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Resultados maternos e perinatais em pacientes com disfunção sistólica grave

Maternal and perinatal outcome in patients with severe systolic dysfunction

Resumos

OBJETIVO: O objetivo deste trabalho é avaliar os resultados maternos e perinatais em gestantes com disfunção sistólica grave de ventrículo esquerdo acompanhadas em hospital terciário durante a gestação, parto e puerpério imediato. MÉTODOS: Doze pacientes com disfunção ventricular grave, definida por fração de ejeção <40% em ecocardiograma realizado durante a gestação, foram avaliadas retrospectivamente. Os dados incluíram ocorrência de complicações clínicas e obstétricas, características do parto e resultados neonatais. As complicações clínicas consideradas foram aparecimento ou piora da dispnéia, arritmia, acidente vascular cerebral, tromboembolismo pulmonar, edema agudo de pulmão, parada cardíaca e morte. RESULTADOS: A média da fração de ejeção das pacientes foi 28,9+-6,47% (mediana: 30%). Quatro pacientes iniciaram o pré-natal em classe funcional III e oito com classe I ou II. Dez pacientes apresentaram piora da dispnéia durante a gravidez. A complicação clínica mais comum foi edema agudo de pulmão (Três pacientes). Três das quatro pacientes que iniciaram o pré-natal em classe funcional III apresentaram boa evolução da gravidez; a outra apresentou parto prematuro devido à piora dos sintomas. Houve dois partos vaginais e 10 cesáreas. Dez dos 13 recém-nascidos foram pequenos para idade gestacional. Uma paciente, que já tinha indicação de transplante cardíaco antes da gestação, apresentou descompensação clínica durante a gravidez e evoluiu para edema agudo de pulmão e choque cardiogênico, realizando o transplante dois meses após o parto. Não houve morte materna ou neonatal. CONCLUSÕES: Embora o número de gestações avaliadas tenha sido pequeno, deve-se rever a indicação de abortamento terapêutico em gestantes com disfunção ventricular esquerda grave, uma vez que todas as gestações evoluíram até a viabilidade. Os recém-nascidos destas mães apresentaram grande incidência de restrição do crescimento intra-uterino. A via de parto vaginal pode ser considerada, quando de início espontâneo. A indução de parto nestas pacientes parece estar correlacionada à ocorrência de sofrimento fetal intraparto.

Gravidez; Doença cardíaca; Insuficiência cardíaca; Disfunção ventricular; Ecocardiograma


OBJECTIVE: The objective of this study was to evaluate maternal and fetal outcome in patients with severe left ventricle systolic dysfunction followed in a terciary-care hospital. METHODS: We retrospectively evaluated 12 pregnant women with severe systolic dysfunction, defined as a ejection fraction <40%. Follow-up data included functional class evaluation, ocurrency of cardiac and obstetric events, labor data and neonatal outcome. Cardiac events were defined as new onset of arrhythmias, stroke, pulmonary thrombosis, pulmonary edema, cardiac arrest, and death. RESULTS: The mean ejection fraction was 28,9±6,47%. Four patients were in the NYHA class III, and 8 in class I or II on presentation. Ten patients had deteriorated during pregnancy. The most common cardiac event was pulmonary edema (3 patients). Three of the four patients with class III on presentation had a good evolution during pregnancy, and the other one had preterm delivery due to worsening symptons. There were 2 vaginal espontaneous deliveries and 10 cesarean sections. Small-for-gestational-age birthweigth ocurred in 10 pregnancies. There was no maternal or neonatal death. CONCLUSIONS: Pregnancy in patients with severe left ventricle systolic dysfunction increases the risk of maternal complications and compromises fetal growth. It is important to follow this women in a tertiary-care hospital.

Pregnancy; Heart disease; Heart failure; Ventricular dysfunction; Echocardiography


ARTIGO ORIGINAL

Resultados maternos e perinatais em pacientes com disfunção sistólica grave

Maternal and perinatal outcome in patients with severe systolic dysfunction

Marcelo Graziano Custódio; Lucas Yugo Shiguehara Yamakami; Maria Rita de Figueiredo Lemos Bortolotto* * Correspondência: Avenida Padre Pereira de Andrade, 491 - São Paulo - SP, CEP 05469-000, Tel: (11) 9947-6477, ritalb@uol.com.br ; Adriana Lippi Waissman; Marcelo Zugaib

RESUMO

OBJETIVO: O objetivo deste trabalho é avaliar os resultados maternos e perinatais em gestantes com disfunção sistólica grave de ventrículo esquerdo acompanhadas em hospital terciário durante a gestação, parto e puerpério imediato.

MÉTODOS: Doze pacientes com disfunção ventricular grave, definida por fração de ejeção <40% em ecocardiograma realizado durante a gestação, foram avaliadas retrospectivamente. Os dados incluíram ocorrência de complicações clínicas e obstétricas, características do parto e resultados neonatais. As complicações clínicas consideradas foram aparecimento ou piora da dispnéia, arritmia, acidente vascular cerebral, tromboembolismo pulmonar, edema agudo de pulmão, parada cardíaca e morte.

RESULTADOS: A média da fração de ejeção das pacientes foi 28,9+-6,47% (mediana: 30%). Quatro pacientes iniciaram o pré-natal em classe funcional III e oito com classe I ou II. Dez pacientes apresentaram piora da dispnéia durante a gravidez. A complicação clínica mais comum foi edema agudo de pulmão (Três pacientes). Três das quatro pacientes que iniciaram o pré-natal em classe funcional III apresentaram boa evolução da gravidez; a outra apresentou parto prematuro devido à piora dos sintomas. Houve dois partos vaginais e 10 cesáreas. Dez dos 13 recém-nascidos foram pequenos para idade gestacional. Uma paciente, que já tinha indicação de transplante cardíaco antes da gestação, apresentou descompensação clínica durante a gravidez e evoluiu para edema agudo de pulmão e choque cardiogênico, realizando o transplante dois meses após o parto. Não houve morte materna ou neonatal.

CONCLUSÕES: Embora o número de gestações avaliadas tenha sido pequeno, deve-se rever a indicação de abortamento terapêutico em gestantes com disfunção ventricular esquerda grave, uma vez que todas as gestações evoluíram até a viabilidade. Os recém-nascidos destas mães apresentaram grande incidência de restrição do crescimento intra-uterino. A via de parto vaginal pode ser considerada, quando de início espontâneo. A indução de parto nestas pacientes parece estar correlacionada à ocorrência de sofrimento fetal intraparto.

Unitermos: Gravidez. Doença cardíaca. Insuficiência cardíaca. Disfunção ventricular. Ecocardiograma.

SUMMARY

OBJECTIVE: The objective of this study was to evaluate maternal and fetal outcome in patients with severe left ventricle systolic dysfunction followed in a terciary-care hospital.

METHODS: We retrospectively evaluated 12 pregnant women with severe systolic dysfunction, defined as a ejection fraction <40%. Follow-up data included functional class evaluation, ocurrency of cardiac and obstetric events, labor data and neonatal outcome. Cardiac events were defined as new onset of arrhythmias, stroke, pulmonary thrombosis, pulmonary edema, cardiac arrest, and death.

RESULTS: The mean ejection fraction was 28,9±6,47%. Four patients were in the NYHA class III, and 8 in class I or II on presentation. Ten patients had deteriorated during pregnancy. The most common cardiac event was pulmonary edema (3 patients). Three of the four patients with class III on presentation had a good evolution during pregnancy, and the other one had preterm delivery due to worsening symptons. There were 2 vaginal espontaneous deliveries and 10 cesarean sections. Small-for-gestational-age birthweigth ocurred in 10 pregnancies. There was no maternal or neonatal death.

CONCLUSIONS: Pregnancy in patients with severe left ventricle systolic dysfunction increases the risk of maternal complications and compromises fetal growth. It is important to follow this women in a tertiary-care hospital.

Key words: Pregnancy. Heart disease. Heart failure. Ventricular dysfunction. Echocardiography.

Introdução

A gravidez é um dos momentos de maior sobrecarga cardíaca na vida da mulher. Dentre as diversas modificações hemodinâmicas que ocorrem estão o aumento do volume sangüíneo, a queda da pressão arterial e resistência vascular sistêmica e o aumento na freqüência cardíaca e débito cardíaco.1,2 Além disso, durante o trabalho de parto e puerpério, ocorrem aumento adicional do débito cardíaco e da pressão arterial, principalmente relacionados às contrações uterinas.1,2

Torna-se óbvio que alterações cardíacas prévias à gestação podem influenciar estas mudanças. Por sorte, em que pese à população obstétrica, composta em sua maioria por adultos jovens, a prevalência de doenças cardíacas significativas é baixa, permitindo estimar número que não atinge 1%.3

O Colégio Americano de Cardiologia e a Associação Americana de Cardiologia caracterizam a insuficiência cardíaca como síndrome de diagnóstico clínico, caracterizada por dispnéia, fadiga e retenção hídrica.4 A alteração hemodinâmica que a explica é o enchimento e/ou ejeção inadequada de sangue pelos ventrículos. A fração de ejeção (FE) do ventrículo esquerdo, apesar de nem sempre estar relacionada à classe funcional (CF) estabelecida pela Associação de Cardiologia de Nova Iorque, apresenta considerável importância no manejo e no prognóstico da insuficiência cardíaca.4 Assim, é bem estabelecido que pacientes com disfunção sistólica importante de ventrículo esquerdo, visto no ecocardiograma por FE menor que 40%, apresentam pior prognóstico. Por meio de igual raciocínio, já foi observado em gestantes cardiopatas que FE baixa pode indicar maior chance de complicações materno-fetais.3,5,6

Não é surpresa a recomendação de alguns especialistas que, além de contra-indicar a gravidez neste caso, ofereçam seu término, já que o risco materno de óbito pode variar de 8% a 35%.6 No entanto, os resultados de gestações em pacientes com disfunção sistólica grave de ventrículo esquerdo são baseados em número limitado de pacientes e relatos de caso.6,7,8 O estudo com maior casuística até o momento apresenta 562 gestantes com diversas cardiopatias, dentre elas 38 com FE menor que 40%.3 Entretanto, apesar de correlacionar FE baixa com maior probabilidade de eventos cardíacos maternos adversos, o estudo não detalhou a evolução dos casos com FE baixa.

Assim, o objetivo deste estudo é avaliar pacientes com disfunção sistólica grave de ventrículo esquerdo, definida por FE menor que 40% no ecocardiograma, acompanhadas em um único centro terciário durante toda gestação, parto e puerpério imediato.

Métodos

Foi realizado estudo retrospectivo com pacientes acompanhadas no setor de cardiopatia da clínica obstétrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, entre janeiro de 2001 a maio de 2007. As gestantes foram localizadas a partir de pesquisa eletrônica no sistema de informática da clínica e os dados obtidos através de revisão de prontuário. Os dados levantados fizeram parte de um estudo com todas as pacientes portadoras de doenças cardíacas acompanhadas no setor de cardiopatia da clínica neste período. Disfunção sistólica grave de ventrículo esquerdo foi definida por FE no ecocardiograma transtorácico menor que 40%, estimado pelo método de Teicholz9. Todas as pacientes com este critério ecocardiográfico e que tiveram o parto no Hospital das Clínicas foram incluídas no estudo. Como o objetivo foi avaliar os resultados maternos e neonatais, gestações que terminaram em abortamento não foram incluídas. A etiologia da cardiopatia não foi critério de exclusão. As informações gerais obtidas foram idade, raça, escolaridade, hábitos, antecedentes obstétricos e doenças prévias associadas. Os dados específicos sobre a doença cardíaca foram etiologia, complicações clínicas durante o pré-natal, cirurgias cardíacas prévias, sintomas e sinais, dispnéia, medicamentos pregressos e durante o pré-natal e necessidade de anticoagulação. Complicação clínica foi definida pela presença de arritmia, acidente vascular cerebral, acidente isquêmico transitório, tromboembolismo pulmonar, edema agudo de pulmão, parada cardiorrespiratória, infarto agudo do miocárdio ou morte. Calculou-se o tempo de internação hospitalar de cada paciente. Na ocorrência de qualquer intercorrência obstétrica, como doença hipertensiva específica da gestação e trabalho de parto prematuro, o evento e gravidade foram pesquisados.

Levantaram-se os seguintes dados do parto: indicação de resolução, via de parto, modalidade de anestesia e/ou analgesia e evolução durante o trabalho de parto. Os dados do recém nascido foram obtidos do prontuário materno e incluíram idade gestacional ao nascimento, peso e relação entre peso e idade gestacional,10 índice de Apgar e gasometria arterial do cordão umbilical.

O ecocardiograma foi realizado em todas as gestantes com cardiopatia acompanhadas no setor. No caso da paciente possuir exames anteriores, utilizou-se aquele realizado durante a gestação. Os exames foram feitos no Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo ou no Instituto do Coração do mesmo hospital, por pessoas do próprio serviço. A FE foi calculada pela fórmula de Teicholz9. Na apresentação dos resultados, a média, desvio padrão e mediana foram calculadas quando necessárias.

Resultados

No período estudado, 826 gestações de pacientes portadoras de doença cardíaca foram acompanhadas no Setor de Cardiopatia da Clínica Obstétrica. Destas, 12 pacientes eram portadoras de insuficiência cardíaca e disfunção grave de ventrículo esquerdo, correspondendo a 1,45% de todas as gestantes cardiopatas. Das pacientes com cardiopatia reumática, 0,77% apresentaram disfunção ventricular grave e das portadoras de miocardiopatia, 9,09%. Todas as pacientes foram acompanhadas somente por uma gestação e, com exceção de uma, tiveram gestações únicas. A idade média das pacientes foi de 33,7±7,73 anos (mediana: 35) e sete não tinham ensino fundamental completo. Cinco pacientes tinham entre duas e quatro gestações prévias e quatro pacientes, mais do que quatro. Cinco pacientes possuíam cesárea anterior e três haviam realizado cirurgia cardíaca prévia, todas para colocação de prótese valvar biológica devido à cardiopatia reumática (prótese mitral em duas e mitral e aórtica em uma). Dez pacientes faziam uso de diuréticos, seis de antiarrítmicos ou β-bloqueadores e seis de digoxina.

Os resultados do ecocardiograma são apresentados na Tabela 1. A FE média estimada por ecocardiograma transtorácico durante a gestação foi de 28,9±6,5% (mediana: 30%). O diâmetro médio do átrio esquerdo foi de 52,0±6,6 mm (mediana: 52 mm), o diâmetro diastólico médio e o sistólico médio do ventrículo esquerdo foi de respectivamente 71,7±11,25 mm (mediana: 71,5 mm) e 63±11,6 mm (mediana: 61 mm). A espessura do septo variou de 7 a 12 mm (média: 8,8±1,7 mm, mediana: 8 mm) e a da parede posterior de 7 a 13 mm (média: 8,5±2 mm, mediana: 8 mm). O índice de massa médio calculado foi de 204±85,5 g/m2 (mediana: 176 g/m2). Seis pacientes apresentavam pressão sistólica de artéria pulmonar estimada igual ou maior que 40 mmHg.

A Tabela 2 apresenta a evolução das gestações das 12 pacientes. As etiologias das doenças cardíacas ficaram dividas de maneira equilibrada entre chagásica, reumática, dilatada e hipertrófica. O único caso diferente tratou-se de paciente que apresentou início súbito de sintomas de dispnéia, edema generalizado e hipertensão durante o início do terceiro trimestre da gravidez (paciente 10). Neste caso, diagnosticou-se doença hipertensiva específica da gestação e a etiologia provável da cardiopatia foi miocardiopatia periparto.

Quando comparadas ao período antes da gravidez, em que apenas quatro pacientes apresentavam CF III e nenhuma CF IV, houve piora dos sintomas durante o pré-natal em 10 pacientes, sendo que três evoluíram para CF III e sete para IV. A principal complicação clínica foi edema agudo de pulmão em três pacientes. Todos os casos foram tratados com sucesso com medidas habituais como elevação de decúbito, redução de pós-carga e uso de diuréticos. Em nenhum destes casos indicou-se resolução da gestação apesar de um deles evoluir com alteração importante da vitalidade fetal (paciente 10). Todas as pacientes que tiveram eventos cardíacos adversos na gravidez estavam compensadas no início do pré-natal (CF I e II), porém tiveram piora acentuada durante a gestação (CF IV). Outro fato que se correlacionou com o edema agudo de pulmão foi a doença hipertensiva específica da gestação. Das três pacientes que apresentaram este diagnóstico obstétrico, duas tiveram edema pulmonar (paciente 7 e 10). Por outro lado, as quatro pacientes com CF III no início do pré-natal não tiveram nenhum evento cardíaco durante a gravidez, apesar de uma evoluir com piora importante dos sintomas e indicação de resolução antes do termo (Paciente 1).

Além desta, mais quatro gestações terminaram antes do termo. Em dois casos, a prematuridade ocorreu por alteração importante de vitalidade fetal e necessidade de interrupção da gravidez (Pacientes 7 e 10). Nos outros dois casos, a prematuridade ocorreu por causas obstétricas aparentemente não relacionadas à cardiopatia (Pacientes 6 e 8). Todas as outras gestações foram até o termo e a idade gestacional de resolução foi baseada na avaliação individual de cada caso pelos médicos responsáveis pelo setor, levando-se em conta a paridade, presença de cesárea anterior e sintomatologia materna.

Tentou-se induzir o parto com ocitocina em duas pacientes com colo favorável (Pacientes 4 e 5). Ambos os casos evoluíram com vitalidade fetal intraparto não-tranqüilizadora e realização de cesárea. A paciente 5 já apresentava indicação de realizar transplante cardíaco antes da gestação, que foi postergada pela gravidez. No entanto, apresentou descompensação grave durante o trabalho de parto, com edema agudo de pulmão e choque cardiogênico. Recebeu o transplante de coração dois meses após o parto. Os dois únicos partos vaginais ocorreram em pacientes que entraram espontaneamente em trabalho de parto. A principal indicação de cesárea foi gestação de termo com cesárea anterior (cinco pacientes). Com exceção de uma paciente, todas as cesáreas foram realizadas sob anestesia geral.

Uma paciente apresentou diabetes gestacional controlado com dieta. Em sete pacientes foi realizada laqueadura tubárea intraparto. Outra paciente realizou o procedimento no puerpério tardio. As pacientes ficaram em média 27,5 dias internadas (7 a 70 dias). Não houve óbitos maternos.

A Tabela 3 informa os dados dos recém-nascidos. O peso médio dos recém-nascidos prematuros foi de 2.032g (1.300g a 2.750g) e dos recém-nascidos de termo de 2.625g (1.990g a 3.200g). Quando se excluiu a gestação gemelar da análise, a média não variou de maneira significativa (2.651g). Dez recém-nascidos dos 13 nasceram pequenos para idade gestacional. Entretanto, apenas seis tiveram peso inferior a 2.500g, três peso inferior a 2.000g e um peso inferior a 1.500g. Três recém-nascidos apresentaram Índice de Apgar de 5º minuto menor que sete (Apgar de seis nos três casos), sendo um deles o primeiro gemelar da gestação dupla. Apesar de não estar disponível em todos os casos, dois recém-nascidos tiveram pH de artéria umbilical menor que 7,20 e nenhum apresentou pH menor que 7. Não houve óbitos fetais ou neonatais.

Discussão

Este é o primeiro trabalho a estudar especificamente gestantes com disfunção grave de ventrículo esquerdo, seus resultados obstétricos e neonatais. Apesar da relação direta entre disfunção ventricular e piora da dispnéia não ser sempre verdadeira, este dado é importante no prognóstico destas pacientes.3,5,6 O parâmetro analisado para inclusão no estudo foi a FE, calculada por ecocardiograma transtorácico. Apesar de ser uma estimativa da função sistólica, tem a vantagem de ser método não invasivo, acessível e relativamente barato, que pode ser usado durante a gravidez.

Diversos estudos definiram fatores prognósticos em gestantes com doença cardíaca. Um estudo canadense apresentou a maior casuística prospectiva da literatura, com 562 gestantes.3 Através de análise multivariada, notou relação entre FE baixa e complicações clínicas (edema pulmonar, taquicardia ou bradicardia sintomáticas, acidente vascular cerebral, parada cardíaca ou óbito), com odds ratio igual a 11 (intervalo de confiança 95%: 4 - 34) quando comparado a outras cardiopatias. Outras variáveis preditoras de mau prognóstico materno foram arritmia ou evento cardíaco prévio, CF III ou IV ou cianose e obstrução cardíaca esquerda. Apesar do número expressivo de pacientes, inclusive com FE menor que 40% (38 grávidas), o estudo não detalhou especificamente a evolução destas, já que este não era seu objetivo. Mais recentemente, Khary et al., em trabalho retrospectivo com 53 pacientes portadoras de cardiopatia congênita, estudaram possíveis fatores de mau prognóstico.11 Encontraram relação entre evento cardíaco materno e os seguintes fatores: CF maior ou igual a II, história prévia de insuficiência cardíaca, tabagismo, insuficiência pulmonar e FE subpulmonar de ventrículo direito diminuída. Entretanto, nenhuma das 53 pacientes estudadas apresentava FE menor que 40%.

Assim, em virtude destes resultados e de séries menores, alguns autores aconselham a interrupção da gestação em mulheres com CF maior que II no início da gestação.5 Entretanto, das quatro pacientes (33%) que iniciaram o pré-natal com classe funcional III, apenas uma apresentou piora significativa dos sintomas, com indicação de antecipação do parto. Mesmo neste caso, conseguiu chegar até 36 semanas e quatro dias de gravidez, quando foi submetida à cesárea. As outras três pacientes evoluíram bem, uma inclusive com gestação gemelar. Por outro lado, das quatro pacientes que iniciaram o pré-natal com CF I e II e evoluíram para CF IV, três evoluíram com edema agudo de pulmão e uma com diagnóstico de trombo em ventrículo esquerdo. Uma explicação possível para este fato é que as pacientes que chegaram ao pré-natal bastante sintomáticas estavam tratadas inadequadamente, realidade bastante freqüente em nosso país, com melhora importante após otimização das medicações. Além disso, muitas pacientes suspendem as medicações de uso habitual por conta própria, ao saber da gravidez. Por outro lado, é natural que pacientes, que pioram bastante mesmo após diversas consultas de pré-natal, sejam as que apresentam complicações cardíacas. A doença hipertensiva específica da gestação também contribuiu para as complicações clínicas, já que das três pacientes com esta intercorrência obstétrica, duas tiveram edema agudo de pulmão.

No entanto, não se notou relação entre complicações cardíacas prévias à gravidez e o prognóstico da mesma. Nenhuma das quatro pacientes que tinha antecedentes negativos (acidente isquêmico transitório em um caso, taquicardia ventricular não-sustentada em um caso e fibrilação atrial em dois casos) apresentou intercorrência grave. O evento cardíaco mais observado foi edema agudo de pulmão. Entretanto, não se realizou interrupção da gestação por tal indicação em nenhum caso, apesar de um deles evoluir com insuficiência placentária gravíssima. Neste caso, provavelmente, o baixo débito cardíaco e hipóxia, influenciaram negativamente o concepto.

Alguns trabalhos também investigaram a influência da doença cardíaca no prognóstico fetal. O estudo multicêntrico canadense não mostrou relação entre disfunção importante de ventrículo esquerdo e eventos neonatais, como prematuridade. Posteriormente, três dos 13 centros canadenses do trabalho anterior compararam pacientes com cardiopatia (301 gestantes) com aquelas sem cardiopatia (572 gestantes).5 Encontraram maior número de complicações neonatais, como prematuridade, peso do recém-nascido pequeno para idade gestacional, síndrome do desconforto respiratório, hemorragia intraventricular e morte fetal ou neonatal, em pacientes cardiopatas (18% vs 7%, p<0,001). Dentre os fatores de risco cardiovasculares relatados citam-se classe funcional III ou IV, cianose e obstrução cardíaca esquerda. Entretanto, os autores não pesquisaram a presença de FE baixa relacionada ao prognóstico da gestação. Por fim, ao analisarem pacientes com cardiopatia congênita, Khary et al. encontraram os seguintes fatores relacionados a eventos fetais adversos: tabagismo, cianose e obstrução cardíaca sistêmica materna (gradiente em valva aórtica maior que 30 mmHg).11

Apesar de número pequeno de pacientes em nosso trabalho, as taxas de 41% (5/12) de prematuridade e 77% (10/13) de recém-nascidos pequenos para idade gestacional são expressivas. Mesmo assim, apenas um recém-nascido foi de muito baixo peso (<1.500g) e nenhum apresentou peso inferior a 1.000g. Além disso, das cinco gestações que terminaram antes de 37 semanas, apenas três podem ser relacionadas à cardiopatia (duas por sofrimento fetal e uma por descompensação materna refratária ao tratamento). Outro dado positivo é que índice de Apgar e a gasometria de cordão umbilical foram normais na maioria dos casos. Deve-se ressaltar que estes resultados foram obtidos em serviço em que há ampla disponibilidade de vigilância do crescimento e da vitalidade fetal. Em nosso serviço, pacientes com alto-risco de insuficiência placentária realizam vitalidade fetal semanalmente, por meio de perfil biofísico fetal e dopplervelocimetria de artéria umbilical, artéria cerebral média e ducto venoso, dependendo da idade gestacional e da ocorrência de alterações destes exames.

Na literatura, não se encontram muitos trabalhos que abordem especificamente anestesia em gestantes com doença cardíaca. Pacientes com disfunção grave de ventrículo esquerdo podem apresentar uma queda dramática da resistência vascular periférica e ressão arterial após o bloqueio regional.7 Uma alternativa à anestesia geral seria a administração de pequena quantidade de anestésico local intratecal seguida de suplementação epidural controlada. Quando bem aplicada, reduziria a pós-carga e melhoraria a função ventricular.7 Em levantamento de informações fornecidas por anestesistas do Reino Unido, 67% das pacientes com cardiomiopatia dilatada e cesárea de emergência receberam anestesia geral, enquanto todas as que se submetiam a cesárea eletiva, anestesia regional.12 Entretanto, os dados sobre as características das pacientes são limitados. Em uma pequena serie de casos, Pryn et al. relataram a anestesia de quatro pacientes com cardiomiopatia submetidas à cesárea.7 Duas apresentavam FE menor que 40%, ambas com cardiomiopatia periparto. A primeira apresentava FE 20% e pressão sistólica de artéria pulmonar de 65 mmHg, porém estava mais compensada após tratamento recebido para edema agudo de pulmão e recebeu duplo bloqueio. Já a segunda apresentava-se com disfunção grave de ventrículo esquerdo, com FE 20% e pressão de artéria pulmonar de 58 mmHg e recebeu anestesia geral. Contudo, os autores deixaram claro que o tipo de anestesia foi decidido individualmente para cada paciente após discussão entre obstetras e anestesistas. Em nosso serviço, a indicação do tipo de anestesia é tomada pela equipe de anestesia do centro obstétrico do Hospital das Clínicas. Na condução do trabalho de parto, realizou-se analgesia regional nos dois casos (um duplo bloqueio e uma raquidiana). Entretanto, optou-se por anestesia geral em todas as cesáreas, exceto uma.

Dentre os pontos fracos do trabalho estão o número limitado de pacientes e a heterogeneidade das etiologias das cardiopatias. Entretanto, deve-se considerar a pequena freqüência destes casos e que doze pacientes em apenas um centro não é número pequeno. Uma crítica possível ao presente trabalho talvez seja o de ter estudado apenas um parâmetro do ecocardiograma; entretanto, a FE foi apenas um ponto de partida do estudo destas pacientes, sendo utilizados os demais parâmetros ecocardiográficos e clínicos. Assim, é importante que o médico obstetra tenha em mente que se trata apenas de exame subsidiário e que a FE isolada pode ser menos importante que outros dados do ecocardiograma em determinados casos. A etiologia da doença cardíaca, a avaliação dos sintomas da paciente e sua classe funcional são tão ou mais importantes que este dado.

Conclusão

Este é o primeiro trabalho da literatura a estudar as repercussões materno-fetais em gestantes com disfunção sistólica grave de ventrículo esquerdo. Apesar dos riscos inerentes que envolvem estes casos, esta série mostra que é possível conduzir a gestação nestas pacientes, o que vai de encontro à recomendação da literatura de abortamento terapêutico. No entanto, mesmo em serviço especializado, os resultados mostram número considerável de complicações maternas graves e comprometimento do crescimento e vitalidade fetal.

A ocorrência de disfunção ventricular grave em gestantes cardiopatas acompanhadas em nosso serviço é rara (12/407), sendo três de 204 pacientes com cardiopatia reumática e 9 de 50 das portadoras de miocardiopatia. Em nossa casuística, há grande freqüência de eventos clínicos correlacionados à cardiopatia (50%). Todos puderam ser tratados de modo efetivo, não ocorrendo nenhum óbito materno. A incidência de recém-nascidos pequenos para idade gestacional foi alta, o que sugere que a menor perfusão placentária resultante da baixa FE seja responsável por esta ocorrência. Frente a estes dados, a recomendação de abortamento terapêutico, amplamente difundida na literatura, deve ser reconsiderada, já que não ocorreram óbitos maternos nem fetais nesta série de casos.

Sobre a via de parto, as duas gestantes que evoluíram com trabalho de parto espontâneo, tiveram parto vaginal. Os índices de Apgar foram adequados e não houve acidemia na gasometria de cordão umbilical. No entanto, as duas gestantes que tiveram parto induzido, apresentaram alteração de vitalidade fetal intraparto e foram submetidas à cesárea. Em apenas uma foi confirmado sofrimento fetal com índice de Apgar de 5º minuto igual a 6 e acidemia de sangue arterial do cordão umbilical (pH: 7,01). O pequeno número de casos nesta casuística dificulta a definição sobre a via de parto.

A indicação anestésica deve ser realizada em comum acordo entre o obstetra e o anestesista, sempre levando-se em consideração a doença cardíaca e as condições clínicas maternas.

Conflito de interesse: não há

Artigo recebido: 21/11/07

Aceito para publicação: 27/05/08

Trabalho realizado na clínica obstétrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

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    Correspondência: Avenida Padre Pereira de Andrade, 491 - São Paulo - SP, CEP 05469-000, Tel: (11) 9947-6477,
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Jan 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2008

    Histórico

    • Aceito
      27 Maio 2008
    • Recebido
      21 Nov 2007
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