sulfato (DS), em torno de 85% do total de GAGs, seguido do condroitim sulfato (CS) e do heparam sulfato (HS). Observou-se aumento significativo dos GAGs totais, do DS e do HS em mulheres com prolapso genital. Não se observou diferença significante com relação ao CS. CONCLUSÃO: Este estudo demonstrou diferenças na matriz extracelular do tecido periuretral com aumento de GAGs totais, DS e HS nas mulheres com prolapso genital.

Prolapso uterino; Glicosaminoglicanas; Bioquímica; Matriz celular


OBJECTIVE: To characterize and quantify periurethral tissue sulphated glycosaminoglycans (GAGs) in women with and without pelvic organ prolapse. STUDY DESIGN: Periurethral tissue was obtained from 35 women who underwent surgery for pelvic organ prolapse, for stress urinary incontinence, or for other gynecological benign conditions. Patients were submitted to a clinical history, physical and urodynamic examination and were divided in two groups according to genital prolapse. The standard biopsy with 1.0 x 1.0 cm was taken from periurethral tissue during surgery and assessed by biochemical methods. The GAGs were obtained by proteolysis and precipitated by trichloroacetic acid. The relative concentration of sulfated GAGs was determined by densitometry of toluidine blue stained gel using a spectrophotometer with a 525 nm wavelength. Data were compared using analysis of variance (ANOVA). RESULTS: In the two groups dermatan sulphate (DS) was the predominant glycosaminoglycan (85%), followed by chondroitin sulphate (CS) and heparan sulphate (HS). Women with pelvic organ prolapse had significantly more total GAGs, DS and HS. Differences in CS were not observed. CONCLUSIONS: This study showed altered biochemical characteristics in the extracellular matrix of periurethral tissue and also accumulation of GAGs, DS and CS, in women with pelvic organ prolapse.

Uterine prolapse; Glycosaminoglycans; Biochemistry; Celular matrix


ARTIGO ORIGINAL

Avaliação dos glicosaminoglicanos do tecido periuretral de pacientes com e sem prolapso genital

Evaluation of glycosaminoglycans of periurethral tissue in patients with and without pelvic organ prolapse

Paulo Cezar Feldner Jr* * Correspondência Rua dos Otonis, 601 - Vila Clementino - São Paulo – SP Cep 04025-001 Tel/Fax: (11)5084-2514 pfel@dneralfa.epm.br ; Elsa Yoko Kobayashi; Marair Gracio Ferreira Sartori; Helena Bonciani Nader; Edmund Chada Baracat; Manoel João Batista Castello Girão

RESUMO

OBJETIVOS: Caracterizar e quantificar os subtipos de glicosaminoglicanos sulfatados (GAGs) existentes no tecido peri-uretral de pacientes com e sem prolapso genital.

METODOS: Foram incluídas 35 pacientes que se submeteram a cirurgia vaginal para correção de distopias genitais e/ou incontinência urinária de esforço ou por outra condição benigna. As pacientes foram avaliadas por anamnese padronizada, exame físico e urodinâmico e agrupadas segundo a existência do prolapso genital. Durante o procedimento cirúrgico, amostras de aproximadamente 1,0 x 1,0 cm do tecido periuretral foram retiradas para avaliação. Os GAGs foram extraídos do tecido por proteólise e precipitação por ácido tricloroacético e caracterizados por eletroforese em gel de agarose. A quantificação foi feita por meio de densitometria a 525 nm do gel corado com azul de toluidina. Compararam-se os dados pela análise de variância (ANOVA).

RESULTADOS: Nos grupos estudados, houve maior predomínio de dermatam sulfato (DS), em torno de 85% do total de GAGs, seguido do condroitim sulfato (CS) e do heparam sulfato (HS). Observou-se aumento significativo dos GAGs totais, do DS e do HS em mulheres com prolapso genital. Não se observou diferença significante com relação ao CS.

CONCLUSÃO: Este estudo demonstrou diferenças na matriz extracelular do tecido periuretral com aumento de GAGs totais, DS e HS nas mulheres com prolapso genital.

Unitermos: Prolapso uterino. Glicosaminoglicanas. Bioquímica. Matriz celular.

SUMMARY

OBJECTIVE: To characterize and quantify periurethral tissue sulphated glycosaminoglycans (GAGs) in women with and without pelvic organ prolapse.

STUDY DESIGN: Periurethral tissue was obtained from 35 women who underwent surgery for pelvic organ prolapse, for stress urinary incontinence, or for other gynecological benign conditions. Patients were submitted to a clinical history, physical and urodynamic examination and were divided in two groups according to genital prolapse. The standard biopsy with 1.0 x 1.0 cm was taken from periurethral tissue during surgery and assessed by biochemical methods. The GAGs were obtained by proteolysis and precipitated by trichloroacetic acid. The relative concentration of sulfated GAGs was determined by densitometry of toluidine blue stained gel using a spectrophotometer with a 525 nm wavelength. Data were compared using analysis of variance (ANOVA).

RESULTS: In the two groups dermatan sulphate (DS) was the predominant glycosaminoglycan (85%), followed by chondroitin sulphate (CS) and heparan sulphate (HS). Women with pelvic organ prolapse had significantly more total GAGs, DS and HS. Differences in CS were not observed.

CONCLUSIONS: This study showed altered biochemical characteristics in the extracellular matrix of periurethral tissue and also accumulation of GAGs, DS and CS, in women with pelvic organ prolapse.

Key words: Uterine prolapse. Glycosaminoglycans. Biochemistry. Celular matrix.

INTRODUÇÃO

Prolapso genital é enfermidade responsável por 400 mil procedimentos cirúrgicos anualmente nos Estados Unidos. Os defeitos da parede vaginal anterior estão entre os mais os mais freqüentes, sendo realizadas aproximadamente 150 mil cirurgias por ano1,2. Resulta do deslocamento das vísceras pélvicas no sentido caudal, em direção ao hiato genital decorrente do desequilíbrio entre as forças encarregadas de manter os órgãos pélvicos em sua posição normal, e aquelas que tendem a expeli-los para fora da pelve. Dentre as diversas teorias, sabe-se que a fisiopatologia do prolapso genital envolve fundamentalmente defeitos nos tecidos de suporte. Esta frouxidão poderia ser causada por defeito intrínseco dos tecidos constituintes das estruturas de suporte, como ligamentos, fáscias e músculos3,4.

A integridade das estruturas de sustentação depende da composição e arranjo do tecido conjuntivo. Desta forma, o espaço extracelular, freqüentemente preenchido por componentes fibroconjuntivos denominados de matriz extracelular, é de importância fundamental para a função dos tecidos. A matriz extracelular é constituída, em proporções variáveis, por colágeno, fibras elásticas, proteoglicanos, glicosaminoglicanos e elementos celulares, que se organizam formando uma rede, em parte responsável pela grande diversidade morfológica e funcional5,6.

Os múltiplos componentes da matriz dividem-se em dois tipos: 1) moléculas protéicas alongadas que se unem formando estruturas fibrilares, como o colágeno e a elastina; 2) estruturas não fibrilares que podem ter dois subtipos, a saber: a) glicoproteínas alongadas como a fibronectina e a laminina; b) glicosaminoglicanos e proteoglicanos. O colágeno e a elastina são responsáveis pelo arcabouço estrutural e elástico. Já, os glicosaminoglicanos e os proteoglicanos formam gel hidrófilo, semifluido que permite a circulação de nutrientes, hormônios e outros mensageiros químicos7.

Os glicosaminoglicanos são heteropolissacarídeos que têm como estrutura básica unidades alternadas de hexosamina e açúcar não-nitrogenado unidas por ligações glicosídicas. Estas cadeias polissacarídicas foram denominadas de mucopolissacarídeos pela presença em secreções viscosas. Atualmente, são referidos como glicosaminoglicanos, estando presentes em todas as células animais com diferenças estruturais dependendo do tecido ou do organismo de origem8,9.

Os principais glicosaminoglicanos são: condroitim 4 e 6 sulfato (CS), dermatam sulfato (DS), heparan sulfato (HS), heparina (HEP), queratam sulfato (QS) e ácido hialurônico (AH). Estes compostos diferem entre si quanto ao tipo de hexosamina e açúcar não aminado, quanto ao grau e posição de sulfatação, bem como quanto ao tipo de ligação glicosídica inter e intradissacarídica. Com exceção do ácido hialurônico, todos os glicosaminoglicanos estão ligados covalentemente a esqueleto protéico, formando assim os proteoglicanos10. Estão envolvidos em múltiplas funções biológicas como adesão, migração e proliferação celular, secreção de proteínas e expressão gênica. De forma geral, os GAGs contribuem para a estrutura e as propriedades de permeabilidade do tecido conjuntivo, bem como guia para enzimas e fatores de crescimento tanto na matriz quanto na superfície das células11.

Fato que ultimamente tem despertado interesse é a relação entre a matriz extracelular e diversas enfermidades. Assim sendo, alterações intrínsecas do tecido de sustentação poderiam levar ao seu enfraquecimento, podendo modificar-se na dependência do estado hormonal e enfermidades contribuindo para as manifestações clínicas do prolapso genital. A despeito disto, o conhecimento da ultra-estrutura do tecido conjuntivo do trato gênito-urinário e como as suas alterações podem contribuir para a gênese de enfermidades é bastante limitado.

Propusemo-nos, neste estudo, a identificar e caracterizar os glicosaminoglicanos sulfatados no tecido periuretral de pacientes com e sem prolapso genital.

MÉTODOS

O estudo foi realizado no Setor de Uroginecologia e Cirurgia Vaginal do Departamento de Ginecologia e na Disciplina de Biologia Molecular do Departamento de Bioquímica da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina (UNIFESP – EPM). O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa e as pacientes esclarecidas e assinaram termo de consentimento.

Foram selecionadas 35 mulheres na pré e pós-menopausa, entre 30 e 79 anos de idade, com e sem prolapso genital, que se submeteram a cirurgia vaginal para correção desta enfermidade e/ou para correção da incontinência urinária de esforço.

Não foram incluídas pacientes que fizeram uso de medicação contendo estrogênio, progestogênio ou androgênio no período de 12 meses anteriores à avaliação; as com obesidade mórbida (IMC > 40 Kg/m2), enfermidades sistêmicas graves, não controladas e que podem alterar os componentes da matriz extracelular, como: doença renal ou hepática crônica, doenças do colágeno, doenças reumatológicas e as pacientes com infecção gênito-urinária não tratada ou com lesões vulvovaginais.

A anamnese consistiu em questionário padrão, no qual se pesquisou sobre sintomas uroginecológicos. O diagnóstico das distopias genitais baseou-se na identificação da procidência das paredes vaginais e do colo uterino. O prolapso genital foi definido ao exame físico e dividido em estágios usando-se a padronização da Sociedade Internacional de Continência12. Pacientes no estadio clínico 0-I foram definidas como sem prolapso e aquelas entre os estadios II-IV definidas com tendo prolapso genital.

Durante o procedimento cirúrgico, retiraram-se fragmentos com aproximadamente 1,0 x 1,0 cm de diâmetro do tecido periuretral para caracterização e quantificação dos componentes da matriz extracelular. Padronizou-se a retirada do tecido periuretral na região mediana, abaixo do meato uretral externo, a aproximadamente 1,5 cm dele. Os fragmentos foram lavados em solução de PBS (phosphate buffered saline) para retirada do excesso de sangue. A seguir, foram fixados em solução de formol purificado (2,5% glutaraldeído em 0,1mmol/L cacodilato tamponado em pH 7,3) e resfriados a 4º C.

Extração dos glicosaminoglicanos

A técnica para a extração dos glicosaminoglicanos foi descrita por Nader 13. Em resumo, os tecidos foram lavados em PBS para retirada do excesso de glutaraldeído e picotados em acetona. Os fragmentos obtidos foram desidratados e mantidos por 24 horas a 4ºC. Obteve-se o pó cetônico que foi pesado individualmente. A extração foi realizada em cada tecido separadamente. O pó seco foi submetido à proteólise por maxatase 3 mg/mL em tampão fostato/cisteína/EDTA a 50ºC, pH 6,5. Ao volume restante foi adicionado NaCl para a concentração final de 1M. Peptídeos de ácidos nucléicos foram precipitados com ácido tricloroacético 90%, concentração final de 10% em banho de gelo. Após a precipitação, o material foi centrifugado por 20 minutos e coletado o sobrenadante. Ao sobrenadante foram adicionados dois volumes de metanol para a precipitação dos GAGs. A precipitação foi a –20ºC (18-24h). O material foi centrifugado e o precipitado que continha os GAGs foi ressuspenso em tampão acetato de sódio 0,05M, MgCl2 0,02M em pH 5,0 contendo desoxirribonuclease I para degradação do DNA (18h a 30ºC). As amostras foram secas e ressuspensas em água correspondente a 0,1 ml para cada 100 mg de pó cetônico de tecido seco.

Os compostos foram aplicados em lâminas de gel de agarose (0,55%), com espessura de 0,2 cm em tampão 1,3-diaminopropano acetato (PDA) 0,05M, pH 9,0. A corrida eletroforética foi efetuada em caixa refrigerada a 4ºC, com diferença de potencial elétrico de 100 mV, durante cerca de uma hora ou até obter a migração apropriada, indicada pelo corante vermelho de cresol.

Após a corrida eletroforética, os glicosaminoglicanos foram precipitados no gel com cetavlon (brometo de cetiltrimetilamônia) a 0,1%, por um período mínimo de duas horas. Após secagem sob calor e ventilação, o gel foi corado com solução de azul de toluidina a 0,1% em ácido acético a 1% e etanol a 50%.

Identificaram-se os glicosaminoglicanos comparando-se a migração eletroforética das amostras com a de padrões conhecidos e purificados. Estes mesmos padrões foram usados para a determinação quantitativa dos compostos, por meio de densitometria a 525 nm.

Teste estatístico

Para analisar as variáveis idade, paridade e índice de massa corpórea, aplicamos o teste de análise de variância (ANOVA) com o propósito de verificar a homogeneidade entre os grupos. Para as variáveis presença de incontinência urinária de esforço e estado hormonal, aplicamos o teste de qui quadrado de independência.

Empregou-se a análise de variância (ANOVA), entre os grupos, com o intuito de verificar a igualdade das médias de glicosaminoglicanos sulfatados no tecido periuretral. O nível de rejeição da hipótese de nulidade foi fixado em 0,05 ou 5% (a < 0,05).

RESULTADOS

No total foram operadas 35 pacientes, sendo 15 no grupo sem prolapso (estadios clínicos O e I) e 20 no grupo com prolapso (estadios clínicos II, III e IV). Os grupos foram homogêneos com relação à idade, ao índice de massa corpórea, à presença de incontinência urinária de esforço e ao estado hormonal (Tabela 1).

Os glicosaminoglicanos sulfatados encontrados na análise do tecido periuretral de pacientes com e sem prolapso genital foram os seguintes: condroitin sulfato, dermatan sulfato e heparan sulfato.

Identificamos aumento do conteúdo médio de GAGs totais, condroitin sulfato, dermatan sulfato e de heparan sulfato em pacientes com prolapso genital. Estes valores foram significantemente maiores no grupo com prolapso com relação ao grupo sem prolapso para GAGs totais, dermatan sulfato e heparan sulfato (Tabela 2). Não observamos diferenças significantes para o condrotin sulfato nos grupos estudados (Tabela 2). Em todos os grupos estudados houve predomínio do dermatam sulfato, em torno de 85% de todos os GAGs, seguido do condroitin sulfato e heparan sulfato (Figura 1).


DISCUSSÃO

Sabe-se que o tecido conjuntivo tem participação na gênese do prolapso genital e incontinência urinária de esforço, sendo que diferenças quantitativas e qualitativas no colágeno dos aparelhos de suspensão e de sustentação já foram descritas. Ocorre a formação de fibras menos elásticas que suportam menos tensão e estiramento14-18. Contudo, a real importância dos demais constituintes da matriz extracelular ainda está por ser esclarecida.

Falconer et al.14 encontraram maior concentração de colágeno total e maior diâmetro das fibras no tecido conjuntivo periuretral em pacientes incontinentes na menacme. Observaram ainda aumento na quantidade de colágeno tipo I e III e na quantidade de ligações cruzadas, bem como redução na relação entre proteoglicanos e colágeno. Notaram, em pacientes na pós-menopausa, maior resposta à reposição estrogênica, com aumento na relação proteoglicanos/colágeno nos tecidos de mulheres continentes15.

Fitzgerald et al16, avaliando biópsias uretrais, observaram que o diâmetro das fibras de colágeno não variou em face da incontinência urinária de esforço e prolapso genital, nem com a idade, raça ou do estado hormonal. Demonstraram, contudo, alterações morfológicas nestas fibras e no restante da matriz extracelular em nove das 15 pacientes estudadas.

Estudos que avaliaram os glicosaminoglicanos no trato genital referem-se, principalmente, à sua possível associação com a cistite intersticial19, enurese noturna e/ou incontinência20 e na retocolite ulcerativa, na doença de Crohn e na síndrome de Reiter21.

De Deus22 verificou ser o dermatam sulfato o GAGs mais abundante na bexiga e na uretra de ratas adultas. Observou que o hipoestrogenismo diminuiu seu conteúdo na bexiga, sendo que a reposição isolada de estrogênio diminuiu ainda mais o seu nível. Relatou, também, que o hipoestrogenismo aumentou a relação dermatam sulfato/heparam sulfato.

Silva et al23 concluíram, pela análise bioquímica, que a uretra esponjosa masculina tem diferenças regionais nas taxas de GAG e de colágeno. Sugeriram que esta heterogeneidade implicaria em adaptações funcionais, que poderiam afetar a fisiologia e a incidência segmentar de algumas enfermidades uretrais.

Barbiero et al.24 observaram que no grupo com prolapso uterino, o paramétrio estava constituído por tecido conjuntivo não modelado, rico em fibras colágenas. No entanto, as fibras eram mais curtas, delgadas e achavam-se dispostas de maneira desordenada. Apesar de não encontrar diferenças significativas na quantidade de colágeno tipo I, a alteração da qualidade da fibra foi nítida. Além disso, observavaram campos com inúmeras "áreas claras", com tecido amorfo, entremeadas às fibras. Tais "áreas claras" poderiam corresponder ao aumento na deposição dos constituintes da matriz extracelular.

Como se sabe, os GAGs afetam as propriedades físicas dos tecidos e estão envolvidos na sua resistência e elasticidade. O aumento de GAGs no tecido periuretral, em pacientes com prolapso genital, poderia contribuir para alterar as propriedades físicas do tecido. Pela sua interação com o colágeno, pode-se sugerir que desempenhariam papel fundamental na complacência e na resistência das estruturas de sustentação, embora este tema não tenha sido apropriadamente estudado. A regulação da matriz extracelular constitui evento importante em muitas condições fisiológicas e patológicas, sendo que balanço proteolítico favorecendo o acúmulo de GAG poderia diminuir a complacência do tecido, como ocorre nas fibroses25. Este fato poderia ser também aplicado à lesão dos tecidos de sustentação.

De forma similar ao nosso, Kozma et al.26, estudando a fáscia lata, observaram condroitim sulfato, dermatam sulfato e heparam sulfato, predominando o dermatam sulfato. Relataram também aumento significativo na quantidade de GAGs totais e de todos os seus componentes em pacientes com lesão da fáscia. Tanto em fáscias normais como nas lesadas, houve dois tipos de proteoglicanos de dermatam sulfato: biglicam e decorim. A análise densitométrica revelou ser o decorin o predominante, porém em fáscias lesionadas houve aumento da relação biglican/decorin.

Proteoglicanos de dermatam sulfato de baixo peso molecular, como o decorim e biglicam, interagem com o colágeno e são responsáveis pela organização, velocidade de deposição e pelo aumento da estabilidade das fibrilas de colágeno, além de orientar a fibrilogênese. Tais mudanças nas cadeias de dermatam sulfato poderiam determinar diminuição na afinidade para adesão celular e conseqüente redução das forças responsáveis pela orientação espacial e estabilização das fibras. Simultaneamente, a matriz com maiores concentrações de glicosaminoglicanos e proteoglicanos interferiria com as fibras já formadas ao preencher de forma mais acentuada os espaços interfibrilares e promover processo de desestabilização das já fracas estruturas formadas6,26.

É possível que o aumento de GAGs totais e de dermatam sulfato se deva às diferentes alterações na matriz, que podem agir como causa ou conseqüência da incontinência urinária.

Sabemos que existem algumas limitações em nosso estudo. Embora o local de biópsia tenha sido padronizado, a anatomia das estruturas de suporte pélvico inclui diferentes tecidos extremamente próximos. Assim, amostras separadas por milímetros podem expressar tecidos de diferentes naturezas.

A segunda limitação é que avaliamos pacientes após o desenvolvimento do prolapso genital. Não existem estudos prospectivos que tenham seguido mulheres ao longo do tempo para medidas antes e após a desordem ter-se instalado. Desta forma, não podemos ter certeza da direção dos efeitos que encontramos. Pode ser que a mudança na matriz contribua para o desenvolvimento do prolapso ou que este gere mudanças no metabolismo dos glicosaminoglicanos como efeito compensatório.

Em resumo, as diferenças bioquímicas e estruturais encontradas na concentração dos glicosaminoglicanos sulfatados no tecido periuretral sugerem que o tecido conjuntivo pode estar relacionado com a gênese do prolapso genital. A relevância clínica destas mudanças parece ter ligação com a deterioração das propriedades mecânicas e físico-químicas dos tecidos. Contudo, estudos maiores, com seguimento prospectivo, são necessários para o completo entendimento da fisiopatologia.

CONCLUSÃO

Este estudo demonstrou diferenças na matriz extracelular do tecido periuretral com aumento de GAGs totais e DS em mulheres com prolapso genital.

Conflito de interesse: não há

Artigo recebido: 21/08/07

Aceito para publicação: 06/11/07

Trabalho realizado pelo setor de Uroginecologia e Cirurgia Vaginal do Departamento de Ginecologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP/EPM) e pelo Departamento de Bioquímica da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP/EPM), São Paulo, SP

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    Correspondência Rua dos Otonis, 601 - Vila Clementino - São Paulo – SP Cep 04025-001 Tel/Fax: (11)5084-2514
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Maio 2008
    • Data do Fascículo
      Abr 2008

    Histórico

    • Aceito
      06 Nov 2007
    • Recebido
      21 Ago 2007
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