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Perfil epidemiológico e evolução clínica pós-parto na pré-eclâmpsia grave

Epidemiological profile and postpartum outcome in severe preeclampsia

Resumos

OBJETIVOS: Descrever o perfil epidemiológico e o comportamento dos níveis tensionais no puerpério de mulheres admitidas durante a gravidez com pré-eclâmpsia grave. MÉTODOS: Realizou-se uma análise secundária de um estudo de coorte, com gestantes acima de 28 semanas de gestação, com diagnóstico de pré-eclâmpsia grave, sem trabalho de parto, admitidas na maternidade do Instituto Materno-Infantil Prof. Fernando Figueira (IMIP), entre novembro de 2006 e setembro de 2007. Pacientes com hipertensão arterial crônica, doenças auto-imunes, diabetes, gestação gemelar e sinais clínicos de instabilidade hemodinâmica foram excluídas. Analisaram-se características biológicas, demográficas, obstétricas, além do comportamento da pressão sistólica e diastólica no puerpério. RESULTADOS: Incluiu-se 154 pacientes com pré-eclâmpsia grave. A média de idade foi de 25,1 + 6,5 anos. Em relação à escolaridade, 45,5% tinham 11 anos completos de estudos, 20,1% dos partos foram transpelvinos e a frequência de prematuridade encontrada foi de 59,7%. Houve dois casos de eclâmpsia, dezoito casos de síndrome HELLP e 43 casos de oligúria. A duração do internamento hospitalar puerperal variou de 1 a 30 dias e 45% das pacientes permaneceram internadas até o sétimo dia pós-parto. Emergências hipertensivas foram registradas em 53,9% das pacientes no pós-parto. Receberam alta em uso de droga anti-hipertensiva 76,5% das pacientes. Em relação à evolução dos níveis tensionais, observou-se queda dos níveis a partir do terceiro dia pós-parto. CONCLUSÃO: Puérperas com pré-eclâmpsia grave têm controle pressórico a partir do terceiro dia pós-parto e elevada freqüência de alta hospitalar em uso de drogas anti-hipertensivas.

Pré-eclâmpsia; Período pós-parto; Perfil de saúde


BACKGROUND: To describe maternal characteristics and blood pressure behavior in the puerperium of women admitted, during pregnancy, with diagnosis of severe preeclampsia. METHODS: A cohort study was conducted including pregnant women with gestational age of 28 weeks or more, with diagnosis of preeclampsia, not in labor, at the Instituto Materno Infantil Professor Fernando Figueira (IMIP) from November 2006 to September 2007. Patients with chronic hypertension, autoimmune diseases, gestational diabetes, multiple pregnancy and signs of clinical instability were excluded. Biological, demographic and obstetrical characteristics were analyzed, as well as the behavior of systolic and diastolic blood pressure post partum. RESULTS: 154 patients with severe preeclampsia were included. The mean maternal age was 25.1 + 6.5 years. Regarding education only 45.5% had completed 11 years of schooling. Only 20.1% of deliveries were vaginal and preterm newborns occurred in 59.8% of cases. Two cases of eclampsia, eighteen cases of HELLP syndrome and 43 cases of oliguria were registered. Length of post partum hospital stay varied from one to 30 days, and 45% of patients were in hospital until the seventh day after delivery. Hypertensive emergencies were registered in 53.9% of the patients during puerperium and use of antihypertensive drugs was maintained in 76.5% of the women. CONCLUSIONS: Preeclamptic women tend to have controlled blood pressures after the third day of puerperium and are likely to be discharged from hospital still using anti-hypertensive drugs. Key-words: Severe preeclampsia, post partum period complications.

Preeclampsia; Post partum period; Complications


ARTIGO ORIGINAL

Perfil epidemiológico e evolução clínica pós-parto na pré-eclâmpsia grave

Epidemiological profile and postpartum outcome in severe preeclampsia

Brena Carvalho Pinto de MeloI; Melania Maria Ramos AmorimII,* * Correspondência: Rua Neusa Borborema de Sousa, 300 - Santo Antônio. Campina Grande - PB. CEP 58103-313. Fone: (83) 3321-2695. FAX: (81) 3221-0681. melamorim@uol.com.br ; Leila KatzIII; Isabela CoutinhoIV; Giselly VeríssimoV

IMestre em Saúde Materno Infantil pelo Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira e preceptora da enfermaria de gestação de alto risco do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira, Recife, PE

IIDoutora em medicina subárea Tocoginecologia pela UNICAMP - professora da pós-graduação do Instituto Materno Infantil Professor Fernando Figueira, Recife, PE

IIIDoutora em medicina subárea Tocoginecologia pela UNICAMP - coordenadora da UTI Obstétrica do Instituto Materno Infantil de Pernambuco, Recife, PE

IVDoutora em cirurgia pela Universidade Federal de Pernambuco - preceptora da enfermaria de gestação de alto risco do Instituto Materno Infantil de Pernambuco, Recife, PE

VAluna de medicina da Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE

RESUMO

OBJETIVOS: Descrever o perfil epidemiológico e o comportamento dos níveis tensionais no puerpério de mulheres admitidas durante a gravidez com pré-eclâmpsia grave.

MÉTODOS: Realizou-se uma análise secundária de um estudo de coorte, com gestantes acima de 28 semanas de gestação, com diagnóstico de pré-eclâmpsia grave, sem trabalho de parto, admitidas na maternidade do Instituto Materno-Infantil Prof. Fernando Figueira (IMIP), entre novembro de 2006 e setembro de 2007. Pacientes com hipertensão arterial crônica, doenças auto-imunes, diabetes, gestação gemelar e sinais clínicos de instabilidade hemodinâmica foram excluídas. Analisaram-se características biológicas, demográficas, obstétricas, além do comportamento da pressão sistólica e diastólica no puerpério.

RESULTADOS: Incluiu-se 154 pacientes com pré-eclâmpsia grave. A média de idade foi de 25,1 + 6,5 anos. Em relação à escolaridade, 45,5% tinham 11 anos completos de estudos, 20,1% dos partos foram transpelvinos e a frequência de prematuridade encontrada foi de 59,7%. Houve dois casos de eclâmpsia, dezoito casos de síndrome HELLP e 43 casos de oligúria. A duração do internamento hospitalar puerperal variou de 1 a 30 dias e 45% das pacientes permaneceram internadas até o sétimo dia pós-parto. Emergências hipertensivas foram registradas em 53,9% das pacientes no pós-parto. Receberam alta em uso de droga anti-hipertensiva 76,5% das pacientes. Em relação à evolução dos níveis tensionais, observou-se queda dos níveis a partir do terceiro dia pós-parto.

CONCLUSÃO: Puérperas com pré-eclâmpsia grave têm controle pressórico a partir do terceiro dia pós-parto e elevada freqüência de alta hospitalar em uso de drogas anti-hipertensivas.

Unitermos: Pré-eclâmpsia. Período pós-parto. Perfil de saúde.

SUMMARY

BACKGROUND: To describe maternal characteristics and blood pressure behavior in the puerperium of women admitted, during pregnancy, with diagnosis of severe preeclampsia.

METHODS: A cohort study was conducted including pregnant women with gestational age of 28 weeks or more, with diagnosis of preeclampsia, not in labor, at the Instituto Materno Infantil Professor Fernando Figueira (IMIP) from November 2006 to September 2007. Patients with chronic hypertension, autoimmune diseases, gestational diabetes, multiple pregnancy and signs of clinical instability were excluded. Biological, demographic and obstetrical characteristics were analyzed, as well as the behavior of systolic and diastolic blood pressure post partum.

RESULTS: 154 patients with severe preeclampsia were included. The mean maternal age was 25.1 + 6.5 years. Regarding education only 45.5% had completed 11 years of schooling. Only 20.1% of deliveries were vaginal and preterm newborns occurred in 59.8% of cases. Two cases of eclampsia, eighteen cases of HELLP syndrome and 43 cases of oliguria were registered. Length of post partum hospital stay varied from one to 30 days, and 45% of patients were in hospital until the seventh day after delivery. Hypertensive emergencies were registered in 53.9% of the patients during puerperium and use of antihypertensive drugs was maintained in 76.5% of the women.

CONCLUSIONS: Preeclamptic women tend to have controlled blood pressures after the third day of puerperium and are likely to be discharged from hospital still using anti-hypertensive drugs. Key-words: Severe preeclampsia, post partum period complications.

Key words:Preeclampsia. Post partum period, Complications

INTRODUÇÃO

A pré-eclâmpsia é caracterizada pela presença de níveis tensionais elevados na gestação, após a 20ª semana, associada à proteinúria1. Responsável por grande parte das indicações de interrupção prematura da gestação1, tem sua etiologia ainda não esclarecida. Entretanto, a teoria mais aceita, atualmente, é a da "má placentação": uma invasão trofoblástica deficiente levaria a uma lesão endotelial com espasticidade difusa, associada a hipercoagulabilidade, inflamação, hiperlipidemia e resistência insulínica2,3.

As pacientes acometidas podem evoluir, em casos mais graves, para episódios de eclâmpsia, edema agudo de pulmão, síndrome HELLP (Hemolysis, Elevated Liver enzymes e Low Platelet), AVC (acidente vascular cerebral) e oligúria (com possível evolução para insuficiência renal). Por esse motivo, a pré-eclâmpsia é uma das causas mais importantes de internação em unidades de terapia intensiva obstétrica4-6.

A falta de assistência nas pacientes com pré-eclâmpsia ou a sua evolução desfavorável pode levar ao óbito, o que faz dessa doença a maior responsável pela mortalidade materna nos países da América Latina e Caribe, incluindo o Brasil7.

Diante de uma doença potencialmente tão devastadora, a maior parte dos estudos sobre pré-eclâmpsia concentram-se no diagnóstico precoce e identificação de seus fatores de risco, ou seja, dando maior ênfase ao período pré-parto8. Entretanto, a necessidade de se conhecer melhor o período pós-parto fica evidente ao se considerar as grandes alterações fisiopatológicas características deste período. Um exemplo seria o efeito da auto-transfusão que ocorre no puerpério imediato, após a expulsão da placenta, quando é estimado um retorno abrupto de mais de 800ml de sangue à circulação materna. Essas e outras adaptações a que o organismo materno é submetido nesse período podem potencializar muitas das complicações da pré-eclâmpsia9.

Ainda são escassos os estudos referentes à evolução dos níveis tensionais na puérpera com pré-eclâmpsia, bem como a sua melhor forma de tratamento e até mesmo as características maternas do período pós-parto10. Apesar de alguns estudos aventarem o uso de furosemida, hidralazina ou labetalol para o tratamento dos níveis tensionais elevados no puerpério,11,12 uma revisão sistemática recente sobre o tema conclui que não há dados suficientes para orientar a conduta nesses casos13.

O estudo das características epidemiológicas e evolução no período pós-parto das pacientes com pré-eclâmpsia pode contribuir para um maior conhecimento acerca desse período, consistindo no objetivo do presente artigo.

MÉTODOS

Esta é uma análise secundária do perfil epidemiológico e da evolução clínica de puérperas com pré-eclâmpsia grave incluídas em um estudo observacional do tipo coorte realizado no Instituto Materno Infantil Professor Fernando Figueira (IMIP) no Recife, Região Nordeste do Brasil. O estudo foi realizado no período de novembro de 2006 a setembro de 2007 e o trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição.

As pacientes com diagnóstico de pré-eclâmpsia grave, acima de 28 semanas de gestação, foram incluídas no estudo no momento da admissão no serviço, após consulta quanto à concordância em participar da pesquisa. Para o diagnóstico de pré-eclâmpsia grave, considerou-se os critérios do National High Blood Pressure Working Group1. As pressões arteriais foram aferidas em mais de uma ocasião, com intervalo de 20 minutos, para repouso, entre as aferições. Nas pacientes que apresentavam PAsistólica acima de 140 mmHg e/ou PAdiastólica acima 90 mmHg, em ambas as aferições, e proteinúria de fita de 1+ ou superior, era avaliada a presença de qualquer um dos seguintes achados: pressão sistólica > 160mmHg e/ou pressão diastólica > 110mmHg, cefaléia, escotomas ou dor epigástrica. Nos casos positivos para estes achados, o diagnóstico de pré-eclâmpsia grave foi estabelecido. Foram considerados critérios de exclusão: trabalho de parto, história de hipertensão arterial crônica, diagnóstico prévio de doenças auto-imunes, diabetes gestacional, diabetes mellitus, gestação múltipla, presença de feto morto à admissão, sinais clínicos de instabilidade hemodinâmica materna ou indicação de interrupção imediata da gestação.

A idade gestacional foi calculada pela data da última menstruação (DUM) e/ou ultrassonografia obstétrica precoce. Em casos de indisponibilidade desta informações, era realizada a biometria fetal pela ultrassonografia realizada no serviço, e determinada a idade gestacional pelos parâmetros biométricos do último exame ecográfico.

Das 4.892 gestantes admitidas no serviço neste período, 1.509 tinham diagnóstico de distúrbio hipertensivo da gestação, porém depois de avaliadas quanto ao preenchimento dos critérios de seleção, 154 pacientes foram incluídas. Apenas duas pacientes recusaram-se a participar do estudo. Os critérios foram rigorosos no sentido de excluir pacientes com história prévia de hipertensão. A anamnese era confirmada pela pesquisadora principal e o cartão de pré-natal avaliado: na presença de registros de níveis tensionais elevados (PAS > 130mmHg ou PAD > 80 mmHg) antes da 20ª. semana de gestação, a paciente era considerada como possível hipertensa, não sendo incluída no estudo.

Foi anexado um formulário padrão e pré-codificado ao prontuário das pacientes incluídas, sendo preenchido no pós-parto, com dados referentes ao puerpério. Conforme a conduta do serviço, administrou-se sulfato de magnésio, intravenoso, a todas as pacientes no período pré-parto e até 24 horas pós-parto (6g de ataque + manutenção 1g/h). As normas do serviço para infusão de sulfato de magnésio foram respeitadas com monitorização rigorosa dos parâmetros clínicos e registro, pela equipe de enfermagem, a cada duas horas da diurese, dos níveis pressóricos, da frequência cardíaca e da respiratória. Uma reavaliação clínica pela equipe médica foi realizada a intervalos máximos de seis horas. Exames laboratoriais para rastreio de síndrome HELLP também foram realizados em todos os casos12.

Para a análise do perfil epidemiológico, biológico e obstétrico, foram consideradas as variáveis: idade, índice de massa corpórea (IMC - peso/altura2), escolaridade, procedência, número de gestações e paridade. A classificação de Atalah foi utilizada para categorização das pacientes em: baixo peso, peso adequado, sobrepeso e obesidade de acordo com o índice de massa corpórea e a idade gestacional no momento da admissão13.

No período pós-parto registraram-se os níveis tensionais sistólicos e diastólicos com intervalos de duas horas nas primeiras 24h (correspondentes ao período de administração do sulfato de magnésio) e a cada quatro horas a partir de então, respeitando o sono da paciente no período de 22h00 às 6h00. Em todos os momentos do estudo a pressão arterial foi aferida pelo método auscultatório. Foram também registrados: número de picos pressóricos (PAS > 180 mmHg e/ou PAD > 120mmHg) com necessidade de tratamento com drogas anti-hipertensivas, número de dias pós-parto para alta hospitalar, número de drogas anti-hipertensivas em uso no momento da alta hospitalar. Para a avaliação dos complicações maternas, foram consideradas: oligúria (definida como diurese horária < 30 ml/h14, edema agudo de pulmão (presença de desconforto respiratório materno com estertores finos à ausculta pulmonar, necessitando de uso de diurético)15, eclâmpsia (presença de crise convulsiva em pacientes sem história de episódios prévios)1, síndrome HELLP (definido de acordo com os critérios de Sibai)16 e insuficiência renal aguda (presença de oligúria associado à elevação aguda dos níveis de uréia e creatinina)ª.

Para a análise da evolução dos níveis tensionais no pós-parto, consideraram-se os níveis sistólicos e diastólicos máximos diários pós-parto de cada paciente. Foi então construída uma curva com a média dos valores máximos diários da pressão sistólica e diastólica em função do tempo. Considerou-se como dia zero pós-parto o dia do parto até a 24h deste mesmo dia.

A análise estatística foi realizada no programa de domínio público EPI-INFO versão 3.4.1, calculando-se distribuições de freqüências, medidas de tendência central e de dispersão. A representação gráfica das médias diárias dos valores máximos das pressões sistólicas e diastólicas, com intervalo de confiança de 95%, foi construída em função do tempo utilizando-se o programa Minitab 14.2. Para avaliar a evolução dos valores, tanto da pressão sistólica quanto da diastólica, foram realizados testes de comparações de médias entre dias subseqüentes, utilizando-se o teste T de Student para amostras pareadas.

RESULTADOS

Avaliamos 154 puérperas com diagnóstico de pré-eclâmpsia grave. A idade das pacientes variou de 15 a 44 anos com média de 25,12 anos e desvio padrão de 6,5. Quanto ao índice de massa corpórea, a média observada foi de 30,1kg/m2, com 5,5 de desvio padrão. Quando avaliadas quanto à classificação de Atalah, 9,9% das pacientes apresentavam baixo peso, 33,9% peso adequado, 24% sobrepeso e 32,2% obesidade.

Em relação à procedência, 58,4% das pacientes eram oriundas da cidade do Recife e Região Metropolitana, 40,3% de outras cidades do estado de Pernambuco e 1,3% de outros Estados. Em relação à escolaridade, 10,4% tinham menos de três anos de estudo, 26,6% entre quatro e sete anos de estudo, 17,5% entre oito e dez anos e 45,5% mais de 11 anos de estudo, o que corresponde ao ensino médio completo. (Tabela 1)

Das puérperas incluídas no estudo, 64,9% eram primíparas e entre estas, sete referiam história prévia de abortamento. No momento do parto, 59,7% das pacientes tinham idade gestacional menor que 37 semanas, sendo 27,3% com idade gestacional menor que 32 semanas. O parto vaginal ocorreu em 20,1% das mulheres, enquanto 79,9% foram submetidas a interrupção por via alta; 56,7% por indicação materna e 43,3% por indicação fetal. (Tabela 2)

Oitenta e três pacientes (53,9%) apresentaram picos pressóricos no puerpério. O número de dias pós-parto para alta hospitalar variou de 1 a 30 dias, com 45% (69) das pacientes recebendo alta após o sétimo dia pós-parto. Receberam alta hospitalar sem uso de drogas anti-hipertensivas 23,5% (36) das pacientes, enquanto 118 (76,5%) restantes receberam alta em uso de um ou mais drogas anti-hipertensivas.

A frequência observada de complicações foi de 43 episódios de oligúria (27,9%), 18 casos de HELLP (11,7%), dois casos de eclâmpsia (1,3%) e um caso de edema agudo de pulmão (0,6%). (Tabela 3)

Na evolução dos níveis tensionais da pressão sistólica, foi realizada uma comparação pareada a cada dois dias e observou-se uma queda estatisticamente significante (p<0,05) a partir do terceiro dia pós-parto perdurando até o nono dia enquanto na pressão diastólica uma queda estatisticamente significante (p<0,05) ocorreu a partir do quarto dia e perdurou até o oitavo dia. (Figura 1)


DISCUSSÃO

Analisando-se as características biológicas (idade e IMC) das pacientes envolvidas no presente estudo, observamos resultados semelhantes a outros estudos realizados no Nordeste do Brasil,15,16 porém a idade média de 25 anos foi um pouco mais baixa que os 32 anos de média, encontrados em estudos europeus sobre pré-eclâmpsia17. Considerando ser a idade materna um indicativo de nível de desenvolvimento de um país7, o achado corresponde ao esperado para a população local de um país em desenvolvimento. Quanto ao IMC, a média encontrada é semelhante ao relatado em pacientes com pré-eclâmpsia em outros estudos sobre o tema18,19. É valido, contudo, ressaltar que quando categorizadas pela classificação de Atalah, mais da metade das pacientes apresentam sobrepeso ou obesidade. Uma possível explicação para o fato pode ser a reconhecida associação entre IMC elevada e pré-eclâmpsia18.

Apesar de a idade materna média encontrada ser característica de um país em desenvolvimento, os dados referentes à escolaridade sugerem um perfil diferenciado da amostra, quando comparada a dados do estado de Pernambuco. Enquanto 45,5% das pacientes incluídas tinham 11 ou mais anos completos de educação formal, e apenas 10,4% tinham menos de três anos completos de estudo, em Pernambuco, até 30,1% da população feminina completou apenas três anos de educação formal20. O fato de 41,6% das pacientes incluídas no estudo serem provenientes de outras cidades e Estados que não Recife e Região Metropolitana pode ser explicado em decorrência de o estudo ter sido realizado num hospital terciário, referência em gestação de alto risco na Região Nordeste.

Na avaliação das características obstétricas, quase 65% das pacientes eram primíparas, o que diverge dos mais de 40% encontrados por outros autores20,21. Contudo, essa divergência pode ser explicada se forem considerados os critérios de seleção, quanto à inclusão e exclusão, adotados na coorte original. A exclusão de pacientes fora do trabalho de parto e sem passado de hipertensão crônica parece direcionar a seleção para pacientes mais jovens e primigestas.

A frequência de quase 80% de cesarianas está bem acima do recomendado pela Organização Mundial de Saúde21. É também maior que a frequência de 65,4% descrita recentemente em um trabalho sobre perfil de admissões em unidade de terapia intensiva obstétrica, realizada em nossa instituição. O que talvez possa ter sido um fator contribuinte para esse elevado índice foi a admissão das pacientes fora do trabalho de parto, aumentando assim a chance de o colo encontrar-se desfavorável. Vale ressaltar também que tendo sido 43,3% das cesáreas indicadas por sofrimento fetal agudo e/ou crônico, o perfil de alto risco destas pacientes fica bem caracterizado. Há, contudo, uma limitação em nosso serviço quanto a uma melhor caracterização das indicações das cesáreas, uma vez que muitos plantonistas acreditam, equivocadamente, que a pré-eclâmpsia per se já seria indicação de cesárea. De qualquer forma, essa questão precisa ser elucidada em estudos futuros, visando avaliar as indicações de cesárea nesse subgrupo de pacientes.

Em relação à discussão dos achados do período pós-parto, a dificuldade em se identificar grandes estudos observacionais sobre o período pós-parto, mesmo após consulta aos bancos de dados Medline, Lilacs/Scielo, Embase e Scopus, limita a análise comparativa. Entretanto, a escassez de informações sobre o período pós-parto torna a análise descritiva válida.

Mais da metade das pacientes apresentou picos pressóricos com necessidade de uso de drogas anti-hipertensivas no período pós-parto. A importância em se vigiar, tratar e observar picos hipertensivos tem sido destacada em consensos atuais de cardiologia22. Na obstetrícia, o tema é menos frequentemente abordado. Contudo, estudos sobre as complicações neurológicas da pré-eclâmpsia relatam ser o acidente vascular cerebral (AVC), principalmente no pós-parto, uma importante causa de morbi-mortalidade nas pacientes com pré-eclâmpsia, o que reforça a necessidade de uma maior atenção à sua evolução clínica no puerpério23.

A frequência observada de complicações pode ser considerada baixa, já que houve apenas um caso de edema agudo de pulmão (0,6%), dois (1,3%) casos de eclâmpsia e dezoito (11,7%) de síndrome HELLP. Há de se considerar que todas as pacientes tiveram sulfato de magnésio administrado no puerpério. Os achados estão de acordo com a frequência esperada de eclâmpsia seguindo-se à profilaxia anticonvulsivante, descrita no Magpie, um grande ensaio clínico multicêntrico para determinar efetividade do sulfato de magnésio para prevenção de eclâmpsia (0,8%)24. A oligúria foi observada em 27,9% das pacientes, porém todos os episódios reverteram apenas com reposição volêmica, sem necessidade de diálise. A frequência observada pode possivelmente ser justificada pelo jejum prolongado nas pacientes em uso de sulfato de magnésio, apesar da hidratação administrada, de acordo com a rotina do serviço. Além da possibilidade de oligúria secundária à desidratação, a diminuição da diurese pode ser reflexo da vasoespasticidade difusa da pré-eclâmpsia. Esta associação foi sugerida em um trabalho em que a duração da profilaxia anticonvulsivante com sulfato de magnésio poderia ser determinada pelo aumento do volume de diurese, refletindo uma provável resolução do vasoespasmo da doença25.

Na evolução dos níveis tensionais, no pós-parto, observa-se um padrão de comportamento uniforme, tanto para os valores máximos sistólicos quanto diastólicos. Após valores elevados nos primeiros dias pós-parto, observou-se um início de redução estatisticamente significante entre os valores diários, a partir do terceiro dia para valores sistólicos e a partir do quarto dia para valores diastólicos, até uma estabilização destes em cerca de quatro dias após o início da redução. É válido ressaltar que a amostra estudada foi cuidadosamente avaliada em relação aos critérios de exclusão, principalmente quanto à possibilidade de hipertensão arterial sistêmica prévia, a fim de se obter uma análise o mais fidedigna possível do comportamento pressórico puerperal de pacientes com "pré-eclâmpsia pura". Nessas pacientes, a diminuição dos níveis pressóricos poderia ser justificada pela resolução do processo de lesão endotelial/vasoespasmo, após o parto, com a eliminação do líquido extravasado para o terceiro espaço através da diurese, normalmente de grande volume nesse período. Entretanto, estudos avaliando o comportamento da diurese no puerpério para melhor fundamentação desta hipótese ainda são escassos24.

O número de dias pós-parto para alta hospitalar variou de 1 a 30 dias, com média em torno de sete dias. Apesar de ser um parâmetro frequentemente adotado para análise de evolução de pacientes nas mais diversas situações clínicas, sua avaliação no puerpério de mulheres com pré-eclâmpsia grave não é bem estudada, devido à escassez de publicações sobre o assunto. A maior parte das pacientes permaneceu internada até o retorno dos valores tensionais a níveis seguros, com uso de medicação anti-hipertensiva se necessário. A grande variação do tempo de internamento reflete a heterogeneidade das pacientes. Após o controle dos níveis tensionais, a permanência hospitalar prolongada pode ter sido necessária por complicações esperadas em populações admitidas em unidade de terapia intensiva como: trombose venosa profunda, hematoma de ferida operatória, complicações operatórias da cesárea com necessidade de nova cirurgia, infecção respiratória, necessidade de hemotransfusão14,26.

Em relação à alta hospitalar em uso de drogas anti-hipertensivas, apenas 23,5% das pacientes saíram do hospital sem medicação, enquanto 76,5% receberam alta em uso de drogas anti-hipertensivas. Quanto ao número de drogas utilizadas, a frequência foi bem distribuída com 26,8%, 25,5% e 24% das pacientes usando, respectivamente, uma, duas ou três drogas no momento da alta. Apesar de algumas publicações avaliarem o uso de diuréticos e beta-bloqueadores para controle tensional no puerpério, estudos de boa qualidade analisando terapia anti-hipertensiva na pré-eclâmpsia são raros e com casuística escassa, analisando primordialmente o tratamento durante a gravidez. Numa revisão sistemática sobre prevenção e tratamento de hipertensão no pós-parto, os revisores concluíram que não há dados suficientes para orientar a conduta nestas situações e que a experiência individual do médico assistente deve ser considerada13.

Destaca-se, outrossim, a importância de estudar a evolução clínica no puerpério das pacientes com pré-eclâmpsia grave, quando se considera a possível associação dos distúrbios hipertensivos da gestação como fator de risco para doença cardiovascular (DCV) futura3,25. Estudos futuros deverão contribuir para identificar possíveis fatores preditores de DCV durante esta fase, permitindo possível intervenção ou, pelo menos, o diagnóstico precoce.

CONCLUSÃO

O perfil epidemiológico deste estudo parece ser compatível com levantamentos prévios de nossa instituição14,25. Os dados sobre o puerpério analisados no presente estudo têm importância ao contribuir com a escassa literatura sobre esta fase tão importante e ainda pouco explorada do ciclo grávido-puerperal.

Conflito de interesse: não há

Artigo recebido: 01/02/08

Aceito para publicação: 13/09/08

Fonte de auxílio: CNPq - Bolsa de Iniciação Científica (PIBIC).

Trabalho realizado no Instituto Materno Infantil Professor Fernando Figueira (IMIP), Recife, PE

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Maio 2009
    • Data do Fascículo
      2009

    Histórico

    • Aceito
      13 Set 2008
    • Recebido
      01 Fev 2008
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