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Associação entre perfil glicêmico materno e o índice de líquido amniótico em gestações complicadas pelo Diabetes mellituspré-gestacional

Association between maternal glycemic profile and amniotic fluid index in pregnancies complicated by pregestational Diabetes Mellitus

Resumos

OBJETIVOS: Estudar a relação entre o volume de líquido amniótico e o perfil glicêmico em gestantes com Diabetes mellitus tipo 1 e tipo 2 acompanhadas em ambulatório especializado e multidisciplinar. MÉTODOS: Este estudo observacional foi realizado entre janeiro de 2001 e dezembro de 2004. Os critérios de inclusão adotados foram: gestação única, diagnóstico de Diabetes mellitus pré-gestacional, início do pré-natal antes da 26ª semana, ausência de anomalias fetais. Foram excluídos os casos em que o recém-nascido apresentou-se pequeno para a idade gestacional. O índice de líquido amniótico (ILA) foi avaliado semanalmente a partir da 27ª semana de gestação até o parto e comparado com o perfil glicêmico da semana precedente ao exame ultrassonográfico. O perfil glicêmico foi analisado pela média glicêmica. A correlação entre o perfil glicêmico e ILA foi analisada pelo índice de Spearman. RESULTADOS: Foram estudadas 60 gestantes, perfazendo um total de 659 correlações entre o ILA e o perfil glicêmico. Em nenhuma idade gestacional estudada houve correlação entre o ILA e o perfil glicêmico. No grupo com ILA <18 cm a média glicêmica foi de 103,7 mg/dl (13,69) e no grupo com ILA > 18 cm a média glicêmica foi de 103,67 mg/dl (DP=11,46), não apresentando diferença significativa. CONCLUSÃO: Em gestantes diabéticas tipo 1 e 2, com tratamento padronizado e controle rigoroso metabólico, não houve relação entre o ILA e o perfil glicêmico materno no terceiro trimestre de gestação.

Diabetes mellitus; Gravidez; Líquido amniótico; Glicemia


BACKGROUND: to study the relation between amniotic fluid volume and glycemic control in pregnancies complicated by diabetes mellitus type 1 and 2, followed in a specialized multidisciplinary prenatal care service. METHODS: This descriptive study was performed between January 2001 and December 2004. Inclusion criteria were: simple pregnancy, diagnosis of pregestational diabetes, beginning of prenatal care before the 26th week and absence of fetal anomaly. Cases with newborns small for gestational age were excluded. The amniotic fluid index (AFI) was measured weekly, beginning at the 27th week of gestation and continued until delivery and the maternal glycemic profile was obtained a week before ultrasound assessment. This profile consisted of the glycemic level averages and percentages of the abnormal high values. Correlation between the glycemic profile and the AFI was shown by the Spearman correlation test. RESULTS: Sixty pregnant women were assessed and 659 correlations between the AFI and glycemic profile were obtained. No correlation was observed in any of the gestational weeks studied. The mean glycemic value was 103.69 mg/dl (SD=13.69) in the group with AFI £18 cm, and the 103.67 mg/dl (SD=11.46) in the group with AFI < 18 cm and no significant difference was detected. CONCLUSION: This study showed no correlation between AFI and maternal glycemic profile during the third trimester in type 1 and 2 diabetic pregnant women, undergoing standardized treatment and rigorous metabolic control.

Diabetes mellitus; Pregnancy; Amniotic fluid; Blood glucose


ARTIGO ORIGINAL

Associação entre perfil glicêmico materno e o índice de líquido amniótico em gestações complicadas pelo Diabetes mellituspré-gestacional

Association between maternal glycemic profile and amniotic fluid index in pregnancies complicated by pregestational Diabetes Mellitus

Carlos Alberto MaganhaI; Roseli Mieko Yamamoto NomuraII, * * Correspondência: Rua General Canavarro, 280. Bairro Campestre, Santo André, SP. CEP 09070-440. roseli.nomura@terra.com.br ; Marcelo ZugaibIII

IPós-graduando da disciplina de Obstetrícia do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP

IIProfessora livre-docente da disciplina de Obstetrícia do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP

IIIProfessor titular da disciplina de Obstetrícia do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP

RESUMO

OBJETIVOS: Estudar a relação entre o volume de líquido amniótico e o perfil glicêmico em gestantes com Diabetes mellitus tipo 1 e tipo 2 acompanhadas em ambulatório especializado e multidisciplinar.

MÉTODOS: Este estudo observacional foi realizado entre janeiro de 2001 e dezembro de 2004. Os critérios de inclusão adotados foram: gestação única, diagnóstico de Diabetes mellitus pré-gestacional, início do pré-natal antes da 26ª semana, ausência de anomalias fetais. Foram excluídos os casos em que o recém-nascido apresentou-se pequeno para a idade gestacional. O índice de líquido amniótico (ILA) foi avaliado semanalmente a partir da 27ª semana de gestação até o parto e comparado com o perfil glicêmico da semana precedente ao exame ultrassonográfico. O perfil glicêmico foi analisado pela média glicêmica. A correlação entre o perfil glicêmico e ILA foi analisada pelo índice de Spearman.

RESULTADOS: Foram estudadas 60 gestantes, perfazendo um total de 659 correlações entre o ILA e o perfil glicêmico. Em nenhuma idade gestacional estudada houve correlação entre o ILA e o perfil glicêmico. No grupo com ILA <18 cm a média glicêmica foi de 103,7 mg/dl (13,69) e no grupo com ILA > 18 cm a média glicêmica foi de 103,67 mg/dl (DP=11,46), não apresentando diferença significativa.

CONCLUSÃO: Em gestantes diabéticas tipo 1 e 2, com tratamento padronizado e controle rigoroso metabólico, não houve relação entre o ILA e o perfil glicêmico materno no terceiro trimestre de gestação.

Unitermos:Diabetes mellitus. Gravidez. Líquido amniótico. Glicemia.

SUMMARY

BACKGROUND: to study the relation between amniotic fluid volume and glycemic control in pregnancies complicated by diabetes mellitus type 1 and 2, followed in a specialized multidisciplinary prenatal care service.

METHODS: This descriptive study was performed between January 2001 and December 2004. Inclusion criteria were: simple pregnancy, diagnosis of pregestational diabetes, beginning of prenatal care before the 26th week and absence of fetal anomaly. Cases with newborns small for gestational age were excluded. The amniotic fluid index (AFI) was measured weekly, beginning at the 27th week of gestation and continued until delivery and the maternal glycemic profile was obtained a week before ultrasound assessment. This profile consisted of the glycemic level averages and percentages of the abnormal high values. Correlation between the glycemic profile and the AFI was shown by the Spearman correlation test.

RESULTS: Sixty pregnant women were assessed and 659 correlations between the AFI and glycemic profile were obtained. No correlation was observed in any of the gestational weeks studied. The mean glycemic value was 103.69 mg/dl (SD=13.69) in the group with AFI £18 cm, and the 103.67 mg/dl (SD=11.46) in the group with AFI < 18 cm and no significant difference was detected.

CONCLUSION: This study showed no correlation between AFI and maternal glycemic profile during the third trimester in type 1 and 2 diabetic pregnant women, undergoing standardized treatment and rigorous metabolic control.

Key words:Diabetes mellitus. Pregnancy. Amniotic fluid. Blood glucose.

INTRODUÇÃO

O Diabetes mellitus é a síndrome metabólica de maior prevalência mundial. Estima-se que 170 milhões de indivíduos sejam afetados por essa doença no mundo e desses, 15% são mulheres em idade reprodutiva1. Na gravidez, o diabetes mellitus atinge cerca de 1 a 15% dos indivíduos, dependendo da etnia envolvida2,3.

As complicações decorrentes do Diabetes mellitus na gravidez tem relação direta com o controle metabólico materno4,5. Com o advento da insulina e sua utilização em mulheres grávidas, foi possível obter melhor controle metabólico e houve importante redução na mortalidade perinatal.

A hiperglicemia materna eleva as taxas de complicações em gestantes diabéticas.6,7 O desenvolvimento tecnológico do final do século XX concentrou-se na busca de métodos que possibilitassem a predição dessas complicações com o objetivo de atenuá-las. Dentre essas técnicas, destaca-se a ultrassonografia obstétrica.

A elevação do volume de líquido amniótico em gestações complicadas por diabetes tem fisiopatologia complexa, não totalmente conhecida. As principais hipóteses dessa associação consideram a hiperglicemia materna como ponto de partida desse processo. A glicose, em excesso no sangue materno, atravessaria mais a placenta levando à hiperglicemia fetal. Esta, por sua vez, desencadearia a diurese osmótica fetal resultando em excesso de líquido amniótico 8.

A relação positiva da hiperglicemia materna com o aumento da diurese fetal é verificada inicialmente em estudos com ovelhas.9 Outros estudos subsequentes também encontram relação entre estados hiperglicêmicos em grávidas diabéticas com o aumento da produção urinária fetal10,11. Alguns trabalhos encontram relação entre o aumento da concentração de glicose no líquido amniótico com a hiperglicemia materna12,13. Dessa forma, apontam que uma das possibilidades do mecanismo de elevação do volume de líquido amniótico das gestantes diabéticas inicie-se na hiperglicemia materna e no aumento da concentração de glicose amniótica.

A estimativa ultrassonográfica do volume de líquido amniótico e o controle metabólico materno, estudada em casos de diabetes gestacional, demonstra que valores elevados do índice de líquido amniótico (ILA) parecem relacionar-se com os níveis da glicemia materna14. Entretanto, permanece pouco clara a relação entre a glicemia materna com o volume de líquido amniótico em gestantes complicadas pelo Diabetes mellitus pré-gestacional. Em estudo realizado com gestantes portadoras de diabetes gestacional, verifica-se que o índice de líquido amniótico reflete o recente estado glicêmico. Entretanto, esse mesmo estudo constata maior proporção de episódios de hiperglicemia no perfil glicêmico apenas no dia anterior à avaliação do volume de líquido amniótico, o mesmo não ocorrendo quando é analisado o perfil dos sete dias anteriores à avaliação.14 Outrossim, nenhum estudo foi encontrado abordando gestações complicadas pelo Diabetes mellitus pré-gestacional, tipo 1 ou tipo 2, o que fundamenta a necessidade de investigações neste campo específico.

A dinâmica da produção e reabsorção do líquido amniótico é complexa8, pode ser influenciada por diversas condições associadas à gestação entre elas a hipertensão arterial e as doenças que possam promover restrição do crescimento fetal por insuficiência placentária. Com o objetivo de estudar exclusivamente a associação entre o perfil glicêmico materno e as alterações no volume de líquido amniótico, é interessante a investigação de casos em que essas patologias não influenciem no volume de líquido amniótico.

Atualmente, o exame de ultrassonografia é facilmente disponibilizado, principalmente para gestações de alto risco, e a avaliação do volume de líquido amniótico é prática frequente no seguimento de gestantes diabéticas. No entanto, nesses casos, a interpretação sobre o estado glicêmico materno ante às alterações no volume de líquido amniótico permanece pouco compreendida.

O presente estudo, realizado em gestantes com diagnóstico de diabetes tipo 1 ou tipo 2 estabelecido previamente à gravidez, tem como objetivo analisar a relação entre o perfil glicêmico materno e o ILA, relacionando-o com a média glicêmica materna.

MÉTODOS

Sessenta gestantes com diagnóstico de diabetes melito pré-gestacional foram acompanhadas prospectivamente, em hospital universitário, no período de janeiro de 2001 e dezembro de 2004. Este estudo e o termo de consentimento livre e esclarecido foram aprovados pela Comissão de Ética em Pesquisa desta instituição, sob o nº 770/02.

Foram adotados os seguintes critérios de inclusão: diagnóstico de Diabetes mellitus pré-gestacional (tipo 1 ou 2); gestação única; realização de seguimento pré-natal, iniciado até 26 semanas de gestação, no setor de Endocrinopatias da Clínica Obstétrica do HCFMUSP; ausência de anomalias estruturais ou cromossômicas fetais; ausência de hipertensão arterial sistêmica, pré-eclâmpsia, doenças do colágeno, doenças pulmonares ou cardiopatias; ausência de microangiopatia diabética (retinopatia não proliferativa, retinopatia proliferativa, nefropatia) diagnosticado antes ou durante a gestação; relatórios semanais de controle glicêmico - coletados a partir da 27ª semana de gestação até o parto - arquivado e disponível para análise; realização da avaliação do volume de líquido amniótico semanalmente a partir da 27ª semana de gestação até o parto; recém-nascidos classificados como adequados para a idade gestacional ou grandes para a idade gestacional, segundo curva de crescimento adotada no serviço.15 Foram excluídos casos que evoluíram com hipertensão arterial na gravidez, colagenoses, doenças cardíacas ou pulmonares, bem como casos que apresentaram diagnóstico pós-natal de anomalia fetal.

Das 60 gestantes analisadas, o Diabetes mellitus tipo 1 foi presente em 33 (55%) pacientes e o Diabetes mellitus tipo 2 em 27 (45%). Quanto à classificação de Priscilla White, as gestantes dividiram-se em: Classe B (59,1%), C1 (16,7%) e C2 (24,2%). A idade das pacientes apresentou média de 30,25 anos e desvio padrão (DP) de 7,27 anos.

Todas as gestantes foram seguidas, durante o pré-natal, semanalmente. A cada consulta eram avaliados: queixas, peso materno, pressão arterial, altura uterina, movimentação fetal, perfil glicêmico da semana anterior, líquido amniótico. Para a realização do perfil glicêmico, foram disponibilizados às gestantes, gratuitamente, os glicosímetros e as fitas reagentes. Após o parto, os glicosímetros eram devolvidos para serem disponibilizados para novas gestantes diabéticas. Este programa é aplicado pelo setor de Endocrinopatias e possibilita a realização do perfil glicêmico diário, principalmente para as gestantes com menor poder aquisitivo. Não houve perda de segmento no grupo analisado.

A idade gestacional foi calculada a partir da data da última menstruação quando esta foi compatível com exame ultrassonográfico realizado no 1º trimestre. Quando a data da última menstruação foi duvidosa ou houve discordância da ultrassonografia, a datação da gestação foi calculada com base na ultrassonografia realizada no primeiro trimestre da gestação.

A orientação dietética era fornecida pela equipe de nutrição na primeira consulta. Novas consultas eram marcadas mensalmente para avaliação e reforço. A dieta preconizada estabelecia ingestão de 1800 Kcal a 2200 Kcal por dia, com distribuição de 50% de carboidratos, 15% de proteínas e 35% de lipídeos e realizada de forma fracionada durante o dia (2/7 no almoço e jantar e 1/7 no desjejum, lanche da tarde e lanche da noite).

A insulina foi utilizada como terapêutica complementar à dieta para todas as gestantes. As gestantes diabéticas do tipo 2 tinham a prescrição de antidiabéticos orais suspensa no início do acompanhamento. Os tipos de insulinas utilizadas foram: NPH, ou de ação intermediária, pela manhã, ao deitar (22 horas) e em algumas situações às 12 horas; insulina regular ou de ação rápida, precedendo 30 minutos às refeições (desjejum, almoço e jantar) e insulina lispro, ou de ação ultrarrápida, precedendo 15 minutos as refeições (desjejum, almoço e jantar).

O perfil glicêmico foi realizado diariamente por meio de glicemia capilar (dextro). A orientação foi a coleta de gota espessa de sangue da ponta de dedo, previamente limpa com álcool a 70% e seca. O sangue foi analisado por glicosímetro manual do tipo Advantage® que utiliza reação de hexoquinase em tira na identificação do valor. O aparelho disponibiliza os resultados em visor digital e tem capacidade de armazenar na sua memória 100 exames, possibilitando a confirmação dos resultados. Foram orientados os seguintes horários para as coletas: jejum (ao acordar); uma hora após o café da manhã; duas horas após o almoço; imediatamente antes do jantar; duas horas após o jantar; madrugada (3h00min).

Os valores de normalidade considerados foram: jejum inferior ou igual a 95 mg/dl; duas horas pós-prandial inferior ou igual a 120 mg/dl; pré-prandial inferior ou igual a 100 mg/dl e madrugada (3h:00min) inferior ou igual a 110 mg/dl16,17. A avaliação dos resultados das dextros foi semanal e pareada com a consulta e realização do ILA subsequente. Foram considerados, para análise semanal, os valores obtidos dos sete dias que antecederam a avaliação do ILA. A análise dos resultados da glicemia foi composta pela média glicêmica das dextros obtidas semanalmente a partir da 27ª semana até o parto. Na análise dos resultados alterados, considerou-se o grupo de gestantes com valores iguais ou superiores a 100 mg/dl como sendo o de mau controle16.

Para a avaliação do volume de líquido amniótico, foram utilizados aparelhos de ultrassonografia com sonda convexa. O volume de líquido amniótico foi avaliado pelo cálculo do ILA, de acordo com o método proposto por Phelan et al.18 A gestante foi posicionada em decúbito dorsal horizontal. A sonda foi alocada paralelamente ao plano do solo na realização das medidas. O abdome materno foi dividido em quatro quadrantes, cujos limites foram assim estabelecidos: uma linha imaginária longitudinal passando pela linha nigra e outra perpendicular na altura da cicatriz umbilical. O ILA foi obtido pela soma do maior diâmetro vertical, em centímetros, dos maiores bolsões de líquido amniótico de cada quadrante. A época da realização da avaliação do ILA foi convencionada em semanas completas, de 27 a 40 semanas.

A análise descritiva das variáveis quantitativas foi realizada pelo cálculo das médias e desvios padrão. Para a avaliação da correlação entre os dados analisados foi utilizado o coeficiente de correlação não paramétrico, ou coeficiente de Spearman (rs). Para valores diferentes de -1, 0 ou +1, foi aplicado o teste de Fisher. Adotou-se como nível de significância o valor de 0,05 (a=5%). Para a comparação entre os grupos, foram utilizados testes não-paramétricos na análise das variáveis contínuas: teste de Mann-Whitney para amostras independentes.

RESULTADOS

As gestantes foram analisadas semanalmente da 27ª semana de gestação até o parto e proporcionaram 659 correlações entre ILA e perfil glicêmico. Para demonstrar a relação do volume de líquido amniótico e a hiperglicemia materna, foram avaliadas as correlações entre o ILA e a glicemia da semana anterior à obtenção do ILA (avaliada por média glicêmica dos sete dias que antecederam a avaliação ultrassonográfica). Cada gestante contribuiu com 11 correlações, em média.

O ILA manteve-se com evolução estável durante todo o período analisado, mantendo-se entre 14 a 18 centímetros, quando avaliado as médias nas idades gestacionais. (Figura 1)


Quanto à correlação entre ILA e média glicêmica, distribuídos por idade gestacional, observamos que há uma fraca correlação positiva (rs variando entre - 0,107 a 0,204) o que não se mostrou estatisticamente significativo (p variando entre 0,054 a 0,868) (Tabela 1).

Ao dividirmos as gestantes em dois grupos, conforme o ILA do período analisado, com ILA superior a 18 centímetros (grupo de pacientes com ILA aumentado) e com ILA igual ou inferior a 18 centímetros (grupo de pacientes com ILA normal), observa-se não haver diferença entre a média glicêmica dos dois grupos (103,67 mg/dl com desvio padrão de 11,46 mg/dl e 103,69 mg/dl com desvio padrão de 13,69 mg/dl, respectivamente) e entre a porcentagem dos valores glicêmicos alterados (28,51% com desvio padrão de 12,82% e 28,89% com desvio padrão de 13,69%, respectivamente) (Tabela 2).

DISCUSSÃO

O Diabetes mellitus associado à gestação envolve estudos realizados há muitas décadas.8 No passado, sua associação à gestação envolvia elevadas taxas de mortalidade materna, que podiam atingir até 60%. Contudo, em 1922, a utilização clínica da insulina mudou verticalmente o tratamento de pacientes com essa enfermidade19.

A revolução tecnológica oferecida pela indústria médica, principalmente a partir dos anos 80, trouxe também benefícios para as gestantes diabéticas. Houve dessa forma o desenvolvimento de glicosímetros que tornaram possível o automonitoramento glicêmico; o desenvolvimento de novas insulinas, que tornou possível o controle glicêmico mais próximo do fisiológico, e, especialmente, o desenvolvimento da ultrassonografia que facilitou a melhor avaliação do feto e seus anexos. Entretanto, mulheres com Diabetes mellitus pré-gestacional apresentam maiores risco de perdas no terceiro trimestre gestacional quando comparadas a gestantes sem diabetes20,21.

O presente estudo contou com 60 gestantes com diagnóstico de diabetes tipo 1 e 2, que iniciaram pré-natal em ambulatório especializado e multidisciplinar de atenção à gestante diabética, cujo objetivo é direcionado para o controle metabólico estrito. Foram excluídas previamente ao estudo quaisquer doenças que sabidamente podem interferir no volume de líquido amniótico, a citar a hipertensão arterial, a doença hipertensiva específica da gravidez, as colagenoses, doenças cardíacas e pulmonares. Foram excluídos também fetos com malformação, gestação gemelar, restrição de crescimento fetal e gestantes diabéticas com microangiopatia, fatores esses que potencialmente interfeririam no volume.

Optou-se pelo estudo em gestantes diabéticas pré-gestacionais, tipo 1 (33 gestantes) e tipo 2 (27 gestantes), que apesar de ser grupo menor nos ambulatórios de alto risco, é sabidamente o grupo de gestantes com maior oscilação da glicemia materna, podendo proporcionar maior qualidade na análise dos dados.

A média glicêmica, embora estivesse na sua maior parte do tempo acima do desejado, manteve-se em níveis aceitáveis durante todo o período de avaliação, variando em média de 95 mg/dl a 110 mg/dl. Além disso, observou-se tendência a menores valores quando próximo ao final da gestação e/ou parto. Pode-se explicar esse evento pela maior preocupação com o controle nas épocas próximas ao parto, bem como maior tempo de instituição da terapêutica insulínica e maior interesse por parte da gestante.

O ILA apresenta distribuição bem conhecida durante o terceiro trimestre. Os trabalhos mostram diminuição desse índice quando aproximado ao termo e no pós-datismo.22 No presente estudo observamos uma distribuição homogênea da média dos ILA com pequena diminuição a partir da 33ª a 34ª semanas. Até o final, contudo, permanece em níveis estáveis.

Num primeiro momento, procurou-se verificar a correlação entre o ILA e média glicêmica discriminados por semanas gestacionais (Tabela 1). Para cada semana analisada, adotou-se a média semanal dos valores das médias glicêmicas e a média semanal das medidas de ILA. Para a determinação da correlação, utilizou-se o índice de Spearman. Nesta análise não se observou qualquer correlação entre o ILA e a média glicêmica nas semanas estudadas.

Estudo semelhante realizado com diabéticas gestacionais mostra correlação positiva entre o ILA e o perfil glicêmico. Contudo, o trabalho apresenta diferenças no modo como foram comparados os dois parâmetros. Nesse estudo, 399 gestantes inicialmente são analisadas, mas, após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, restam 13 gestantes. São avaliados dois estados de volume do líquido amniótico (aumentado e normal), escolhidos aleatoriamente e não se levando em conta a idade gestacional. Os autores concluem que a média glicêmica e a porcentagem de valores alterados na semana e dia anterior à realização do ILA eram significativamente maiores no grupo de ILA aumentado (definido arbitrariamente como ILA > 20 cm) ao grupo de ILA normal14.

Em gestantes diabéticas pré-gestacionais, a avaliação do volume de líquido amniótico pelo método do ILA, apesar de ser amplamente difundido, guarda pouca relação na tradução da real situação do controle metabólico semanal. Quando o Diabetes mellitus está presente desde o início da gravidez, estados hiperglicêmicos no primeiro e no segundo trimestre promovem alterações na programação da placenta com alterações no perfil das proteínas transportadoras de glicose (GLUTs), que passam a se expressar de forma diversa nessas placentas.23, 24 Dessa forma, qualquer elevação nos níveis glicêmicos dessas gestantes, no terceiro trimestre, favorece maior transporte da glicose para a circulação fetal. Isso pode facilitar a manutenção do estado de maior produção do líquido amniótico e promover maior crescimento fetal.25,26,27 Com isso não se constata redução significativa do volume de líquido, mesmo que se obtenha estrito controle no perfil glicêmico. Torna-se importante monitorar o aumento excessivo do volume de líquido, uma vez que a mudança do status quo é que poderá acrescentar risco significativo de descontrole da homeostase materna e/ou fetal24.

O estudo da placenta de gestantes portadoras de diabetes demonstra que, no termo, a morfologia vilosa é diferente. O peso fetal e o volume da placenta encontram-se aumentados em gestações com diabetes, acompanhado de aumento do volume do espaço interviloso e do trofoblasto28. Entretanto, verifica-se redução na capacidade de difusão específica da membrana vilosa nos casos com diabetes quando comparados com o grupo controle, indicando que o desenvolvimento placentário na gestante diabética insulino-dependente é afetado, principalmente, quando se acompanha da macrossomia fetal. Alterações na vascularização vilosa também são observadas na placenta da gestante diabética com redução no volume vascular dos vilos placentários29. Esses aspectos tornam o concepto mais susceptível à hipoxia fetal e devem interferir nos mecanismos de troca de fluidos e produção de líquido amniótico.

Com a crescente utilização da ultrassonografia obstétrica, acredita-se que a avaliação do volume de líquido amniótico, por qualquer técnica empregada, possa pretender tornar-se prática auxiliar no controle metabólico da gestante. Entretanto, neste estudo, as gestantes diabéticas pré-gestacionais seguidas em ambulatório especializado com controle glicêmico rigoroso não reproduziram o modelo teórico da relação entre a glicemia materna e a avaliação ultrassonográfica. Dessa forma, o presente estudo não encontrou correlação entre o ILA e o perfil glicêmico avaliado na semana anterior à realização do exame ultrassonográfico em gestantes diabéticas pré-gestacionais em tratamento.

Conflito de interesse: não há

Artigo recebido: 31/01/08

Aceito para publicação: 26/05/08

Trabalho realizado pela disciplina de Obstetrícia do departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, S. Paulo, SP

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Maio 2009
    • Data do Fascículo
      2009

    Histórico

    • Recebido
      31 Jan 2008
    • Aceito
      26 Maio 2008
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