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Alterações da glicemia em terapia intensiva pediátrica: uma preocupação crescente

PANORAMA INTERNACIONAL

EMERGÊNCIA E MEDICINA INTENSIVA

Alterações da glicemia em terapia intensiva pediátrica: uma preocupação crescente

Werther Brunow de Carvalho; Eduardo Mekitarian Filho

Dentre as alterações endocrinológicas mais importantes observadas em crianças gravemente doentes encontram-se a insuficiência adrenal e os distúrbios da glicemia1. Estes últimos são responsáveis por grande número de publicações nos últimos anos visando a correlação entre tais distúrbios e desfechos desfavoráveis ao paciente grave.

Wintergerst et al. publicaram estudo em 20062 analisando os efeitos tanto da hiperglicemia e hipoglicemia, mas também da variação glicêmica durante a internação, parâmetro este nunca avaliado anteriormente. O estudo foi realizado em UTI Pediátrica terciária com predomínio de pacientes cirúrgicos (cerca de 70%) e trouxe o importante dado da mortalidade mais alta ocorrer nos pacientes hipoglicêmicos (feito corte de glicemia abaixo de 65 mg/dL, porém esta UTI também contava com população considerável de recém-nascidos) - dos 50 óbitos observados na pesquisa, em 30 pacientes foram observados níveis glicêmicos abaixo de 65 mg/dL. Os efeitos da hiperglicemia na mortalidade dos pacientes também foi significativa, com 68% dos óbitos ocorrendo entre pacientes com níveis glicêmicos máximos superiores a 200 mg/dL, com nível de significância "p" inferior a 0,001. A taxa de mortalidade foi de 5,7% em níveis glicêmicos entre 110 mg/dL e 150 mg/dL, 7,4% entre 150 mg/dL e 200 mg/dL e 9,9% quando o nível glicêmico ultrapassou 200 mg/dL. Em contraste, pacientes com níveis glicêmicos normais tiveram mortalidade de apenas 1,5% como citado perfazendo apenas dois dos 50 óbitos observados no estudo. Mostra-se interessante o dado citado pelo autor que o parâmetro que mais obteve significância estatística relacionada ao aumento da mortalidade foi a variabilidade glicêmica. Nas crianças com variações grandes de glicemia, principalmente naquelas que experimentaram hipo e hiperglicemia, a mortalidade foi ainda maior do que aquelas que apresentaram algum dos dois distúrbios isoladamente.

Comentário

Existem evidências, conforme demonstrado em várias publicações recentes, de que a hiperglicemia é altamente prevalente em crianças internadas em terapia intensiva e, além disso, contribui isoladamente para o aumento da morbimortalidade durante a internação e do próprio tempo de internação. Na população adulta, tal correlação foi demonstrada há alguns anos. Van den Berghe et al. publicaram estudo pioneiro em 20013 comprovando a efetividade na redução de quase 50% na mortalidade de pacientes adultos internados em UTI cirúrgica quando submetidos a controle estrito da glicemia com insulinoterapia contínua e, ao analisar a população não-cirúrgica cinco anos depois4, não obteve impacto na mortalidade com o mesmo modelo de terapia.

A hipoglicemia, apesar de menos prevalente de maneira isolada, obteve no estudo citado2 importante correlação com tempo de internação hospitalar e mortalidade. A hiperglicemia, do mesmo modo, também esteve correlacionada a tais desfechos. Até o presente momento, a quase totalidade dos estudos pediátricos demonstra, de maneira retrospectiva e com análise de prontuários, que tal correlação da hiperglicemia com morbimortalidade em terapia intensiva é significativa; entretanto, poucos discriminam a hiperglicemia como variável isolada de mortalidade, sendo necessários mais estudos prospectivos e com protocolos bem definidos para a definição do poder estatístico de tal variável.

O controle glicêmico estrito em terapia intensiva pediátrica é assunto controverso, tendo a criança particularidades como menor reserva glicêmica, menor exposição dos tecidos ao estresse oxidativo ao longo dos anos e a preocupação acerca da lesão cerebral motivada por hipoglicemia a um sistema nervoso em formação. Além disso, as possíveis oscilações dos níveis glicêmicos motivados pelo uso de insulina em crianças podem contribuir, conforme o texto discutido, com piora do prognóstico das mesmas durante a internação hospitalar. Entretanto, com o crescente número de publicações avaliando os efeitos deletérios da hiperglicemia, torna-se imprescindível a atenção dos intensivistas pediátricos para este assunto enquanto aguardamos pesquisas mais contundentes e intervencionistas nesta população específica.

  • 1. Raghavan M, Marik PE. Stress Hyperglycemia and Adrenal Insufficiency in the Critically Ill. Semin Respirat Crit Care Med 2006; 27:274-85.
  • 2. Wintergerst KA, Buckingham B, Gandrud L, Wong BJ, Kache S, Wilson DM. Association of Hypoglycemia, Hyperglycemia, and Glucose Variability With Morbidity and Death in the Pediatric Intensive Care Unit. Pediatrics 2006; 118:173-9.
  • 3. Van den Berghe G, Wouters P, Weekers F, Verwaest C, Bruyninckx F, Schetz M et al. Intensive insulin therapy in critically ill patients. N Engl J Med 2001; 345:1359-67.
  • 4. Van den Berghe G, Wilmes A, Hermans G, Meersseman W, Wouters PJ, Milants I et al. Intensive insulin therapy in the Medical ICU. N Engl J Med 2006; 354:449-61.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Ago 2008
  • Data do Fascículo
    Ago 2008
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