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Destaques éticos nos periódicos nacionais das áreas médicas

Ethics relevance in Brazilian medical journals

Resumos

OBJETIVO: Avaliar os destaques éticos existentes nas instruções aos autores de periódicos nacionais citados conjuntamente pelas quatro áreas médicas da CAPES e qualificados nível "A" nacional ou "I" internacional. MÉTODOS: As instruções aos autores de 20 revistas nacionais foram estudadas e 36 tipos de preocupações éticas foram identificados, permitindo a seguinte categorização: I - Ética na pesquisa com seres humanos; II - Integridade científica; III - Política editorial. RESULTADOS: Os resultados mostraram que na categoria I a instrução mais freqüente (50%) é a exigência de aprovação da pesquisa por um CEP institucional, seguida da indicação no corpo do artigo referir-se a esta aprovação (35%), e a apresentação de cópia do parecer do CEP (30%). Todavia, nenhum periódico adverte sobre a importância do CEP ser credenciado pela CONEP. Na categoria II, 55% dos periódicos exigem declaração de conflitos de interesse e 40% deles interrogam sobre qual tipo de interesse; todavia, todos (100%) os periódicos são omissos quanto à verificação de conflitos de interesse entre autores e revisores assim como prevenção de fraudes, plágios e fabricação de dados. Finalmente, na categoria III, 65% dos periódicos exigem que os direitos autorais sejam-lhes cedidos e os demais 35% nada dizem sobre o assunto. CONCLUSÃO: Os resultados são discutidos em relação à situação atual do Brasil em relação à ética da pesquisa em seres humanos e à prevenção de desonestidade científica.

Publicações; Medicina; Normas técnicas; Má conduta científica; Comitês de Ética em Pesquisa


OBJECTIVE: To evaluate the Brazilian journals cited by the four CAPES medical areas, qualified as "A" national or "I" international, regarding the relevance given to ethics in the instructions for authors. METHODS: The instructions for authors of twenty Brazilian journals were studied and 36 types of ethical concerns were identified allowing the following categorization: I - Ethics in human research; II - Scientific integrity; III - Editorial policy. RESULTS: The results on Category I show that the most frequent instructions (50%) requires previous approval of the research by a institutional Ethics Committee (CEP), followed by indication on how to cite this approval in the body of the article (35%), plus presentation of a copy of the CEP approval (30%). However, none advert on the importance of the CEP being recognized by the CONEP. On Category II, 55% of the journal require declarations of conflict of interest, and 40% of them inquire about the type of interest; however, all (100%) journal do not mentione prevention conflict of interests between authors and peer reviewers, neither on frauds, plagiarisms or data fabrication. Finally, in Category III, 65% of the journals require the authors to transfer publications rights to them, while the remaining 35% do not mention copyright CONCLUSION: These results are discussed in relations to the Brazilian present situation regarding ethics in the scientific production of researches using human subjects for the prevention of scientific dishonesty.

Periodicals; Medicine; Technical Standards; Scientific misconduct; Ethics, research


ARTIGO ORIGINAL

Destaques éticos nos periódicos nacionais das áreas médicas

Ethics relevance in Brazilian medical journals

José Tavares-NetoI,* * Correspondência: Largo do Terreiro de Jesus – CEP 40025-010 Salvador, Bahia, BA, tavaneto@ufba.br ; Eliane S. AzevêdoII

IProfessor Associado da Faculdade de Medicina da Bahia (FMB), Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA

IIProfessor Emérito da Faculdade de Medicina da Bahia (FMB), Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar os destaques éticos existentes nas instruções aos autores de periódicos nacionais citados conjuntamente pelas quatro áreas médicas da CAPES e qualificados nível "A" nacional ou "I" internacional.

MÉTODOS: As instruções aos autores de 20 revistas nacionais foram estudadas e 36 tipos de preocupações éticas foram identificados, permitindo a seguinte categorização: I - Ética na pesquisa com seres humanos; II - Integridade científica; III - Política editorial.

RESULTADOS: Os resultados mostraram que na categoria I a instrução mais freqüente (50%) é a exigência de aprovação da pesquisa por um CEP institucional, seguida da indicação no corpo do artigo referir-se a esta aprovação (35%), e a apresentação de cópia do parecer do CEP (30%). Todavia, nenhum periódico adverte sobre a importância do CEP ser credenciado pela CONEP. Na categoria II, 55% dos periódicos exigem declaração de conflitos de interesse e 40% deles interrogam sobre qual tipo de interesse; todavia, todos (100%) os periódicos são omissos quanto à verificação de conflitos de interesse entre autores e revisores assim como prevenção de fraudes, plágios e fabricação de dados. Finalmente, na categoria III, 65% dos periódicos exigem que os direitos autorais sejam-lhes cedidos e os demais 35% nada dizem sobre o assunto.

CONCLUSÃO: Os resultados são discutidos em relação à situação atual do Brasil em relação à ética da pesquisa em seres humanos e à prevenção de desonestidade científica.

Unitermos: Publicações. Medicina. Normas técnicas. Má conduta científica. Comitês de Ética em Pesquisa.

SUMMARY

OBJECTIVE: To evaluate the Brazilian journals cited by the four CAPES medical areas, qualified as "A" national or "I" international, regarding the relevance given to ethics in the instructions for authors.

METHODS: The instructions for authors of twenty Brazilian journals were studied and 36 types of ethical concerns were identified allowing the following categorization: I - Ethics in human research; II - Scientific integrity; III - Editorial policy.

RESULTS: The results on Category I show that the most frequent instructions (50%) requires previous approval of the research by a institutional Ethics Committee (CEP), followed by indication on how to cite this approval in the body of the article (35%), plus presentation of a copy of the CEP approval (30%). However, none advert on the importance of the CEP being recognized by the CONEP. On Category II, 55% of the journal require declarations of conflict of interest, and 40% of them inquire about the type of interest; however, all (100%) journal do not mentione prevention conflict of interests between authors and peer reviewers, neither on frauds, plagiarisms or data fabrication. Finally, in Category III, 65% of the journals require the authors to transfer publications rights to them, while the remaining 35% do not mention copyright

CONCLUSION: These results are discussed in relations to the Brazilian present situation regarding ethics in the scientific production of researches using human subjects for the prevention of scientific dishonesty.

Key words: Periodicals. Medicine.Technical Standards. Scientific misconduct. Ethics, research.

INTRODUÇÃO

A publicação da Resolução nº 196 de 19961, pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), foi, no Brasil, o marco da ética da pesquisa em seres humanos. A criação da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP)/CNS e o crescente número de Comitês de Ética em Pesquisa (CEP), forneceram as bases operacionais à inclusão da discussão e do ensino da Ética em Pesquisa na agenda dos governos, das agências de fomentos, das instituições de ensino e pesquisa, dos pesquisadores e dos estudantes de vários níveis.

Antes de 1996, no Brasil, observava-se apenas algum efeito prático em decorrência das revistas internacionais, especialmente as de maior impacto, de incluírem em suas instruções aos autores a exigência da aprovação do projeto de pesquisa por comitê de ética2.

Também no início dos anos 90 do século XX, as primeiras versões dos Requisitos Uniformes para manuscritos submetidos às revistas biomédicas, do "International Committee of Medical Journal Editors"3, 4, trouxeram progressiva relevância aos aspectos éticos na pesquisa científica, envolvendo seres humanos ou animais. Não obstante, em 1999, Sardenberg et al.2 verificaram que 79% das 139 revistas ou periódicos brasileiros não faziam referência às exigências ou às recomendações sobre aspectos éticos nos artigos submetidos à publicação.

Esses fatos também coincidem com o retardo das agências brasileiras de fomento à pesquisa em aderir ao movimento internacional de proteção aos sujeitos da pesquisa; por exemplo, somente em junho de 2003, depois de reiterados apelos de bioeticistas brasileiros, foi criado o Comitê Temático de Bioética, pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Mais recentemente, o sistema SciELO (Scientific Electronic Library Online) do Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (BIREME/OPAS-FAPESP, São Paulo), vem fomentando a inclusão dos aspectos éticos nos períodos afiliados; como o registro dos ensaios clínicos com intervenção terapêutica em "sites" listados pela Organização Mundial da Saúde ou pelo "International Committee of Medical Journal Editors"3, 4.

Finalmente, passada mais de uma década da edição da Resolução nº 196 de 19961, a pergunta motivadora deste trabalho é conhecer quais os aspectos éticos citados nas instruções aos autores de revistas científicas brasileiras, entre aquelas mais referidas pelos comitês da área médica da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)/Ministério da Educação. Destaca-se a CAPES por ser o órgão do governo brasileiro responsável pelo credenciamento dos programas de pós-graduação stricto sensu, os quais têm como um dos seus produtos a publicação de artigos em periódicos.

MÉTODOS

Das quatro áreas da saúde de avaliação da CAPES (Medicina I, Medicina II, Medicina III e Saúde Coletiva), nas suas listagens QUALIS de periódicos5-8 foram selecionados aqueles nacionais (N) classificados nas categorias5-8: "A" ou "I" (internacional). Posteriormente, foram excluídos aqueles periódicos citados apenas por uma, duas ou três das áreas; ou seja, foram incluídos só os periódicos citados pelas quatro áreas. Estabeleceu-se que mesmo sendo o periódico citado pelas quatro áreas de avaliação da CAPES, só seriam incluídos aqueles também registrados no SciELO da BIREME9 e entre esses somente aqueles com linha editorial mais vinculada à área da Medicina.

Dos periódicos selecionados, considerou-se o ISSN (International Standard Serial Number) da versão impressa, citados nas listas QUALIS/CAPES5-8, e buscaram-se em 20 de novembro de 2007, na página eletrônica de cada um, as normas de publicação. Sendo as instruções aos autores o objeto da presente pesquisa, sua leitura foi direcionada à categorização de conteúdos normativos sobre ética em pesquisa/publicação (Quadro 1).


No decorrer da coleta dos dados, foram construídas 36 informações ou instruções (i) extraídas das normas de publicação de cada período. Essas 36 instruções estão listadas no Quadro 1, sistematizadas em três categorias: I - Ética da pesquisa em humanos (em número de 20: i1-i20); II - Integridade científica (no total de 13 informações: i21-i33); e III - Política editorial (3 informações: i34-i36).

Em 33 dessas instruções (i1-i33) foi dado, individualmente, o escore 1 se presente entre as normas para publicação do periódico em análise; ou o escore 0 se ausente; o contrário foi aplicado às outras três informações ou instruções (i34-i36) da categoria Política Editorial, nessas a presença da exigência ou a sua obrigatoriedade recebia o escore 0 ou o escore 1 se houvesse a negativa ou a falta de obrigatoriedade. Desse modo, no conjunto da análise de todas as instruções (i) aos autores, os dados extraídos das normas de cada revista ou periódicos, permitiam o escore máximo de até 36 pontos. Na avaliação dos resultados (binários) dessas 36 instruções ou informações (i), usou-se análise estatística descritiva (frequência e medidas de dispersão, mediana e moda).

RESULTADOS

As quatro áreas da CAPES citam 6.672 revistas ou periódicos, assim distribuídos: 2.196 da Medicina I5; 2.548 da Medicina II6; 796 da Medicina III7; e 1.132 da Saúde Coletiva8. Do total de periódicos, só 180 (2,7%) estão classificados nas categorias QUALIS Nacional (N) como "A" ou "I"; e entre esses 25 (13,9%), ou 0,4% do total, foram citados nessas categorias pelo conjunto das quatro áreas CAPES. Desse grupo de 25 periódicos, foram excluídos cinco: três periódicos por apresentarem linha editorial não-vinculada à área médica humana (Brazilian Archives of Biology and Tecnology; Brazilian Journal of Veterinary Research and Animal Science; e Brazilian Oral Research); e os outros dois (Arquivos Brasileiros de Endocrinologia e Metabologia; e Brazilian Journal of Medicine and Biological Research), porque não tinham registros no SciELO ou não estavam disponíveis na data pesquisada (20 de novembro de 2007).

Desse modo, os 20 periódicos incluídos neste estudo foram os seguintes: 1) Acta Cirurgica Brasileira; 2) Acta Ortopédica Brasileira; 3) Cadernos de Saúde Pública; 4) Jornal Brasileiro de Patologia e Medicina Laboratorial; 5) Jornal Brasileiro de Pneumologia; 6) Jornal de Pediatria; 7) Jornal de Pneumologia; 8) Memórias do Instituto Oswaldo Cruz; 9) Radiologia Brasileira; 10) Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia; 11) Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia; 12) Revista Brasileira de Medicina do Esporte; 13) Revista Brasileira de Otorrinolaringologia; 14) Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil; 15) Revista da Associação Médica Brasileira; 16) Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical; 17) Revista de Psiquiatria Clínica; 18) Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo; 19) São Paulo Medical Journal; e 20) The Brazilian Journal of Infectious Diseases.

I - Ética da pesquisa em seres humanos

Apenas as instruções que exigem aprovação por CEP (i4) e especificação em qualitem da publicação os autores devem fazer referência ao parecer do CEP ou o cumprimento de princípios éticos (i6) são observadas por 50% dos periódicos estudados. Segue-se a instrução que orienta como o CEP deve ser citado no corpo do artigo (i7) encontrada em 35% dos periódicos, e as instruções sobre envio ao editor de cópia do parecer do CEP ou procedimento afim (i9), e referência à Declaração de Helsinque (i1) com ocorrência de 30% cada. Excluindo-se a instrução i10 que exige citação, na publicação, do uso de termo de consentimento livre esclarecido, encontrada em 25% dos periódicos, todas as demais instruções foram observadas com frequência igual ou inferior a 20%, ou em quatro ou menos dos periódicos pesquisados (i14; i19; i20 = 20%; i2; i3; i15; i16; i18 = 15%; i11; i12 = 10%; e i174=5%). Todos os 20 periódicos pesquisados foram omissos quanto à instrução sobre necessidade do CEP ser credenciado na CONEP (i5); bem como, quanto à exigência de indicação do número do parecer do CEP (i8) e quanto a indicação de resoluções do Conselho Federal de Medicina que tratam do uso de prontuários médicos em pesquisa (i13).

II - Integridade científica

Foram incluídas nessa categoria as instruções que procuravam assegurar a eticidade geral do trabalho a ser submetido à publicação, sem referência específica aos aspectos éticos da pesquisa em seres humanos. Conflitos de interesse, questões de autoria, direitos de propriedade intelectual, plágio, fraude, fabricação, falsificação e ética da pesquisa em animais, constituíram o conteúdo das instruções aqui categorizadas. A instrução i24 que exige a explicitação sobre a existência de algum conflito de interesse, foi observada por 55% dos periódicos. Instruções sobre esclarecimentos de quais são esses interesses (i25) esteve presente em 40% dos periódicos. Todavia, a instrução i27 que esclarece que o editor deve investigar se existe conflito de interesse entre algum parecerista (peer-review) e autor(es) da publicação não foi encontrada em 100% dos periódicos estudados. Com frequência de 40%, foi encontrada a instrução sobre citação dos Requisitos Uniformes para Manuscritos Submetidos às Revistas Científicas (RUMSRB) (i21), sendo que a indicação de onde podem ser localizados os RUMSRB (i22) ocorreu em 35% dos periódicos. Com essa mesma frequência (35%) foram encontradas instruções sobre autorização prévia para republicação de figuras, ilustrações e/ou fotos (i31) e esclarecimentos sobre característica e obrigações que definem o que seja um autor(a) de trabalho (i29). Foram observados por 25% dos periódicos: instruções sobre ética da pesquisa em animais (i32); alerta sobre não citação de nomes comerciais ou de marcas de medicamentos (i26); e exigência de que a carta de encaminhamento do trabalho reporte-se aos aspectos éticos da pesquisa (i23). Todavia, em relação ao uso de animais, apenas 20% exige que a pesquisa tenha autorização expressa de comitê de pesquisa (i32). Foi também de 20% o percentual de periódicos que esclarecem sobre o número máximo de autores por publicação (i28). Finalmente, a instrução i30 que esclarece sobre prevenção de fraude, plágio e/ou fabricação de dados esteve ausente em 100% dos periódicos.

III - Política editorial

Aquelas três instruções (i34-i36) incluídas nessa categoria, ao contrário das demais, receberam escore 0 se exigida ou obrigatória. Em relação à i34, 65% dos periódicos revelam que os direitos de propriedade devem ser conferidos ao periódico pelo autor e os 35% restantes nada dizem sobre o assunto. Apenas um periódico (5%), obriga que o autor tenha vinculação com alguma associação ou sociedade (i35); e 20% obrigam a publicação em língua inglesa na versão impressa do periódico (i36).

Pontuação por periódicos

Todos os 20 periódicos obtiveram pontuações abaixo da mediana esperada (=17,5), com limites entre 2 a 17 pontos; mediana de 8,5; e moda de 8,0. Os periódicos com as mais elevadas pontuações (>10 pontos), foram em ordem crescente: Acta Ortopédica Brasileira (=12); Jornal Brasileiro de Patologia e Medicina Laboratorial e Revista Brasileira de Medicina do Esporte (=14); Acta Cirúrgica Brasileira e Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (=16); e Jornal de Pediatria (n=17). Também em ordem crescente, os periódicos com menos de 5 pontos foram: Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo (=2); The Brazilian Journal of Infectious Diseases (=3); e Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (n=4).

Das revistas pesquisadas, só a Revista da Associação Médica Brasileira tem em suas instruções aos autores a Bioética como uma das suas áreas editoriais. Chama a atenção o fato de a revista Radiologia Brasileira instruir aos autores que os trabalhos "originários de instituições estrangeiras, poderão ser publicados em inglês", "na forma em que forem enviados".

DISCUSSÃO

Considerando que os periódicos selecionados para estudo usufruem a mais alta qualificação nos critérios da CAPES, e admitindo que, do ponto de vista da ética em publicação, a amostragem reflete o universo dos periódicos nacionais de maior impacto científico, os resultados observados merecem discussão pelas categorias descritas em resultados deste trabalho.

I - Ética da pesquisa em seres humanos

Não obstante, o Brasil ter implantado, há 12 anos, o sistema CONEP-CEPs1, observa-se notório descompasso entre a consciência ética prevalente nas instituições que desenvolvem suas pesquisa aderidas ao sistema CONEP-CEPs e as revistas nacionais que veiculam publicações científicas. A omissão, em 100% dos periódicos, de instruções sobre exigência do CEP ser credenciado pelo sistema CONEP-CEP torna questionável o parecer aceito pela revista. Além disso, apenas 50% dos periódicos exigem parecer de um CEP. Lamentavelmente, conclui-se que, se apenas metade dos periódicos exigem parecer de um CEP e nenhum deles se preocupa em averiguar a credibilidade desse CEP, existe confiabilidade limitada tanto no papel dos periódicos nacionais em preservar a si próprios, como de serem guardiões da não chancela a possíveis abusos de seres humanos como sujeitos de pesquisas.

II - Integridade científica

Surpreendentemente, nas categorias I e II, a instrução com a maior frequência nos periódicos (55%) foi a que exige a explicação sobre a existência de algum conflito de interesse (i24). A surpresa decorre de dois fatos: primeiro, por não existir no Brasil nenhuma regulamentação, instrução ou resolução que busque proteger a ciência nacional de más práticas científicas10; segundo, por ser totalmente ausente (100%), em todos os periódicos, a preocupação do Editor sobre a existência de conflito de interesse entre parecerista e autores (i27). Considerando que o julgamento moral que condena o conflito de interesse é um só, ele deve prevalecer tanto para supostos interesses econômicos como para competições interpessoai11,12. Na tentativa de encontrar uma explicação, admitimos que a observada preocupação com conflitos de interesse deva resultar de influência de revistas de países tecnicamente desenvolvidos e/ou de pesquisas internacionais multicêntricas, aqui desenvolvidas, tornando a instrução (i27) mais provavelmente decorrente da exigência dos patrocinadores da pesquisa.

Ainda na categoria integridade científica outra contradição foi observada. A boa surpresa ficou por conta de que 40% dos periódicos referem-se aos Requisitos Uniformes para Manuscritos Submetidos a Revistas Científicas4 (i21) e 35% indicam onde esse documento pode ser encontrado (i22). A contradição é que nenhum periódico esclarece sobre prevenção de fraude, plágio e ou fabricação de dados (i30).

III - Política editorial

O destaque nessa categoria prende-se ao fato que 65% dos periódicos esclarecem serem seus os direitos de propriedade. Os demais (35%) nada dizem sobre o assunto. Ainda que essa seja uma política mundial e com legislação específica, o tema está sempre a merecer reflexões; pois, os periódicos dependem do trabalho dos pesquisadores. Além disso, o pesquisador que optar por exercer sua autonomia científica e por preservar seus direitos de propriedade intelectual poderá escolher como e onde divulgar os resultados de sua pesquisa sem o constrangimento da desapropriação. Os periódicos, por outro lado, não têm autonomia própria para ações similares, pois esses são totalmente dependentes dos pesquisadores para sua sobrevivência. Também, se alguns periódicos tornaram-se reconhecidos como de grande impacto e ostensivamente usufruem desse prestígio, quem lhes conferiu tão alta honraria foi, tão somente, a boa qualidade dos trabalhos de pesquisadores que neles publicaram. O viés ético torna-se mais profundo quando a pesquisa, pesquisadores e/ ou periódicos são financiados com recursos públicos de países emergentes.

Nesse mesmo contexto, merece ainda maior reflexão dos pesquisadores brasileiros a "corrida numerofrênica" de publicações imposta pelas agências de fomento, assim como o grande incentivo às publicações em língua inglesa, reduzindo as chances de maior divulgação dos achados científicos de maior interesse nacional ou regional, notadamente sobre os agravos à saúde negligenciados pela indústria farmacêutica.

Finalmente, os editores de revistas científicas ocupam a interface entre a produção do conhecimento científico pelos pesquisadores e a divulgação desses conhecimentos à comunidade científica. Nessa posição, os editores dispõem de eficazes possibilidades de zelar pela boa ciência estabelecendo filtros eficazes contra as más práticas científicas, sejam elas de abuso no uso de seres humanos e de animais ou relacionadas à desonestidade científica. Os bons exemplos de organização de editores a fim de evitar que suas revistas sejam divulgadoras de má ciência12-14 e as mais recentes e graves denúncias15, 16 sobre más influências e interferências na ciência, abrem horizontes de esperança, assim como o são a criação de órgãos governamentais que apuram denúncias de má prática científica, responsabilizando e punindo pesquisadores desonestos13, 17 . No Brasil, esse controle social da ciência ainda inexiste e é muito pouco discutido10, 18.

CONCLUSÃO

No Brasil dispomos apenas de legislação quanto à pesquisa em seres humanos1 e, mais recentemente, a proposta de regulamentação da pesquisa em animais (Projeto de Lei, "Lei Arouca")19; no entanto, espera-se que tanto o governo quanto os editores dos periódicos científicos percebam a extensão de suas responsabilidades com a comunidade em geral no que se refere à produção e divulgação de boa ciência. Além do mais, por conta das iniquidades existentes na América Latina e Caribe, também caberia ao SciELO/Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde promover ações mais diretas com vistas ao cumprimento das exigências estabelecidas nas legislações de cada país e, desse modo, resguardar a ciência, os seres humanos e os animais contra as más práticas científicas.

SUPORTE FINANCEIRO: CNPq

Conflito de interesse: não há

Artigo recebido: 16/09/08

Aceito para publicação: 29/11/08

Trabalho desenvolvido pelo Núcleo de Bioética da Faculdade de Medicina da Bahia (NBio-FMB), Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA

  • 1
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  • 6
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  • 7
    CAPES. Periódicos das áreas de avaliação CAPES: Medicina III. [citado 2007 nov 8]. Disponível em: http://qualis.capes.gov.br/webqualis/ConsultaListaCompletaPeriodicos.faces
  • 8
    CAPES. Periódicos das áreas de avaliação CAPES: Saúde Coletiva. [citado 2007 nov 8]. Disponíve em: http://qualis.capes.gov.br/webqualis/ConsultaListaCompletaPeriodicos.faces
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  • *
    Correspondência: Largo do Terreiro de Jesus – CEP 40025-010 Salvador, Bahia, BA,
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Set 2009
    • Data do Fascículo
      2009

    Histórico

    • Recebido
      16 Set 2008
    • Aceito
      29 Nov 2008
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