Acessibilidade / Reportar erro

Câncer de bexiga: estadiamento e tratamento I

DIRETRIZES EM FOCO

Câncer de bexiga – estadiamento e tratamento I

Autoria: Sociedade Brasileira de Urologia e Sociedade Brasileira de Patologia

Participantes: Antonio Carlos Lima Pompeo, Fabrício Borges Carrerette, Sidney Glina, Valdemar Ortiz, Ubirajara Ferreira, Carlos Eduardo Corradi Fonseca, et al.

Descrição do método de coleta de evidência: Revisão da literatura.

Graus de recomendação e força de evidência:

A: Estudos experimentais ou observacionais de melhor consistência.

B: Estudos experimentais ou observacionais de menor consistência.

C: Relatos de casos (estudos não controlados).

D: Opinião desprovida de avaliação crítica, baseada em consensos, estudos fisiológicos ou modelos animais.

Objetivo:

Oferecer um guia prático, adequado à realidade brasileira, destacando as melhores evidências disponíveis relacionadas ao diagnóstico e ao tratamento do câncer de bexiga.

Estadiamento do câncer de bexiga

O objetivo do estadiamento é determinar se a doença é superficial ou invasiva (comprometimento da camada muscular), sua extensão locoregional ou metastática.

Exames clínicos

A ultra-sonografia de abdome total não detecta tumores vesicais menores que 0,5cm1(C), assim como a extensão tumoral na parede vesical ou adenomegalias, não devendo, por estas razões, ser utilizada de rotina para o estadiamento.

A tomografia computadorizada abdominal e pélvica ou a ressonância magnética são utilizadas rotineiramente nos tumores invasivos para avaliar a extensão local do tumor e na pesquisa de metástases intra-abdominais. Entretanto, a acurácia no estadiamento do tumor vesical da tomografia computadorizada é de cerca de 55%2(C), e a ressonância magnética falha em detectar metástases linfonodais em 15% dos pacientes3(D).

A tomografia por emissão de pósitrons (PET scan) parece ser promissora, com uma possível melhor acurácia do que a tomografia computadorizada e a ressonância magnética, no estadiamento do tumor de bexiga4(D), porém as informações ainda são inconsistentes. A radiografia de tórax deve ser realizada rotineiramente na pesquisa de metástases pulmonares, podendo ser, eventualmente, complementada com tomografia computadorizada. A probabilidade de se encontrar lesões ósseas em pacientes com câncer de bexiga invasivo está ao redor de 5%5(C), portanto, a cintilografia óssea não é empregada de rotina no estadiamento, sendo reservada a pacientes com sintomas sugestivos de comprometimento ósseo ou fosfatase alcallina elevada6(C).

Estadiamento

O sistema TNM, da União Internacional Contra o Câncer 2002 (Tabela 1) deve ser empregado, já que é aceito universalmente7(D). Com finalidade prática na elaboração da estratégia terapêutica, dividem-se os tumores localizados em: superficiais e invasivos (Figura 1). Os tumores superficiais incluem o Tis, Ta e T1. A penetração da camada muscular identifica os tumores invasivos da bexiga.


Graduação histológica

A classificação mais utilizada ainda tem sido a da Organização Mundial da Saúde (OMS)8(D) (Figura 2). Em 1998, o consenso OMS/ISUP (International Society of Urological Pathology) propôs nova classificação de grau histológico que tem melhor correlação clínico-histológica9(D).


Tratamento

Tumor superficial

Aproximadamente 70% a 80% dos tumores de bexiga são superficiais, sendo a maioria estadio Ta (70%) e o restante, T1 ou Tis. Em geral, os tumores Ta são de baixo grau e a maioria dos T1 são de alto grau. O carcinoma in situ (Tis), por definição, é um tumor de alto grau, representando 10% dos tumores de bexiga.

Em 50% das vezes, o Tis se associa ao tumor papilar ou invasivo (Tis secundário) enquanto metade deles ocorre isoladamente (Tis primário)10(D).

Ressecção transuretral

A ressecção transuretral é o procedimento padrão para diagnóstico, estadiamento e tratamento do tumor superficial de bexiga. Ao iniciar o procedimento, deve-se realizar uma inspeção detalhada da uretra e de toda a bexiga.

A ressecção transuretral deve ser, se possível, completa, e o material ressecado devem incluir tecido muscular. Biópsias ao acaso não são recomendadas, devendo-se realizá-las apenas em áreas suspeitas11(C).

A ressecção transuretral inicial pode subestadiar o tumor de bexiga entre 20% e 40% dos casos ou ser incompleta em um terço deles12,13(C). Por essa razão, uma nova ressecção transuretral (Re-ressecção transuretral), realizada 3 a 6 semanas após, poderá ser indicada em ressecções incompletas e todos os T1 de alto grau12,13(C).

Terapia intravesical

Pacientes portadores de tumor superficial de bexiga apresentam risco de recorrência e progressão se tratados apenas pela ressecção transuretral. Alguns parâmetros aumentam o risco de recorrência (60% a 90%) e progressão (30% a 50%): multiplicidade, tamanho >3 cm, alto grau, T1, Tis e recorrência prévia14(C).

Em qualquer dessas condições, a terapia intravesical deverá ser empregada utilizando-se quimioterápicos (tiotepa, mitomicina C e adriamicina) ou BCG.

Estudo com metanálise mostrou queda na taxa de recorrência com o uso de quimioterapia intravesical utilizada até 24h após a ressecção transuretral, sobretudo para tumor papilar único e de baixo grau15(A). A quimioterapia intravesical, nesses casos, com exceção da thiotepa, em dose única, pode ser empregada imediatamente após a ressecção transuretral15(A).

Outra revisão comparativa mostrou que o BCG apresentou menor taxa de recorrência que a mitomicina C, sendo o agente mais recomendado para a terapia intravesical no regime seqüencial16(A), principalmente nos casos de carcinoma in situ. O momento do início do tratamento, dose, número de aplicações, intervalo entre as aplicações e tempo de permanência da droga na bexiga foram estabelecidos empiricamente. O esquema mais empregado de indução começa três a quatro semanas após a ressecção transuretral, com uma aplicação semanal durante seis semanas, duas horas de permanência na bexiga, na dose de 40 mg a 120 mg por aplicação.

Após a fase de indução, terapia de manutenção é recomendada em estudo controlado, sendo utilizados ciclos de três semanas após três e seis meses, seguidos de seis em seis meses por três anos17(A). Destaque-se que não existe consenso sobre os esquemas de manutenção, havendo defensores de outros, tais como a aplicação mensal por período de um ano.

Em dois estudos de metanálise, observou-se maior toxicidade do BCG quando comparado à mitomicina C16(A)18(B). Os efeitos colaterais mais freqüentes foram: disúria, cistite, polaciúria e hematúria. As complicações sistêmicas são febre, calafrios, indisposição e rash cutâneo16(A)18 (B).

Em casos de recorrência tumoral, um segundo ciclo de seis semanas poderá ser empregado.

Estudos recentes de fase 2 avaliaram os resultados da combinação do BCG com o interferon á-2b e da gencitabina intravesical19,20(B). Embora os resultados preliminares demonstrem alguma eficácia desses regimes, não há evidência atual para a recomendação dos mesmos em casos de insucesso do BCG.

Cistectomia radical

Em algumas situações específicas, devido ao maior risco de progressão, a cistectomia radical poderá ser indicada para tumores superficiais refratários à terapia intravesical. T1 de alto grau recorrente e, principalmente, associado ao Tis constitui a indicação mais freqüente deste procedimento21(C).

A taxa de sobrevida livre de doença em 10 anos para pacientes com tumor T1 de alto grau submetidos à cistectomia radical pode chegar a 92%21(C).

Medidas preventivas

Medidas preventivas relacionadas com mudança do hábito de vida e o emprego de quimio-prevenção não foram estudadas em profundidade até o momento. Aumento da ingestão de água e abandono do fumo são medidas recomendadas por estudos controlados22(C).

Megadose de vitaminas, isoflavona e inibidores da ciclooxigenases 1 e 2 foram avaliados em estudos isolados e pouco consistentes e, por estas razões, as recomendações ainda não têm bom respaldo científico.

O texto completo da Diretriz: Câncer de bexiga está disponível nos sites: www.projetodiretrizes.org.br e www.amb.org.br.

  • 1. Kim JK, Park SY, Ahn HJ, Kim CS, Cho KS. Bladder cancer: analysis of multidetector row helical CT enhancement pattern and accuracy in tumor detection and perivesical staging. Radiology. 2004;231:725-31.
  • 2. Paik ML, Scolieri MJ, Brown SL, Spirnak JP, Resnick MI. Limitations of computerized tomography in staging invasive bladder cancer before radical cystectomy. J Urol. 2000;163:1693-6.
  • 3. Sanderson KM, Stein JP, Skinner DG. The evolving role of pelvic lymphadenectomy in the treatment of bladder cancer. Urol Oncol. 2004;22:205-13.
  • 4. Hain SF, Maisey MN. Positron emission tomography for urological tumours. BJU Int. 2003;92:159-64.
  • 5. Brismar J, Gustafson T. Bone scintigraphy in staging of bladder carcinoma. Acta Radiol. 1988;29:251-2.
  • 6. Demers LM, Costa L, Lipton A. Biochemical markers and skeletal metastases. Câncer. 2000;88(12 Suppl):2919-26.
  • 7. Brasil Ministério da Saúde. TNM: classificação de tumores malignos. 6a ed. Rio de Janeiro: INCA; 2004.
  • 8. Mostoffi FK, Sobin LH, Torloni H. Histologic typing of urinary bladder tumours. International Calssification of Tumours 19. Geneva: WHO; 1973.
  • 9. Epstein JI. The new World Health Organization/International Society of Urological Pathology (WHO/ISUP) classification for TA, T1 bladder tumors: is it an improvement? Crit Rev Oncol Hematol. 2003;47:83-9.
  • 10. Messing EM. Urothelial tumors of the urinary tract. In: Walsh PC, Retik AB, Vaughan ED Jr, Wein AJ, Kavoussi LR, Novick AC, et al., editors. Campbell's urology. 8th ed. Philadelphia: Saunders; 2002. p.2732-84.
  • 11. Kiemeney LA, Witjes JA, Heijbroek RP, Koper NP, Verbeek AL, Debruyne FM. Should random urothelial biopsies be taken from patients with primary superficial bladder cancer? A decision analysis. Members of the Dutch South-East Co-Operative Urological Group. Br J Urol. 1994;73:164-71.
  • 12. Herr HW. The value of a second transurethral resection in evaluating patients with bladder tumors. J Urol. 1999;162:74-6.
  • 13. Grimm MO, Steinhoff C, Simon X, Spiegelhalder P, Ackermann R, Vogeli TA. Effect of routine repeat transurethral resection for superficial bladder cancer: a long-term observational study. J Urol. 2003;170(2 Pt 1):433-7.
  • 14. Herr HW, Wartinger DD, Fair WR, Oettgen HF. Bacillus Calmette-Guerin therapy for superficial bladder cancer: a 10-year followup. J Urol. 1992;147:1020-3.
  • 15. Sylvester RJ, Oosterlinck W, van der Meijden AP. A single immediate postoperative instillation of chemotherapy decreases the risk of recurrence in patients with stage Ta T1 bladder cancer: a metaanalysis of published results of randomized clinical trials. J Urol. 2004;171(6 Pt 1):2186-90.
  • 16. Shelley MD, Wilt TJ, Court J, Coles B, Kynaston H, Mason MD. Intravesical bacillus Calmette-Guerin is superior to mitomycin C in reducing tumour recurrence in high-risk superficial bladder cancer: a meta-analysis of randomized trials. BJU Int. 2004;93:485-90.
  • 17. Lamm DL, Blumenstein BA, Crissman JD, Montie JE, Gottesman JE, Lowe BA, et al. Maintenance bacillus Calmette-Guerin immunotherapy for recurrent TA, T1 and carcinoma in situ transitional cell carcinoma of the bladder: a randomized Southwest Oncology Group Study. J Urol. 2000;163:1124-9.
  • 18. Bohle A, Jocham D, Bock PR. Intravesical bacillus Calmette-Guerin versus mitomycin C for superficial bladder cancer: a formal meta-analysis of comparative studies on recurrence and toxicity. J Urol. 2003;169:90-5.
  • 19. Gontero P, Casetta G, Maso G, Sogni F, Pretti G, Zitella A, et al. Phase II study to investigate the ablative efficacy of intravesical administration of gemcitabine in intermediate-risk superficial bladder cancer (SBC). Eur Urol. 2004;46:339-43.
  • 20. O'Donnell MA, Lilli K, Leopold C. Interim results from a national multicenter phase II trial of combination bacillus Calmette-Guerin plus interferon alfa-2b for superficial bladder cancer. J Urol. 2004;172:888-93.
  • 21. Freeman JA, Esrig D, Stein JP, Simoneau AR, Skinner EC, Chen SC, et al. Radical cystectomy for high risk patients with superficial bladder cancer in the era of orthotopic urinary reconstruction. Cancer. 1995;76: 833-9.
  • 22. Fleshner N, Garland J, Moadel A, Herr H, Ostroff J, Trambert R, et al. Influence of smoking status on the disease-related outcomes of patients with tobacco-associated superficial transitional cell carcinoma of the bladder. Câncer. 1999;86:2337-45.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jun 2008
  • Data do Fascículo
    Jun 2008
Associação Médica Brasileira R. São Carlos do Pinhal, 324, 01333-903 São Paulo SP - Brazil, Tel: +55 11 3178-6800, Fax: +55 11 3178-6816 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: ramb@amb.org.br